domingo, 30 de junho de 2019

AS MISÉRIAS DO PODER JUDICIÁRIO


            O jurista italiano Francesco Carneluti, escreveu na década de 1950 um livro que tem como título “As misérias do processo penal”, no qual relacionou cinco elementos fundamentais o Juiz, o Ministério Público, o advogado, a lei e o acusado.
            Segundo esse autor, o que impacta primeiramente, em uma Corte é o vestuário. E então pergunta, “Por que os magistrados vestem toga?”. Ela causa um estranhamento porque não se parece com uma roupa de trabalho. Poderia ser considerada como uma divisa, como aquela dos militares, mas os juízes somente usam a toga em certos atos de serviço. Portanto, na Corte de justiça se exercita a autoridade sobre aqueles que devem obedecer àquelas decisões tomadas.
            A simbologia da toga remete a pensar que há sob ela um poder incontestável e, por essa razão, um absolutismo de uma força que não julga apenas, mas apresenta resultados que, supostamente, a lei exige. No entanto, todos sabemos que uma decisão nunca escapa à direção do apego e das limitações humanas. Pesa sobre o juiz como a qualquer cidadão, o aspecto da origem de classe, a posição de classe, a posição ideológica, a gama de preconceitos sociais, as crenças e demais convenções. De tal forma que, a “justa medida” nem sempre é sinônimo de “bem-julgar” e de isenção.
            A partir de 1988, tivemos uma inovação no controle das instituições, delegada ao poder judiciário, ou seja, ele ficou responsável para vigiar o Executivo, o Legislativo e a própria sociedade. Acima do poder judiciário estaria apenas a Constituição que assegura o funcionamento da ordem. Nesse sentido, a Constituição assume a responsabilidade para inibir que os juízes tomem decisões de acordo com os seus interesses. Mas quem por último interpreta a Constituição? Os juízes. Logo, ficamos na mesma.
            Se o Direito funcionasse mecanicamente, a aplicação das leis obedeceria os critérios técnicos. Ocorre que as leis nem sempre explicitam aquilo que está escrito. Há interpretações em cada olhar e, por isso, sobre duas linhas de um artigo, gastam-se horas destilando argumentos. E, na medida em que se chega a uma conclusão, ainda cabem recursos para reverter aquela e outras decisões tomadas.
            O jurista russo, Eugeny Bronilsnovich Pachukanis (1891-1937), tinha razão quando em seus estudos expressos no livro a Teoria geral do Direito e o marxismo, que uma das premissas fundamentais da regulamentação jurídica é o antagonismo de interesses privado, hoje, alimentados pelos próprios juízes.
            Sendo que, para viver socialmente há a necessidade de respeitar algumas normas, identificou o filósofo, que há duas formas muito bem situadas que são, a regulamentação técnica e a regulamentação jurídica. Para melhor compreender, o autor deu um exemplo: “A cura de um doente pressupõe uma série de regras, tanto para o doente quanto para a equipe médica. Uma vez que tais regras são estabelecidas visando ao restabelecimento do doente, possuem caráter técnico”. Nesse sentido, a aplicação de tais regras pode estar vinculada ao exercício de uma coação sobre o doente. Ele precisará cumprir à risca os horários da medicação; não se alimentar de alguns tipos de alimentos etc., mas, é uma ação que, tendo origem na ciência médica, é tecnicamente racional. Por isso, o Direito nada tem a fazer.
            No Brasil, nos últimos tempos, as referencias foram invertidas e o acusado passou a ser visto também como “paciente”. O poder judiciário faz com ele aquilo que o médico faz com o doente, julga-o pelo diagnóstico elaborado segundo os pareceres técnicos.
            Por sua vez os técnicos que elaboram certos diagnósticos atuam sobre hipóteses. Hipóteses sempre foram vistas como suposições e nunca como certezas. Elas podem comprovar algo ou colocar a perder um longo tempo de estudos. Menos no poder judiciário. A hipótese, desde o início é o conteúdo do julgamento e até que não se prove o contrário, o “paciente” fica internado, nesse caso na cadeia.
            Sem nos delongarmos, é importante discutir, para além do que diz a Constituição, como fazer para julgar os julgadores, ou como diagnosticar também os pacientes do poder judiciário para um possível internamento.
            Há uma proposta no Congresso Nacional que visa regular a conduta das autoridades públicas, mas não escapa de passar pelas mãos dos próprios julgadores que já julgam a todos, menos a si próprios. Não deixa de ser um pequeno passo que estreita o caminho do totalitarismo judiciário. Mas, a saída está sempre na organização social que é a principal vítima dos abusos de autoridade.
            Em tempos em que a crise do capitalismo se torna cada vez mais profunda é evidente que os capitalistas procurem fortalecer os aparelhos que lhes garante o estabelecimento da ordem que permite a acumulação do capital circular livremente sobre os cadáveres caídos no caminho da dominação.
            As “misérias do poder judiciário” representam nitidamente as misérias do povo e, a tendência ao totalitarismo nos prova duas coisas: a primeira, que o capitalismo está em crise e o perigo iminente é as massas empobrecidas insurgirem-se contra a ordem da classe dominante e, a segunda prova, é de que a sociedade capitalista está dividida em classes que se tornam cada vez mais antagônicas, por isso, o fortalecimento do Estado repressor, mesmo que seja com os recursos que deveriam ir para os benéficos sociais,  é a última saída.
            Após vermos todos os pilares da dominação corroídos é preciso que tenhamos esperança de que o dia da derrocada está próximo. Os poderes que tropeçam em seus próprios passos, já não se sustentam. Virá o tempo em que os pacientes sociais e os inadimplentes com o mercado e com a justiça, levantar-se-ão para diagnosticarem a si mesmos e receitarão os próprios medicamentos que curarão as injustiças e os abusos de poder.
                                                           Ademar Bogo
           

