domingo, 18 de julho de 2021

FALSA CONSCIÊNCIA E IMITAÇÃO

O filósofo Georg Lukács, considerou as revoluções liberais de 1830 e, principalmente as de 1848, referências determinantes para entendermos que a burguesia como força política hegemônica, junto com a perda do seu lugar à frente do progresso social, principiou a viver também a decomposição da filosofia clássica, sustentadora até então dos seus anseios revolucionários.

Com o fortalecimento do proletariado, a Filosofia passou a ser produzida pelos críticos e não mais pelos defensores do capitalismo. A superação desse modo de produção constituiu a base do estímulo para se buscar a unidade mundial dos trabalhadores, como a nova força revolucionária, por meio das formas de organização sindical e partidária, tendo a sua expressão primeira na Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864.

Se a filosofia liberal burguesa a partir das revoluções de 1848 principiou a sua decomposição, em qual campo passou a ser sustentado o pensamento burguês? Ao valorizar a ciência e a tecnologia, a busca pela produção de novas mercadorias, incluído a indústria bélica, grande parte dos capitalistas orientou-se pelas leis tendências da economia e, outra parte, adepta dos ganhos rápidos, encarnou o capital especulativo, estreitamente ligado ao poder político do Estado capitalista. No entanto, em termos de pensamento filosófico, produzido por Thomas Hobbes, John Locke, Adam Smith, Immanuel Kant, Georg Hegel, para citar alguns deles, houve um total apagão e em seu lugar os burgueses passaram a atuar, principalmente na política com a ideologia.

Qual é a diferença entre Filosofia e Ideologia? Grosso modo, podemos dizer que a Filosofia empenha-se num processo constante de revelação da verdade, enquanto que, a ideologia, segue o caminho inverso, ocupa-se de obscurecer a verdade. Inicialmente a ideologia não chega a ser uma “mentira”, porque os elementos reunidos nas justificativas são reais. E, se por um lado os burgueses unificam as justificativas com os interesses, por outro lado esperam que as suas ideias enganosas sejam tomadas como verdade. Marx e Engels em 1845 denominaram essa forma de ser da ideologia, de “falsa consciência”. Ou seja, os ideólogos enganados pelas próprias formulações, pensam levar as suas ideias como verdades para serem assimiladas pela sociedade em geral.

Há diversos exemplos na História demonstradores desse entendimento. Quando na Idade Média as pregações defendiam que no universo a terra era centro e, baseados nas Sagradas Escrituras consideravam herege quem pensasse o contrário, não era uma mentira, apenas um engano mais tarde esclarecido. Quando Adam Smith em seu livro, “A riqueza das nações” atribuiu ao equilíbrio das relações entre produção, circulação e consumo à força de “uma mão invisível” ou ao próprio mercado, estava concretizando o pensamento liberal e, para a época, as mais puras verdades econômicas. Mentiras são as justificativas neoliberais de nosso tempo, isto porque já existindo elaborações contestadoras das formulações da economia política formuladas no passado, tentam ainda fazer crer nos enganos já debelados.

Mas a ideologia pode também vir a ganhar a forma de mentira e desenvolver-se por meio de uma segunda forma de “falsa consciência”, fazendo com que falsas ideias ganhem credibilidade na consciência das massas. Vimos isto muito nitidamente na “Operação Lava” Jato ao propor-se combater a corrupção quando o objetivo era interferir no processo eleitoral; as reformas da previdência e trabalhista que prometia mais empregos e segurança previdenciária; a eleição de um “antipolitico” para implantar uma “nova política”; a liberação da venda de armas para “combater a violência”; o tratamento precoce como prevenção da contaminação do coronavírus, quando por trás era para as empresas farmacêuticas triplicarem os lucros; a eficiência do funcionamento da máquina pública, com a presença de militares que se revelam ainda mais corruptos;  o negacionismo da ciência em nome da contaminação e imunização natural e tantas outras mentiras.

