domingo, 29 de setembro de 2019

DA VONTADE PUNITIVA À VONTADE DESTRUTIVA


Desde os tempos de Platão é que sabemos que existem dois mundos: o inteligível e o sensível. Mais propriamente, o mundo das ideias e o mundo da sensibilidade. Posteriormente deduziu-se que um ser humano tem “duas vidas”: uma para gastar e a outra para salvar. Gastando-se a primeira, temporariamente com bons atos, salvava-se a segunda eternamente.
Desconhecia Platão das perversidades civilizatórias que viriam após a sua morte, quando a violência passou a ser a porta transitória de uma vida para a outra e, com isso, muitas pessoas foram enviadas para o mundo inteligível antes do esperado e a vida aqui no mundo sensível passou a ser uma parada de alto risco.
Por outras vias, imitando o direito antigo, ou mais especificamente o “estado de natureza” quando a justiça era feita por intermédio do juízo de cada indivíduo. Assim por exemplo, ao acordar pela manhã, alguém se dava conta de que no dia anterior fora ofendido profundamente por uma calúnia que envolveu a sua filha; sem demora, “passava a mão na arma” com direito a posse e porte, e saia no encalço do difamador. Da mesma forma, um juiz qualquer que, ungindo-se de todos os poderes, resolvesse pôr ordem na política, sentava sob uma moita de curitibas (pinheiros em Tupi Guarani) e ali sentenciava os seus prováveis adversários. Foi assim que o medo misturou-se à respiração e o princípio formulado por Thomas Hobbes de que, “o homem é o lobo do homem”, foi novamente confirmado.
Vivemos então, pela segunda vez, do início deste século até o ano de 2018, o “estado de natureza judiciário” no Brasil. Qualquer punição trazia consigo uma carga de vingança que, desde a prisão, condenação e soltura, convertia-se em humilhação, praticamente uma pena de morte moral. O objetivo era tornar imprestáveis para a política os homens mordidos pelos lobos.
Foi um período em que a “vontade punitiva” prevaleceu. Ela se impôs de tal forma que a usurpação das liberdades e dos direitos das pessoas visadas, por meio da injustiça, fez crer que a justiça estava sendo feita. Provocava-se assim não apenas uma dor física e social, mas algo ainda mais profundo que se converteu em dor moral.
Poderíamos ainda adjetivar a crueldade jurídica imposta no período em que prevaleceu a “vontade punitiva” de “canibalismo seletivo”, ou seja, “o homem lobo” escolhia a dedo, os homens a serem comidos. Isto funcionou por um tempo, como prática de injustiças porque, conforme nos diz o filósofo Schopenhauer: “Como o ambiente em que se encontram os motivos é o conhecimento, não posso vencer senão falseando o conhecimento, ato que constitui a mentira”. Mas, com mentiras se vence temporariamente.
O canibalismo jurídico não se constitui na única prática de “comer” a dignidade, a moral e a liberdade por meio da mentira; o nazismo e o “pretencionismo”,  por meio do falseamento da verdade, costumam constituir um segundo conceito, que é o da “vontade destrutiva”.
Mesmo sem ter sido encerrado o ciclo da “vontade punitiva” que se sustentou pelo canibalismo moral, abriu-se no Brasil a partir do início do ano de 2019, um período que podemos denominá-lo de “vontade destrutiva”. Ela apresenta um risco de periculosidade maior, porque, se a anterior visava punir indivíduos e desmoralizar partidos e movimentos sociais, esta agora, tende a destruir os direitos e eliminar as barreiras que impedem a “vontade acumulativa” do capital. Essas duas vontades, “destrutiva” e “acumulativa”, inovadoras do impulso conjuntural, apresentam graus de crueldades mais profundos, porque lançam mão de todos os recursos, como, a mentira, o fogo, as armas e a caneta Bic para entregar ao capital externo, as riquezas minerais que estão sob as cinzas amazônicas e as águas do oceano.
O mundo vive um conflito acirrado entre o capital produtivo e o capital fictício ou especulativo. O primeiro, apesar da crise mundial se sustenta pela soma dos 60 trilhões do PIB produzido anualmente no mundo; o segundo, sobrevive da especulação dos títulos das dividas públicas, contratos e outras transações que, devido as dificuldades de arrecadação dos Estados, vê cada vez mais dificuldades de alimentar os juros dos 680 trilhões de dólares em circulação fictícia pelo mundo.
O dilema do capital fictício é como alimentar a própria ciranda financeira. Não pode voltar-se para a produção porque, além dela representar apenas 60 trilhões de dólares, não há como aumentar o consumo, pelo simples fato de que a tecnologia diminuiu o valor dos produtos pela diminuição do trabalho humano e desempregou aqueles que poderiam comprar os produtos produzidos. Resta, além de assaltar os cofres públicos, exigindo que os governos cortem direitos sociais, investir, em primeiro lugar, em ouro, como vinha sendo até 1971 quando as moedas eram lastreadas em ouro. Ou seja, cada país ao emitir moedas, tinha que ter o equivalente em ouro. Com a crise econômica, os Estados Unidos da América, romperam com o acordo de Bretton Woods de 1944 e, o capital fictício passou a vigorar por meio de papéis, títulos etc. A segunda maneira de investir parte desse dinheiro é no petróleo e na água doce.
Com essa objetividade é que vimos a política atrelar-se ao judiciário e passar da fase “punitiva” para a fase “destrutiva”. Com a reunião do capital fictício, setores da classe média, forças armadas, poder judiciário e intelectuais lunáticos, monitorados pelos interesses da inteligência dos Estados Unidos, foi possível vencer as eleições de 2018, fazer a reforma da previdência, entregar o petróleo e colocar fogo na Amazônia, principalmente nas reservas indígenas onde se concentram grandes reservas de ouro.
É nesse sentido que não basta resistir ou defender direitos, é fundamental organizar-se para dar um grande salto adiante. A perseguição que fazem contra as ideias socialistas é a demonstração de que eles sabem onde está o perigo. Assim fizeram com Marx e os seus aliados quando, em 1848, declararam que “o espectro do comunismo” rondava a Europa. É o mesmo espectro que ronda o mundo neste século. É preciso acreditar nisto. Só o socialismo conseguirá por ordem na desordem capitalista.
                                                                                   Ademar Bogo  

