domingo, 29 de outubro de 2023

HOLOCAUSTO E HORROR

 

            O tema do holocausto veio à tona, com maior vigor, a partir de 1933 quando na Alemanha instalou-se o regime nazista de Adolfo Hitler e, culminou com extermínio de 6 milhões de judeus nas câmaras de gás. Na atualidade, todos os países, incluindo a Alemanha, condenam aquela política de extermínio e, julgamos ter sido um crime e não um direito do regime nazista de se defender dos judeus por estarem habitando o território alemão.

            A História do último encaminhamento, para sintetizar, já sabemos que, em 14 de maio de 1948, a Organização das Nações Unidas – ONU, determinou que o território fosse dividido: 54% dele ficou para Israel e, 46% para os palestinos. De lá para cá, os conflitos entre os dois povos, nunca cessaram, principalmente porque Israel continuou a invadir a parte da área pertencente à Palestina, e estabelecendo um verdadeiro Apartheid social, com perseguição e repressão ao povo considerado incômodo.

            Aparentemente essas práticas de holocaustos já não existem mais. Deveríamos chamar então de horror as medidas políticas tomadas por qualquer governo, de chacinar as populações pobres, como ocorre no Haiti, ou com os jovens negros nas favelas brasileiras; ou ainda a população palestina em luta há décadas contra Israel, que invadiu o seu território e impede a organização de um país soberano?

            A filósofa Hannah Arendt, ao escrever sobre “A ideologia do terror”, demonstrou que ele é a lei do movimento. Esse movimento seleciona os inimigos e, além de contra eles desencadear o terror, quer impedir que qualquer ação livre, de oposição ou de simpatia, interfira para impedir a eliminação dos seus opositores. Culpa e inocência viram conceitos vazios, porque, o “culpado” passa a ser o próprio inocente e, não tendo direito à defesa, é julgado à revelia e morto. “O terror manda cumprir esses julgamentos, mas no seu tribunal os interessados são subjetivamente inocentes: os assassinados porque nada fizeram contra o regime, e os assassinos porque realmente não assassinaram, mas executaram uma sentença de morte pronunciada por um tribunal superior”.[1]

            O tribunal superior, na atualidade, também é instalado aleatoriamente, segundo os interesses das potências capitalistas, reafirmadas pela mídia que, de imediato, constroem a opinião para criar consenso sobre a sentença determinada. Os dois argumentos fortes, inclusive utilizado pelas televisões brasileiras que, até pouco tempo serviam ao nazifascismo brasileiro, interrompido temporariamente são, de que o Hamas “é terrorista” e que “Israel tem o direito a se defender”. Com esses critérios não há limites para o terror a ser praticado.

            Nas avaliações interesseiras, não há o mínimo de recuperação histórica para mostrar o horror que os palestinos sofreram cotidianamente com a discriminação e repressão. A reação palestina é vista como terror, mas as ações de Israel contra civis, hospitais, o corte da água, luz e redes de comunicação, no território alheio, é visto como “direito à defesa”.

            Se Israel neste momento exige a libertação dos reféns, deve libertar os presos palestinos, reconhecer o direito ao território reivindicado e deixá-lo livre para que surja um novo país soberano. A desumanidade realizada pelo Hamas, provocada pelo sequestro de duas centenas de pessoas, não chega nem perto de toda violência, morte e sacrifícios impostos ao povo palestino. O mundo precisa ver isto.

            A resistência palestina ensina uma nova forma de ataque e defesa. As construções subterrâneas feitas por túneis cavados à picaretas, demonstram que o simples continua sendo válido para enfrentar o grande arsenal bélico, moderno e altamente sofisticado, que pode acertar um mosquito sem destruir nada ao redor, a quilômetros de distância.

            Há portanto, um território subterrâneo, em Gaza; galerias perfeitas como encontradas em um formigueiro, construído para fazer a guerra. No entanto, ao mesmo tempo que isto tem se tornado uma nova forma de resistência, apresenta enorme risco, pois, o horror das câmaras de gás do passado pode se repetir, assim que os reféns forem liberados e os labirintos dos túneis forem tomados por gases químicos, jogado pelas forças israelenses, tornando aqueles esconderijos insuportáveis.

