domingo, 10 de agosto de 2025

A ONDA É VERMELHA

 

            Karl Marx, iniciou os seus estudos sobre economia política ainda na Alemanha em 1842 quando, como redator da Gazeta Renana, deparou-se com uma situação embaraçosa voltada para “os direitos materiais”, quando a Assembleia Legislativa da Renânia, empenhou-se em aprovar uma lei sobre o “roubo de lenha”, efetuado por camponeses carentes que precisam entrar nos bosques privados para catarem o material e abastecerem as suas cozinhas. Portanto, do ponto de vista teórico, nesse momento, principiou-se a elaboração da crítica da economia política materialista, da apropriação dos bens da natureza para uso privado; no entanto, tudo feito dentro da lei com aprovação do Estado.

            O conceito de “economia política” já vinha sendo utilizado havia muito tempo. No ano de 1615, antes mesmo de todas as revoluções e guerras ocorridas no capitalismo, o francês Antoine de Montchrestien, escreveu o livro: Tratado de economia política; posteriormente outros autores como, Adam Smith, Stuart Mill e David Ricardo, utilizaram os termos com muito mais profundidade; mas é com Marx que a visão crítica pôde se insurgir e revelar as profundas imbricações que existe entre as duas áreas da política e da economia.

            Marx, após revelar o seu despreparo para enfrentar aquela discussão, buscou preparar-se buscando nos Princípios da filosofia do Direito de Hegel as explicações mais contundentes. “Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais...”.[1] Evidentemente as “condições materiais” estão relacionadas com a economia que emergem da propriedade privada.

            A importância atual de compreendermos esse emaranhado de articulações e inversões, de ora a economia pretender ser totalmente privada, ora, o Estado ter de agir para não deixá-la sucumbir ou, ainda, as autoridades superiores precisam intervir e impor taxações ou assegurarem subsídios para que os negócios continuem sendo lucrativos e os empregos sejam mantidos.

            Na atualidade o governo dos Estados Unidos da América retém as atenções universais. Muitas respostas já foram dadas para pergunta, por que isso está acontecendo? Mas duas palavras apenas são suficientes para definirem a situação: falência e decadência. Em outras palavras, isso quer dizer que esse país se tornou tecnicamente incapaz de administrar vantajosamente a sua economia e, precisa impor por meio de leis, um pedido de socorro das outras economias mundiais.

            Em situações comuns, quando isso ocorre, costumam fazer um balanço para localizarem onde estão as causas dessa decadência. No caso de um país imperialista é mais complicado, porque, muitas podem ser as causas, mas, algumas delas despontam para a justificação do estado desesperador com que o governo de lá se obrigue a criar inimizade com todos os demais países do mundo.

            O entendimento primeiro é que o imperialismo não é uma definição de um modelo estático de poder. Ele é dinâmico e, figuradamente se fôssemos compará-lo com um corpo, é aparelhado com muitos braços que, nesse caso, não são membros, direito e esquerdo, mas econômico, político, militar, jurídico, tecnológico, ideológico etc. Desde a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos buscaram na força de trabalho mundial a base de sua sustentação; seja na exploração das riquezas locais, na exportação de tecnologia e bens de consumo ou da especulação financeira, comprando títulos das dívidas públicas ou forçando o pedido de empréstimo, cobrando altas taxas de juros. O controle dos negócios mundiais efetuados por meio do dólar que, além de dinheiro tornou-se também uma mercadoria e, todos os países foram obrigados a formarem as suas reservas com essa referência.

            As bases econômicas criadas pela expansão das corporações, deslocando seu potencial de produção e exploração para os países que oferecem matéria prima e força-de-trabalho de baixo custo, enfraqueceram a indústria Norte americana, mas nunca deixaram de ser acompanhadas e protegidas, por mais de oitocentas bases militares espalhadas pelo mundo. Em casos específicos, o Estado dos estados Unidos, ocupou-se em fazer guerras, sustentadas pela emissão de dólares para além de qualquer limite. Acontece que, quando um bom lutador luta com um péssimo lutador, quem mais aprende e se fortalece é o segundo, enquanto o primeiro, desaprende ou fica como está.

