domingo, 23 de fevereiro de 2020

SOMOS INIMIGOS


            Quando Thomas Hobbes escreveu em seu livro “Leviatã”, que “o homem é lobo do homem”; estava lá no início do capitalismo querendo antecipar que um indivíduo seria inimigo do outro, principalmente em se tratando dos negócios e da prática política.
            Consciente ou não do que viria pela frente, a civilização capitalista liderada pela burguesia se estabeleceu segundo os seus interesses. Ela foi capaz de criar a si mesma, enquanto classe e, juntamente criou o comércio, a indústria, o capital, o Estado, as leis, como também por necessidade do reconhecimento de sua função e existência histórica, criou também o proletariado para extrair dele a mais-valia, em troca de um salário mensal.
            Sendo fruto da criação burguesa, os trabalhadores, embora dependentes, sempre tiveram de lutar contra as outras criações, ou seja, contra o próprio burguês, o capital e o Estado, geralmente representado pelos governantes oriundos da classe burguesa.
            Na medida em que, culturalmente os trabalhadores foram educados a buscarem a habilitação para assumirem uma profissão, mediante a venda da força de trabalho, aprenderam a ver, na existência das empresas e do Estado, as garantias para a própria sobrevivência. Do outro lado, embora os patrões sempre reconhecessem que sem o trabalho humano não era possível extrair a mais-valia, também viram os trabalhadores empregados como inimigos, por que podem a qualquer momento ameaçarem parar o trabalho em busca de aumento dos salários.
            Esse entendimento de que capital e trabalho vivem em constante tensão, ocupou-se também em separar na convivência social, aqueles que são possuidores do capital e seus descendentes e aqueles que recebem salário. Os primeiros, por serem os criadores das invenções citadas acima, julgam-se ungidos para acessarem os privilégios, o luxo, o prazer e o esbanjamento adquirido pelo valor de troca. Aos segundos, vistos como criaturas, devem contentar-se com o básico, sem jamais emergirem em busca de qualquer tipo de ostentação.
            O simples fato de sermos como somos é o suficiente, para usar um conceito do filósofo austríaco, Wittgenstein, colocar-nos em uma ordem de “estado de coisas” e, logo em seguida se acharem conveniente, modificam para outro estado, empurrando-nos para posições que lhes são convenientes.
            O “estado de coisas” assemelha-se a uma fotografia que retrata o momento em que as coisas estavam colocadas daquele jeito. Mas, logo em seguida, aquela imagem se desfaz, porque, todos os objetos foram mudados de lugar, tal qual como ocorre na política.
            Quando percebemos que somos inimigos? Quando está ou muda o “estado de coisas”. Se a tecnologia se desenvolve, os capitalistas em busca de aumentarem os seus lucros, substituem parte da força de trabalho, com as máquinas que farão a produção com maior velocidade. Aos trabalhadores demitidos, como parte da criação capitalista obsoleta é jogada fora. Se os direitos sociais pressionam a administração pública, ao invés de reconhecê-los e atendê-los, os governantes optam pela eliminação dos mesmos, compreendendo que, se não há direitos, não haverá cobrança.
            Em grande medida, há épocas em que as mudanças do “estado de coisas” funcionam com certa racionalidade e, há outras vezes que o impulso que movimenta as coisas, identifica-se com o “estado de barbárie”. Marx e Engels haviam previsto isto no Manifesto do Partido Comunista de 1848; não sabemos se com tanta nitidez como vemos na atualidade, quando disseram que, “de repente a sociedade parece retroceder a um súbito estágio de barbárie...”. E então começamos a perceber o que o instinto animal de qualquer ser social, vitima do velho “contrato social”, de que o capitalismo é o sistema assegurador de que “o homem é o lobo do homem” e, esse sistema sem a presença do Estado é uma ameaça à própria civilização.
            Parece uma heresia, observar que a presença do Estado é a esperança de alguma garantia de vida no capitalismo em crise, mas é verdade. O capitalismo ao contrário do comunismo, não sobrevive sem o Estado e, na medida em que ele é diminuído ou excluído de suas funções, coloca toda a sociedade em risco. Por isso não se pode confundir que quanto maior for o desmonte, maiores serão as possibilidades de avançarmos para a transição socialista, isto porque, em tempos em que as classes sociais e as massas oprimidas não possuírem força organizada, o movimento em direção à barbárie ganha maior intensidade.
            Se isto é verdadeiro, compreendemos a razão da insegurança da classe média que insistia anteriormente, justificando com a falsa moralização e, agora, com a frustração de ter eleito um presidente “descabeçado”, que os militares assumam de vez o governo. O que não falta praticamente nada. Resta apenas expressar qual é o grau do totalitarismo a ser oficializado.
            O que significa o estágio perigoso que caracteriza o estado de barbárie? Primeiramente é a crise de crescimento econômico que, a curto prazo, não apresenta nenhum sinal de otimismo. Em segundo lugar, é a natureza da política, principalmente expressa pela prática do poder executivo que, emergiu do meio mais deplorável, jamais visto na História, quando as milícias e o crime organizado foi institucionalizado. Depois temos a insubmissão proposital das polícias, que, por estarem organizadas foram incentivadas a reagirem contra a reforma da previdência, aceita pacificamente por toda a população.  Por fim o ataque do próprio presidente às instituições como ocorreu com intervenção recente no Inmetro, essa medida revela que para o governo não há mais peso nem medidas e, isentos de fiscalização a indústria e o comércio criarão os seus próprios padrões.
            Diante disso, não podemos esperar o pior, porque é certo que ele virá. No entanto, há duas maneiras de recebê-lo: com submissão ou com reação. Se a opção primeira se confirma, a recepção do pior será com discursos em “defesa da democracia”, “imprensa livre”, “eleições municipais”, “defesa das instituições”, “impeachment do presidente”; isto não quer dizer que não tenhamos êxito. No entanto, ao concluirmos esse período, nos depararemos com as massas famintas e desempregadas; o mesmo capitalismo em crise e todos os direitos vilipendiados. Isto sem considerar que, os militares podem aceitar desfazerem-se do presidente, mas não deixarão facilmente do poder.
            De outro modo, se optarmos pela espera com reação, precisamos entender que, não há como fazer a ultrapassagem do atual “estado de coisas”, sem prever qual é o “estado de coisas” que queremos produzir. Isso implica compreender que no capitalismo os inimigos somos nós e que eles não terão condescendência, seja na exclusão do mundo do trabalho, seja na repressão militar. As diferentes crises e a superação do estado de barbárie somente poderão surgir com uma nova ordem econômica, social e política. Muitos dirão que isto é impossível de se fazer agora. E estão com a razão. Mas se não começarmos a fazer agora, a construção que não tem tempo certo para acabar, ela jamais acontecerá.
            Quando sentirmos medo e insegurança devemos lembrar do final do texto do Manifesto do Partido Comunista, quando diz: “Que a classe dominante se sinta ameaçada na iminência de uma revolução comunista! Que a classe operária nada perderá com ela, a não ser as suas correntes. Mas terá um mundo a ganhar”. Comecemos, portanto, por assumir conscientemente que “somos inimigos”, deles, e de todos os que com eles colaboram.
                                                                                              Ademar Bogo