Mas porque então sendo mentiras comprovadas uma parcela da população continua acreditando serem verdades? Pela simples razão de que a “falsa consciência” é alimentada em todos os seus momentos e as justificativas atuam basicamente em três sentidos: emoção, imaginação e vontade. Ou seja, a vitimização afeta diretamente as emoções mantendo-as em um nível elevado de revolta, porque, por trás da “falsa vítima” há indicações de culpados reais, seja como instituições, leis ou autoridades. Imaginariamente o comunismo é apresentado como um terror emergente vindo pelas mãos de inimigos portadores de símbolos, como as bandeiras vermelhas, por isso, “eles” devem vestir-se com verde e amarelo e irem aos templos evangélicos orarem para que o pior não aconteça. Tudo isso desperta a vontade de fazer alguma coisa, nem que seja replicar nas redes sociais as mentiras contadas, pelos agiotas do capital especulativo em sintonia com o “gabinete do ódio” e o banditismo institucionalizado.

 Dito isso, não podemos festejar, porque descobrimos que as forças burguesas desde 1848 atuam com total ignorância filosófica. Muito pelo contrário, se assim o fazem é porque, essa classe, ao deixar de ser revolucionária, passou a se guiar pelos interesses privados e, mesmo sem renovar os fundamentos teóricos, atua obedecendo as ondas e as crises, enquanto a decadência do modo de produção capitalista permitir. Portanto, mais do que festejar devemos temer o avanço da barbárie que essas formas falsas de consciência induzem a não perceber.

De outro modo, poderíamos pensar que a Filosofia do proletariado, iniciada pela teoria social de Karl Marx e Friedrich Engels, nos ajudaria a combater as formas de “falsa consciência” proliferadas pela ideologia burguesa. Mas não é bem assim, por duas razões: a primeira é que a própria “filosofia proletária” sofre de certos transtornos e atrofias intelectuais, concentrando em si enormes limitações para se impor como a única Filosofia possível de evolução e, a segunda, é que o perigo de reproduzirmos as duas formas de “falsa consciência” é iminente e, por isso, as proposições de saídas para a superação do capitalismo, assemelham-se às falsas formas de entendimento para mantê-lo.

Se observarmos atentamente ao movimento das contradições políticas, perceberemos os limites. Em primeiro lugar, a humanidade acostumou-se a diferenciar quem está a favor ou contra na política, pelas categorias de “situação” e “oposição” ou “direita” e “esquerda”. Essas categorias tiveram as suas origens nas disputas entre as forças da Revolução Francesa, que nem partidos políticos ainda possuíam, mas se dividiam em partes denominadas por “Girondinos”, direita, e “Jacobinos”, esquerda. No entanto, essa esquerda jacobina, legalista, que havia dirigido a Revolução, não queria destruir o capitalismo, mas fortalecê-lo tornando eficiente também o Estado capitalista e o Direito positivo

Entre a esquerda jacobina, de 1789 orientada pela Filosofia clássica e liberal burguesa, e a nova classe proletária criadora da nova Filosofia escrita por Marx, existe grande diferença: nos princípios, forma organizativa, moral revolucionária etc. Mas isto pouco ou quase nada poderia nos interessar por representarem resquícios de um passado distante. Mas não. Tanto a esquerda Jacobina da Revolução Francesa continua presente em nossos dias, quanto o proletariado, eleito por Marx como a classe em ascensão para a superação do capitalismo. No entanto, principalmente os “jacobinos” que atua nos partidos comprometidos com as disputas eleitorais apenas, buscam melhorar o funcionamento do capitalismo e do Estado, orientando-se pela enganosa de “falsa consciência”.

 Podemos agora questionar, se as forças de direita e de esquerda utilizam os mesmos recursos da “falsa consciência”, possuiriam os mesmos objetivos? Sem muitas delongas respondemos que não. As forças de direita são enganadoras e mentirosas. Agem dessa forma, mesmo sabendo que existem explicações para as crises e para a decadência do capitalismo, por isso, não estão enganadas, mas consciente. Nesse sentido, elas atuam sustentando a ideologia como mentira. Ao contrário, do ponto de vista da “esquerda jacobina”, a sua atuação se sustenta na primeira forma de “falta consciência”. Age de boa vontade, mas está enganada porque que não consegue conciliar a visão utópica com a realidade. E, por sua vez, ao ignorar a Filosofia do proletariado formulada não consegue formular as verdadeiras questões que desvendem as contradições, por isso enganada engana os trabalhadores, fazendo-os acreditar que, se “substituir os governantes”, o capitalismo funcionará melhor. Mas podem ter um ponto em comum de agirem sem Filosofia: a direita por não tê-la e a esquerda por desleixo de não estudá-la e conhecê-la.