            O mundo precisa levantar-se e protestar contra esse falso direito de Israel, de se defender fora de seu território, pois, isto significa ataque e não defesa.  Por outro lado, as mobilizações devem exigir que os governantes tomem medidas concretas para pôr fim ao conflito, reconhecendo o direito definitivo dos palestinos terem o seu país. Vamos à luta.

                                                                                   Ademar Bogo



[1] ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.618.

domingo, 15 de outubro de 2023

A VIOLÊNCIA DA VIOLÊNCIA


O filósofo Friedrich Engels, ao escrever o livro “Anti-Dühring” acentua com profundidade as causas e as diversidades de formas de violência principalmente, econômica. Ao se reportar às armas destaca que: “Estes instrumentos, que não brotam do solo por si sós, tiveram de ser produzidos, o que equivale a dizer que o produtor dos mais perfeitos instrumentos de violência, que são as armas, triunfa sobre o produtor dos mais imperfeitos. Daí temos de reconhecer, em resumo, que a vitória da violência se reduz à produção de armas e que esta, por sua vez, se reduz à produção em geral, e, portanto, ao "poderio econômico", à "situação econômica", aos meios materiais colocados à disposição da vontade de violência”[1]

A violência na Palestina tem nome: “Crime de invasão”. Ela se amplia desde o início do século passado, quando por meio do movimento “Sionista” o poder econômico europeu contribuiu para que os colonos judeus comprassem terras na região da Palestina para reiniciar um núcleo de organização dos judeus dispersos pelo mundo.

 Na atualidade essa invasão atende pelo nome de “vingança poderosa”. Na verdade, a reação proposta pelo Hamas de quebrar as barreiras da opressão, poderíamos considerá-la como uma “revolta prisional”, pois, o governo de Israel mantém isolados, há décadas, mais de 2 milhões de palestinos, em um território prisional de 225 quilômetros quadrados.

As potências capitalistas do mundo, através de seus líderes, seguidos por outros menos importantes, declaram que: “Israel tem o direito a se defender”, mas não defendem nenhum limite aos ataques, nem ao oferecimento de armas e assessoria militar. Por outro lado, os que sempre defenderam os direitos dos palestinos de terem o seu Estado, com território demarcado e reconhecido, continuam com a mesma posição, mas sem demonstrarem nenhum gesto de proteção.

Muitas opiniões manifestam sentimentos de penalização aos judeus apoiando-se no holocausto dos mesmos, nas câmaras de gás, controladas pelo alemães nazistas no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Aquela barbárie cometida contra seres humanos, sequestrados, presos e violentados, deve ser rechaçada e organizar-se para que nunca mais venha acontecer. No entanto, os judeus que hoje, agem com seus métodos também perversos, deixando sem água, remédios e alimentos, milhares de homens, mulheres e crianças, cultivam  a mesma filosofia sionista surgida na Europa, no final do século XIX, quando os seus representantes buscaram criar o Estado de Israel, sobre os territórios pertencentes ao que era a Palestina.  

Ao fazer referência a Sião, da qual surge a palavra que deu nome ao movimento “sionista”, retomam os seus criadores, os textos bíblicos e, passam a fazer política com os fundamentos religiosos. O “Monte Sião”, situado em Jerusalém, serviu de referência simbólica para que o judaísmo lutasse a favor da formação do Estado de Israel, com a clara intenção de fazer a “limpeza étnica da Palestina”. Sem prolongar muito as explicações, esse movimento foi vitorioso e em 14 de Maio de 1948, por ordem da Organização das Nações Unidas – ONU – que aprovou, a partir da Resolução 181, a divisão da Palestina, deixando 53,5% do território para Israel que, não satisfeito, após a oficialização de suas reinvindicações, passou a invadir e assentar colonos na área destinada ao palestinos.