domingo, 16 de junho de 2019

ALUCINAÇÃO E VERDADE


            A verdade desde a antiguidade é um tema ao qual se deu bastante atenção, isto porque, mais do que uma expressão de convencimento ela é a interpretação da realidade, desvendada, compreendida e sintetizada. No entanto, as interpretações podem tender para certos interesses e a verdade pode aparecer como uma formulação alucinada. Na História da Filosofia a verdade já passou pelo crivo da razão dos naturalistas, dogmáticos, céticos, realistas, idealistas, positivistas, empiristas, inatistas, estruturalistas, existencialistas, materialistas e outros, que agora não interessa citá-los.
            Essas tendências, acima relacionadas, nos mostram como a verdade pode ter partido ou posição particular. Portanto, ela é a expressão de entendimentos determinados que, se não se equivocam na formulação, podem vir a equivocarem-se na aplicação. Por exemplo, enquanto os filósofos naturalistas buscavam compreender a natureza, o cosmos e a phisis, com os olhares tomados pelos mitos, os dogmáticos sempre defenderam que a verdade encontra-se previamente definida, basta reproduzi-la e, os céticos, negaram a possibilidade de se chegar à verdade, porque o conhecimento alcançado é sempre relativo.
            Se quisermos podemos ir além e verificarmos que, enquanto os realistas colocam toda a atenção na verdade como a reprodução do real, defendendo que existe identificação entre as coisas e as percepções que temos delas, por isso, só é verdadeiro aquilo que é percebido do jeito daquele que percebe; os idealistas atribuem à verdade aquilo que está no domínio da ideia. Para eles, o mundo exterior é a repetição daquilo que está no mundo das ideias e a verdade existe antes de qualquer experiência.
            Ainda podemos verificar que os empiristas acreditam que a verdade somente pode surgir da experimentação. Contrariam os inatistas que acham que a verdade desperta da rememoração, porque já nascemos com os conhecimentos que se encontram “adormecidos”, basta acordá-los. De acordo com o estruturalismo, a verdade aparece por meio do estudo das relações entre as estruturas, sejam elas físicas, linguísticas ou mentais. O existencialismo toma como referência a existência, ela “precede a essência” e tudo pode vir a ser. Assemelha-se com o que ocorre com o materialismo que considera a verdade expressa pelo movimento das contradições e relaciona as partes com a totalidade por intermédio da aproximação constante da verdade.
            Essas e outras tendências trazem consigo a seriedade com o estudo, quando queremos explicitar a verdade e é por essa razão, todas elas se contrapõe à visão alucinatória da verdade. Ou seja, os alucinados também defendem a verdade no seu modo de ver, mas, ao invés de fundamentá-la nos estudos, fundamentam-na nos desejos.
            A alucinação é antes de tudo uma perturbação mental que se manifesta pelo aparecimento de sensações atribuídas a causas que não existem na realidade. Em Freud a alucinação é o caminho para a realização de um desejo, por isso ela pode ser compreendida pelo estudo dos sonhos.
            O sonho é motivado pela realização do desejo que está no inconsciente, ativado durante o período do sono, expressando-se por meio de imagens. Enquanto o corpo fica inerte, o sonho cumpre o papel de exteriorizar o desejo retido no inconsciente que de outra forma dificilmente seria alcançado.
            A relação entre o sono e o sonho se dá por meio da regressão que transforma a ideia em imagem daquilo que foi desejado quando o indivíduo esteve acordado, portanto, antes do momento de estar sonhando. É por meio dessa regressão que o indivíduo que sonha tem uma “revivência alucinatória”, ou seja, a força da vontade da realização do desejo age com tamanha intensidade e modifica os elementos que representam o desejo guardado. Nesse sentido, as representações, sendo imagens criadas no sonho, elas não existem na realidade; por isso, o conteúdo do sonhado é de difícil compreensão quando se desperta do sono.
            Temos então, presentes no sonho: o corpo inerte que, mesmo dormindo guarda em si os desejos do indivíduo e serve como veículo do sono e, o sonho, que, por intermédio de alucinações expostas por meio da regressão, forma as imagens que tendem realizar o desejo do indivíduo que sonha.
            O que ocorre com a alucinação é que, quando dormindo, por meio do sonho, ela ocorre pela substituição do pensamento, pelas imagens formadas sobre as causas e os objetos não reais, em vista da realização do desejo que, quando acordado se formaram por meio do pensamento. Sendo assim, as alucinações podem ocorrer fora do sono e nunca serem sonhadas, mas se assemelham aos sonhos porque não existe causa real. É a confirmação daquele dizer: “sonhar acordados”. Isso pode se dar na vida cotidiana de um profissional que imagina estar sendo perseguido pelos colegas; um diretor de escola que se vê cercado de ameaças por todos os lados, por indivíduos que tramam tomar o seu cargo, como também na política, quando os representantes do governo produzem imagens fictícias daquilo que poderia ser, mas não é.
