domingo, 23 de outubro de 2022

POLITIZAR A POLITICA

 

            O filósofo francês, Henri Lefebrve, na segunda metade do século passado, marcou a Filosofia com a sua visão sobre o “método dialético”. As suas preocupações voltaram-se para as contradições da realidade concreta e também, todas as outras, ligadas ao pensamento humano. Estas últimas, diz ele, “Têm origem, pelo menos em parte, nas deficiências do pensamento humano que não pode apreender ao mesmo tempo, todos os aspectos de uma coisa e tem de romper (analisar) o conjunto para compreendê-lo”.

            A capacidade da compreensão intelectual da realidade assemelha-se as demais capacidades que possuímos, precisamos exercitá-las para desenvolvê-las. As contradições estão entranhadas em todas as coisas, ideias e soluções. No entanto, sempre que analisamos o que os outros dizem ou fazem, concordamos ou discordamos sem nos darmos conta de que, aquele detalhe não está separado de um todo maior.

            Em muitas ocasiões para que as ideias cheguem a um ponto de consenso, embrulham-se todas as contradições, para deixa-las de lado e, dali em diante,  como se a verdade fosse apenas o aspecto combinado, busca-se viver em harmonia.

            As campanhas eleitorais são exemplo vivo dos acordos e da visão superficial das contradições. Sabemos de tudo e no que nos opomos. Mas, esquecemos de pensar e descobrir o que discordamos daquilo que nós mesmos pensamos. Sendo assim, os acordos e propostas se afirmam, nos preconceitos morais e no assistencialismo à pobreza.

            É evidente que a verdade surge do confronto das contradições e não dos preceitos e valores conservadores. Os que querem esconder a verdade são hábeis em inverter as evidências; logo, no lugar do sistema capitalista e suas crises estruturais, colocam a família; no lugar da análise da exploração da força de trabalho, colocam a fome e junto a solução, por meio de um auxílio financeiro permanente; no lugar da qualidade de educação, colocam o combate ao banheiro unissex etc.

            Isso tudo poderia não significar nada fora da agitação das ruas, se as outras forças estabelecessem outros parâmetros para serem observados. Não ocorrendo isso, entende-se que o capitalismo deve ser melhorado, o Estado santificado e anexado às religiões e, a luta de classes substituída pela busca da paz contra o ódio. Quando na verdade dever-se-ia desvendar que a fome e a pobreza aumentam porque o sistema do capital não se importa com a grande maioria da população do mundo; o Estado visto como a “roda da fortuna” ou um apresentador de programa de auditório, que despeja dinheiro em políticas assistenciais, rebaixa ou retira os impostos de áreas vitais da arrecadação, como se o dinheiro distribuído viesse de uma máquina fabricadora de moedas sem nenhum planejamento. Para cada ação existe reações das contradições.

            Nas entrelinhas da intransigência verbal, percebe-se que, se de um lado está o totalitarismo salivante como o cão prestes a furar a cerca, pegar o cordeiro e devorá-lo com os dentes e, de outro, a ingênua natural democracia, como os cordeiros que se alimentam, confiantes que a cerca segurará o cão e nada de ruim lhes acontecerá.

            O retorno das evidências do nazifascismo não são gratuitas e nem tampouco forçadas, elas cabem dentro de sociedades que desmobilizaram e desorganizaram a classe explorada deixando as massas livres para serem cooptadas pelas religiões partidarizadas e por isso o conteúdo politico dos discursos foi acrescido de preconceitos morais. Recolocada a luta de classes em seu lugar, os burgueses se organizariam para defenderem o capitalismo e os trabalhadores para combate-lo afirmariam consciência em um nível elevado.