Hoje, quando ouvimos as expressões em defesa dos “direitos”, em grande medida, deixamos de fora os verdadeiros culpados pelo conflito interminável entre os dois povos. Há interesses dos Estados Unidos da América, nessa carnificina. Israel tornou-se para o Ocidente a base militar para enfrentar os países de nacionalidade árabe da região. Por isso, contra a bravura dos palestinos erguem-se as forças do capital internacional, para manterem o conflito e tornarem permanente as ameaças contra os governos dissonantes ao redor de Israel.

Diante disso, a Organização das Nações Unidas, que no passado oficializou a divisão territorial, não tem poder para garantir aquela decisão de 14 de maio de 1948 e oficializar os dois Estados com seus povos soberanos.

Para melhor ilustrar aquele conflito, podemos tomar como referência os indígenas brasileiros, que defendem a demarcação de suas terras, para garantirem a organização de 305 povos ainda existentes e, por isso, necessitados de reaverem os seus territórios. O “Marco temporal” que entrega ao tempo final ao ano de 1988 para as demarcações de terras, é a imagem e semelhança do acerto imposto pela ONU, aos palestinos e judeus em 1948. Os capitalistas sabem que, as leis mudam com o uso da força e, diante disso, os povos nativos, ameaçados desde o ano de 1500, enquanto não superarmos o capitalismo, serão alvo da cobiça e da violência do capital e de seus representantes.

Em síntese, os conflitos locais são apenas pequenas explosões das contradições universais. Os capitalistas agem de acordo com o movimento do capital. O poder deixou de ser político e passou para o domínio da violência e, sob o seu comando vale mais matar do que pacificar.

                                                           Ademar Bogo



[1] ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. Cap. III, Teoria da violência, p. 86.

domingo, 1 de outubro de 2023

AS LEIS E A JUSTIÇA.


            Quando o Direito positivo, este que está em vigor em todas as partes o mundo; após a Revolução Francesa de 1789, posto acima dos demais direitos, divino e natural, para essa nova formulação, o filósofo Georg Hegel em seu livro, “Princípios da Filosofia do Direito” (inciso 270), destacou que: “É o Estado a realidade da liberdade concreta”.[1] Ou seja, a liberdade de cada indivíduo na sociedade, está garantida pela lei e não pela falta dela.

            No real parece ser o oposto, porque, olhando do ponto de vista prático, tudo aquilo que cerceia a vontade, também limita a liberdade. O muro que prende o cachorro feroz, provavelmente para ele é um problema, pois, não o deixa exercer o seu direito de ir e vir. Assim ocorre com as cercas ao redor de uma propriedade etc. Mas Hegel viu na lei, a ordem, por isso quando não há lei estatal, qualquer indivíduo pode impor a sua e desmanchar os contratos, tomar as propriedades e ainda decidir sobre a vida de seus semelhantes.

            A importância dessa elaboração inovadora, adaptada à fisionomia da burguesia, ainda revolucionária, era a de fazê-la livre para implementar os negócios e ampliar as suas posses. Por outro lado, para não correr riscos, teria a força estatal para cuidar desses interesses e garanti-los à força. O pagamento por esse esforço empregado publicamente, viria do recolhimento dos impostos. Em síntese, a liberdade teve, desde o início um preço a ser pago, como um dever obrigatório para adquirir um direito.

            Não podemos deixar passar despercebido que, a propriedade privada, a produção e acumulação da riqueza por meio do trabalho e a circulação do capital, estão na origem desse debate. Tanto assim que Karl Marx, ao reler a obra de Hegel, interessou-se bastante por esse capítulo denominado de: “O Direito Público interno”, iniciado no inciso (260) e, de imediato, destacou que, a premissa inicial do texto pregava que: (...) a liberdade concreta consiste na identidade .... do sistema dos interesses particulares (da família e da sociedade civil), com o sistema do interesse geral (do Estado)”[2]. A polêmica seguiu-se, margeando o alcance dessas primeiras proposições e chega aos nossos dias, movida pelos mesmos interesses alimentados pela propriedade privada e pela acumulação do capital.

