domingo, 26 de setembro de 2021

RECRIADOR DE HUMANOS

 

            Há pelo menos duas formas de se fazer humano, a primeira é pelo nascimento; despontamos como obra da natureza e, a segunda, pelo conhecimento nos tornamos sabedores da memória coletiva e criadores das nossas próprias ideias e invenções. Da primeira forma, nada podemos fazer, a não ser esperar pelo acontecimento do nascimento. Da segunda, muito se pode falar, escrever e contar.

            Paulo Freire é um grande educador. Esta afirmação adjetivada diria tudo e bastaria para que os seus detratores se calassem e refletissem toda vez que ouvissem algum elogio incontestável a seu favor. Mas eles sabem somente colocar Deus, a pátria e a família “acima de tudo” e não aprenderam os bons modos do respeito e do cuidado de não pronunciarem o nome de ninguém em vão.

            Detratores são como os abutres rogadores de praga para que a rês ainda viva e com saúde morra. No caso de Paulo Freire, rogam para que seus feitos, exemplos e conquistas, gozadores de impressionante respeito mundial, desapareçam por um simples grasnar com os bicos fedorentos. Deveriam respeitar este senhor formulador de verdades, pois, pelo menos aprenderam a dizer, mesmo que façam o contrário a explicitação evangélica de que: “Conhecereis a verdade e a verdade voz libertará”(Jo 8,32).

            Quando Josué de Castro publicou o seu livro “Geografia da fome”, em 1946, Paulo Freire atuava como professor de Língua Portuguesa no Colégio Osvaldo Cruz e lecionava Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco. Mas o que têm a ver a fome com a educação? Tudo. Principalmente porque as duas mexem com a sensibilidade humana. Saciada a fome, as Belas Artes não formam apenas profissionais, mas reinventam a própria espécie humana.

            Há muita ignorância nas mentes de rapinas e preconceituosas, incapazes de perceberem quando a humanidade, pela genialidade de seus representantes mais destacados, dá um salto adiante. Sócrates, o filósofo grego, em 400 anos antes de Cristo inventou a “maiêutica”, um método de aprendizado facilitado pelo diálogo cotidiano. Arquimedes, 200 anos antes de nossa era, inventou a alavanca e criou a expressão: “Dê-me um ponto de apoio que moverei a terra”. Sigmund Freud, já no século passado, descobriu o método da “Livre associação” e encontrou o jeito de entrar no inconsciente humano por meio da fala e da escuta. Paulo Freire formulou o “método de alfabetização de adultos” e, como Arquimedes poderia ter dito: “Dê-me um adulto analfabeto que eu, com 40 horas de aula o tornarei capaz de ler mundo e escrever sobre ele”. 

Tantos outros gênios e inventores poderíamos destacar, como, Copérnico, René Descartes, Charles Darwin, Isaac Newton, Albert Einstein, Karl Marx, etc., mas não é este o nosso objetivo. Voltemos a Josué de Castro, para que os possuídos pela incompetência governativa e inculta aprendam que há diferentes tipos de geografia, a ele interessou a “Geografia da fome” e, a Paulo Freire, o analfabetismo social. O nordeste do país naquele tempo da década de 1940 era povoado por 15 milhões de pessoas e, além da fome, a metade da população não sabia ler e escrever. Diante de tamanho peso a ser movido, poderia Paulo Freire ter-se tornado um beato como o fizera 50 anos antes dele, Antonio Conselheiro, e lançar mão das pregações religiosas. Poderia ter seguido o exemplo de Lampião, morto a menos de 10 anos de sua formatura universitária e ter dado continuidade ao cangaço, lançando mão das armas de fogo como mediação para a libertação. Não. Como Arquimedes buscou um ponto de apoio para colocar a alavanca, e encontrou a educação.

 Como vemos, havia outras alternativas. Só no parágrafo anterior vimos três possibilidades e as três incomodaram tanto que, os agentes das duas primeiras iniciativas eleitas para enfrentar a pobreza, foram decapitados e suas cabeças levadas como prova da vitória da opressão contra a liberdade. Paulo Freire, embora queiram hoje decapitá-lo, ganhou a oportunidade de, miseravelmente, acompanhado da família, deixar o país em 1964.

