domingo, 31 de agosto de 2025

AGORA É DIFERENTE


            Se comprarmos o poder mundial a um triângulo de forças, veremos que ele mudou um pouco as aberturas dos seus ângulos, como também, está se estruturando com um novo formato. Se antes ele situava-se sobre as referências hegemônicas, tendo os Estados Unidos, Rússia e alguns países da Europa, agora, a base em formação é continental: Ásia, África e América Latina.

            A briga tarifária do governo dos Estados Unidos, praticamente, contra o mundo, pois ficaram apenas oito países sem penalização, arrastou para os seus pés, a velha Europa colonialista decadente que, ao submeter-se às imposições, abraçou-se a um moribundo ferido de morte pelo neoliberalismo, por eles mesmos criado.

            As novidades auspiciosas, firmam-se sobre as unidades das soberanias continentais. Logo, logo, veremos que é um atraso falar de “nossa pátria”, “meu país” ou “soberania nacional”. O novo conteúdo do internacionalismo proletário será formado pelas populações residentes no Sul Global.

            Neste momento ainda em transição, como latino-americanos, devemos olhar para trás para reconhecer que, desde 1492 o nosso continente suportou as dores das feridas provocadas pelas intervenções colonialistas e imperialistas. Os gritos de medo e desespero impediram os chamados à união para enfrentar os inimigos comuns. A voz de Simón Bolivar e de tantos outros, propondo a “pátria grande”, não logrou configurar-se. No entanto, as lutas pelas independências, iniciadas com o Haiti em 1804, seguiram um ritmo acelerado que, a maioria dos países tornaram-se independentes em menos de 20 anos, ou seja, entre 1810 e 1829 os processos estavam concluídos. Um curto período de tempo de ascensões promissoras na política, mas, a contaminação pela dominação econômica, mergulhou posteriormente todos os países na dominação, denominada por Florestan Fernandes, como “capitalismo dependente”, assim fundamentado nessa ideia: “O esforço necessário para alterar toda a infraestrutura da economia parecia tão difícil e caro que esses setores sociais e suas elites no poder preferiram escolher um papel econômico secundário e dependente, aceitando como vantajosa a perpetuação das estruturas econômicas construídas sob o antigo sistema colonial”.[1]

            Por essa constatação, podemos observar que, os anseios pelas independências levaram à substituição da dominação colonial pela dominação capitalista e imperialista. As corretas proposições do cubano José Martí e, do venezuelano Simón Bolivar, não encontraram as condições favoráveis para as junções nacionais em uma ampla unidade latino-americana. Os dois fatores externos que podemos considerar como limitações importantes, foram as revoluções liberais europeias de 1848, ocorridas depois das independências latinas e, as bases filosóficas do materialismo histórico ter surgido também nessa mesma época. Logo, sem teoria e condições revolucionárias as independências não suplantaram as oligarquias locais e, os Estados nacionais foram estruturados sem a presença efetiva dos trabalhadores e das massas populares; principalmente porque, os contingentes maiores dos trabalhadores, compunham a força-de-trabalho escravizada, como foi o caso brasileiro, que esse regime se encerrou 66 anos depois da independência.

            Nas duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), os países latino-americanos e caribenhos, pouca participação tivemos. A briga entre as grandes potências, com a própria Europa dividida, não afetou diretamente, com exceção da Rússia, os países do Sul-Global. Em certo sentido, fomos até beneficiados, como foi o caso da China que, com a derrota do Japão, logrou ter êxito e levou a cabo a revolução em outubro de 1949.

            No tempo presente, as mudanças operadas na forma de articulação, leva a crer que, ninguém estará imune à guerra, mas os polos articulados colocam em desvantagem a aliança entre os Estados Unidos e a Europa. Por outro lado, se a Rússia enfrenta sozinha a guerra situada na Ucrânia, mas é contra todas as potências do Norte Global, a China lidera e distribui pelos países do mundo articulados, investimentos em infraestrutura e os avanços no domínio tecnológico produtivo, distanciando-se cada vez mais com as revoluções da robótica, da informática e da eletrônica, iniciadas nos países capitalistas, mas indo além nova rota da seda, fortalecendo os continentes do Sul Global, explorados e violentados por aquelas potências decadentes.

            O poderio bélico dos Estados Unidos é uma das poucas garantias que lhes sobra para ameaçar países desobedientes. A Venezuela lidera hoje a resistência contra o imperialismo e depende dos demais países para fortalecer-se na defesa dos interesses comuns dos povos latino-americanos. Ao longo da história já experimentamos as diversas formas de repressão e de golpes militares. Contra isso, já sabemos defender-nos. O que eles nos prometem no presente são as invasões militares e as valorizações das divisões internas, promovidas pelo incentivo aos conflitos religiosos, culturais, regionais, com o único objetivo de controlarem e saquearem os minérios nobres e o petróleo, para tentarem fazer frente ao aos avanços do novo modelo econômico, com novas referências cambiais e formas inovadas de aplicações tecnológicas de produção e prestação de serviços.

            Portanto, na atualidade, podemos relacionar dezenas de confrontos internos e externos, mas um deles pelo menos nos favorece, que é o da expectativa progressista contra o desespero. Os Estados Unidos, após longo período de terrorismo internacional, agora se desmancham por dentro. Como um sujeito de vísceras apodrecidas é um corpo doente. Surge lá um conceito novo: “morte por desespero”, pois, a insegurança pessoal é tamanha, seja na ausência de um sistema público de saúde, de educação gratuita e de garantias de trabalho que, as expectativas de vida para a população masculina,  caiu para 50 anos. Os opioides, espécie de droga misturada a analgésicos, são buscados na tentativa de acalmar a ansiedade, a depressão e impedir o suicídio.

            As contradições políticas afetam a governabilidade desastrosa de um presidente alucinado, mas também tomado pelo desespero de não saber como enfrentar todos os inimigos que se voltam contra si. Com seus arroubos ignorantes conseguiu unificar concepções e posições políticas opostas, como as do Brasil e a Índia e, internamente o elevado volume de processos contra as suas medidas, chegando ao ápice de, no último dia 29 de agosto de 2025, o Tribunal de Apelações dos Estados Unidos, decidiu pela ilegalidade das mudanças nas taxas de importação. Ou seja, a onda de rejeição ao tarifaço, impulsionada pelos países do mundo, ganha repercussão nas entranhas do próprio império.

            Temos certeza que os ventos da política mudaram a direção. Parafraseando o filósofo Sêneca, da escola estoica, morto na prisão de Roma no ano de 65 d.C. que: “Quando não se sabe para qual porto navegar, nenhum vento é favorável"; nossa vantagem frente ao imperialismo, é a de sabemos que, daquele porto estamos saindo e, com o vento a favor, não tardaremos a chegarmos nas intermediações do socialismo.

                                                                       Ademar Bogo



[1] FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981, p. 13.

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