Essa forma de ideologia adotada pela esquerda governista, mesmo que não mentirosa, mas enganosa, compromete profundamente a definição das táticas e estratégias no que diz respeito a seus alcances; a formulação das tarefas e dos métodos de ação, bem como as escolhas das leituras e temas de formação da militância.

Voltar a ler Marx não significa abandonar tudo que foi elaborado filosoficamente de útil depois dele, mas, acima de tudo, é voltar ao ponto em que a filosofia burguesa se exauriu e entender que de lá para cá, o que a classe dominante fez, foi governar o mundo por meio da “falsa consciência”, transformando as mentiras em crenças e as crenças em alienação.

           As batalhas são múltiplas, mas esta das ideias torna-se fundamental para que o domínio filosófico ilumine os passos por onde devemos andar para chegarmos, conscientes e vitoriosos no futuro.                                                          
                                                                                                           Ademar Bogo     

domingo, 11 de julho de 2021

A QUESTÃO DA ORGANIZAÇÃO

A questão da organização política é o tema pouco elaborado no Brasil. O que se fez ao longo do tempo nos setores de esquerda foi falar mal dos partidos comunistas como se os arremedos construídos fossem melhores.

Toda confusão e mergulhos nos limites devem-se à falta consciente, primeiro da existência da pergunta, para que queremos um partido político? E, segundo, à qualidade das respostas, porque elas podem ser múltiplas. Uns podem achar que o partido serve para governar e resolver problemas sociais e, por isso empenham-se em fazer das alianças necessárias para dividirem, depois da vitória, os cargos do Estado entre todos os partidos por eles criticados.

Quando o partido não é visto como a referência de organização para elevar a consciência das massas em vista de incluí-las no processo da insurreição, os debates tendem a escalonar as avaliações: “depois de nós” quem são os melhores? Se no nível rebaixado da luta de classes um partido escolhe-se como “o melhor”, comete o primeiro erro, pois, acha que já está pronto e, mesmo estando no primeiro degrau da escada, quer olhar o mundo de cima para baixo, mas não vê além de algumas cabeças confusas que se debatem, sem teoria, saídas diferenciadas e propostas de transformação e superação das estruturas sociais.

O austríaco Georg Luckács nos disse que tudo é questão de maturidade e imaturidade. As duas situações somente podem ser medidas, “quando a compreensão ou a atitude a respeito do que pode ser feito, existe para a consciência da classe e ação de seu partido dirigente sob uma forma abstrata imediata ou concreta mediata”. O que mais vemos são partidos velhos imaturos, sem classe, e por isso desclassificados para assumirem tarefas mediatas ou que sirvam de mediações para a realização da causa concreta da superação do capitalismo e não da causa abstrata de assumir  o Estado e com ele o propósito de superar as crises.

Por que então se investe mais na inconsciência do que na formação da consciência? Porque uma classe consciente não aceita assumir as causas abstratas que apenas ilusoriamente provocarão mudanças. E é pela ausência da organização de classe, não ampliada pela consciência de classe que não atraímos para o nosso lado as massas exploradas e empobrecidas em geral. De longe e de perto os partidos respeitadores da ordem capitalista, são muito parecidos. Formar consciência é trabalhoso e, ao mesmo tempo incômodo, porque, um indivíduo consciente é também um fiscal da coerência e do comportamento de seus dirigentes.

Um partido tem a função de dirigir, por isso a qualidade da consciência dos seus componentes deve estar acima do senso comum em geral. Isso somente se consegue pelo estudo e pela prática desburocratizada. A prática não significa a atuação para solucionar problemas para melhorar o funcionamento do capitalismo, mas apontar para atingir o objetivo de superá-lo. Agindo com o propósito apenas de solucionar problemas, não vamos além do ponto de partida; estacionamos ao redor deles sem nunca iniciarmos a marcha, em vista de fazer o percurso verdadeiramente revolucionário.

O abandono do estudo das contradições também contribui para a manutenção dos propósitos das classes dominantes. Elas não sabem o que fazer para enfrentar as crises, mas se sentem mais seguras porque as denúncias feitas não revelam as verdadeiras causas dos problemas sociais. Por outro lado, ao não serem reveladas as verdadeiras causas das contradições, as massas e os trabalhadores mal organizados acreditam que as saídas para ambos os lados são as mesmas, basta mudar apenas os indivíduos que governam. Assim esconde-se que no governo Lula por trás, como força determinante esteve o capital produtivo, no governo Bolsonaro, está o capital especulativo.

