domingo, 25 de fevereiro de 2024

O PARTIDO DE NOVO TIPO

 

            Lenin ao cumprir pena desde 1897 na Sibéria, aproveitou para aprofundar os seus estudos. Naquele lugar isolado onde o frio chegava a 25º negativos, apropriado para a deportação de presos políticos, apesar de ser minimamente habitado, dificilmente alguém conseguiria sair por conta própria daquelas muralhas de gelo, porém não impedia de que houvesse certa liberdade interna.

            Tendo sido criado o Partido Operário Socialdemocrata da Rússia (POSDR) em 1898, embora todo comitê central tivesse sido preso no Congresso de fundação, Lenin, ausente e deportado,  já havia assimilado a teoria da organização política nos textos de Marx e Engels. Eles haviam escrito o Manifesto do Partido Comunista e organizado já duas Associações Internacionais. Isso ajudou a dar um salto para frente nas experiências já feitas pelas “Uniões de Luta”, movimentos reivindicatórios e criar uma nova forma de organização.

            Lenin após a execução de seu irmão em 1887, por ter cometido o atentado contra o tzar Alexandre III, sem sucesso, convicto de que o caminho a seguir precisava deixar para trás as formas terroristas e populistas de organização e, por isso passou a denominar a iniciativa de 1898 de “Partido de Novo Tipo”.

            Esse partido não deveria pautar-se por ações espontâneas e realizadas sem sustentação organizativa. O partido poderia ser constituído organicamente e funcionar permanentemente como um todo organizado e disciplinado. Para tanto, todos os seus membros precisavam respeitar e seguir o programa partidário.

            Os anos de prisão e deportação de Lenin ofereceram tempo suficiente para ele voltar a sua atenção para os estudos, principalmente sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Esse domínio esboçar o programa partidário com a clara intenção de apontar o caminho para a conquista do poder político.

            O respeito a todos os esforços anteriores foi destacado e, embora com todos os desvios e fraquezas, era a herança que os revolucionários do passado haviam deixado. Porém isso não significava aceitar tudo, por isso, uma série de textos elaborados por Lenin começou a circular. Um deles com o nome de “A que herança renunciamos?”, atacava as ideias iluministas  e reformistas, pois a teoria marxista apresentava-se como referência para direcionar os pensamentos e as ações revolucionárias.

            Ao final do cumprimento da pena na Sibéria, em 29 de janeiro de 1900 Lenin, na manhã daquele dia, embarcou em um trenó puxado por cavalos e partiu rumo a uma nova etapa de sua vida. Inicialmente vigiado pela polícia e proibido de ir a Moscou, procurou estabelecer contatos com a firme decisão de criar um jornal para divulgar as ideias e agregar, em torno dele, toda a militância com o objetivo de realizar o segundo congresso do partido, o que veio a ocorrer somente no ano de 1903. Após seis meses de perseguição, Lenin preferiu exilar-se na Europa e passando de pais em país, de lá orientou a política de organização.

            Com a criação do jornal Iskra (Fagulha) em Leipisig em 1901 na Alemanha, por ser clandestino precisou ser impresso também no exterior. Foi por meio dele que todas a discussões passaram a ser orientadas principalmente em preparação ao “Segundo Congresso”, orientado pelos escritos diversos, com destaque para dois textos importantes de Lenin: “Por onde começar?” (1901) e “Que fazer?” (1902).

            A preocupação com os passos certos a serem dados na organização política levou a muitos embates e disputas, isto porque, não havia nenhuma experiência vitoriosa e tudo precisa ser inventado. A luta contra as ideias divisionistas e de influência burguesa era intensa. Por isso uma das tarefas fundamentais do partido era a educação política e a formação da consciência revolucionária. O desejo era criar um novo tipo de militante que se diferencia-se do indivíduo burocrático, mas que se parecesse com “o tribuno popular”, ou seja, precisam treinar a juventude para as discussões públicas, principalmente na capacidade da eloquência dos discursos para realizarem as “revelações” das verdades obscurecidas pelos interesses burgueses.

            Os pseudônimos como, Lenin, Stalin, Trotski, passaram a ser de uso necessário para todos os membros do partido poderem atuar clandestinamente. Com isso, o partido não tinha “cara pública” a não ser a suas ideias em circulação.

            Antes da Realização do Segundo Congresso, iniciado em 17 de julho de 1903, em Bruxelas, e que, devido a perseguição da política belga, tiveram que transferir as discussões para Londres, na Inglaterra, Lenin ainda escreveu um texto “Aos pobres do campo”, tendo em vista a sua visão de que o partido deveria jungir as classes operária e camponesa e arrastar atrás delas a maioria da população.

