domingo, 27 de fevereiro de 2022

A GUERRA DA AGONIA


            A guerra em andamento na Ucrânia sendo vista de duas maneiras: a primeira como vêem os Estados Unidos e aliados de que a Rússia provocou uma “invasão” de território e ofendeu a soberania de outro país, e, a segunda, como autodefesa do avanço da OTAN, contra o nazismo em crescimento no mundo e a antecipação aos planos do imperialismo de asfixiar o crescimento da Rússia.

            São duas formas, mas não únicas. Se tomarmos os movimentos ascendentes da modernidade para cá, perceberemos nitidamente que a importância das potencias mundiais, com o passar do tempo, desgastam-se e o poder desloca-se para outros pontos do planeta.  Quando tomamos a referência do colonialismo desde 1500, os nomes dos países em evidência como Portugal e Espanha aparecem com grande destaque. No entanto, esquecemos que a Holanda constituía-se na época, como a maior indústria naval e força comercial marítima, penetrando por todos os continentes competindo com as duas potências colonialistas.

            A partir da Revolução Francesa com o crescimento industrial e referência política, Inglaterra e França apossaram-se de grande parte das colônias, diminuindo imensamente o poder de influência mundial da Holanda. Paralelamente a esses países os Estados Unidos estenderam os seus domínios e, embora disputando espaço com outras potências, a partir da Segunda Guerra Mundial, passou, não somente subjugar as nações, mas a obrigá-las a apoiá-lo quando quisesse desenvolver qualquer ofensiva externa.

            A criação da Organização das Nações Unidas – ONU – em 1945 e, da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN – em 1949, como também, para as Américas, a Organização dos Estados Americanos – OEA -, dentre outros organismos de controle teve como estratégia, interferir, reunidamente, sobre os destinos dos países dependentes.

            A mudança de estratégia do domínio individual para o coletivo, do imperialismo dos Estados Unidos da América, visou formar um consenso forçado dos países submetidos aos seus interesses com controle direto sobre as soberanias, e sempre ditou, a partir de Washington, como deveria ser os parâmetros econômicos, políticos, militares etc.; um controle mundial nunca visto na História da humanidade.

            Todo esse poderio e controle não impediu que, paralelamente surgisse, principalmente, no continente asiático, pouco influenciado, exceto o Japão e a Coreia do Sul, potências concorrentes. A China, a India e a Rússia (esta última divisa e pertence territorialmente aos dois continentes, europeu e asiático) além dos investimentos econômicos, também competiram com o fortalecimento da indústria bélica.

            A abertura econômica da China, a partir de 1979 e o separatismo da União Soviética depois de 1991, foram saudados com grande euforia pelos capitalistas ocidentais. Todos correram, principalmente para a China, transferindo para aquele país, as tecnologias mais avançadas e, ajudaram, por diferentes fatores (dentre eles a força de trabalho barata) a torná-la  uma potência competitiva. A Rússia, por sua vez, recriou setores da classe burguesa, mas manteve o Estado fortalecido, assim como a China, controlando econômica política e militarmente cada país.

            Como essas expansões não impediram o surgimento das crises constantes do capitalismo, que vêm se repetindo desde a década de 1970, quando o modelo neoliberal começou a vigorar e a globalização passou a ser política e juridicamente oficializada as contradições ganharam mais destaques. Os conflitos regionais e a participação direta e frustrada dos Estados Unidos levaram ao enfraquecimento do império que passou a ter de dividir espaço mundial, com economias mais dinâmicas, como é o caso da China.

            A reação unificada dos países submissos aos Estados Unidos contra a Rússia soa um tanto estranho, se considerarmos que, principalmente a Europa, é a que mais tem a perder economicamente com o gás e o petróleo importados. No entanto, para além do incômodo econômico, marcas são marcas. A Rússia e a China, embora tenham aberto as suas economias e crescido nos parâmetros capitalistas, guardam consigo o estigma do comunismo e, principalmente a China, por ter mantido alguns princípios fundamentais do novo modo de produção. Essa marcas ideológicas são nitidamente percebidas, na linguagem preconceituosa da Rede Globo e no discurso raivo do governo contra as bandeiras vermelhas, arrefecido nos últimos dias com a esperança de que a Rússia venha auxiliar o candidato do genocídio, nas próximas eleições para presidente.