            Ao aplicarmos o raciocínio da alucinação e a verdade, na análise do comportamento do governo brasileiro que ora temos, veremos que ele é movido por desejos que não encontram causas reais, por isso, as decisões que toma assemelham-se às soluções dadas pelos sonhos por meio de atitudes incompreensíveis forjadas sobre causas inexistentes ou apenas imaginárias.
            Diversas são as causas imaginárias sobre as quais o governo age, podemos citar as que ele mais destaca: a influência marxista no ensino superior, que estaria sendo conduzida pelo pensamento de Paulo Freire; a implantação do socialismo no Brasil pelos governos petistas; a transformação do Brasil em “uma Venezuela”, etc. São visões alucinatórias, criadas pelo pensamento, sem nenhuma causa material, mas, como as imagens produzidas pelos sonhos, são vistas na realização de um desejo ou um prazer, em alimentá-las como se fossem reais. Nesse sentido, não percebem os seus agentes que o próprio slogam que utilizaram na campanha: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, pelas revelações das falcatruas, desrespeito à Constituição etc., atua contra eles mesmos.
            O importante nisso tudo é não esquecermos de que, para que exista o sonho é preciso que exista um corpo, que possua, quando acordado, desejos a realizar; quando dormindo sonhe e crie imagens que substituam os pensamentos e que, por meio delas, os desejos sejam realizados. Sendo assim, devemos ver o corpo em que são formulados os desejos no pensamento, do tamanho que ele é, e os sonhos que formulam as imagens sem causas reais, como alucinação dirigida pelos desejos do corpo acordado.
            Dito de outra forma, a leitura feita entre as linhas traçadas pela crise do capital internacional e as medidas jurídicas e políticas tomadas desde, pelo menos, 2016 para cá, nos revela que o imperialismo é o sujeito cheio de desejos pelo controle do petróleo, da água doce, dos minérios e da biodiversidade, presentes em diversos pontos das Américas, por isso, precisa alucinar alguns governos, que passam a contestar causas inexistentes e a sonhar por meio de alucinações como se fossem “cidadãos” dos Estados Unidos da América.
            Vemos então que o sonho é a realização de desejos anteriores, comunicados por meio de imagens que não correspondem às causas reais e por isso se assemelha à alucinação. O alucinado, portanto, nada apresenta de novo, apenas age sobre aquilo que já existe porque o seu desejo remete à regressão. Contudo, como, na atualidade, os pensamentos repensados nos sonhos do governo brasileiro vêm de fora, a realização do desejo do imperialismo é real, porque a causa desse desejo é real: enfrentar a crise do capitalismo com as riquezas naturais dos países vizinhos. Ao contrário do sonho dos executores internos que sonham formulando imagens sobre causas irreais, mas fundamentais para manterem ocupados, a situação e a oposição, discutindo desejos secundários, enquanto ele realiza os desejos principais.
            Em síntese, a alucinação pode ser uma perturbação mental direcionada pelos pensamentos e desejos daqueles que induzem a pensar cotidianamente. Esse “projeto destrutivo” começou a ser pensado durante os governos do PT, e, mais intensamente a partir de 2013 quando tivemos uma demonstração parcial do que estavam refletindo, juntamente com a operação da “Vaza jato”, que agora revela a importância que o poder judiciário teve para eleger o atual presidente da República. Sendo assim, o governo atual pratica a “revivência alucinatória” e governa por meio da regressão sobre os desejos do passado. Por isso a impressão de que o presidente ainda “não desceu do palanque” e age contra as universidades, funcionários públicos que não fecham com as suas ideias e ameaça ou demite ministros que olham para frente. A alucinação está presa ao desejo destrutivo de 2013 quando, de lá para cá, o discurso permanece voltado contra tudo aquilo que sinaliza para o socialismo, e faz agir os teleguiados que sonham o pensamento já pensado por essa longa noite de sono que estamos presenciando.
            Sendo assim, quem deseja lutar contra a situação atual de crise econômica e política no Brasil, não deve se fixar no conteúdo dos sonhos comunicado pelo governo, porque eles estão sendo extraídos de imagens sem causas, apenas imaginadas no passado, devemos sim, interpretar os pensamentos e os desejos reais do imperialismo, eles funcionam com imagens verdadeiras e se realizam por meio de intervenções sobre causas verdadeiras, o resto é alucinação. Combatendo as causas da alucinação, combatem-se os alucinados.