domingo, 22 de setembro de 2019

A POLISSEMIA DO CUIDADO


    Uma palavra polissêmica é aquela que tem várias significações, ou melhor, podemos usá-la em diferentes situações. No latim, o verbo cuidar é “cogitare”. Algo que se cogita, se reflete, imagina, medita e prevê. Neste caso, cogitar, nos remete não apenas ao cuidado no tempo presente, mas também às prevenções do tempo futuro.
Todos os dias, do nascer ao morrer, quando um sujeito diz ao outro, “cuidado com...” ele está sugerindo uma precaução ou uma ação que vai além do que está sendo dito. “Cuidado com a saúde”, por exemplo, significa fugir do sedentarismo, não fumar, não beber exageradamente, não comer alimentos gordurosos etc., ou “cuidado com as dívidas”, significa não gastar mais do que tem e, também, “cuidado com os inimigos”, é prestar atenção nas armações alheias, e assim por diante.
Se o cuidado é tão importante para a vida particular, muito mais deverá ser para a vida em sociedade, quando tratamos com os bens públicos, com a natureza, com os planos, a economia, a educação, a saúde, a aposentadoria, a justiça, as relações políticas, a ética, a moral, os valores etc.
Por outro lado, os significados podem estar na força da expressão da oralidade e, uma palavra apenas, comporta o sentido de uma sentença. A escrita é diferente da fala e, muitas falas dependem dos contextos. O filósofo Wittgenstein relaciona a linguagem com um jogo, com suas regras e colocações. Por isso é que, na vida, atuamos com simplificações. Logo, em uma construção na qual cada trabalhador tem a sua função, ao ouvir o chamado: “lajota!”, a expressão foi dirigida a quem tem a função de carregar aquele material. E, embora a palavra esteja “solta”, naquele contexto, ela tem o mesmo sentido da frase que poderia ter sido dita: “Seu José, traga-me lajotas, por favor.” Se “para o bom entendedor, meia palavra basta”, conforme o contexto devemos decifrar o que quer dizer: “cuidado.”; “cuidado!”; “cuidado?”; e “cuidaaado...”.
Vivemos o contexto político mundial jungido pela era da globalização e do neoliberalismo como modelo econômico. É claro que esses conceitos elaborados na década de 1970, quando se prenunciava a crise do petróleo, tiveram os conteúdos ampliados nas crises sucessivas que vieram ao longo das décadas em que o capital produtivo foi ultrapassado pelo capital especulativo.
O oposto do “cuidado” é o “descuido”. Quando a tecnologia e a política deram-se as mãos, os países “dependentes” aplaudiram e abriram as portas para a entrada dos novos ares da globalização, poucos se deram conta de que o astuto imperialismo havia apenas mudado as vestimentas e o “Tio Sam” se desfeito da cartola. A euforia de que todos poderiam ter acesso a tudo por mérito da eficiência do mercado e, os governantes de qualquer etnia, profissão ou gênero, aceitos, como ocorreu na Inglaterra, depois na Alemanha, na Argentina e no Brasil as mulheres ascenderam ao poder; nos Estados Unidos, um negro; na Bolívia um índio; no Paraguai, um bispo e, no Brasil um operário.