            Acusar que os nazifascistas mentem, não é exatamente uma verdade. Mas dizer que eles invertem a ordem das proposições para esconderem as reais intenções é da própria natureza dessa forma totalitária de agir. Dessa forma, devemos ver assim: quando eles dizem que nós fecharemos as igrejas, querem dizer que eles fecharão as instituições incômodas, os partidos, sindicatos, movimentos e ongs. Quando dizem que a lei está acima de tudo, querem dizer que farão uma nova Constituição com leis adequadas aos seus desígnios. Quando pregam que “Deus está acima de todos”, querem dizer que o líder é o maior e deve governar sozinho. Quando inventam a calúnia do “kit gay”, querem esconder a estrutura comportamental pedófila que possuem e tantas outras expressões seguem na mesma linha por isso é difícil contestá-los.  Por isso, dizer para a massas que “eles mentem”, não surte efeito, porque, antes do entendimento há a sensibilidade e, em grande medida eles apresentam-se como vítimas.

            Em síntese as massas exploradas precisam de ajuda para desvendar as verdadeiras intenções neonazistas, mas isto não será suficiente para afastar o cão da cerca dos cordeiros. É preciso organizar as massas e retomar as lutas pelos direitos, isto porque, nos últimos tempos delegou-se toda a responsabilidade e investiu-se todos esforços no parlamento. A conta chegou, a hegemonia parlamentar da extrema-direita é o retrato da despolitização da política abandonada a décadas no Brasil. Se acreditamos no que afirmou Karl Marx, que “a consciência social se forma na convivência social”; basta olharmos com que convivemos cotidianamente para sabermos, qual é o nível de consciência do desempregado, do evangélico, do católico, do estudante, dos professores, operários etc.

            Politizar a política é tarefa obrigatória para resgatar as massas pobres que se tornaram reféns dos interesses sanguinários, agora ainda mais, no domínio do Estado. Há porém, com tudo isso uma lição sendo passada, que o poder para centralizar-se no Estado, precisa ser produzido e sustentado fora dele. Ganhar eleições e correr para dentro do Estado esquecendo as massas, é perder a retaguarda.

                                                                                   Ademar Bogo       

domingo, 16 de outubro de 2022

CONTRADIÇÕES REBAIXADAS

 

            Todo ano o mês de outubro sempre chega trazendo e revivendo as suas marcas históricas. Na política, destaca-se Ernesto Che Guevara e a lembrança de que, é preciso investir na formação do “homem novo”. Na religião destaca-se o dia da padroeira Aparecida, motivadora da unidade nacional, do respeito às mulheres, do combate ao racismo e, acima de tudo, nos ensina a praticar da tolerância. Ainda temos a exaltação das crianças e a homenagem aos professores e professoras responsáveis pela escolarização de todos. De um outro modo, no mesmo mês, a cada dois anos surge o embate político das disputas eleitorais.

            Essas referências concentradas criam diferentes reações, protestos, festejos e comemorações. No entanto, a política e a educação resguardam as mais intensas emoções. Nas mensagens que vão e que vêm destacam-se as ideias conscientizadoras ou o seu contrário. Paulo Freire é o preferido. Em seu livro “Pedagogia do oprimido” publicado nos primeiros anos da instalação da malfada ditadura militar no Brasil, destacou que: “(...) o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com a educação que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de “autoridade“ já não valem(...)”. Esse processo inicia com as crianças antes mesmo de se porem em pé, quando são levados para as creches e círculos infantis. Depois avançam nos próximo períodos e chegam, não todos, à diplomação universitária.

                Deveria ser assim também na política. O político deveria ser também um educador e educar-se enquanto exerce a sua função.  No entanto, essas relações de profundo respeito ou desrespeito, formam aprendizados com diferentes formas e conteúdos; principalmente quando a antipolítica, com seu faro mofo, busca restringir a universalidade educativa para os cubículos estreitos da moral conservadora, de interesse mesquinho e ideologia perseguidora dos oponentes.