                                                                       Ademar Bogo

domingo, 9 de junho de 2019

MEDIDAS E DESMEDIDAS POLÍTICAS


    
            Karl Marx quando estudou o capitalismo e decifrou às suas leis tendenciais ( produção, exploração, concentração e expansão para fora, na forma de imperialismo econômico), aproveitou o mesmo estudo para demonstrar como deveria ocorrer o processo da transição socialista.
            O socialismo, visto como um processo de transição para o comunismo ganhou com os estudos de Marx definições e conceituações científicas naquilo que diz respeito às suas leis de funcionamento que, tanto para a manutenção, quanto para a superação do capitalismo deveriam ser formuladas de acordo com as circunstâncias de cada local. Assim deveriam ser tomadas as medidas políticas apropriadas, que nem sempre se identificavam com a ciência, pois, dependiam dos problemas e da criatividade dos governos.
            Apontou ainda Marx, que o capitalismo, devido à anarquia na produção desmesurada, promovida pelos capitalistas que têm em mente apenas o lucro e por isso querem produzir cada vez mais,  produz crises periódicas que desestabilizam a ordem estabelecida e facilitam para que as forças exploradas se recoloquem de tal maneira que possam, com suas ações, provocar avanços na correlação de forças.
            Conscientes de suas responsabilidades, os trabalhadores e suas organizações de classe  sabem que a transição socialista não é uma inovação imediata e utópica de sociedade, mas a superação das contradições e dos obstáculos que impedem o acontecimento das mudanças para frente, sejam elas na organização, da economia, da política, da educação, da cultura e de outras tantas áreas que necessitam de avanços para, de fato, os processos caminharem para o melhoramento da sociedade e da vida humana.
            De outra forma, enquanto avança o processo da revolução que leva em frente a transição socialista, primeiramente, por meio do longo período de lutas para garantir a permanência ou a conquista de direitos sociais, a classe dominante ou setores dela, agem com a contrarrevolução, geralmente implementando medidas impopulares para garantir que a taxa de lucro dos capitalistas continue sendo garantida, por isso, implementam reformas que reorganizam o processo de acumulação de capital de acordo com as circunstâncias de cada época.
            Na transição para o socialismo, juntamente com as medidas políticas, o processo exige que sejam adequados outros elementos como, a organização, a formação da consciência e a elaboração programática das soluções que deverão ser construídas passo a passo.
Na manutenção da dominação capitalista estávamos acostumados a interpretar os “planos econômicos” editados pelos governantes que iniciavam os seus mandatos publicando medidas que visavam acertar os rumos da exploração econômica e da dominação política, mas eis que nos últimos cinco meses, o que estamos vendo é uma contínua edição de “desmedidas” sem um programa claro de governo.