Ignorando as forças determinadoras do processo político, ignora-se também as medidas a serem tomadas para enfrentá-las.  Nesse sentido, passa-se a acreditar que a superação de todos os males sociais, virá pela delegação ou aceitação da salvação proposta, como bem educa o cristianismo,  para alcançá-la basta continuar acreditando ou no máximo, basta  arrepender-se dos erros anteriores e mudar o comportamento diante da urna eletrônica, objeto sagrado como foi o bezerro de ouro, para os adoradores desta tática.

Com a acelerada decadência do capitalismo esgotam-se as possibilidades e com elas as esperanças de haver solução para os problemas sociais. Dessa forma, fica evidente que as propostas populistas, governistas e direitistas, igualam-se entre si. Surge então a preocupação de estamos atrasados, por isso tornam-se urgentes às mudanças estruturais. Contudo antes delas são necessárias as mudanças organizativas, propostas e métodos de atuação para elevarmos o nível de consciência, de elaboração e execução das táticas. Isso tudo não se dará sem resistências e teimosia para permanecer na ordem vigente agindo educadamente para sermos aceitos pelas forças do capital. Por isso, as primeiras rupturas devem ser com moral burguesa, a literatura reformista, as formas de organizações legalistas e burocráticas e, com os objetivos limitados á ordem de dominação capitalista.

O amplo movimento de massas nos interessa. Ele, formado pelo fortalecimento da agitação vinda da verdadeira propaganda das ideias indicadoras da nova perspectiva. É claro que a palavra “pão” e “trabalho” continuarão sendo expressas, mas junto virão as explicações porque eles desapareceram e o que faremos para que nunca mais venham a faltar?

As tarefas das lutas devem surgir das perguntas formuladas. Perguntar e persuadir são os dois verbos a serem conjugados pela militância neste tempo mal desejado. No entanto, antes de tudo é preciso perguntar-nos e persuadir-nos a nós mesmos. Ou seja, queremos insurgir-nos ou acomodar-nos dentro da institucionalidade? Essa resposta nos dará o conteúdo para persuadirmos as massas e para que devemos organizar-nos.

A insurgência precisa de uma organização insurgente. A sua estrutura acompanha a firmeza do discurso e a eficiência das tarefas. Os esforços mais simples contribuem para empurrar o movimento para frente,  quando a organização, mais do que pensar em ser a melhor deseja ir um passo à frente. Por isso, a questão da organização é o assunto da pauta. Não significa menosprezo ao que existe, mas um esforço para fazer existir algo novo, capaz de propor e afirmar novos propósitos.

                                                                                                                                                                                                                                            Ademar Bogo

 

domingo, 4 de julho de 2021

DEMOCRACIA E DECADÊNCIA

               O historiador Eric Hobsbawm ao estabelecer o período, “A era das revoluções” (1789-1848), confirmou o que já havia declarado Karl Marx que a burguesia foi a primeira classe revolucionária da História e nos mostrou que, a certa altura da década de 1780  com a revolução foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas que daí em diante se tornaram capazes de multiplicação rápida, constante, de homens, mercadorias e serviços.

            Essa tese da “retirada dos grilhões produtivos” pelas revoluções, para muitos leitores do texto escrito na segunda metade do século vinte, passa como uma informação irrelevante, no entanto, se atualizarmos o seu entendimento veremos que aquele processo sedutor alcançou, no nosso tempo, um profundo esgotamento e os “grilhões” voltaram a cumprir as funções de aprisionamento das sociedades humanas.

            As duas revoluções, a industrial e a francesa, foram de fato realizações provocadas pelas forças burguesas e proletárias que vinham sendo oprimidas pelo poder feudal desde o século dez. A perseguição à burguesia se deu pelo simples fato de querer se formar entremeio as duas classes existentes: os senhores feudais e os servos, legitimadas pelo clero. Indiferente a tudo, a burguesia criou a si mesma e também ao proletariado para servir-se dele. Conduziu as duas revoluções à vitória, mas elas foram insuficiente e precisou-se de uma terceira insurreição mais ampla, para afirmar o capitalismo, denominada de “Revolução liberal”.