            No decorrer desse último século, alguns países foram se fortalecendo como é o caso da Rússia desde 1917. Depois a China, o Japão, a Correa do Sul, a Índia etc., no entanto, obrigados a negociar em dólar, mantiveram o padrão de acumulação do capital Norte americano. Isso, atualmente ocorre diretamente com os cartões de crédito. No passado para obter um cartão de desses, como: Visa, Mastercard, American Express, Discover e Diners, era muito difícil, pois precisava comprovar uma renda individual significativa; agora ficou fácil e pode ser utilizado no pagamento de qualquer valor. Ocorre que, ao pagar uma conta no restaurante, como acontece com a taxa extra para o garçom, uma quantia cai diretamente na conta da operadora nos Estados Unidos. O descontentamento com o Pix vem da restrição do envio dessa taxa para fora do país.

            Com o fortalecimento das diversas economias, alguns países passaram a fazer negócios com as próprias moedas e, mais recentemente, com a formação dos Brics, a tendência é que surja uma nova referência monetária e o dólar deixará de ter a supremacia, pelo simples fato dos Estados Unidos estar sendo deixado de fora dessa articulação.

            Voltemos ao roubo da lenha. O governo Norte americano ao perceber que os países estão aproveitando de certas vantagens locais para progredirem e satisfazerem as suas necessidades, sem dependerem do dólar, acionou o poder político para, juridicamente, validar a extorsão por meio da elevação das taxas de exportação. Seus interesses se firmam em duas perspectivas: a primeira é fazer com que a mais-valia do trabalho alheio eleve os ganhos do Estado pelo pagamento do imposto, sem elevar os preços dos produtos e, segundo, que as empresas capitalistas estrangeiras se fixem nos Estados Unidos, para gerarem empregos e, de lá exportem produtos para os países, tornando-os ainda mais dependentes. O ideal pretendido é que todos se comportem como a Europa que, além de aceitar a taxa de exportação de 15%, comprometeu-se em não elevar os preços dos produtos exportados, e ainda deverá fazer investimentos de 600 bilhões de dólares no país decadente.

            Por outro lado, há diversos interesses em jogo. A associação das Big Techs com o poder da indústria bélica dos Estados Unidos, visa controlar os avanços tecnológicos e, para isso precisam que os minérios nobres sejam controlados, para que os países concorrentes não os explorem. Por isso as chantagens descabidas, para citar dois exemplos: o da Ucrânia, cuja condição para parar com a guerra,  o país deve ceder para os Estados Unidos gratuitamente as reservas minerais para pagar um suposta dívida de guerra e, no caso brasileiro, com a taxação de 50% sobre os produtos exportados, quer em troca a anistia dos golpistas de 8 de janeiro de 2023, para que voltem ao governo em 2026, mas por trás está o petróleo e as reservas de terras raras recentemente descobertas em Minas Gerais.

            As disputas são profundas e de longo alcance. Quem conseguir melhor se colocar no controle dos minérios raros terá garantida a possibilidade de desenvolver as altas tecnologias e controlar o mundo pela intromissão centralizada em pontos estratégicos, de onde os algoritmos, localizam, identificam e direcionam o tipo de intervenção que deve ser desferida. No passado, no século XVIII, um sistema semelhante foi inventado pelo filósofo Jeremy Benthan, para vigiar os presidiários, chamava-se “panóptico” que, traduzindo, significa “ver sem ser visto”.

            Por outro lado, as contradições são também favoráveis. Elas movem as forças contrárias para formarem unidade de ação. Por isso, é preciso acreditar que a onda incolor pode a qualquer hora tingir-se de vermelho. Embora os sinais ainda não estejam evidenciados, há um movimento de forças que preparam os enfrentamentos abrangentes. Podemos dizer que, num mundo em disputa, vence quem souber se colocar a favor das mudanças revolucionárias.

                                                                                                                      Ademar Bogo



[1] MARX, Karl. Introdução a crítica da economia política. São Paulo: Expressão popular, 2008.

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