            A tradição do “pão e circo” iniciada no Império Romano em crise tem muita semelhança com o processo do governo do Nero atual. Lá, o objetivo da distribuição de comida e diversão visava desorganizar e alienar a população para que ela se mantivesse fiel à ordem. O pão, na verdade, era a distribuição de cereais, mas, o circo, não era apenas formado pelas exibições artísticas; também havia os espetáculos sangrentos onde enfrentavam-se até a morte, gladiadores bem treinados; apresentações de animais ferozes devorando os cristãos presos e outras formas de corridas e torturas de animais.
            No caso brasileiro, há pouco pão para ser distribuir, por isso, até o que foi dado com a mão esquerda, ameaçam tomar de volta com a mão direita e, ao invés de medidas, o governo toma “desmedidas” desmanchando o que foi edificado, em décadas passadas. Senão vejamos: no ano de 2003 o Congresso Nacional votou o Estatuto do Desarmamento e o governo desenvolveu uma campanha para que a população entregasse as armas de fogo. Agora, por falta de espetáculos sangrentos suficientes para distraírem a população, o governo, coerente com a política de contenção de gastos, edita um decreto que flexibiliza o porte de armas em quantidade espantosa, para que a própria população se ocupe e crie os seus “eventos sangrentos” nas ruas e nos campos.
            Dentre outras decisões de “desmedidas”, os cortes no sistema de ensino com a ameaça de não enviar dinheiro para as universidades pagarem água, luz, limpeza e sustentarem às pesquisas, a mais recente investida está se dando contra o Código de Trânsito Brasileiro, contrariando também as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Primeiro investiu contra a instalação de novos radares, depois, intenciona amenizar a pontuação na carteira em caso de multas e a desobrigação de utilizar a cadeirinha no banco traseiro do veículo fragilizando a segurança das crianças; além do mais prorroga o prazo da renovação da habilitação de 5 para 10 anos. Ou seja, são “desmedidas” que se editam sem dinheiro e fortalecem o liberalismo e o egoísmo individualista, por isso parece que fazem o bem.
            Por outro lado, é importante prestar atenção, que este Nero que incendeia as discussões com as suas intervenções, nada tem de ingenuidade. A verdade é que, não tendo nada a oferecer de benefícios que envolvam investimentos materiais, ele oferece benefícios espirituais voltados para a subjetividade individual, principalmente para assegurar o apoio de parte da classe média, setores evangélicos e seitas pentecostais que ainda se encantam com a política circense dos matadouros onde são abatidos jovens pobres e negros..
            No entanto, essas “desmedidas” cheirando a fanfarronices, atraem as atenções e descarregam o peso das criticas sobre a política do espetáculo, enquanto ganha tempo para acertar a liberalização das privatizações do petróleo e aprova as reformas que as elites dominantes exigem. Depois disso, ao contrário do que parece, poderemos ser surpreendidos, não com o descarte do comando governamental, mas com o seu fortalecimento, porque, sem pão e sem circo, somente a brutalidade pode conter as revoltas e os descontentamentos populares. Nesse caso, apenas um presidente com sangue nos olhos, pode cumprir essa missão. Por isso, vigiar e “urrar” desde logo, para expor as dores que a suposta sensação de prazer egoísta profetiza, é a melhor maneira de se defender.
                                                                                              Ademar Bogo          