A periculosidade de Paulo Freire, se quiserem em palavras religiosas os seus detratores, foi ter arriscado, como fizera Ezequiel, de ir até o “vale dos ossos” e lá ter ouvido a ordem: “Profetize a esses ossos e diga-lhes: Ossos secos ouçam a palavra... farei um espírito entrar em vocês e vocês terão vida. Porei tendões em vocês e farei aparecer carne sobre vocês e os cobrirei de pele; porei um espírito em vocês e vocês terão vida...” (Ez, 37,4-6). E os ossos acreditaram.  

A arte da recriação humana, somente pode vir de quem acredita nas possibilidades impossíveis. A morte pela fome, descrita por Josué de Castro, naquelas circunstâncias, servia para motivar a vida. Não era e não é o silêncio dos mortos que abalava e abala a já desestabilizada ordem dos donos do poder, mas a reação dos decaídos. Paulo Freire soube sintetizar essa relação na “Pedagogia do oprimido”: “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. Aqueles “ossos humanos” poderiam ter vida se fossem recriadas neles, a carne, as palavras e as ideias. E assim foi feito, os maltrapilhos levantaram-se e fizeram das próprias consciências bandeiras vermelhas que afugentaram o coronelismo, fecharam os currais eleitorais e apagaram a ignorância de repetir que “tudo é vontade de Deus”. E, se a forme ronda a região, o país e o mundo, é porque ainda faltam algumas palavras serem encarnadas, assimiladas, expressas e praticadas.

Por ocasião da comemoração dos cem anos de vida de Paulo Freire, ecoa pela consciência do mundo, o vigor da mensagem de que: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho”. Este legado ficou para nos orientar que a libertação somente pode ocorrer junto com a recriação que fazemos de nós mesmos. A cooperação é o segredo de nos tornarmos cada vez mais humanos. São as “palavras geradoras” que ensinam a ler o mundo e a perceber a exploração e a humilhação. Paulo Freire incomoda os arrogantes porque soube mergulhar fundo no abismo da miséria e retornar de lá com os braços carregados de pessoas confiantes e capazes de conduzirem o próprio destino.

Hoje o adulto alfabetizado pelo método Paulo Freire, sabe que a palavra “genocídio” é crime e por traz dela se esconde o “genocida” que precisa ser preso, julgado e condenado para se fazer justiça. A palavra “direitos” escreve-se no plural, porque eles estão interligados e, garanti-los não é um favor que se paga com votos.

Paulo Freire tornou-se imortal por ensinar a recriar o ser humano, com palavras geradoras de transformação: comida, tijolo, direitos, justiça, cooperação, insurreição. Há muitos alfabetizados que sabem escrevê-las, mas não sabem defendê-las e exercê-las. Há muitos que precisam apreendê-las, soletrá-las, praticá-las e escrevê-las,o que falta é a organização.

Não é o Paulo Freire que os poderosos tomem, mas a força das palavras geradoras. Elas têm o poder de encarnar os ossos, cobri-los de pele saudável e encher os corpos de consciência e de revolta. Ele mostrou que a alavanca da libertação tem seu apoio na educação e, o apoio da alavanca da dominação é a ignorância. No final, ganha quem for mais inteligente e, organizadamente, colocar mais força.

                                                                       Ademar Bogo

domingo, 19 de setembro de 2021

O ANTICRISTO

        O filósofo Friedrich Nietzsche escreveu em 1888 um texto para tecer criticas ao cristianismo, denominando-o de “O anticristo”. Assim descreveu ele no capitulo XXXVII “...Com toda a difusão do cristianismo entre as massas mais vastas e incultas, até mesmo incapazes de compreender os princípios dos quais nasceu, surgiu a necessidade de torná-lo mais vulgar e bárbaro – absorveu os ensinamentos e rituais de todos cultos subterrâneos do imperium Romanum e as absurdidades engendradas por todo tipo de raciocínio doentio. Era o destino do cristianismo, que sua fé se tornasse tão doentia, baixa e vulgar quanto as necessidades doentias, baixas e vulgares que devia satisfazer.”

            Se por um lado não podemos dar total razão a Nietzsche, tendo em vista que podemos encontrar no desenvolvimento do cristianismo momentos decisivos, nos quais o imperativo moral e o pensamento crítico religioso fizeram frente à repressão, prisão e morte de militantes políticos e sociais, defensores de causas revolucionárias; por outro lado não podemos tirar do filósofo a razão do teor de sua revolta. Aliás, Freud, em 1907, pouco tempo depois da morte de Nietzsche, acentuou que: “...podemos atrever-nos a considerar a neurose obsessiva com o correlato patológico da formação de uma religião, descrevendo a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal”.

