domingo, 2 de setembro de 2018

O PODER DOS PODERES



            Durante a Idade Média, no tempo dos reinados, os poderes executivo, legislativo e judiciário eram exercidos por um só indivíduo. Assim continuou na Idade Moderna, com o absolutismo tendo algumas exceções. Seguindo o Direito Natural, dizia-se que acima do rei, somente existia Deus. Ninguém podia criticar ou desmentir o rei. Os equívocos cometidos eram corrigidos com a revogação da lei.
            Com a afirmação do Direito Positivo, os poderes foram emancipados e os homens dispensaram o Direito Natural e a presença de Deus. O preceito foi mudado e “acima dos homens, só há a lei”. Os poderes repartiram-se em três partes: Legislativo, Executivo e Judiciário, tendo eles uma relativa autonomia, porque, acima deles, por serem poderes humanos também existe a lei.
            As constituições capitalistas, após a Revolução Francesa (feita sob os três princípios: liberdade, igualdade e fraternidade), passaram a defender que, “Todos são iguais perante a lei...”. Nenhuma delas diz, mas poderiam dizer: “menos os juízes”.
            Os juízes fazem parte da espécie humana, mas estão um pouco acima dos cidadãos comuns e acima também dos demais poderes. O entendimento é que, se a lei está cima dos homens e são os juízes que a interpretam, monarcas, príncipes e reis eles não são, deuses é que são, porque são responsáveis pelo poder supremo.
            Vejamos as razões para essa classificação, comparando os três poderes, a iniciar pelo local de trabalho. O presidente, o senador e o deputado atuam no Palácio ou no Congresso, lugar próprio para humanos, o juiz não, o seu lugar é no Supremo Tribunal, lugar do juízo final, função que só pertence a Deus. As vestes também são diferenciadas. A cozinheira usa o avental, o professor o guarda-pó, o mecânico o macacão, por serem vestes de humanos, todos podem usar; o juiz tem a toga como peça reservada, é a túnica divina apropriada para quem toma decisões. Ele é o seu patrão, por isso aumenta o próprio salário. Salário de deuses, mas, como vive na terra precisa de auxilio moradia.
            Mas ainda há uma deferência, que está sob aquela competência: a hermenêutica. A palavra deriva do deus Hermes que na Grécia Antiga tinha a responsabilidade de traduzir para os humanos as decisões divinas. Havia essa necessidade porque a linguagem dos deuses era incompreensível aos ouvidos mortais e Hermes fazia com que as mensagens fossem compreendidas e depois cumpridas.
            E assim, desde a formação do Estado Moderno, fomos do céu ao inferno. O juiz ganhou a função de fazer a interpretação da lei. Ou seja, ele decide de acordo com sua consciência, interesses ou sentimento de justiça. Dessa maneira, mais que Hermes, o juiz age como um árbitro aplicando os seus próprios critérios. A prova disso é que frequentemente as decisões se dão por votações apertadas. Ora, se fosse para aplicar o que a lei diz, não haveria disputa e as votações seriam cordiais e de consenso, mas não são.
      Mas, acima de tudo o juiz é um hermeneuta. Descendente de Hermes que recebe as mensagens das constituições e as simplifica, mas também as modifica segundo as suas considerações. Quando um juiz erra o outro retifica e “por isso mesmo” fica.
      Dizem eles: “quem faz a lei é a política, mas depois de feita, os políticos a ela se submetem”. No entanto, não importam as razões nem as interpretações dadas quando as leis são elaboradas. Vale a interpretação no momento da aplicação. De fato, os juízes dos Supremos Tribunais, são seres especiais, acima dos homens e das leis. Quem poderá com eles?
Só o povo salva o povo.                                                                        Ademar Bogo