domingo, 18 de março de 2018

EM QUE CASTRO ALVES SE INSPIRARIA HOJE?


          No dia 14 de junho último comemoramos 171 anos do nascimento de Castro Alves, quando realizamos uma bela cerimônia na Academia Teixeirense de Letras.
         Castro Alves, segundo Jorge Amado, “teve muitos amores”, mas nenhum deles maior que a liberdade; viveu seu tempo como qualquer tempo de contradições, plenos de direitos e de defeitos.Transformou a realidade social em um verdadeiro recital.
         Cercado de homens cultos, como Rui Barbosa e Tobias Barreto, de onde extraíra também a aguçada visão política, jurídica e literária, como esse ensinamento de Tobias “que é preciso delirar para não enlouquecer”.
A ética da estética, vista no negro deformada e que jamais poderia ser elevada naquela condição, cheirava à revolução, aquela da Inconfidência, grávida de independência e do abolicionismo; defendeu com otimismo, a República, portanto a vida da pátria democrática, na prática.
         É um poeta atual, normal e ao mesmo tempo extraordinário, perspicaz e revolucionário, maduro e seguro da crítica política.Vai do concreto ao abstrato, abstraindo dos fatos a essência sem se perder na aparência. Fala do amor, não como um sofredor, mas como um doador, como diz no poema “Amemos”:

         “Amemos, pois! P´ra ti eu tenho nalma
         Beijos, prantos, sorrisos, cantos, palmas...
         Um abismo de amor...
         Sorriso de uma irmã, prantos maternos
         Beijos de amante. Cânticos eternos
         E as palmas do cantor!”

         Faz versos ao “2 de julho”, com orgulho, ao dizer:
                   “E hoje o dedo de Deus escreve ufano
                   Tremei, tiranos, desta lenda
                   Livres, erguei o colo soberano.”

         A independência feita pelos pobres e lutadores buscou a liberdade de verdade; e complementa-se com a expressividade de, “o povo ao poder” pois, “a praça é do povo, como o céu é do condor, é o antro onde a liberdade, cria águias em seu calor”.

         E então:
         “Irmãos da terra da América,
         Filhos do solo e da cruz,
         Erguei as frontes altivas,
         Bebei torrentes de luz...
         Ai! Soberba populaça
         Rebentos da velha raça
         Dos nossos velhos Catões,
         Lançai um protesto, é povo,
         Protesto que o mundo novo
         Manda aos tronos e às nações”.

         Se invertêssemos os momentos, teríamos nos versos, os rebentos, de nossa sociedade maltratada; das riquezas naturais sendo saqueadas e da dívida pública impagável; um país de governos irresponsáveis e políticos corruptos sem vergonha, que mancham “do berço esplêndido” o lençol, o cobertor e a própria fronha, e gozam com fluência, da paciência das massas miseráveis.

Quem são os escravizados do presente? São negros, índios, brancos explorados e indigentes; jovens e adolescentes, assassinados nas periferias; professores, empregadas domésticas e trabalhadores que a reforma trabalhista lhes tirara muitas garantias.

         Se Castro Alves fosse reescrever parte do “Navio Negreiro”, assim diria o poeta condoreiro na parte V do poema, da qual tomamos como tema, e emprestamos o nosso olhar humilde e embaçado, ao poeta dos escravizados:

         Senhor Deus dos desgraçados
         Que do índio se esqueceu
         Não é loucura, é verdade
         Que sua terra perdeu?
Óh, Estado porque não pagas
Esta dívida tão amarga
Que é um crime nesta nação.
Por que a branca propriedade
Goza de seguridade
Mas a do nativo não?

Quem são esses desgraçados
Negros em sua maioria
Rejeitados nos empregos
Mortos nas periferias?
Quantos estão nas escolas
Tendo as cotas como esmolas
Para fingir igualdade?
Por que este triste tormento
De só, 26 por cento
Compor a universidade?          

São os filhos do deserto
Sufocados na agonia
Que num amplo campo aberto
         São mortos todos os dias.
São jovens desempregados
Sem escola e sem cuidados
Sem a mínima atenção;
É a pátria exterminada
Na sua infância espezinhada
“Sem, luz, sem lar, sem razão”.

São mulheres desgraçadas
Que tudo sofrem também
São seis milhões de empregadas
Nas faxinas por vinténs
Carregam os filhos nos braços
E andam de pés descalços
Sem creche e escola infantil
Enquanto a corrupção
Consome cada tostão
Do orçamento do Brasil.