            Evidentemente a reação contra a Rússia reflete o deslocamento do poder político mundial, senão na sua totalidade, mas a Ásia agora está em campo para impor também os seus interesses e, dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU, eles representam dois votos. Por outro lado, Vladimir Putin enfrenta sozinho a ascendência do nazismo na Europa, da mesma forma como fizera Stalin em 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia e desencadeou a Segunda Guerra Mundial.

            O processo de violação dos direitos democráticos na Ucrânia assemelha-se ao que ocorreu no Brasil, com a mesma estratégia golpista, de tirar, por simples votações no parlamento, os presidentes legitimamente eleitos. Aqui, o plano vigorou porque, feita a transição, houve a eleição, aceitamos o resultado e as forças adeptas do nazismo que venceram estão a governar até o final deste ano, quando se pensa tirá-las do poder pela via eleitoral. Na Ucrânia, os planos falharam e duas regiões Donetsk e Luhansk, não aceitaram o resultado eleitoral imposto e ofereceram resistência. De lá para cá, não somente os habitantes dessas duas regiões, como todos os habitantes de descendência russa e forças de oposição, vinham sendo reprimidas pelo governo de índole nazista que, mesmo estando fora da OTAN, é aliado dos Estados Unidos.

            Os combates na Ucrânia reproduzem a mesma situação de 1º de Setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia para chegar à Rússia. Os dois países divisam com a Rússia. No entanto, agora Putin antecipou-se e, antes que o seu vizinho se alie legalmente ao inimigo, permitindo que os aparatos bélicos sejam instalados em cima da divisa, foi preciso reagir.  

Não se trata de negar a soberania de cada país e nem concordar com o Estados Unidos, mesmo porque é o país mais especializado neste quesito. Há dois anos tentou invadir a Venezuela usando o Brasil para empossar um fantoche como presidente.  Trata-se de uma ameaça iminente contra a Rússia e, por essa razão, a intervenção é preventiva.

A correlação de forças mudou. Se Stalin teve a seu lado, em sua época, a Inglaterra e a França para lutar contra a Alemanha, hoje Putin não tem e, dependendo de como o processo fluir, é pouco provável, mas pode até vir perder a guerra ou ter de recuar, se o desfecho demorar muitos dias, mas isso não anula a determinação Histórica de que o imperialismo norte-americano está em decadência e, as suas ordens não são mais unânimes, nem tampouco hegemoniza o controle da economia do mundo. Outras potências surgiram e querem o espaço merecido.É evidente que o império agoniza e com ele agoniza também, por ter feito a escolha errada, agoniza temporariamente também a Europa ,até ser salva pela China.

Uma certeza podemos ter conosco, mesmo com o deslocamento do poder do império para outros pólos, o capitalismo destrutivo e decadente não tem mais solução. A excrescência do crescimento do nazismo no mundo é a demonstração de que, para este tipo de crise civilizatória somente o banditismo político pode segurar o avanço das forças democráticas e revolucionárias. Falta este levantamento para por fim ao impérios.  No momento em que os povos entenderem que não basta governar os países, mas é preciso comandar solidariamente todos eles, a política mudará de natureza e as lutas serão pelo poder e não pela escolha de fantoches da ordem imperialista e capitalista.

                                                           Ademar Bogo

                   

 

domingo, 20 de fevereiro de 2022

O TESTAMENTO EXTRAVIADO

    Hannah Arendt, filósofa alemã, perseguida pelo nazismo na década de 1940, do século passado, em seu livro “Entre o passado e o futuro”, nos remete a pensarmos, de fato, se temos consciência do presente.

            A princípio o testamento pertence à tradição da civilização. Deixar para as gerações futuras tudo documentado é um anseio gerações mais velhas. Mas há tesouros que se perdem justamente por não serem identificados, ou mesmo porque, não possuem nome ou identificação mais precisa.

            Vivemos um tempo em que a penumbra histórica instalada no ambiente da política impede de enxergarmos nitidamente, as letras para lermos o que nos foi deixado escrito, de bom e de ruim, no testamento do passado, seja. Somos conhecedores das rupturas ocorridas entre as forças partidárias neste século. Desde 2004, setores descontentes buscavam outro caminho para chegarem ao futuro, sem considerar, na sua profundidade, o testamento do passado.

            No ano de 2013 foi a vez das forças descontentes, da classe média, aliadas e manipuladas, expressarem, de algum modo, o mesmo descontentamento das forças de esquerda anteriormente rebeladas contra o governo. No entanto, essas mobilizações não tinham e nem recorreram a nenhum testamento, a não ser que se considere as orientações imperialistas o texto base. Mas, também não queriam um futuro tão avesso ao presente; algumas melhorias e a expulsão das forças incômodas do governo.