            Com a terceira revolução a burguesia pode afirmar-se verdadeiramente como força política hegemônica por toda a Europa. Com sua ascensão foi possível criar um poder centralizado no Estado capitalista, pondo fim ao poder dos senhores feudais; elaborar e impor o Direito Positivo suplantando o do Direito Natural e a afirmar a República. O primeiro prejuízo político dessas mudanças foi desaparecimento da “Democracia participativa” posta razoavelmente em prática em Atenas até o final do século quatro antes de cristo.

            Sem os “grilhões produtivos”, os burgueses, ocupados em produzir e comercializar, sem tempo de participarem cotidianamente da política criaram, juntamente com os três poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a forma de democracia representativa, com direito ao sufrágio universal apenas para os proprietários e, desse modo, nasceu a “Democracia Liberal” tida como a mais adequada para satisfazer os anseios dos cidadãos.

            Na atualidade fala-se da “democracia em crise”, mas pouco se aprofunda porque ela chegou a este ponto e se os processos eleitorais podem tirá-la dessa situação. Isso tem limitado o alcance das ações de protestos e enfrentamentos com as forças dominantes, pelo fato de serem atados os efeitos e não as causas da crise.

            Inicialmente, observando mais detalhadamente o movimento das contradições, percebemos que o modo de produção capitalista está em acelerada decadência, dessa forma, todas as demais invenções estão decaindo com ele. Sendo assim, como não se pode concertar um avião em queda livre, impedir que o capitalismo se deteriore com ações voltadas para a ordem democrática é praticamente impossível.

            Observando mais atentamente perceberemos que, se a democracia liberal está em crise é porque os criadores do liberalismo também estão. Aqui parece estar o ponto central do entendimento. Se a burguesia ao realizar as três revoluções deu-se conta de que deveria instituir uma estrutura de poder centralizado e fazê-la funcionar por meio de seus representantes, em grande medida de pequenos burgueses, enquanto isso eles ocupar-se-iam da indústria e do comércio  para acumularem capital.

            No entanto, se observarmos mais detalhadamente perceberemos que essa força burguesa produtiva começou a perder a sua hegemonia nas últimas décadas do século passado quando o capitali especulativo insurgiu-se como uma força incontrolável e, para além de dinamizar as relações financeiras seqüestrou também o Estado criado para dar garantia de funcionamento ao capital produtivo e, como haviam apontado Marx e Engels levá-lo por meio do comércio, das leis e da força militar certamente,  para todos os lugares do globo.

            A decadência do capitalismo causada por diversos fatores, impossíveis de serem comentados aqui, levou também à decadência a civilização e, enquanto o Estado oficial passou a ser controlado pelo capital especulativo, ao seu lado passaram a vigorar outras formas de poder, podemos chamá-las de “estado paralelo” ou “banditismo político”. Entram nessa composição, as forças regulares das milícias, do narcotráfico, das seitas religiosas, dos devastadores rurais e a grande parte dos meios de comunicação que, não satisfeitas com o controle social e territorial, decidiram atuar também por dentro da política estatal.

            Essa ligação é de fácil percepção, basta contar o número de deputados e senadores integrantes das bancadas do boi, da bala, dos Bancos, e da bíblia, eleitos nas últimas eleições e contabilizaremos quase 80% do total dos parlamentares. Ou seja, as forças do capital produtivo que no passado soltaram os grilhões impostos pelos senhores feudais, voltaram a ser aprisionadas pelo capital especulativo possuidor de força política dez vezes maior.

            Quando ouvimos falar que as forças de “centro direita” não conseguem achar um candidato para formar a “terceira via” para despolarizar a disputa entre Bolsonaro e Lula, e vemos que ela tarda a aparecer, é porque essa classe produtiva perdeu a disputa política com o capital especulativo e este se dirige por conta própria. Se burguesia produtiva criadora do Estado perdeu o poder sobre a criatura, a sua força política entrou em decadência. A solução restante, para não ficar de fora é tentar aliar-se com um dos lados para tentar sobreviver. Esse processo, talvez sem ser ainda consciente já vem ocorrendo desde o inicio deste século. Quando Lula, em 2002 convidou o empresário José de Alencar para ser o seu vice, de algum modo remontou a união das forças participantes das revoluções burguesas do passado, quando a burguesia reuniu-se com o proletariado e juntos asseguram as diversas vitórias.

