Se comprarmos o poder mundial a um triângulo de forças,
veremos que ele mudou um pouco as aberturas dos seus ângulos, como também, está
se estruturando com um novo formato. Se antes ele situava-se sobre as referências
hegemônicas, tendo os Estados Unidos, Rússia e alguns países da Europa, agora,
a base em formação é continental: Ásia, África e América Latina.
A briga tarifária do governo dos Estados Unidos,
praticamente, contra o mundo, pois ficaram apenas oito países sem penalização,
arrastou para os seus pés, a velha Europa colonialista decadente que, ao
submeter-se às imposições, abraçou-se a um moribundo ferido de morte pelo
neoliberalismo, por eles mesmos criado.
As novidades auspiciosas, firmam-se sobre as unidades das
soberanias continentais. Logo, logo, veremos que é um atraso falar de “nossa
pátria”, “meu país” ou “soberania nacional”. O novo conteúdo do
internacionalismo proletário será formado pelas populações residentes no Sul Global.
Neste momento ainda em transição, como latino-americanos,
devemos olhar para trás para reconhecer que, desde 1492 o nosso continente
suportou as dores das feridas provocadas pelas intervenções colonialistas e imperialistas.
Os gritos de medo e desespero impediram os chamados à união para enfrentar os
inimigos comuns. A voz de Simón Bolivar e de tantos outros, propondo a “pátria grande”,
não logrou configurar-se. No entanto, as lutas pelas independências, iniciadas
com o Haiti em 1804, seguiram um ritmo acelerado que, a maioria dos países tornaram-se
independentes em menos de 20 anos, ou seja, entre 1810 e 1829 os processos
estavam concluídos. Um curto período de tempo de ascensões promissoras na
política, mas, a contaminação pela dominação econômica, mergulhou
posteriormente todos os países na dominação, denominada por Florestan Fernandes,
como “capitalismo dependente”, assim fundamentado nessa ideia: “O esforço
necessário para alterar toda a infraestrutura da economia parecia tão difícil e
caro que esses setores sociais e suas elites no poder preferiram escolher um
papel econômico secundário e dependente, aceitando como vantajosa a perpetuação
das estruturas econômicas construídas sob o antigo sistema colonial”.[1]
Por essa constatação, podemos observar que, os anseios pelas
independências levaram à substituição da dominação colonial pela dominação
capitalista e imperialista. As corretas proposições do cubano José Martí e, do
venezuelano Simón Bolivar, não encontraram as condições favoráveis para as
junções nacionais em uma ampla unidade latino-americana. Os dois fatores
externos que podemos considerar como limitações importantes, foram as
revoluções liberais europeias de 1848, ocorridas depois das independências latinas
e, as bases filosóficas do materialismo histórico ter surgido também nessa
mesma época. Logo, sem teoria e condições revolucionárias as independências não
suplantaram as oligarquias locais e, os Estados nacionais foram estruturados
sem a presença efetiva dos trabalhadores e das massas populares; principalmente
porque, os contingentes maiores dos trabalhadores, compunham a
força-de-trabalho escravizada, como foi o caso brasileiro, que esse regime se
encerrou 66 anos depois da independência.
Nas duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945),
os países latino-americanos e caribenhos, pouca participação tivemos. A briga
entre as grandes potências, com a própria Europa dividida, não afetou
diretamente, com exceção da Rússia, os países do Sul-Global. Em certo sentido,
fomos até beneficiados, como foi o caso da China que, com a derrota do Japão,
logrou ter êxito e levou a cabo a revolução em outubro de 1949.
No tempo presente, as mudanças operadas na forma de articulação,
leva a crer que, ninguém estará imune à guerra, mas os polos articulados
colocam em desvantagem a aliança entre os Estados Unidos e a Europa. Por outro
lado, se a Rússia enfrenta sozinha a guerra situada na Ucrânia, mas é contra todas
as potências do Norte Global, a China lidera e distribui pelos países do mundo
articulados, investimentos em infraestrutura e os avanços no domínio tecnológico
produtivo, distanciando-se cada vez mais com as revoluções da robótica, da informática
e da eletrônica, iniciadas nos países capitalistas, mas indo além nova rota da
seda, fortalecendo os continentes do Sul Global, explorados e violentados por
aquelas potências decadentes.
O poderio bélico dos Estados Unidos é uma das poucas
garantias que lhes sobra para ameaçar países desobedientes. A Venezuela lidera
hoje a resistência contra o imperialismo e depende dos demais países para
fortalecer-se na defesa dos interesses comuns dos povos latino-americanos. Ao
longo da história já experimentamos as diversas formas de repressão e de golpes
militares. Contra isso, já sabemos defender-nos. O que eles nos prometem no presente
são as invasões militares e as valorizações das divisões internas, promovidas
pelo incentivo aos conflitos religiosos, culturais, regionais, com o único
objetivo de controlarem e saquearem os minérios nobres e o petróleo, para tentarem
fazer frente ao aos avanços do novo modelo econômico, com novas referências
cambiais e formas inovadas de aplicações tecnológicas de produção e prestação
de serviços.
Portanto, na atualidade, podemos relacionar dezenas de
confrontos internos e externos, mas um deles pelo menos nos favorece, que é o
da expectativa progressista contra o desespero. Os Estados Unidos, após longo
período de terrorismo internacional, agora se desmancham por dentro. Como um sujeito
de vísceras apodrecidas é um corpo doente. Surge lá um conceito novo: “morte
por desespero”, pois, a insegurança pessoal é tamanha, seja na ausência de um
sistema público de saúde, de educação gratuita e de garantias de trabalho que,
as expectativas de vida para a população masculina, caiu para 50 anos. Os opioides, espécie de
droga misturada a analgésicos, são buscados na tentativa de acalmar a ansiedade,
a depressão e impedir o suicídio.
As contradições políticas afetam a governabilidade
desastrosa de um presidente alucinado, mas também tomado pelo desespero de não
saber como enfrentar todos os inimigos que se voltam contra si. Com seus arroubos
ignorantes conseguiu unificar concepções e posições políticas opostas, como as
do Brasil e a Índia e, internamente o elevado volume de processos contra as
suas medidas, chegando ao ápice de, no último dia 29 de agosto de 2025, o
Tribunal de Apelações dos Estados Unidos, decidiu pela ilegalidade das mudanças
nas taxas de importação. Ou seja, a onda de rejeição ao tarifaço, impulsionada
pelos países do mundo, ganha repercussão nas entranhas do próprio império.
Temos certeza que os ventos da política mudaram a direção.
Parafraseando o filósofo Sêneca, da escola estoica, morto na prisão de Roma no
ano de 65 d.C. que: “Quando não se sabe para qual porto navegar, nenhum vento é
favorável"; nossa vantagem frente ao imperialismo, é a de sabemos que, daquele
porto estamos saindo e, com o vento a favor, não tardaremos a chegarmos nas
intermediações do socialismo.
Ademar
Bogo
[1] FERNANDES, Florestan. Capitalismo
dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1981, p. 13.
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