domingo, 28 de janeiro de 2024

COMBATER O LEGALISMO E O ESPONTANEÍSMO


            Há duas ilusões mortais quando se trata da prática política: o legalismo institucional e o espontaneísmo ingênuo que leva aos ensaios de reações ao nível das reivindicações pontuais pautadas pelas necessidades econômicas. O filósofo Georg Lukács ao escrever as suas “Observações metodológicas sobre a questão da organização”, quis esclarecer, o porquê de certos comportamentos das organizações dos trabalhadores nos momentos de crise do capitalismo, e não encontrou senão as limitações e as deficiências do proletariado, conformadas com os “sistemas das leis”.

            Nesse emaranhado de contradições os procedimentos continuam seguindo a dinâmica da economia capitalista e acabam por repetir ações espontâneas de massa, sem qualquer efeito superador da longa situação pré-revolucionária, que mal se sabe porque se luta, ficando  os esforços empregados no nível da defesa, segundo cada ação desencadeada com objetivo apenas econômico.

            Segundo Lukács, “A espontaneidade de um movimento é apenas a expressão subjetiva, no âmbito da psicologia das massas, da sua determinação pelas leis econômicas”.[1] O Pior disso tudo, é que, a própria natureza dessas reações tem um ciclo de sobrevivência que se esvazia como acontece com o gás hélio do balão que, após fazê-lo subir, vai se enfraquecendo pelo fim do gás responsável pela combustão, então ele cai e, as condições desfavoráveis torna quase impossível voltar a fazê-lo subir.

            Temos, portanto, os dois polos explicitadores da decadência política de forças organizadas quando, por algum tempo parecem ter encontrado o ponto da reação contra as demandas impostas pela conjuntura ou por alguma ameaça destrutiva dos direitos adquiridos, mas não evoluem no que diz respeito à imposição de derrotas à classe dominante. Os dirigentes adeptos do método espontâneo de propor ações repetidas a cada início de ano, raramente se dão conta de que as táticas utilizadas para atingir os objetivos limitados, vão perdendo a qauldiade e a força.

            Por outro lado, o enfraquecimento dos movimentos espontâneos e dos próprios partidos políticos aliados, se derrotam na medida em que as diretrizes para orientar as diversas ações ficam previstas ou impedidas pelas leis. A grande derrota das forças que usam métodos espontâneos, ou seja, mobilizam-se para reivindicar apenas, é confiar que os políticos aliados usarão o Estado e a governabilidade a seu favor e, os governantes ao desfilarem o assistencialismo público, orgulham-se por darem o peixe sem ensinarem os famintos a pescar ou responsabilizá-los a criar o próprio peixe.

            No Brasil vivemos este enfraquecimento da energia desse “balão de ensaio”, feito pelas forças de esquerda para ajudar os pobres a não desrespeitar nem invadir o espaço das forças da direita. Desse modo, o balão amarrado com uma corda a um poste sobe uma pequena altura, e quando acaba o gás, cai em cima daqueles que, ao invés de cortarem a corda para fazê-lo ganhar as alturas, apenas batem palmas e gritam euforicamente para as autoridades  que os iludem.

            Esses ciclos de reações comedidas podem durar tempo. Há movimentos que envelhecem e, aparentemente continuam a torcer pelos bons resultados e a encenar reações sem muitos resultados. As vezes mudam as exigências e, os governantes aliados, naquilo que não lhe é controverso, nem haverá cobrança das forças opostas, liberam recursos para algumas incursões pouco ofensivas. Mas, a luta de classes, mais consequente e combativa para empurrar as forças opostas para trás, não se desenvolve.

            Se por um lado, o espontaneísmo pela sua inconsistência de método e, acima de tudo, pela incapacidade intelectual de formular teoricamente novas diretrizes para, nem que seja “acumular forças” e, por outro lado, o legalismo institucional contribuindo para esgotar o próprio espontaneísmo, na medida que, não desafia essas forças a lutarem com maior radicalidade e vigor, ou pior ainda, no caso do movimento de massas, coopta as consciências dos mais pobres com políticas públicas, impõem como resultado esvaziamento do potencial para a renovação das massas para o próprio movimento espontânea. O dado de que atualmente mais de 21milhões de famílias (quase 100 milhões de pessoas) recebem recursos do Programa Bolsa Família, é importante toma-lo para analisar por que em um país com esse grau acentuado de pessoas que passam fome, não há movimento popular atuante e, os movimentos mais antigos do campo e da cidade não conseguem renovar as suas bases?

            A conclusão pode ser rasa, mas não há dúvidas de que a aliança voluntariosa estabelecida entre o legalismo institucional e o espontaneísmo ingênuo dos poucos movimentos populares, sem programa consequente ainda em ação, são as duas causas pelo arrefecimento das lutas e da paralização da capacidade de crítica.