Daí o descuido de não perceber que o capital não é “globalizado” ele é imperialista e age como se o mundo estivesse a seu serviço. Para servir-se, sem desmerecer o esforço das lutas políticas e populares, ele maneja as circunstâncias e interfere segundo os próprios interesses. De fato, é importante perceber que a “globalização” tornou-se um sentimento afetuoso de aceitação do imperialismo, com seus instintos amistosos, vingativos e destrutivos, quando necessários.
Vimos nesse período, dos últimos 50 anos, apenas como indicação citamos a perversidade dos instintos do império: a invasão do Iraque e o enforcamento do Sadan Hussein (2006); a guerra do Afeganistão e a morte de Bin Laden (2011); a desfolhada “Primavera Árabe” e o assassinato de Muammar Kadhafi (2011); a morte de Hugo Chaves (2013) e a crise provocada na Venezuela; no Paraguai a deposição de Fernando Lugo (2012); e no Brasil. de Dilma Roussef (2016); a prisão de Lula (2018) e a volta das investidas contra o Irã. Tudo feito pelas mesmas mãos e coordenado pela mesma inteligência travestida de globalização.
Com tudo isso, podemos expressar as seguintes ponderações: Cuidado! O capitalismo não apresenta nenhuma indicação ao equilíbrio, pois, as suas crises são resultado das próprias contradições que existem dentro dele e, seu “humor” se comporta de acordo com a subida e a queda da massa de lucro. Um exemplo disso foi a diferença de comportamento dos capitalistas, aqui, no governo Lula e no governo Dilma. Quando os lucros regridem o capital torna-se violento e destrutivo.
 Cuidaaado... A opção por governantes aparentemente “fora do tempo” pouco significa para o projeto de poder centralizado no império. Nero, imperador Romano, era tido como louco, mas possuía um grande carisma de criar intrigas e polêmicas para distrair as atenções enquanto fulminava os inimigos e agia a favor do império. Cumpriu o seu papel até ser descartado. Logo, o imperialismo usa de todos os artifícios bons e maus para entupir a vala na estrada que o leva para frente.
Cuidado? É bom que se pergunte o que fez a ideologia neoliberal nas últimas décadas senão atacar o Estado? Na verdade quer atacar as políticas públicas e os direitos sociais, por isso, precisa condenar a estrutura fortalecida e ampliada em momentos de euforia e de crescimento. Mas não é o enfraquecimento do Estado que os capitalistas querem, Precisam dele e de sua eficiência para o uso legitimo da força de repressão.
Cuidado. Aquilo que sempre se admirou como “valores democráticos” como eleição, participação e voto, pode estar caminhando para uma verdadeira legitimação dos poderes que usam a ordem para praticarem a desordem, o extermínio, a concessão e o entreguismo das chaves de todas as portas da soberania nacional. As milícias representam o pistoleiro do “Velho Oeste”, que funcionam como o braço armado das facções políticas.
Cuidar, pelo aspecto positivo, é empenhar-se para valorizar a formação da consciência, a organização de classe e a formulação de alternativas condizentes com o processo de transição para a superação do capitalismo. Sem isto, todos os avanços validados juridicamente terão prazo de validade.
                                                                                                Ademar Bogo