            Outros autores, como Walter Benjamin, foram ainda mais precisos e identificaram o capitalismo como sendo uma verdadeira religião. Considerando que “O capitalismo é uma religião puramente de culto, desprovida de dogma”, ele torna-se próprio uma neurose obsessiva. Além do fanatismo mercantilista o capitalismo  criou as seitas neo-pentecostais e as espalhou para as Américas, chegando ao Brasil, a partir de 1970, ungidas com o nome de “igreja”: Universal do Reino de Deus; Internacional da Graça de Deus; Renascer em Cristo; Mundial do Poder de Deus.

            Para valorizar a onipotência dos pensamentos criados pela neurose obsessiva e fazê-los tornarem-se hostis ao mundo exterior, é importante canalizar tais anseios para as disputas políticas, inicialmente demarcadas pelas posições dos bons contra o maus. Para estruturar mais diretamente a luta pelo poder, neste século com a decadência estrutural do capitalismo novas forças ascenderam socialmente. Seguindo os instintos não dogmáticos, retomaram os princípios do Integralismo, surgido na Europa logo após a Primeira Guerra Mundial, com um fanático programa, constando “Deus, pátria e família”.

            Para que tal programa se enraizasse era preciso que a neurose se universalize disseminada pelos canais de acesso dos seguidores adestrados. Nesse sentido, o fenômeno dos cultos religiosos foi potencializado pelo acesso generalizado à internet, pois, permite a realização das pregações e a alimentação do ódio de maneira constante.

            Deus, colocado “acima de todos”, para o integralismo, tem por objetivo não apenas expressar a unidade de culto, como também induzir à unidade política em torno das ideias e do poder do líder, visto como um salvador e sustentador da neurose obsessiva, como sendo a ideia de cada um. Por outro lado, a pátria desperta os instintos corporativos mais brutais, que somente podem ser reproduzidos por meio de atos de violência e ataques constantes desferidos ou reservados para as forças armadas, policiais e facções armadas. A simbologia do apego às cores, ancora-se no sentimento religioso da proteção sagrada do manto que envolve e protege o sujeito da neurose. E, por fim, não pode faltar o aspecto sustentador do narcisismo individual para quem é destinada todas as bênçãos e benefícios vindouros que é a família, embora toda despedaçada, vilipendiada pelos maus exemplos, como e o caso do “comandante em chefe” , mas que compensa com a proteção ferrenha dos filhos contra qualquer tipo de castigo.

            A transferência do poder divino como ocorria com o moderno soberano, induz ao entendimento de que a diversidade atrapalha. Os poderes fora do trono são incômodos e a sua anulação é uma necessidade obrigatória. Os juízos superiores servem como orientações para as atitudes individuais, isto porque, o sujeito tomado pela obsessão de natureza religiosa, não apenas pratica atos obsessivos como também coloca-se em permanente estado de culto.

            A ligação entre o cerimonial das seitas com os atos de natureza integralistas seguem a mesma ordem cumprindo as mesmas formalidades causadoras da dependência participativa. A frequentação do templo ou da rua nas manifestações possui a mesma equivalência e dependência da mesma ansiedade participativa.

            O imperialismo, parafraseando Lenin, podemos dizer que é “a fase superior da religião capitalista”, conseguiu jungir os cerimoniais das seitas com os atos obsessivos integralistas de natureza fascista. Sendo assim, o caráter violento e destrutivo do modo de produção encarna-se nos indivíduos reprodutores das mesmas atitudes por meio dos atos obsessivos, tidos como naturais.

            Por outro lado, o imperialismo precisa de doentes mentais que façam uso do poder político para sustentá-lo. O capital especulativo que suplantou o poder do capital produtivo, precisa, temporariamente, de representantes alucinados, como o que nos impuseram. Essas figuras descabeçadas cumprem o papel de desligarem a luz durante a festa, os mocinhos mal intencionados possam apalpar nos lugares que não poderiam fazê-lo com as luzes acesas. Enquanto isso, os representantes do capital produtivo, criadores do Estado e o Direito positivo, na atualidade não conseguem apresentar um candidato ao governo para compor a “terceira via” e somente terão algum êxito se se somarem ao proletariado.