            O espontaneísmo não se combate com os desvios das reivindicações das circunstâncias atuais para direcionar os esforços a algo que está em moda que é o combate ao aquecimento global. A consequência das ações está na avaliação do mal que elas causam à classe dominante e não naquilo que apenas a beneficia.

            Mais do que nunca é preciso combinar as ações que, atraiam por meio das lutas espontâneas as massas que ainda não lutam, e elaborar e empreender a estratégia da ofensiva ativa, em vista de atacar as forças dominantes, impondo-lhes significativas derrotas para que o poder não seja uma utopia distante, mas um exercício de confronto e de vitória contra a hegemonia dominante.

                                                                       Ademar Bogo



[1] LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 542.

domingo, 14 de janeiro de 2024

DECIDIR-SE PELA OFENSIVA


            Ninguém melhor que o revolucionário Mao Tse-Tung, explicitou o que significam as categorias “defensiva” e “ofensiva”. Para ele, a “defesa passiva” caracterizava-se como uma pseudodefesa. “Só a defesa ativa constitui uma verdadeira defesa, defesa com o fim de contra-atacar e passar à ofensiva”.[1]

            As duras críticas à concepção da “defensiva passiva”, elaboradas por Mao em 1936, na segunda fase da luta revolucionária chinesa, iniciada em 1924, levaram o Partido Comunista Chinês a ter de redefinir as táticas, principalmente porque a iminência da invasão japonesa, ocorrida em 1937 e logo em seguida, ter iniciado a Segunda Guerra Mundial (1939), era preciso partir para a ofensiva para sair da situação inofensiva do Exército Vermelho.

            Não vem ao caso discutir o longo texto: “Problemas estratégicos da guerra revolucionária na China”, exposto em cinco capítulos, interessa-nos aqui, tomar como referência as categorias postas como parâmetros, para que possamos observar a nossa situação histórica e combater alguns mitos produzidos pelo próprio comodismo das lideranças atuais.

            Há um consenso em todas as análises de conjuntura de que o capitalismo está em crise e que a classe trabalhadora e as massas populares estão paralisadas, caracterizando este processo como “refluxo”, termo mal-empregado para justificar o imobilismo das lutas.

            A falta de elaboração teórica sobre as concepções e posicionamento das forças leva ao comprometimento das poucas iniciativas de enfrentamento, isto porque, a única tática visível e abraçada por todas as forças, refere-se às disputas eleitorais. Não desprezemos tal esforço, imaginando que essa iniciativa não possa ser um dos pontos de enfrentamentos, mas, tomemos o processo eleitoral como referência de negação dos próprios argumentos expostos pela teoria do “refluxo”.

            O conteúdo da categoria da “defesa passiva”, exposto por Mao Tse-tung, revela que essa concepção direitista, se deve ao amedrontamento dos dirigentes diante do adversário, como se ele fosse um tigre exterminador; por isso, a única saída vista por eles, era defenderem-se, despistando-o sem atraí-lo para cercá-lo e aniquilá-lo.

            É esse amedrontamento que vem sendo usado para manter o pacifismo legalista, em toda a América Latina, em torno da ideia de que o “inimigo pode voltar”, por isso, segundo essa visão,  é preciso fortalecer as trancas dos palácios pois eles representam as moradas seguras para a sobrevivência das forças de esquerda. O “pacifismo defensivo”, instalou-se como uma enfermidade pandêmica nas consciências das lideranças partidárias em todo o continente. Trancadas no interior dessa tática, as massas são liberadas a saírem, cuidadosamente, apenas para os comícios e os festejos religiosos. Na maior parte do tempo ficam jogas à própria sorte ou alimentadas com as migalhas das políticas públicas.

            A crença de que ao derrotar o inimigo pelo voto e ter entregado a chave da governabilidade a uma pessoa de confiança dos setores progressistas pode-se respirar aliviados porque, por um tempo o “tigre” ficará distante e poderá inclusive ser perseguido por algum franco atirador do poder judiciário. Mal querem saber se esse agente irá atirar com munição de borracha para apenas afastar por algum tempo a fera faminta, das redondezas do poder, sem evitar que ela logo apareça ainda com maior simpatia.

            É importante refletir sobre essa posição, porque, se a tática da “defensiva passiva” faz bem aos setores mais abastados, principalmente porque ela ajuda a manter a ordem, significa que as organizações e os movimentos empenhados nessa implementação, colocam-se a serviço da classe dominante, enquanto esta dedica-se a engordar o tigre para que ele volte com saúde e vigor.