domingo, 15 de setembro de 2019

O NAZISMO E O MESMISMO



            O filósofo Nietzsche, em seu livro, “Assim falava Zaratustra”, descreve o “Diálogo com os reis” que se encontraram nas montanhas um vindo da direita e ou outro da esquerda, mas que tinham “um asno só” para montar.
            Ao encontrarem-se, o rei da direita provocou: “Estas coisas também se pensa lá entre nós, mas não se dizem”. O da esquerda, após comentar sobre uma suposta voz ouvida, concluiu: “A absoluta ausência da sociedade também prejudica os bons costumes”. Replicou então o da direita, depois de uma breve análise: “Os bons costumes! Entre nós tudo é falso e corrupto! Já ninguém sabe reverenciar...”. E, o rei da esquerda sentenciou: “Volta a te afligir teu antigo mal”.
            O diálogo entre os reis de origens contrárias, perdidos nas montanhas desertas, com um único animal à disposição para montarem, revela os segredos de nossa situação. Há décadas que o “burro estatizado” passou a ser o meio de locomoção da esquerda e da direita. Ambas as partes, sem a presença das forças sociais, falam dos bons costumes, mas, deparam-se com a falsidade e a corrupção e, o que volta sempre a afligir é o antigo mal, que só pode ser a prática institucionalizada.
            Para as forças de direita, o poder deveria ser ditatorial. Para as forças de esquerda reformistas, o poder deveria ser um grande entendimento, uma cosntrução de consenso. Daí, para ambos, a cada instante, “volta afligir o antigo mal”. Para a Direita é retroceder até o nazismo; para a esquerda é ir mais longe e resgatar o contratualismo, aquele do tempo do Renascimento, quando, de um lado colocava-se o Estado e do outro a sociedade. Sendo assim, nazistas e “mesmistas” precisam disputar o governo, o burro a ser montado, para governar por um período.
            As disputas eleitorais supõem grandes diferenças entre o “destrutivismo” e o “mesmismo”, mas, por trás, por cima e por baixo está o capital ditando os passos e, nenhum do lados quererá enquadrá-lo e controlá-lo. Agirão sempre como se não houvessem contradições, crises e esgotamentos.
            Ambos miram na geração de empregos, suplemento vitaminado para robustecer a popularidade, “desconhecendo” que há o retraimento das relações de produção provocado pelo avanço das forças produtivas. Evitam concordar que as crises, cada vez mais intensas, não começam na política, mas na economia. Elas reduzem cada vez mais o uso da força de trabalho, por isso desempregam e rebaixam o poder de compra dos desempregados gerando ainda mais desemprego com o subconsumo.
            Por outro lado, o mercado aparece como a força salvadora. Pensar em comprar e em vender, os olhos brilham. Tudo tende a se tornar mercadoria, no campo e na cidade; nas florestas e nas oficinas; nas hortas e no petróleo do fundo mar.
            O capital é o senhor que dinamiza as relações e por isso concede, orienta e administra a colocação das forças da política quando é para servir-se delas. Por esse engano, faz acreditar que não há um tempo corrente para a formação e a superação das contradições, mas sim, um tempo para a preservação e outro para a devastação; um tempo para a abertura e outro para o fechamento; um tempo para a tolerância e outro para a discriminação; um tempo pra o respeito e outro para a homofobia etc., quando na verdade os processos sofrem apenas ajustes. Devastam, protegem-se e discriminam o tempo inteiro.
            Por ter abandonado a ideia da transição para o socialismo, as forças de esquerda pensam em “continuação” na estrada do capitalismo. Por isso, os enfrentamentos saíram do campo da grande política e se deslocaram para o campo da legalidade. Os tribunais são os antigos “comitês centrais” onde a causa final é domesticada. O legalismo corroeu a rebeldia, por isso ingressamos na era do “mesmismo”. Termina-se uma eleição e logo se quer saber quem será o candidato para disputar a outra. Para muitos, as eleições deveriam ser anual, para tornarem as candidaturas verdadeiras profissões.
            O “mesmismo” é a repetição das ideias, dos propósitos, das táticas e das finalidades reformistas. O nazismo, a guerra e o intervencionismo etc., são táticas de uso do capital para amenizar os desacertos e as crises.
            A transição para o socialismo é um processo diferente. Tudo se faz sem concessões no principal. É como uma viagem que tem itinerário certo. Qualquer tática legalista ou não, deve servir para seguir em direção à superação do capitalismo. Neste caso, o “burro” disputado pelos reis, após a vitória não servirá para montar, mas para ser descartado. Findar-se-á então a ilusão. Desse ponto em diante seguiremos a pé com as multidões.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     Ademar Bogo    
                