            Antes que dispersemos a atenção e comecemos a perguntar por exemplo, o que seria de uma sociedade sem Estado, leis, parlamentares, juízes, policiais e prisões? Ou se seria possível viver em uma sociedade na qual qualquer indivíduo faz a sua lei, tendo os mais fortes o direito a exterminarem os mais fracos?

            Embora que no fundo trata-se desse problema dos mais forte por força da lei garantem o direito a eliminarem os mais fracos, não é este o sentido da discussão. Evidentemente, uma sociedade acostumada a viver com certas convenções, ao se ver privada delas, se desarruma. Mas é bom pensar que, há redutos nos subúrbios das grandes metrópoles e em muitas pequenas cidades, nas quais as leis já são feitas pelo tráfico ou outros grupos ligados ao crime e não pelo Estado.

            A questão é saber quando as leis servem aos interesses gerais, voltadas para o Bem-comum, ou se voltam para servir a liberdade de grupos particulares, dedicados à acumulação do capital e a ampliação das posses? Podemos comparar as importâncias. Para uma família sem casa, a garantia da lei de que ela é livre para comprar um terreno e construir o seu espaço, é fundamental. A escritura comprova o direito de propriedade e pode ser usada como garantia para fazer um financiamento bancário etc. Isso se repete com qualquer objeto. Um bem de uso comprado, com nota fiscal, dá garantia de que pertence a quem o pagou. No entanto, isto é válido também para o grande proprietário que, para construir um condomínio, utiliza-se dos mesmos argumentos para despejar centenas de famílias que não possuem um documento igual ao dele. As grandes empresas de mineração que invadem as regiões, obrigando as câmaras de vereadores aprovarem a exploração dos minérios e, tantos outros exemplos que não há necessidade de aqui citá-los.

            Vamos além, no poder dos mais fortes sobre os mais fracos, e, estacionemos no assunto do momento conhecido como “Marco temporal”. Ninguém pode negar que o território, antes do ano de 1.500 era habitado por muitos povos indígenas; diz o IBGE de hoje, existir 350 etnias, com  270 línguas diferentes. Não há registros que esses habitantes tivessem um cartório de registro de propriedade e nem que houvesse algum corretor de imóveis demarcando e vendendo lotes para os indígenas. No entanto, a “sociedade civilizada” (Hegel a chamou de civil), por meio da autoridade dos poderes da República e, instigada por grupos interesseiros, entrou em conflito para decidir até que data os povos originários, tem o direito de reivindicar a posse de suas terras. E, a data sugerida é precisa: 05 de outubro de 1988, dia da aprovação da última Constituição Federal.

            No momento arma-se um teatro para protelar a decisão. De um lado o Congresso Nacional, aprovou o projeto de lei, 490/2007 na Câmara dos Deputados e o encaminhou, com a referência 2903/2023; aprovado também no Senado Federal no mesmo momento em que o Supremo Tribunal Federal, pela maioria dos juízes, definiu com posição contrária ao marco temporal.

            Todos sabemos o que irá acontecer. Na medida em que o Supremo Tribunal considerar inconstitucional essa lei aprovada, ou o presidente da República vetar, o Congresso Nacional, composto por representantes do capital e da grande propriedade, produzirá uma PEC (Projeto de Emenda à Constituição), e dirão que agora, a Constituição estabelecerá claramente o que os interesses privados querem.  

            Em síntese, as mesmas palavras na boca de diferentes falantes podem ter significado oposto. Porém, enquanto os povos indígenas continuarem resistindo, sozinhos, contra a aprovação das leis, os interesses privados andarão a passos largos, em vista de garantirem, legalmente ao capital, os direitos privados, desrespeitando os direitos legítimos das populações mais pobres. A força da lei não pode ser maior do que a força da justiça, para tanto, é preciso continuar a luta para superar o capital e o Estado, para que, nunca mais, a medida do justo seja imposta pela propriedade.  

                                                           Ademar Bogo



[1] HEGEL, Georg, W. F. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1997, p. 211.

[2] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 33.