            Por que não há “refluxo” nas manifestações religiosas, nas festas carnavalescas, paradas de protestos temáticos, eventos musicais e, nas campanhas eleitorais? Evidentemente se pode apresentar muitas justificativas, principalmente se elas forem comparadas com as lutas. No entanto, não faz mal nenhum lembrar que são as relações materiais de sobrevivência que primeiramente movem as pessoas; se assim não entendermos deveremos passar a defender que, para a subsistência, cada indivíduo deve lutar por si mesmo, mas nos aspectos religiosos, festivos e comemorativos e eleitorais buscaremos as coletividades.

            O inverso a esse posicionamento pacifista ocorrerá se a categoria da “ofensiva” passar a permear o debate, as elaborações e as ações das massas populares. Aqui, poderíamos retomar todos os bordões postos como expressões teóricas, como este de Lenin escrito em seu livro “Que fazer?” de 1902, dando conta que: “Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Como também, podemos deduzir e fazer surgir outras, como: “Sem organização revolucionária não há lutas revolucionárias”; ou “Sem métodos revolucionários, não há práticas revolucionárias”; ou ainda, “Sem lideranças revolucionárias não há ações nem eventos revolucionários”.

            Sem cair no desvio do vanguardismo, devemos considerar que as ofensivas substituem o pacifismo quando as pessoas conscientes tomam a frente e apontam o caminho dos enfrentamentos. Quem eram e o que fizeram as duas dezenas de bolcheviques russos na cisão do partido no Congresso de 1903? E a iniciativa cubana? Com uma dezena de guerrilheiros deram o impulso para a grande revolução vitoriosa de 1 de janeiro de 1959. E na atualidade,  na Palestina com o Hamas? Estimam que possui cerca de 20 mil militantes, uma insignificância perante o poderio militar de Israel, Estados Unidos da América e Europa que os ataca.

            Diante disso, a nossa posição é de que não devemos copiar formas de lutas nem do passado e nem do presente; cada povo tem a liberdade de criar os meios e tomar as iniciativas mais acertadas para enfrentar os seus inimigos. No entanto, a prática de outros povos alerta e, principalmente, ensina a considerar que a “defensiva passiva” não é o caminho mais correto, quando os inimigos, temporariamente perdem apenas os cargos e não o poder.

            Podemos concluir que, se há “refluxo” não é poque as massas não querem lutar, mas, certamente porque não sabem contra quem devem lutar! A lenda do biombo da democracia representativa que protege do tigre faminto os defensores da “defensiva passiva”, é a maior mentira contada pela direita para a esquerda. Na hora que ele for derrubado, atrás estarão os teóricos e intelectuais brancos; os políticos obedientes e os setores que conseguem pagar pelos direitos que os pobres reivindicam sem sucesso da Constituição.

            Sem ofensiva contra o capital e o Estado, não há política revolucionária, é importante decidir-se logo antes que o tigre volte atacar as urnas.

                                                                                                     Ademar Bogo



[1] Mao Tse-tung. A defensiva estratégica. T.1. Pequim: Edições do Povo, 1975.

domingo, 7 de janeiro de 2024

O INTERNACIONALISMO REVOLUCIONÁRIO


            Apesar de todas as constatações das crises e decadências do capitalismo, o tempo em que vivemos não faz das contradições substância inflamável para ferver o sentido beligerante e revolucionário das táticas de luta.

            A pior enfermidade das forças de esquerda, e talvez incurável para essas gerações treinadas a reivindicar direitos dos patrões e do Estado, é repetir os mesmos argumentos sobre as táticas assimiláveis pela classe dominante. Insistir em disputar com as forças mantenedoras do “Estado de Direito”, a mesma ordem estabelecida, confirma a vocação reformista para o ingresso na institucionalidade pura e simples, como se esta fosse a única opção restada.

            Nesse aspecto podemos ilustrar a tentativa de relação oposta com um pensamento político e filosófico de Lenin, expresso em 1905, no artigo escrito por ele com o nome, “A revolução ensina”. “... Não podemos dar-nos por satisfeitos com ver as nossas palavras de ordem táticas correrem atrás dos acontecimentos, adaptando-se a eles depois de ocorridos. Devemos aspirar as diretrizes que nos façam avançar, nos iluminem o caminho, nos elevem acima das circunstanciais tarefas imediatas”.[1]

            Se não podemos estar satisfeitos com as crendices institucionalizadas, as quais, em nome das políticas públicas imediatas prendem e freiam todos os tipos de pressão contra o governo, cujas posições verbalizadas o reconhecem como “nosso”, devemos pelo menos sermos tolerantes, pois, de fato, certas circunstâncias são o que são, não se pode inventá-las; no entanto, o mesmo não ocorre com as forças acomodadas que não abrem mão das táticas adotadas, buscando, “exprimidamente”, passarem pelas frestas dos consensos nacionais e internacionais, alçando-se como pregadores do consenso vantajoso.