domingo, 16 de fevereiro de 2020

A PEDAGOGIA DA POLÍTICA

            Aristóteles, o filósofo grego, quando tratou da política, iniciou pela comparação da cidade a uma associação que, por sua vez, se forma tendo por alvo algum bem a ser alcançado. A teoria explicativa da formação da sociedade, para o filósofo, é que ela surgiu da junção de algumas famílias que observaram o funcionamento da natureza e assim estabeleceram um governo que passou a ditar as leis e a normas morais.
            Feita esta identificação da formação da sociedade e do Estado, Aristóteles empenha-se a discutir a economia doméstica, isto porque, sendo o Estado uma reunião de famílias, a economia da sociedade imita o que ocorre na família que, para ser completa, deve compreender escravos e indivíduos livres, componentes das partes “indecomponíveis”, subdivididas em três classes de combinações: o senhor e o escravo; o marido e a mulher, os pais e os filhos.
            Ao analisar as “três classes” existentes no ambiente familiar e estendidas para a sociedade, Aristóteles se deu conta de que havia um quarto elemento que envolvia a todos, e ele denominou de “acumulação da fortuna”, cuja origem mais estruturada, surgia da relação entre senhores e escravos. Com esse entendimento, seja para a manutenção da família ou para a manutenção da sociedade, a economia se convertia em uma arte que deveria ser aprendida.
            Reunindo os elementos para produzir a fortuna e, acima de tudo, para construir o processo como uma arte faltava apenas os instrumentos apropriados a serem colocados em ordem, para que tudo se harmoniza-se, como ocorria com as forças da natureza. Então disse o filósofo: se todas as artes precisam de instrumentos próprios, a economia, sendo uma arte, precisa dos seus. No entanto, os instrumentos podem ser animados e inanimados. Por exemplo, para o piloto, o leme é um instrumento vivo. O operário, nas artes, é considerado um instrumento. Do mesmo modo, a propriedade é um instrumento essencial à vida e o escravo uma propriedade viva. Como instrumento, o trabalhador é sempre o primeiro a ser utilizado  entre todos.  
            De lá para cá, ocorreram muitas mudanças nas formas de ver e de constituir a sociedade e o Estado, mas, na essência, o pensamento continuou o mesmo e, por uma conclusão antecipada, podemos perceber que tudo se deve ao elemento fundador das diferenças, que são as classes sociais.
            De outro modo, outros dois elementos sempre estiveram presentes na estruturação e na condução da sociedade que, resumidamente podemos chamar de: propriedade privada e Estado. Dessa forma, desde o passado até os nossos dias, sempre que se pensou em produção e em política, teve-se em mente a propriedade e o Estado. Como isso acontece na atualidade?
            Do ponto de vista dos proprietários dos meios de produção, quando discutem a política, apegam-se à estrutura do Estado como sendo um instrumento vivo para garantir que a acumulação da fortuna continue acontecendo, e que, a “harmonia” social, da mesma forma, imite a sintonia existente entre as forças da natureza. Nesse sentido, todas as partes, exceto os patrões e os governantes, constituem os instrumentos que estão a serviço da produção da riqueza sendo que, os trabalhadores vêm em primeiro lugar. Logo, se no passado os senhores eram os cidadãos proprietários, com direito à fortuna, os escravos, os animais, as máquinas etc., eram os instrumentos de produção e reprodução da fortuna com direito à sobrevivência.
            A relação direta da política com o Estado também se forma pela visão dos trabalhadores. Ou seja, quando os trabalhadores pensam em participarem da política, logo se preparam para chegarem ao comando administrativo da antiga “associação de famílias” que, hoje compreendemos como sendo a sociedade capitalista com o Estado capitalista.
            Os princípios do funcionamento da sociedade continuam basicamente os mesmos: se por um lado, como viu Aristóteles, existiam as classes compostas por senhores e escravos, marido e mulher, pais e filhos, em nosso tempo, temos, embora com relações um tanto mais complexas, a mesma constituição social, com patrões e empregados, proprietários e não proprietários; divisão sexual e social do trabalho; hierarquia e padrão salarial de gênero etc.