                Para verificarmos isso, basta tomarmos o tema da discussão da sexualidade nas escolas. É um assunto separado, deixado e intocado também nas religiões. Afasta-se a criança do entendimento sobre o seu próprio corpo, como se afasta o corpo da proximidade do fogo. Não se fala de sexualidade como não se brinca com fogo. Sigmund Freud em 1905 ao escrever os “Três ensaios sobre a sexualidade”, entrou profundamente no tema da sexualidade infantil e revelou que, popularmente acredita-se que a pulsão sexual está ausente na infância e só aparece no período da puberdade. E dirá que este é um equívoco causador de graves consequências. Então nos mostra  que, “Ao mesmo tempo em que a vida sexual da criança chega a sua primeira florescência, entre os três e os cinco anos, também se inicia nela a atividade que se inscreve na pulsão de saber ou de investigar”. Quem a impede que investigue? Os moralizadores tementes aos próprios medos, recalques e complexos. O que ganham com isso? Uma juventude com desajustes na formação individual que ignora o funcionamento dos próprios sistemas físicos e mentais.

                A política é tão preciosa quanto é a educação. Ela deveria preservar os ouvidos das crianças evitando que ofensas, palavrões, calúnias, mentiras e todos os tipos de agressões fossem expostas nos programas eleitorais. O cristão que vai à Igreja e em casa vigia as crianças para que não acessem temas pornográficos na internet e segue à risca as orientações de impedir que os filhos assistam programas impróprios para as suas idades, não tiram as mesmas da sala quando o programa eleitoral de seu candidato é exibido no horário nobre. Se as crianças nas escolas praticassem o que dizem e fazem os políticos e muitos agentes públicos, transformariam as escolas em redutos do crime organizado.

               Em tudo isso, importante é compreender que a educação é fundamental para que uma sociedade se desenvolva; por isso a exigência para termos boas escolas, juntamente com a valorização dos professores e professoras. Mas não se educa para viver apenas dentro da escola.

                Na medida em que fora da escola praticam-se formas educativas desajustadas e se reproduzem conhecimentos, na política, nas igrejas, no mercado etc., avessos  à verdadeira libertação, a escola será vista como um aparelho a ser direcionado para satisfazer os interesses do consumo e da domesticação moral.

                Em tempo de campanha eleitoral, um candidato que promete investir em educação e na fala seguinte, ao invés de demonstrar como ele próprio é educado, desanda a destratar, ofender, criminalizar, rebaixar etc. os seus oponentes, no intuito de acirrar ainda mais o ódio já disseminado, não pode estar falando sério.

                Evidentemente, acreditamos que em todas as relações existem contradições, mas da forma como estamos vendo, o conteúdo das campanhas eleitorais, fez do rebaixamento um dicionário de palavras ruins que servem apenas para demonstrar que estamos vivendo uma profunda crise da civilização.

                Precisamos retomar os princípios da civilidade e fazer com que a linha de conduta siga os interesses do Bem comum. Enquanto o político xinga e a população aplaude estaremos sempre mais próximos de acreditarmos que a ignorância é de fato o nosso destino. A prática do “bateu levou”,  é o sinal de que, se não somos, parecemos ser todos iguais.

                Uma população eleva o seu nível de consciência se na convivência social escuta e expressa palavras que formam a consciência. Tal qual como ocorre com a criança que ao nascer e encontra o sistema linguístico pronto e precisa aprendê-lo para se comunicar, ocorrerá com as futuras gerações que deverão governar o país. Se aprendem com os políticos que politica se faz com baixarias, rebaixam-se e verão as contradições apenas no nível das ofensas.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Ademar Bogo

domingo, 2 de outubro de 2022

ELEGER COM LIBERDADE

            Eleger no latim significa, “escolher lendo”. A leitura, supostamente é sobre as diversas coisas expostas ou dispostas para serem diferenciadas e, conscientemente, uma delas é separa como principal. Para ser uma escolha consciente, precisa que dois critérios sejam garantidos: primeiro o da capacidade interpretativa e, o segundo, a liberdade de decidir.

A filósofa Hannah Arrendt, ao discorrer sobre o tema da liberdade, detecta que esse conceito entrou tardiamente na filosofia e, quando entrou foi por causa da política. Sendo assim, a liberdade é o motivo pelo qual vivemos politicamente organizados. Por outro lado, esta é uma visão costumeira de uma sensação de existência ou não da liberdade social, externa. “As experiências de liberdade interior são derivativas no sentido de que pressupõem sempre uma retirada do mundo onde a liberdade foi negada para uma interioridade na qual ninguém mais tem acesso”. Concretamente, a interioridade humana é o lugar aonde ninguém entra e, somente o Eu pode  percorrer  impondo-se a si mesmo os critérios de avaliação.

