domingo, 20 de março de 2022

OS LADOS DA GUERRA

Na contemporaneidade, com a globalização, a guerra assemelha-se a uma bola que, apesar de redonda, têm dois lados: O de dentro E O de fora. O lado de dentro são os países e pessoas envolvidas no conflito e, o lado de fora, divide-se em duas partes: há os países que contribuem e sustentam os países envolvidos e outros países e povos que sofrem as consequências econômicas, políticas e sociais.

O conflito instalado na Ucrânia já ganha proporções mundiais. Nessa expansão também já vislumbramos dois lados: o lado que perde e o lado que ganha. Os ganhadores com a guerra, em primeiro lugar, dentre outros, são as indústrias armamentistas, as corporações controladoras das commodities, como o petróleo, a soja, o trigo, a carne, por exemplo; o mercenário que luta por dinheiro ganhando, cerca de dois mil e quinhentos dólares por dia. Os perdedores, como sempre, estão as populações marginalizadas do mundo que precisam pagar mais caro pelo acesso aos bens de consumo.

Evidentemente a violência física e psicológica que a guerra causa é desumana. Do ponto e vista das conquistas humanitárias, por serem guerras entre potencias capitalistas, elas pouco ou nada trazem de melhorias. Os interesses imperiais ultrapassam as preocupações com os cuidados e a defesa das populações e se fixam no acesso às riquezas naturais.

O petróleo, embora se discuta cotidianamente a necessidade de se investir em energia limpa, continua sendo, como foi o fogo no início da humanidade, o produto em disputa. Há menos três anos, a Venezuela estava na iminência de sofrer uma invasão militar por parte dos Estados Unidos da América, o mesmo que hoje esbraveja contra a Rússia e, tal ameaça não atinge atualmente o Brasil, pelo simples fato do petróleo estar sendo entregue pacificamente.

O que espanta em tudo isso é que, os discursos que deveriam ser críticos e propositivos, são os mais conciliadores e condutores para o legalismo pacifista. Com a venda nos olhos, deixam-se conduzir para o futuro, com a ilusão de que, apropriando-se do poder político, tudo será melhor e, por essa razão desde os mais até os menos organizados, o parlamento passou ser a saída principal. Ou seja, para eles o problema não é o imperialismo nem a exploração capitalismo, mas o miliciano na presidência da República.

A ignorância sobre a necessidade da expansão do capital para todas as partes do globo terrestre faz com que, as discussões sobre o controle imperialista, passe despercebido e, como se a política tivesse total autonomia frente a economia, aposta-se tudo nessa via totalmente dominada pela democracia representativa. Não esqueçamos que o golpe de natureza parlamentar, tática primordial do capital especulativo, agora está em andamento no Peru, depois poderá deslocar-se para o Chile e, retornar no ano que vem ao Brasil.

Os conflitos mundiais tornam-se cada vez mais acirrados, conforme vão sendo exauridos os recursos naturais, de onde se extrai a matéria prima para a produção de mercadorias. Países que até então não demonstraram possuir nenhuma reserva natural importante, ficam à margem das prioridades. Se a economia precisa de petróleo e de minérios, o mercado precisa de produtos alimentícios, e as reservas financeiras até então, prioritariamente feita em dólares, agora se volta para o ouro. O Brasil é possuidor desses três potenciais e, do controle deles depende a soberania nacional.

Tal qual a guerra em andamento na Ucrânia, a guerra do capital contra as reservas naturais também está em andamento. Mas, se aquela, apesar dos sacrifícios ainda permite à população fugir para outros países, esta que acontece sob nossos pés, não permite que fujamos e nem que possamos buscar socorro em qualquer outro lugar. Portanto, é preciso enfrentá-la.

Tornaram-se cotidianas as análises sobre as crises e a decadência do capitalismo. As indicações de que este modo de produção já não tem mais o que oferecer de bom para a humanidade e, sob o seu domínio caminhamos a passos largos para a barbárie. Por isso, acreditar que as sociedades do futuro serão menos desiguais é uma verdadeira utopia sem fundamentos. Não há como pleitear a igualdade social, quando as causas promotoras das desigualdades são as energias vitais que movem o sistema.