            Do Segundo Congresso participaram 43 delegados representantes de 26 organizações. Lenin foi escolhido para ser um tipo de “secretário” das comissões do Congresso, cujas anotações serviram para, posteriormente ele fazer uma profunda análise das discussões e publicá-las como uma verdadeira crítica documental no livro conhecido como “Um passo atrás, dois passos à frente”.

            As disputas mais ferrenhas deram-se em torno da aprovação dos estatutos e, ao contrário do que imaginou Lenin, o partido dividiu-se em duas frações: Os bolcheviques (maioria) e os mencheviques (minoria). Ambas permaneceram até o triunfo da revolução em 1917 com a supremacia dos primeiros.

            Para além da História, interessa-nos mais aqui entender a importância dada ao partido político como instrumento fundamental para a organização e direção das lutas. Essa crença de que só poderia haver movimento revolucionário com uma organização de vanguarda revolucionária, foi fundamental para que o processo culminasse com a insurreição e a tomada do poder político, vislumbrado desde o início.

            O partido não pretendeu inibir nem concorrer com a organização sindical. A clareza de que as tarefas eram diferenciadas, permitiu orientar a militância para que as lutas reivindicatórias fossem realizadas abertamente e os enfrentamentos políticos revolucionários, clandestinos. Nesse sentido, a luta econômica não poderia dirigir ou pautar a política, desta, o partido político deveria ser o dirigente se fosse constituído por militantes conscientes e capazes de formularem métodos de ação diferenciados e eficientes.

            A Revolução russa, com toda sua trajetória conflituosa, mas vitoriosa em 1917, foi a primeira demonstração de que uma Revolução só é possível se houver um comando fortemente organizado, com capacidade consciente de dirigir, convencer e organizar a maioria da população para tomar o poder, caso contrário, os processos se derrotam pelo próprio esgotamento.

            A principal lição a extrairmos desse processo é que, na luta revolucionária devemos pretender alcançar o máximo e não o mínimo, isto porque, o máximo guarda dentro de si os objetivos inegociáveis. Para atingir o mínimo, muitas vezes podemos ser maleáveis e tolerantes nas negociações com os inimigos; para atingir o máximo é preciso ir às profundezas da coerência e não vacilar diante dos perigos.

                                                                              Ademar Bogo

domingo, 18 de fevereiro de 2024

EM BUSCA DE OUTRO CAMINHO

 

                 Em memória dos cem anos de sua morte, este ano de 2024 será todo ele dedicado a Vladimir Ilich Lenin. Não se trata de render culto a um grande líder como se a história tivesse dependido apenas de um indivíduo para ser confirmada como vitoriosa; embora seja verdadeiro afirmar que pela sua tenacidade, os indivíduos, com suas descobertas e inventos direcionam os destinos da humanidade, sempre há uma ligação e dependência de toda a social.

Lenin foi um militante convicto de que a realidade socioeconômica e política russa deveria ser mudada. Aprendeu ainda na adolescência o que era a exploração econômica e a opressão política, quando o irmão mais velho, Alexandre Ulianov, o qual lhe apresentou os escritos de Karl Marx, portanto, aprendeu a interpretar as contradições sociais, independente de outras influências, religiosas ou reformistas, mas com o uso direto do Materialismo Histórico.

A presença do irmão na formação de Lenin, além de teórica e moral revolucionária, também se deu pelo exemplo intelectual e político. A capacidade de formulação e elaboração de Alexandre chamou a atenção dos professores na Universidade de Petersburgo. Já nos primeiros meses de aula, no curso de zoologia e química sua inteligência ganhava destaque. Porém em 1º de março de 1887, a notícia de detenção do rapaz, por ter participado de um atentado contra o tzar Alexandre III, abalou todas as expectativas.  A prisão lhe rendeu a condenação à pena máxima e, em maio do mesmo ano, com 21 anos de idade, Alexandre foi executado.

Lenin com apenas 17 anos presenciou o julgamento do irmão e, ao ouvir as argumentações condenatórias, percebeu os vários entraves e impossibilidade de fazer política por meio dos dois agrupamentos clandestinos em vigor: os populistas, mais intelectualizados que se ligavam aos camponeses e, os terroristas, mais radicalizados que se guiavam pela tática de assassinar as autoridades. Propenso a estudar Direito e pelas evidências equivocadas na opção política do irmão, deu-se conta Lenin e sentenciou como conclusão pessoal: “Não é esse o caminho que devemos seguir”.