            Dirão os mais aguerridos mantenedores da ordem que, “embora o governo seja nosso, ele deve distanciar as suas posições das do partido”. Logo, em nome das relações internacionais conciliadoras tolera-se o genocídio em Gaza sem nenhuma menção à culpabilidade de Israel. De fato, quem tem embaixadas não são os partidos e, por ser política de Estado é preciso antes de tudo “zelar pela diplomacia”. Diante disso devemos alertar os intolerantes que engessam as táticas como se fossem dogmas que, se o candidato à presidência é do partido e se o governo composto com nosso apoio “é nosso”, tendo este de administrar e zelar pelo Estado, que faz, apesar de desenvolver as sagradas políticas públicas, senão colocar-se ao lado e a favor do Estado capitalista? Com tais agarramentos estruturais, não há, como disse Lenin, fazer com que as palavras de ordem não fiquem atrás dos acontecimentos.

            Os paradoxos conjunturais expostos são, decididamente provocantes, pois, enquanto em um ponto do mundo um agrupamento luta subterraneamente contra o imperialismo, em outros lugares preza-se pelas táticas pacíficas, pois, a ilusão com a democracia representativa é tão real que dizer ser ela apenas parte do teatro comandado pelos capitalistas, representa uma grave ofensa.

            A aparência democrática de que nos governos pacifistas “todos ganham”, é a demonstração do real do reconhecimento do domínio do capital imperialista sobre a exploração das nações subservientes. Se ninguém perde, não há como fazer equiparações, porque a análise de imediato elimina qualquer contradição. Se queremos provar o contrário devemos perguntar aos sem-terra, em que estágio estão as desapropriações? O mesmo ocorre com os povos originários que dia a dia vão vendo os seus territórios serem estreitados. Por justiça, o movimento que ficou por 580 dias acampado nas proximidades na sede da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná, repetindo, as mesmas palavras de ordem, ao começar o dia com: “Bom dia presidente!” e, à noite: “Boa noite presidente!”, deveria receber em troca, para cada dia acampado, um área desapropriada para fins da realização da reforma agrária. No entanto, ocorre justamente o contrário. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – IMPE – revelou que no ano de 2023, o desmatamento no Cerrado nordestino, o segundo maior bioma do Brasil, cresceu 43%, sendo dados só do primeiro ano do governo Lula. Isso revela o avanço do agronegócio, financiado pelo mesmo governo que mantém paralisadas as desapropriações de latifúndios.

            Por essas razões todas e, por falta de aspirações diferenciadas é que muitos analistas e dirigentes defende o “refluxo” das forças sociais e a impossibilidade de recriar as palavras de ordem para ultrapassar esse período prolongado de passividade revolucionária. Lembremos que, após a morte de Ernesto Che Guevara, em 9 de outubro de 1967, a tática de guerrilhas passou a ser questionada e descartada juntamente com a luta armada desenvolvida pelos grupos rebelados contra as ditaduras militares. Posteriormente, pelo avanço das tecnologias, melhoramento da espionagem e qualificação das forças de repressão, os argumentos voltaram-se contra qualquer tipo de tentativa de insurreição. A maior lição de que o imperialismo é frágil e todas as tecnologias bélicas falham diante da capacidade criativa, é dada agora pelo HAMAS em defesa da criação do Estado palestino e, embora, resista há meses, em termos de reconhecimento, por parte das forças políticas e partidárias da preciosa inovação das táticas de enfrentamento é zero ou ainda pior quando repetem as palavras da grande mídia, taxando aqueles lutadores de “terroristas”.

            Se “A revolução ensina”, como disse Lenin, não precisa que ela ocorra debaixo dos seus pés, importa reconhecê-la como fundamental em qualquer parte do mundo; foi o que sempre nos ensinaram os criadores do princípio do “Internacionalismo proletário”. Lembremos que a derrota dos Estados Unidos da América no Vietnã no século passado, deveu-se à capacidade inovadora das táticas de guerra do povo vietnamita, mas também da pressão e protestos espalhados pelo mundo.

            Que o ano de 2024 nos inspire a criar novas palavras de ordem, para que elas se antecipem aos fatos e nos ajudem a formular novas táticas de lutas locais e internacionais. A derrota do imperialismo dar-se-á quando conseguirmos unir as lutas de todos os povos do mundo contra os mesmos inimigos da humanidade.

                                                                       Ademar Bogo



[1] LENIN. V.i. Partido revolucionário de novo tipo. A importância mundial do bolchevismo. Lisboa: Edições Avante, 1975.p. 110