Não se trata de buscar entre a agressão e a pacificação uma terceira via, mas trata-se sim de posicionar-se de tal maneira que permita fazer com que a humanidade invista na superação do atual estágio do imperialismo, para de fato superar o capitalismo. Este processo não ignora a realidade, mas afirma-se sobre as suas contradições.

As posições cômodas e pacifistas em relação à guerra, de setores de esquerda, que deveriam agarrar as nossas contradições internas para desencadear enfrentamentos, é muito preocupante. Se somos vítimas do mercado externo, seja do preço do petróleo ou das commodities agrícolas, as populações mais pobres e os trabalhadores seremos asfixiados pela fome vendo os produtos sendo exportados para outros países possuidores de poder de compra. Ou seja, se antes o apartheid social firma-se sobre o preconceito, agora quem estabelecerá a divisão, será o próprio mercado, devido aos preços exorbitantes, os grandes contingentes serão impedidos a consumir.

O papel das forças revolucionárias deve ser o de não deixar as massas acreditarem que não podem comer porque os preços estão altos. Os preços dos produtos não podem ditar se devemos passar fome ou não. Quem dita quem deve ser incluído ou excluído é capital e os capitalistas que o encarnam. Portanto, está cada vez mais nítida a formação das condições para se desencadear a verdadeira luta de classes, mas, para isso precisamos convencer e convencer-nos que um ser social é mais do que um cidadão. O primeiro tem tudo para ser o sujeito da História, o segundo somente têm direitos a serem exigidos de seus representantes escolhidos por meio da ilusão do voto.            

Precisamos de um partido que, inicialmente reúna a parte convencida de que é preciso superar o capitalismo e o Estado capitalista e, ao transformar os anseios em ações, convencer e transformar em força organizada, as grandes massas sofredoras e deserdadas. Passar necessidade como passam os cães diante das vitrines de carne trancadas, porque a prioridade é a exportação ou porque os preços são regulados em dólar, quando o salário é pago em real, não é nada racional.

Se as guerras são vitais para os capitalistas definirem como poderão acumular mais riquezas, elas também são oportunidades de darmos um passo à frente na contestação e na superação da dominação imperialista. Enquanto eles gastam energias para combaterem-se entre si, façamos a nossa própria marcha em direção à liberdade.

                                                           Ademar Bogo

                                               Autor do livro “Caminho do tempo”. Editora Cousa.

domingo, 6 de março de 2022

CARÊNCIA OFENSIVA


            Enquanto as forças de esquerda ou de posições políticas progressistas dividem-se mundo a fora, pondo-se a favor da Rússia ou da Ucrânia, ficando, com isso, reféns das hipóteses políticas postas pela grande imprensa, o povo ucraniano é quem paga com altos sacrifícios. Com exceção dos países já marcados pela exclusão do consenso imperialista, que se colocam em defesa dos direitos da Rússia, a maioria das opiniões, ou são cuidadosas, medrosas e até controversas.

Situemos, antes de tudo, a Ucrânia e demos a ela o direito de ser um país e um povo autodeterminado. Ninguém pode ser contra essa posição. A soberania de um país é indiscutível. Dito isto, situemos também a Ucrânia na geopolítica regional e veremos que ela, por consequências geográficas e históricas, já pertenceu ao pacto de Varsóvia entre 1955-1991, quando saiu e passou a ser denominada de “linha vermelha”, separando a Rússia dos países que, gradativamente foram se associando à OTAN, ampliando o poder de influência do imperialismo norte-americano no mundo. O desejo político dos governantes ucranianos é também associarem-se a esse bloco, mas, com isso, levaria a ameaça inimiga até as fronteiras da Rússia.