Lá nas areias infinitas
E nas águas do país
Muitas reservas bonitas
Saqueadas com mãos tão vis
É o capital estrangeiro
Tirando dos brasileiros
O direito ao sucesso;
Adeus ó soberania!
Adeus qualquer melhoria
Fica a “ordem e o progresso”

Depois do areal extenso
Forjado na vida adulta
Vem o sentimento imenso
Com tudo o que dificulta.
É a insegurança infinda
Que a velhice trás ainda
Desconfiança tardia;
Que a reforma da imprudência
Feita sobre a Previdência
Rouba a aposentadoria.

“Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me o senhor deus
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?
Que a inconfidência mineira
Volte a ser tão verdadeira
Como organização
Que o povo igual tempestade
Tome as praças e as cidades
E faça a sua revolução!


HOMENAGEM À ACADEMIA TEIXEIRENSE DE LETRAS E AO
PATRONO AO QUAL REPRESENTO.
        
Da relação direta entre Castro Alves e a Academia Teixeirense de Letras, na qual o seu nome é honrado. Eu, como filósofo e escritor, não poderia deixar de estabelecer a comparação desta, com a Academia de Platão, criada em 387 a. C e fechada pelo imperador Justiniano em 529, já na nossa era, pois, como o governante atual, proibira o ensino de Filosofia. Na esperança de que um dia tenhamos a nossa sede imortalizada, teço aqui as características aproximadas.
Construída no sítio de Akademus, um herói que também legara o seu nome; a escola tinha a sua localização nos arredores de Atenas como local de culto às deusas de Apolo. O local fora escolhido porque ali existia um bosque de oliveiras plantadas em homenagem a ATENA, a deusa da sabedoria e a outros imortais. Sabe-se que apesar de Atenas ser uma sociedade escravista e machista, duas mulheres fizeram parte daquela Academia: ASIOTEIA DE FILOS e LASTÊNIA DE MANTINEIA, portanto, como a nossa, em que as mulheres se fazem presente com finíssima elaboração e, tal qual como lá, formamos uma verdadeira comunidade acadêmica.
A única recomendação para integrar-se a Academia de Platão, era saber matemática; aqui precisamos saber e honrar as letras e não apenas sabê-las, mas combiná-las por meio das palavras e dos versos, transformando-as em literatura.
Na entrada da Academia havia um altar dedicado a EROS o deus do Amor. Nos fundos, seguiam-se caminhos pelo parque, com estátuas em frente aos túmulos e, ao lado de cada um, uma árvore frondosa como forma simbólica da presença e da vida prolongada. No ritual de sepultamento, lia-se o Atestado de Óbito que iniciava sempre pela pergunta: “Ele viveu com amor?”.
Quando ainda havia certo senso de justiça e se distribuía a terra neste país, nas áreas conquistadas pelos descentes de índios, negros e brancos explorados, além de escolas, construímos cemitérios onde foram e são enterrados os corpos dos sábios e dos heróis. Da Academia platônica que compreendia toda a área do sítio como escola, copiamos este ritual de enterrar os mortos e, para cada um, plantamos uma árvore como sinal da imortalidade.
         Daí vem a referência rememorada do patrono do acadêmico da cadeira 38, Joaquim de Jesus Ribeiro. Um lutador que morreu 40 dias depois de sua esposa Laura, que, tristonho e amargurado, foi se esquecendo de viver, até que um dia deixou também de respirar. No Atestado de Óbito oficial constava: “parada cardíaca”.
         Todos sabíamos que lhe havia parado o coração de bater e, por isso, veio a morrer. Não era esta a causa do fim daquela bela vida. A ausência da esposa o havia debilitado e por isso veio a falecer. Portanto, a causa não era de dor, mas de amor. E, ali mesmo no momento de ser sepultado redigimos o seu atestado.

JOAQUIM MORREU DE AMOR
Joaquim morre de amor
Por caso sentiu dor?
Para onde queria ir
Não poderia sentir.
A paixão dentro do peito
Era mais do que respeito
Era um jeito tão perfeito
De dizer o seu amor.
Não queria a despedida
Por isso abreviou a vida
E agora se vai também
A procura do seu bem
Que está lá em uma nuvem,
Está bem, está bem...
Renascerá nesta planta
Ressurgirá numa flor,
E todos nós saberemos
Que Joaquim, morreu de amor.

Muito obrigado!

Ademar Bogo
                           
Academia Teixeirense de Letras
                  
Teixeira de Freitas 14 de Março de 2018