            Essa união, neste século, foi rompida com o golpe institucional de 2016 e a coroação se deu em 2018 quando, junto com o banditismo político foi grande parte desta burguesia produtiva e também as forças armadas e o poder judiciário. Essa reunião de forças levou o estado paralelo para dentro do Estado oficial, dando força ao aprofundamento da barbárie social.

            Esse indicador do avanço do poder do capital especulativo e o banditismo político, mostrou-se presente nas eleições passada nos Estado Unidos da América, quando o presidente por pouco não se reelegeu, e o vencedor, logo início de seu governo, contradizendo os princípios do neoliberalismo, de posse da máquina de fabricar dólares, investiu pesadamente no setor produtivo. Isto não significa que o poder das milícias, grupos armados, narcopolítica, seitas etc. tenham sido derrotadas definitivamente. Se universalmente o capitalismo está em decadência, o próprio movimento interno das contradições, alimenta esses fenômenos destrutivos. 

            O grande problema do Brasil e também de outros países, é que a esquerda deste século encarnou o espírito da “esquerda jacobina” oriunda revolução francesa e, apesar de ser oposição aos girondinos, não quer destruir o capitalismo, mas sim edificá-lo. Sendo assim, a visão de todas as forças políticas em atuação é chegar ao governo e aparelhá-lo para os seus objetivos, porque ele de fato é o lugar de abrigo para quem quer usufruir do “poder representativo” praticando a democracia liberal.

            As diversas críticas já feitas, somadas aos fracassos governamentais, embora que, temporariamente as vitorias eleitorais aliviem certas tensões, para a grande maioria da população, a “democracia representativa” de natureza liberal não contribui com a luta pela emancipação política. As grandes massas não experimentam as mesmas sensações que experimenta a classe media, respeitada e preservada da repressão do Estado.

É democracia liberal é cômoda e confortável para setores privilegiados da sociedade.  Saber que na segunda-feira cedo as ruas estarão livres para, em 5 minutos deixar o filho na escola e de lá rumar para o trabalho que inicia pontualmente às 8 horas; no final da manhã ou do dia, retornar, pegar o filho na escola, ir para casa sem passar por nenhuma perturbação, no máximo uma blitz que só faz parar os carro de uma só marca. Para os trabalhadores das favelas, a mesma segunda-feira é diferente. Poderá não ter dormido à noite porque na madrugada as forças policiais arrombaram a porta e entraram, interrogaram, ameaçaram e dispararam tiros. Na ida e na vinda, as sacolas são revistadas e os filhos nem sempre voltam vivos da escola. Mas, a partir de 1985 com a aprovação do voto do analfabeto, ninguém é desprezado a participar da “festa” eleitoral que elege os representantes legitimadores da democracia liberal.

A superação disso tudo não acontece de imediato. Mas é preciso ter clareza que a salvação das forças do capital produtivo depende dos trabalhadores, não somente para produzir capital como também para que elas se mantenham no comando do Estado, com um nome vindo de suas fileiras ou das fileiras dos trabalhadores componentes de organizações da atual “esquerda jacobina” defensora da mesma democracia liberal.

Nesse sentido, o problema maior pode não estar no tipo de ações que se pratica, mas na utilidade dessas ações. Para que uma ação específica tenha um alcance estratégico é preciso que seja estabelecido o objetivo a ser alcançado em um certo período. Não existindo este objetivo, cada ação terá um fim em si mesma e nunca terá força para romper com as barreiras do imediato.

Se para os setores reformistas o socialismo não está na ordem do dia, para ser colocado com o objetivo estratégico, para o qual deveriam se voltar todas as ações e disputas, a decadência do capitalismo é muito presente. Devido isso, as tendências destrutivas são acompanhas da perda de capacidade de todas as forças que querem reconstruir o capitalismo. Por outro lado, quanto mais se acentuam as decadências, mais vigor ganham as forças da anti-política adeptas da violência e do crime institucionalizado. Não há luz no fim do túnel para quem não se apressar em passar por ele para encontrar o raiar do novo dia.

                                                                                              Ademar Bogo