Os brutos e desrespeitosos do direito à liberdade, dão-se a própria definição de liberdade; seria, fazer o que cada um deseja. Isto não significa ser livre, mas sim escravo dos ímpetos mais contraditórios, porque, em último estágio, o parâmetro para discernir o que é e não é a liberdade, nos é dado pelos critérios sociais.

Os processos eleitorais nos mostram claramente como isto funciona. Se por um lado cada indivíduo sabe quais são as suas necessidades, por outro lado, nem sempre sabe as causas das mesmas e, se por ventura venha saber dar-se-á conta de que, somente com suas forças não poderá superá-las. Quando aparece em sua frente alguém que expressa verbalmente como fazer para satisfazer tais necessidades, surge também a identificação com aquela voz e, o eco da mesma mistura-se com os desejos particulares que podem ir em direção do Bem comum, como também, para a efetivação de medidas punitivas e vingativas, contra a parte que se fez odiar, porque quis ampliar o acesso aos direitos sociais.

A função das candidaturas é sintetizar a amplitude dos desejos particulares e direcioná-los para uma mesma direção. É neste particular que reside o limite do entendimento. Quando os princípios fundamentais do atendimento das necessidades universais são entendidos e internalizados, os discursos criam simpatias e provocam as aglutinações das massas para alcançarem benefícios coletivos, sem discriminação. O oposto acontece quando a leitura sobre as necessidades alheias revela os incômodos, os desejos e vontades egoístas. Nesse memento, os egocêntricos, procuram lideranças que se alinham com as medidas restritivas da liberdade dos outros, como se merecessem punição por terem necessidades e não a liberdade de escolha.

De certo modo, os critérios políticos funcionam, na política, como acontece com a rejeição dos beneficiários ao direito a dividir os benefícios, os cargos, as funções e os próprios lugares sociais. Aqui podemos exemplificar com duas formas de manifestações egoístas e repugnantes: a primeira é a reação expressa pela “volta do filho pródigo”. O irmão, beneficiado não aceitou que o outro participasse da vida estável que levava, por isso não merecia, nem festa, nem aceitação. A segunda reação é de setores privilegiados que rejeitam o ex-presidiário, quando busca o retorno à convivência social, porque, a condenação é sinônimo de prisão perpétua, e, por mais que o apenado seja julgado, condenado e cumprido a pena, ou mesmo considerado inocente, a leitura preconceituosa faz com que os juízos e as palavras expressem a rejeição.

            Os dois critérios foram impostos a Lula. Ele é o filho empurrado para fora da política e voltou. A receptividade, a festa e a mística, envergonharam os devotos do mito, da mentira e da brutalidade. Tiveram de guardar as armas e virem para a discussão política sem terem preparo algum. Isto foi possível porque, a liberdade prisional de Lula foi exaustivamente explica e anexada ao conceito de inocência. Esse movimento externo levou à liberdade interna, de escolha, consciente e desejosa de que o pior seja superado.

            A vitória de Lula é também a demonstração de que uma ideia mentirosa, repetida muitas vezes, não se torna uma verdade, se o enfrentamento com a mesma for feito com decisão e propósito solidários. Uma revolução assim também é motivada. Repetir, repetir e repetir ideias revolucionárias é a única forma de combater a ideologia capitalistas e elevar o nível de consciência das massas para que, livremente elejam o socialismo como a finalidade que vai além do processo eleitoral.

         Há os que são reféns do ódio, do negacionismo e da ignorância. Nós somos melhores porque somos livres, e, somos livres porque somos conscientes. Não acreditamos em mitos, nem em salvadores; ao contrário, juntos produzimos a própria salvação. Que a eleição seja apenas um meio, um passo, uma jornada. De vagar aprenderemos que o horizonte aonde o Sol se pôs por uma noite, ficou para trás. 

                                                                                                      Ademar Bogo