                   

domingo, 2 de junho de 2019

A HEGEMONIA DO CAGAÇO


            Na Filosofia da Linguagem encontramos os elementos para relacionar os termos às situações políticas e sociais que revelam os interesses, às intenções e perspectivas para aquilo que ainda tentará vir a ser.
            O filósofo britânico John Austin (1991-1960) expressou muito claramente que, “dizer algo é fazer algo” seja com palavras ou gestos. E veja como funcionam os gestos quando se quer dizer algo sem as palavras, por exemplo, com os dedos, não apenas na Língua de Sinais, mas, na comunicação simbólica, também há expressões assustadoras.
            Havia décadas que a maioria das mãos esquerdas brasileiras forçava o pulso virando-o meia volta para baixo, para que o dedo indicador esticado, subisse para a vertical e, ao mesmo tempo, o polegar se colocasse na horizontal formando um “L” que queria dizer, “Lula lá”. Esse gestual, geralmente virado para a direita, simbolizou a hegemonia eleitoral e animou a população por algumas décadas a participar dela. Por outro lado, nos últimos tempos, vimos os mesmos dedos usados para fazer o “L”, com um simples movimento do punho, meia volta para cima, o indicador fica na horizontal e o polegar se eleva para a vertical; o gesto então já não representa mais um “L”, mas uma arma, que, ao contrário da hegemonia anterior que convocava para a participação e assegurava a esperança, agora ela incentiva e ordena, em nome da segurança, a matar o seu semelhante tido como inimigo.
            A questão então é decifrar como os mesmos dedos, com um simples movimento do punho comunicam duas mensagens opostas? John Austin nos mostra que isso é possível devido aos significados. E não é difícil perceber que, se anteriormente o “L” significava melhoria de vida, invertendo o gesto para o símbolo de uma arma, ele significa agora a violência e a morte.
            É importante refletir sobre a facilidade de se inverter os significados no capitalismo. De um dia para outro a hegemonia que sustenta certas intenções, pode desmoronar e, aquilo que era medo vira esperança ou, com a mesma facilidade, o que era esperança vira medo.
            O medo, no entanto, é a consequência do “cagaço”. A Filosofia da Linguagem nos mostra que a língua portuguesa é farta em significações. O “cagaço” significa aquele movimento que gera o susto e cria o estado de quem está com medo. Estamos vivendo um tempo de “cagaços” constantes, para ambos os lados. Do lado das populações pobres, LGBTs, indígenas, negras, sem-terra, comunidades estudantis, que reúnem professores e alunos, jovens desempregados, trabalhadores com esperança de se aposentarem etc., sempre que algo se refere aos direitos sociais, os corações aceleram, pois, ninguém sabe o que pode vir pela frente. Do outro lado, ocorre a mesma coisa, sempre que o Ministério Público ameaça levar adiante apurações sobre os desvios de verbas públicas, formação de milícias, ou que o Congresso Nacional ameace não votar favorável ou que haverá mobilizações populares e greve geral, o sangue esquenta e o medo se transforma em ameaças reais.
            Antônio Gramsci foi um filósofo perspicaz quando descobriu que a hegemonia de um grupo social manifesta-se por dois meios: a) da dominação e b) como liderança intelectual. Essa duas forças devem agir ao mesmo tempo, ou seja, enquanto o grupo dominante se impõe pela força, atacando, subjugando e até destruindo as forças contrárias, associa-se a essa brutalidade, a capacidade de direção intelectual de apresentar resultados que satisfaçam os interesses gerais.