            Portanto, a associação das pessoas em sociedade e o surgimento do Estado, compreendem os alvos de cada um conquistar algum benefício e, basicamente, para gerenciar a arte de produzir a fortuna. Assim, os capitalistas quando governam, tal qual faziam os senhores de escravos, nos momentos em que a arte de produzir fortuna expressa bons resultados, eles melhoram um pouco o tratamento dos animais e dos escravos. Quando surgem as crises, os trabalhadores são sempre os primeiros a sofrerem as perdas.
            Se por ventura os trabalhadores chegam ao governo e passam a manusear os instrumentos estatais para fazerem política, não sendo proprietários atuam para favorecerem aos que são donos dos meios de produção a produzirem fortuna e, na medida do possível, estabelecerem algumas melhorias aos representantes dos antigos animais de trabalho e dos escravos, agora vistos como trabalhadores. Quando os trabalhadores perdem os governos, os capitalistas voltam e retiram tudo aquilo que acham ser exagero, começando pelos direitos, depois pelo tratamento diferenciado entre os trabalhadores do serviço público e os trabalhadores da iniciativa privada e, direcionam todos os instrumentos, animados e inanimados para garantirem a produção da fortuna para os proprietários. É por isso que, para eles, uma empregada doméstica ir à Disney, é tão ridículo e ofensivo quanto realizar um casamento de um casal de cachorro na lua. Os pobres continuam sendo vistos como instrumentos úteis e inúteis e continuará assim enquanto perdurar o capitalismo.
            Marx e Engels quando aprofundaram a teoria do “socialismo científico”, mostraram que os trabalhadores somente serão emancipados quando extinguirem a propriedade privada e o Estado. Dali em diante a política ganhará outras formas, primeiramente porque não existindo a propriedade privada, não existirão classes sociais e, não existindo classes, a força de trabalho deixa de ser mercadoria e o trabalhador eleva a sua condição humana superando a condição de instrumento de uso.
            É verdade que muitas dúvidas e discordâncias podem surgir, principalmente essas que remetem a pensar a conjuntura atual. Mas, por outro lado, é importante perguntar: qual é a razão que leva os trabalhadores em uma eleição votarem na esquerda e em pleitos seguintes votarem na extrema direita? Os processos eleitorais vitoriosos que levam os trabalhadores aos governos, por que não desestruturam a arte burguesa de produzir a fortuna? E, por fim, por que, quando as forças de direita, após um período fora do governo, voltam a governar os trabalhadores e a população não defendem as “conquistas” anteriores? Longos debates poderíamos estabelecer, mas, no fundo, voltaríamos às origens, e perceberíamos que a propriedade privada e a estrutura do Estado continuam intocáveis.
            Então vemos que a indução da lógica improdutiva sempre surge para incubar o debate estratégico, evitando a estrada principal. Aqui, apenas dois exemplos. Todos lembramos do argumento usado alguns anos atrás, de que “se o PT perdesse as eleições, a Venezuela seria penalizada”; isso serviu inclusive para justificar a posição conciliadora do governo. Tudo se justifica e se relaciona, mas, o Brasil retrocedeu e mudou de lado, colocando-se a favor da invasão organizada pelos Estados Unidos e a Venezuela, contando com a sua força militar e popular interna e a ajuda da Chia e da Rússia, continua lá. Outro breve exemplo é a indicação de que, sendo que o governo atual apoiou-se nas religiões neo-pentecostais, devemos agora ir a essas bases religiosas convencê-las a mudarem as suas posições.
            Destacamos que não devemos pleitear a fazer política fora da ordem. Quem deve dizer que as forças de reação são ilegais é sempre classe dominante, mas, atuar no mesmo corredor que conduz as multidões ao fosso da incineração da superação capitalismo, da utopia socialista e da organização política consciente, é voltar a ser o que a filosofia de Aristóteles configurou os escravos na Grécia Antiga: meros instrumentos animados úteis à arte da produção da fortuna para os capitalistas.
            Devemos superar e mudar muitas coisas, dentre elas, a pedagogia de pensar, organizar e fazer política. No entanto, não se faz política nem educação, sem a associação das pessoas que tenham ou despertem para um mesmo bem a ser alcançado. Quanto mais fácil, mais frágil e mais imediato é este “bem”, mais curto é o tempo de vida da associação para essa busca. Quanto mais consistente for este bem, mais longa será a duração dessa associação.
                                                                                                                    Ademar Bogo
             