Se olharmos mais atentamente, sem nenhuma paixão, a situação do povo ucraniano é, atualmente, no mundo, a mais desfavorável possível. Por isso, sem comando, a solução dada a ele, é a fuga para os países vizinhos. Se por um lado, o objetivo da retirada em massa da população, serve para poupar a vida de civis, por outro lado, as forças de direta ucranianas, interpretam que, o esvaziamento das cidades serve para acelerar a ação militar russa e por isso dificultam a concretização dessa tática.

A situação da Rússia também não é confortável. Se o conflito se prolonga, aumenta o desgaste político a nível mundial; isto porque, o consenso midiático é de não aliviar a ofensiva difamatória e, mesmo no campo de batalha, é desgastante manter as forças em combate, basicamente estacionadas, tendo o máximo de cuidado para não abater civis. Mas, também não pode recuar. Se o fizer e a Ucrânia se aliar à OTAN, seria como se o seu vizinho abrisse uma janela no muro de seu quintal e por ele vigiasse todos os seus movimentos.

Há uma vontade histórica da Europa e aliados, em destruir o potencial russo como fizeram com a União Soviética. No entanto, por mais que façam, o núcleo duro resiste e ruma para afirmar, juntamente com outros países da Ásia, o pólo oposto ao imperialismo dos Estados Unidos.

De pronto, poderíamos ficar por aqui, satisfeitos com as informações, mas não extrairíamos as lições do conflito e nem tampouco apontaríamos para um desfecho favorável ao povo ucraniano e, para encontrá-la precisamos colocar no tabuleiro os partidos comunistas da Ucrânia. Eles foram criados a partir de 1993 e, como todos atuaram até 2014 na institucionalidade.

Em 2014 com a interferência imperialista, o governo legitimamente eleito, tal qual ocorreu no Brasil, foi deposto e, em 2015, o Partido Comunista da Ucrânia , o Partido Comunista Renovado e, o Partido Comunista dos Trabalhadores e Camponeses da Ucrânia, foram proibidos de atuar, usar símbolos, manifestar opinião e participara da vida política do país. A solução dos três partidos foi de apoiar as províncias separatistas de Donetsk e Lugansk, o que lhes rendeu, devido a propaganda enganosa do governo, ainda mais desgaste diante da população.

O enfraquecimento e “desaparecimento” dos Partidos Comunistas é parte desta catástrofe que se abate sobre a Ucrânia. A falta de uma força política e de lutas internas, deixa a situação ainda pior. O povo por si mesmo não se sente capaz de enfrentar a situação e, por isso foge, recolhe-se ou se coloca equivocadamente a favor do governo, o mesmo que faz a intervenção russa prolongar-se. A posição mais acertada seria, a de tomar a frente do processo e depor o governo fantoche dos Estados Unidos, restabelecer a verdadeira democracia, os direitos à soberania e a autodeterminação do povo ucraniano. Em parte é isso que pleiteia também a Rússia. A diferença é que ela o faz com tanques e bombas, sem a participação popular. Sendo vitorioso, o governo russo poderá, empossar um governo favorável às suas posições ou anexar o território ucraniano, mantendo-o como uma província da Rússia.

Falta, portanto, revelar ao povo ucraniano que, pela localização geopolítica do país, independentemente dos resultados desse assombroso conflito, a linha vermelha continuará existindo e será submissa à OTAN ou a Rússia. Aquele país está localizado na linha divisória dos interesses das potências capitalistas.

Para o povo ucraniano o caminho mais curto para estancar o sofrimento e a destruição, não é a fuga, mas as ruas. Para isso as forças comunistas e de esquerda deveriam assumir o comando e voltarem-se contra os inimigos internos que provocaram essa barbárie. Aplica-se aqui quanto lá, o velho provérbio popular: “Só o povo salva o povo”. Talvez, se as forças de esquerda, espalhadas pelo mundo, que se ocupam em condenar este ou aquele lado, gastassem as energias para ajudar a superar a carência ofensiva do povo ucraniano, estariam resgatando, de uma só vez, o princípio do internacionalismo proletário e a dignidade revolucionária.

 

                                                                                          Ademar Bogo

                                                                                  Autor do livro: Caminho do tempo

                                   https://cousa.minestore.com.br/produtos/caminho-do-tempo