            Diante desses dois fatores, podemos analisar que, no aspecto da dominação a hegemonia governamental atual está indo bem. As medidas tomadas indicam que as intenções de armar a classe média de direita e as milícias formadoras de um Estado paralelo, estão se concretizando; no entanto, a capacidade intelectual dessa força para ser hegemônica, não se pode dizer que seja uma virtude e, longe está de um dia chegar a ser brilhante. Agrava-se ainda mais essa limitação, com a incapacidade que possui de formular o mínimo de indicações que levem melhorias nas condições de vida da maioria da população.
            A hegemonia de forças no governo sem brilho intelectual, portadora de uma grandiosa fragilidade e cheia de contradições, não se pode atribuir àquelas poucas cabeças privilegiadas de fraquezas toda a responsabilidade. O motivo para equipar a população mais conservadora com armas de diversos calibres e em quantidade assustadora, como também a incapacidade de encontrar um caminho que traga alguma melhoria para a população, se deve à crise profunda e continuada do capitalismo. E eles foram informados disso pelos organismos internacionais e pela orientação que vem sendo dispensada desde o período eleitoral, pelos Estados Unidos imperialista da América.
            Os estudos mostram que, se nas últimas cinco décadas a economia mundial cresceu em média 3,5%, agora, a Organização para a Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), (essa mesma que o governo brasileiro, para fazer parte dela, cedeu a base de Alcântara e abriu as fronteiras para a entrada sem visto de turistas norte-americanos), estima que nas próximas cinco décadas, a economia mundial, em média, não passará de 2% de crescimento. É claro que contam com a eternidade do capitalismo, mas é o que teremos se não o enfrentarmos.
            Logo, os capitalistas sabem e as forças de direita estão sendo chamadas a defenderem os seus interesses com armas na mão; isto porque, o Estado sozinho não conseguirá fazer frente às revoltas constantes que serão promovidas pelas massas famintas. Esse, portanto, parece ser o programa do governo que se elegeu sem nenhum programa e que faz o presidente mostrar-se seguro e sorridente em meio a tantas ameaças e repúdios contra o seu governo.
            Seguindo esse raciocínio é de fácil compreensão, porque dos ataques raivosos contra as universidades, os professores e os estudantes, mesmo sabendo que não existe ameaça marxista alguma, isto porque, as pesquisas mostram que os trabalhos de pós-graduação orientados pela teoria de Marx, representam apenas 4% do total, mas pode ser um espaço a voltar-se contra; então a hegemonia sem brilho intelectual, precisa destruir as forças contrárias que, pelas ideias podem fazer ruir as más intenções do imperialismo e de seus coadjuvantes.
            Nesse sentido, o próprio Antonio Gramsci, mesmo preso na década de 1930, indicou que as forças contrárias deveriam buscar a unidade e criar uma contra-hegemonia. Em nosso caso, mais do que colocar o “L” em pé, para fazermos frente ao gesto que incentiva o uso de armas e os treinamentos para saber manejá-las é preciso agir para impedir que as relações sociais se tornem impraticáveis.
            Sendo assim, a luta não é apenas para impedir a reforma da previdência, pois, com tantas armas à solta poderá faltar idoso no futuro para se aposentar, haja vista o extermínio em massa dos pobres e da juventude que continuará normalmente a ocorrer. A luta é para enfrentar as perversidades em todos os sentidos, mas, principalmente, para superar o capitalismo que como a caixa de Pandora, com a tampa aberta espalha todos os males.
                                                                                                                          Ademar Bogo