Mas qual seria o caminho? Vigiado pela polícia, primeiro, no ano do enforcamento do irmão teve dificuldades para ser aceito na universidade de Direito e, segundo, após ter conseguido, em dezembro do mesmo ano de 1887, envolveu-se em um protesto de estudantes contra o regulamento da universidade. A repressão foi exemplar, Lenin, além de ser expulso da Universidade, também foi proibido de viver naquela cidade de Kazan e foi deportado para a aldeia de Kokúshkino, lugar onde se encontrava Ana a irmã mais velha que havia sido condenada por ter participado do mesmo atentado contra o tzar.

Essa deportação para uma aldeia interiorana e, passando a viver com os camponeses pobres, Lenin reviveu as façanhas de seu pai que, como inspetor de escolas primárias, após longos períodos de ausência retornava e narrava para a família, os apertos e fugas das perseguições dos grandes proprietários de terra. Dessa forma, embora sendo um jovem estudante, interessou-se pelos problemas agrários e se predispôs a estudá-los.

Nas obras completas de Lenin, data de 1893 o primeiro longo estudo manuscrito feito sobre o livro de V. E. Postnikov, funcionário do Departamento de Terras do Fisco da província de Táurida. A profundidade da análise e a veracidade dos dados, permitiu a Lenin, compreender como estava estruturada a agricultura, as formas de trabalho e os dilemas existentes entre os camponeses pobres. Ao mesmo tempo que continuava os estudos sobre as obras de Karl Marx e Friedrich Engels, das quais destaca-se “O capital: crítica da economia política”, investiu no mesmo ano, com 23 anos de idade em outro ensaio, “Sobre a chamada questão dos mercados”, perguntando-se se podia na Rússia desenvolver-se o capitalismo quando as grandes massas eram empobrecidas cada vez mais?

Nos anos seguintes enquanto lutava para prestar exames e concluir o curso de Direito, escreveu ainda sobre “Quem são os amigos do povo e como lutam contra os socialdemocratas”, em resposta a diversos artigos que circulavam conta a teoria marxista e, outro, “O conteúdo econômico do populismo”. Além de tecer comentários sobre as obras de Marx, traduziu, em 1892 para o russo o “Manifesto do partido comunista”.

No ano de 1895, apesar da vigilância policial decidiu mudar-se para Petersburgo, um grande centro operário e ali passou a participar de círculos de reuniões e viajou para alguns países da Europa em busca de contatos e cópias da literatura marxista. Na França, em contato com Plekanov, um velho militante marxista exilado, juntos criaram uma coletânea de textos para ser lida pelos operários russos.

No final de 1895 com bastante esforço as diversas visões nos diferentes círculos operário decidiram criar a “União de luta pela libertação da classe operária”. De imediato editaram o jornal “A causa operária”, mas, no fechamento da primeira edição Lenin e os demais editores foram presos, posteriormente condenados e, em 1897 foram enviados  para cumprir três anos de pena na Sibéria, lugar de difícil retorno.

De volta ao campo, deparou-se com a pobreza extrema das aldeias. Lenin retomou os estudos e, desta vez, escreveu um grande e completo tratado, concluído em 1899, com o nome “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, dando conta de todas as contradições concretas e diferenças de concepções teóricas.

Em 1898 chegou à mesma aldeia onde Lenin cumpria pena, sua noiva Nadjda Krupskaia, presa também por conspiração contra o tsar e, ao informar que em março daquele ano, na reunião para criar o partido político, os nove delegados foram presos enquanto realizavam o congresso de fundação. Imediatamente Lenin iniciou a preparar os documentos para a realização do segundo congresso, realizado com sucesso em 1903.

Em síntese, devemos concluir dessa primeira rememoração, que os indivíduos têm um papel na história, mas ele dependem das escolhas a serem feitas e, além da clareza do caminho que se quer seguir e onde chegar, é importante conhecer a realidade, como ela é para transformá-la em como se deseja tê-la.

A teoria revolucionária abrange todo o conhecimento da realidade em todos os seus aspectos. É sobre essa realidade conhecida que se coloca o movimento revolucionário, daí é muito fácil diferenciar o que é “burocracia democrática” e o “processo revolucionário”: enquanto a primeira administra para manter tudo como está, a segunda revoluciona o como está, para fazer ficar tudo como se deseja.

O estudo, não importa onde seja elaborado é fundamental e, ao mesmo tempo a organização é imprescindível. Essas duas forças, somadas à coerência política levam a dar um novo rumo para a história de cada país.

                                                           Ademar Bogo