           

domingo, 8 de setembro de 2019

MEDIDAS E DESMEDIDAS VINGATIVAS


            Medidas e desmedidas atuam como dois imperativos que determinam o fazer e o desfazer. Há, por isso, uma relação desconexa entre um termo e o outro. No entanto, se avançarmos para o sentido extensivo das palavras veremos que elas medem e desmedem as decisões, as vinganças e as precauções políticas.
            A explicação mais equilibrada entre estas duas contrariedades vem da palavra “sopesar”, que se refere, primeiramente, ao peso sustentado com as mãos para avaliá-lo. Por sua vez, este verbo é aplicado também para considerar outras situações que indicam o cuidado com o “peso” das decisões, das palavras usadas ou do significado de um princípio.
            Sopesa bem quem decide bem. Ou seja, para decidir é preciso medir, pesar, calcular para saber antecipadamente as consequências das decisões tomadas. Desse entendimento é que derivam várias expressões, todas elas em busca de definir uma ação, como por exemplo: “pesou a mão”, “não mediu as palavras”, “o peso da justiça”.
            Quando, porém, levamos a definição para a política, começamos a perceber que nada há de mais explicativo do que o peso da responsabilidade. Este peso pode representar a seriedade das decisões como também a gravidade das palavras ditas. No Brasil, nos últimos tempos, temos visto tantas coisas que nos fazem acreditar no que dissera um poeta espanhol Antônio Machado: “Em minha solidão tenho visto coisas muito claras que não são verdadeiras”. Ou seja, podemos ver coisas claras e mentirosas.
            Há medidas desmedidas, praticadas exageradamente e há também “desmedidas” que interferem sobre as medidas tomadas anteriormente. No final percebe-se instalado um estado de coisas desmesurado. No dicionário, desmedir é mostrar-se abusivo ou inconveniente, passar dos limites, exceder-se, exorbitar, descomedir-se.
            Podemos dizer então que os “excessos” levam aos retrocessos. Retrocedemos quando nos arrependemos, mas, acima de tudo quando praticamos algo que joga para trás o que já havia sido empurrado para frente. Carregar é sempre mais difícil e demorado do que descarregar. Desmanchar, mais rápido que construir e, crescer, mais lento que queimar e devastar.
            Na política, as medidas desmedidas podem vir como medidas ou como reformas. Elas trazem o peso a ser suportado pelos atingidos. São cortes nas verbas prometidas, direitos retirados e nomeações de autoridades feitas com o claro objetivo de proteger alguns setores e personalidades que gabavam a pureza e a idoneidade, mas, que no fundo eram mais sujos que a sujeira alheia.
            São desmedidas protetoras e vingativas. Agem como se os idosos, as viúvas, os pesquisadores, os indígenas, quilombolas etc., fossem inimigos que precisam ser torturados para que confessem que são o problema da crise econômica e dos débitos do Estado.
            A política vingativa aparentemente é seletiva, mas não é. O fenômeno é universal. Ataca o presente e compromete o futuro. É verdade que se pode sopesar a favor e contra. Mais contra que a favor. Contra o país, contra a nação, contra os trabalhadores, contra os pobres, contra as discussões de gênero, contra a beleza, contra as florestas, os bons modos, a sabedoria, o comedimento das palavras, a ética, os valores, a democracia...
            As decisões, as palavras e as vinganças desmedidas, conduzem, rapidamente, para que, dentre todos os “des”, um deles nos seja favorável. É o caso da palavra “desmistificação”. No dicionário, novamente podemos comprovar que, desmistificar é: “Toda denúncia verbal ou escrita visando desiludir um grupo de pessoas ou coletividade a respeito de uma opinião ou de um conjunto de opiniões, crenças e valores considerados como falsos, preconceituosos, ilusórios e mistificadores”. Tudo a ver. Ainda há um grupo que sustenta o mito da justiça, da igualdade, da austeridade e do progresso.
            É tempo de revigorar as vias respiratórias, apagar o fogo da Amazônia e transferi-lo para o entusiasmo, para fazer jus ao provérbio chinês que nos inspira quando diz que: “Sem o fogo do entusiasmo não há calor na vitória”.
                                                                                              Ademar Bogo