            O resto da História já conhecemos. Com as forças de esquerda e de centro dispersas, os percalços, sobressaltos, riscos e manobras, fizeram com que chegássemos a este momento para que as forças novamente se movam para adequarem os desajustes do presente, ao normal satisfatório. Poderíamos ver estranheza o retorno à “emergência subjetiva” como diria o filósofo e psicanalista Jaques Lacan, na qual o sujeito procura o seu “outro”, neste caso, o outro contestado e abandonado no passado.

            A volta de todos os pássaros para a mesma árvore que sustentava os ninhos é de fato uma emergência. Há um animal que ameaça devorar a todos. É preciso detê-lo. No entanto, este presente tumultuado não permite que se volte mais anteriormente ao processo recente, resgate-se o testamento extraviado, que fora deixado pelos clássicos do marxismo para, com isso prepararmos o caminho do futuro.

            É evidente que a “emergência subjetiva” generalizou-se para os diversos setores que, tomados pela angústia andam atormentados em busca de alguma estabilidade. Talvez, escapem apenas desse movimento de ajuntamento sem testamento, o capital especulativo, o banditismo político, as forças armadas, setores da mídia e parcelas das seitas pentecostais.

            De qualquer forma, a emergência exige o ajuntamento e, cada força o faz por interesse delimitado. De certo não é vergonhoso voltar ao ponto onde ocorreu o rompimento entre as forças no início do século para contribuir para que o mal maior seja recuado; mas, não custa refletir sobre duas perguntas: a primeira diz respeito, o por que, os que romperam, por terem repetido os mesmos gestos, voltam, praticamente com as mãos vazias? E, a segunda, qual é o testamento a ser seguido, aquele formulado pelo materialismo histórico, ou este institucionalizado no período de 2003 a 2010?

            Aparentemente todas as forças que se movem, atualmente, para o centro, desdenham da crítica ao capitalismo e ao Estado capitalista e, centram a contestação contra o governo maluco instalado pela manipulação constante das forças do capital. Mas é importante que pensemos no depois. Se as forças que em 2016 arquitetaram o golpe por julgarem o governo incapaz, agora assumem a representação de vice na chapa comandada pela mesma força outrora derrubada, é de se perguntar até onde ficarão a favor e a favor de que?

            Por fim, há um testamento extraviado nas margens da História e, nele estão os nomes das coisas e as indicações das medidas a serem tomadas, com o devido crivo das gerações atuais. Certamente, muitos dirão que “agora não é hora de pensar nisso”, mas quando foi? Olhando para trás, vemos alguns fragmentos do velho testamento caídos no chão da História na década de 1960.

            Entre o passado e o futuro há o presente. Ignorar o passado e viver só das necessidades do presente, incerto será o futuro.

                                                                       Ademar Bogo

domingo, 13 de fevereiro de 2022

O REINO DAS FACÇÕES NAZISTAS

 

         No dia 12 de Fevereiro de 1908 nascia na Alemanha, a internacionalista, Olga Gutmann Benário Prestes. Perseguida pelas forças de repressão brasileiras, extraditada e morta nas câmaras de gás nazistas, em 23 de abril de 1942 em Bernburg. Neste ano, completam-se 114 anos de seu nascimento e 80 anos de sua morte.

Embora haja muitíssimas elaborações biográficas sobre o legado dessa militante comunista, seria importante dedicar outras reflexões sobre as grandes contribuições dadas por ela, mas, no momento, devemos nos ater à critica da concepção de seus algozes que, embora rechaçada em todas as partes do mundo, sempre reaparece em situações de crises, na forma orgânica de “facção política”. Por ora fiquemos com o “refrão internacionalista”, da mensagem altiva deixada no encerramento da última carta enviada à filha Anita e ao marido Luis Carlos Prestes: “Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo”.

As facções existiram desde o século dezoito e se constituíram como práticas de organização política de grupos contestadores do poder político feudal centralizado nas mãos dos reis. Apesar de ser a Inglaterra a precursora da criação dos partidos políticos, desde o ano de 1832 quando consolidou a monarquia parlamentarista, foi a partir da Revolução Francesa de 1789 quando, as repúblicas, o Estado capitalista e as “democracias representativas” necessitaram dos partidos políticos para interagir com a sociedade civil.