            O desgaste das forças conscientes e responsáveis para a condução política foi propositalmente planejado. Enquanto os “fiéis” são levados a praticarem atos obsessivos, os “pregadores” ordenam as falas que propagam mensagens de ódio e orientam as práticas dos crimes e desordens negacionistas. A despolitização da política não é um fenômeno desprovido de ideologia, muito pelo contrário, ele é o resultado da desestruturação das relações entre as  forças organizadas e as ideias revolucionárias, fazendo surgir no lugar, as forças do banditismo político e as seitas religiosas, praticantes das cerimônias da morte: da democracia, dos partidos políticos, dos direitos sociais, dos doentes infectados pelo vírus e ativistas políticos

            As obsessões sociais são elaboradas e superadas pela organização social. As religiões já deram mostras que, manipuladas e mal conduzidas criam distúrbios sociais, mas tal qual ocorre individualmente, a neurose obsessiva somente se estabelece quando o sujeito perde a estabilidade emocional sobre si mesmo. Na sociedade isto acontece quando ela perde a consciência sobre o seu próprio destino.

            Na tradição o “anticristo” profere as palavras erradas como se fossem certas e as mentiras têm a presunção de serem verdadeiras. Ele foi prometido de aparecer no fim do mundo. Tomara que seja verdade e que o fim do mundo capitalista esteja mesmo chegando ao fim, para que a civilização seja liberta. Por via das dúvidas, organizemo-nos e façamos a nossa parte.

                                                                                                                             Ademar Bogo

              

             

 

 

 

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domingo, 12 de setembro de 2021

DESCONFIAR E REAGIR

              Desde o surgimento do Direito Positivo temos a inversão da supremacia da lei sobre o poder do soberano. Dizer que “ninguém está acima da lei”, tornou-se uma demonstração concreta de rebaixamento dos anseios autoritários. No entanto, como bem descreveu Arthur Schopenhauer, em seu livro, “O mundo como vontade e representação” (1819), a legislação positiva é a doutrina moral do direito aplicada ao inverso, isto porque, em cada lugar o seu alcance baseia-se nas relações e circunstâncias especiais estabelecidas.

            Há algum tempo estamos ouvindo nas “pregações políticas” de orientação ideológica integralista, o verberado “Deus acima de tudo”. Invocar Deus em meio ao caos de um desgoverno poderia representar que a Fé dos cristãos está sendo ameaçada, certamente porque os crentes estariam voltando as suas atenções ao “bezerro de ouro”. No entanto, o significado real dado a essa expressão, é que Deus está acima da lei e quem estiver com ele eleva-se acima dos poderes da República.  

            Na última semana penetrou pelos olhares mais atentos uma mensagem com o título de “Declaração à nação” e, para muitos passou como um pedido de desculpas do ainda não apenado presidente, pelos arroubos proferidos às vésperas do dia 7 de setembro, levando, pelo resultado benéfico, ao aprofundamento das frustrações dos esperançosos neointegralistas, pois o golpe de Estado para arrasar as instituições não veio e, tornou-se um espirro contra um único ministro do Supremo Tribunal Federal.

            Não há necessidade de longas explicações para as desnecessárias escaramuças descabeçadas, afirmadoras da negação das condições imediatas para oficializar qualquer tipo de golpe, porque, também não há nenhum movimento contrário que possa ameaçar o funcionamento da ordem. É evidente que falta mesmo é trabalho e competência para resolver os problemas cruciais do país, tão conhecidos e denunciados pelas manifestações verdadeiramente populares, situados na área da saúde, da educação, da assistência social, do emprego, preço dos combustíveis, controle da inflação etc., coisa que qualquer governante capitalista estaria empenhado em resolver. No entanto, vimos que os adeptos do caos parecem viver em outro planeta e se movem por duas reinvindicações apenas: fechamento das instituições e o voto impresso.

            Soou como “um tiro pela culatra” a tal “Declaração à nação”. E foi. Trouxe um grande prejuízo para os adeptos do “Deus acima de tudo”. E, como um terremoto frustrado, só balançou a placa tectônica do “banditismo político”, que buscou rapidamente com o auxilio de setores das elites conservadoras, de natureza também golpista, mas desconfiadas com as consequências do prolongamento dos tremores, interferiu para ganhar tempo. Do lado das forças de esquerda, tudo continua como estava, nenhum grão de terra desmoronou.   

            “Tudo bem”, dizem os conformados e ansiosos de que chegue logo 2022, para, com as próximas eleições presidenciais acabar com a farsa e os assanhamentos do representante do partido militar e das milícias, navegantes sobre águas verde e amarelas, com odor putrefato de tanta sujeira composta de propinas, corrupções, ódio, crimes e lodo.

            Mas não são somente esses os sinais, como diria Tirésias, o vidente grego declarando a Édipo sobre a condição para debelar a peste entranhada no reino de Tebas. Havia um assassino a ser descoberto e julgado. As frases de acanhamento na “Declaração à nação” nada dizem das intenções obscuras do pestilento presidente, escondedor de crimes. Por isso, o que deve ser discutido, não é o texto, mas as três palavras finais, aparentemente soltas, fora da elaboração, grafadas com letras maiúsculas e portadoras de uma mensagem própria. Quais são as palavras? “DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”.

            Antes de tudo, essas palavras não são propriamente do emissor, refletem a tradição “integralista”, um movimento surgido na França no final do século dezenove, para combater o modernismo, por meio da aliança dos propósitos religiosos com os princípios liberais. No Brasil, esse movimento, devido à crise de modelo econômico de 1929, surgiu logo em seguida, buscando reunir, na mesma concepção, as forças antidemocráticas, defensoras de valores conservadores, autoritários e de tendência monárquica. Esta última ainda não foi defendida abertamente na atualidade, como a forma de governo, mas é desejada. Podemos vê-la incluída como terceira reinvindicação, posta pelas posições truculentas do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, dando ao presidente o status de monarca.

            Há sem dúvida nenhuma um movimento em direção a anulação da política, o cancelamento dos partidos, das eleições e de outras formas de participação, sustentado pela junção dos princípios morais, militares e tradicionais. Ou seja, na medida em que apresentam “Deus” como a figura principal, pensam atrair as forças religiosas, agora não mais representadas pela Igreja católica, como foi no passado, mas nas seitas neo-pentecostais insufladas pelo imperialismo norte americano. Com o referencial da “pátria”, dirigem as atenções às forças militares, policiais e paramilitares e, pelo saudosismo “familiar”, atraem os conservadores para juntos edificarem a nova ordem autocrática.  

            Do ponto de vista estratégico, o texto da “Declaração à nação”, em nada mudou. O suposto recuo fez-se necessário porque, apesar de tudo, o momento histórico ainda não legitimou a linha proposta e, certas expressões foram precipitadas, por isso iriam refluir sobre “a família imperial”, ocasionando a prisão de alguns de seus membros e de outros adeptos. Um acordo para baixar as armas, foi oportuno, mas os anseios integralistas permanecem intactos.

            De outro lado, é importante iniciar um debate para combater a ingenuidade em nossas fileiras, de que basta ganhar as próximas eleições presidências e tudo será reencaminhado para o sucesso do crescimento econômico, da geração de emprego, do respeito à democracia etc. Esse raciocínio dando como certo, não é de tudo ruim, mas como já disseram outros autores, haverá eleições? Disputaremos e ganharemos o pleito? Seremos empossados? E, governaremos com a mesma tolerância dada ao príncipe das “motociatas” exibicionistas? 

            Acima de tudo, é importante compreender que o capitalismo decadente geme como um animal ferido e se debate por todos os lados; por isso, lhe interessa mais uma ordem instável do que a sonhada estabilidade que os capitalistas da produção, a classe média e o proletariado conservador adoram.

            O debate deve ir de encontro aos desafios essenciais fazendo ver que precisamos pensar e agir; em primeiro lugar, como propôs Maquiavel, e combater “deus” separando a religião da política, dando a cada esfera o seu lugar. Em segundo lugar, como fizeram Karl Marx e Friedrich Engels, ao denunciarem que, “o proletariado não tem pátria” e “os laços familiares das famílias operárias são desfeitos e seus filhos, reduzidos a simples objeto de comércio, a simples instrumentos de trabalho”.

            É preciso desconfiar e reagir como quem está perdendo a liberdade, para que não sejamos pegos de surpresa e sem energias, pelas sombras do cair da tarde.

                                                                                              

                                                                                                                Ademar Bogo