De maneira simplificada, confirmamos que, os partidos políticos, desde a origem, apresentaram-se como formas associativas, sendo organizações de parte do povo em lutas e disputas a favor de todo o povo. Ao contrário das facções e seitas que também representavam parcelas do povo, mas, por princípio, organizavam-se e lutavam contra todo o povo. No entanto, temos, desde o início e, principalmente, no século dezenove, duas formas de ser da organização partidária. O artigo 17 da nossa Constituição Federal sintetiza a tradição do pensamento formal do partido, de caráter nacional, configurando-se com “personalidade jurídica” e, registrado no Tribunal Superior Eleitoral. A outra forma descrita por Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista de 1848, após se envolverem criarem a “Liga dos comunistas”, devido aos seus limites encontrados, em 1864 propuseram a criação da “Associação Internacional dos Trabalhadores”, sem reconhecimento oficial do Estado, mas com princípios e objetivos de lutar a favor da humanidade.

Por que precisamos ter em mente estes fundamentos introdutórios na atualidade? Porque, ao relembrarmos a execução de Olga Benário relembramos o Nazismo e, ao lembrarmos deste nos deparamos com as posições vigentes favoráveis à criação de um “partido nazista” no Brasil. A pergunta a ser respondida é: de acordo com o princípio da liberdade de expressão e manifestação é correto ou não legalizar um partido de concepção nazista?

Frequentemente ouve-se argumentos comparativos entre o marxismo e o nazismo. Parlamentares de direita ventilam a ideia de que se deveria proibir a circulação de ideias marxistas, por se tratar de uma ideologia de combate ao capitalismo e, provavelmente, na medida em que as investidas nazistóides forem contestadas, venha à tona a odiosa ideia de combate ao marxismo, como se fossem posições de dois extremos semelhantes a serem afirmados ou proibidos.

Antes de tudo devemos dizer que nazismo e marxismo não são extremos opostos. Primeiramente porque, o marxismo é uma ciência produzida a partir da crítica feita ao capitalismo e, portanto, não é uma “ideologia” encobridora de interesses negacionistas. Quando se diz que Marx, Durkheim e Weber são os clássicos a serem estudados na Sociologia, é muitíssimo diferente de quando se toma Hitler como uma referência política racista, machista, homofóbica etc., que visa exterminar parte da sociedade e não cooperar com ela. O extremo oposto do marxismo e do comunismo é o capitalismo; é ele, na totalidade, a referência de superação e não incongruência odiosa, particularista que é o nazismo.

Oficializar, portanto, um partido de concepção marxista é afirmar o direito de associação da parte consciente da sociedade que se disponibiliza a lutar a favor do todo, ao passo que, autorizar a formação de um “partido nazista”, significa regredir dois séculos na História e confirmar o direito de facção, permitindo legalmente que a parte pervertida já organizada informalmente, afronte, ataque com violência, e extermine setores do todo, considerados incômodos a esta visão em tudo deplorável.

Por outro lado, o marxismo quando identifica na luta de classes, duas partes existentes na mesma sociedade, com interesses contrários, está defendendo que uma delas lute contra a outra. No entanto, a filosofia da luta de classes marxista tem por objetivo fazer com que elas deixem de existir, sem exterminar as pessoas. O burguês, na visão marxista, é um cidadão que se vale da propriedade privada dos meios de produção para explorar os trabalhadores. Sendo assim, não é a sua cor da pele, nem a identidade sexual ou seu modo de pensar que exploram e extraem a mais-valia. A perda da posse dos instrumentos mediadores da exploração e não da vida pessoal é que fará uma sociedade vir a ser justa.

O nazismo é uma excrescência surgida da decadência do capitalismo. A sua pretensão é militarizar as relações sociais, para impor, em tempos de barbárie a ordem de setores ameaçados pela própria miséria que eles mesmos produziram. Nesse sentido, o próprio Estado passa a ser um instrumento de disputa entre os capitalistas produtores, que o querem como controlador da ordem e financiador de seus investimentos e, os capitalistas improdutivos que também desejam controlar o Estado para assegurar a especulação, o refúgio institucional para banditismo político e, ser fonte de financiamento e do enriquecimento dos membros das facções aliadas.

O marxismo é a ciência e a filosofia do futuro. O nazismo é ideologia do passado. O primeiro se sustenta sobre a verdade de que são as contradições do próprio capitalismo que oferecem o combustível para as lutas sociais e políticas para a sua superação. O segundo se sustenta na mentira e no ódio, em busca de ludibriar e disfarçar a decadência e a provável ruína em andamento do modo de produção insuportável.

                                                                       Ademar Bogo