           
              
             


domingo, 2 de fevereiro de 2020

O TOTALITARISMO MERCENÁRIO


A filósofa alemã Hannah Arendt, ao estudar os movimentos totalitários na metade do século passado, compreendeu que eles não ocorrem sem a propaganda totalitária. A dominação funciona de tal forma que, segundo ela, somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo, isto porque, as massas somente são conquistadas por meio da propaganda.
Por outro lado, o terror é uma segunda alternativa utilizada pelo totalitarismo quando a propaganda não atinge os resultados desejados ou quando a cooptação ameaça se desfazer. Há ocasiões em que eles mesmos cometem atentados contra as autoridades, personalidades e militantes políticos, para mostrarem do que são capazes. Nos casos de atentados contra as massas, na Alemanha nazista, os denominaram de “propaganda da força”, significando que as informações das ações violentas ao se propagarem entre as massas tendiam fazê-las.
Na medida em que as ações totalitárias avançam, elas se equiparam ao “banditismo social”, no caso brasileiro, asseguradas pelo Estado as milícias que agem como forças oficiais, mas não recebem publicamente esse reconhecimento. Recebem proteção, no caso de seus agentes não serem investigados, presos e condenados, porque as autoridades agem seletivamente, “desviando-as” das ações repressivas e, em casos específicos, aprovam leis que favorecem o uso da violência, imunizando os agentes que a cometem, transformando o crime em ação de “legitima defesa”.
Um terceiro elemento apropriado ao desenvolvimento do totalitarismo é o fanatismo que estimula os excessos de violência em nome da defesa de causas morais. Para que isto ocorra é necessário que as pessoas sejam convencidas de alguns valores, mesmo que não sejam por eles respeitados, como a família, o gênero, a ética etc., pois o fanatismo atua sobre a imaginação e se volta para fora, fazendo com que o “outro” seja um alvo a ser violentado naturalmente.
Há porém, que considerar dois elementos importantes que perturbam a ordem estrutural do totalitarismo. O primeiro diz respeito à incapacidade de manterem a unidade entre os próprios membros, principalmente quando há desgaste da força da autoridade totalitária. Os rompimentos são constantes e em casos particulares podem se transformar em escândalos. O segundo elemento é que, o totalitarismo precisa de uma oposição intensa para justificar as medidas políticas da brutalidade. Não havendo uma oposição ameaçadora, tentam inventá-la, mas, é muito difícil manter uma invenção ameaçadora quando ela não se manifesta e as próprias massas não percebem a sua existência.
Na medida em que a oposição não se manifesta ou visivelmente, não apresenta ameaça ao poder; o totalitarismo então reorienta as diretrizes de seus métodos e adota medidas políticas que, aparentemente, “não agridem” as consciências nem os valores morais.
Tomemos como referência o comportamento das forças que ganharam a eleição de 2018, disseminando o ódio e agindo publicamente como marginais dentro da própria ordem que queriam controlar. Os ataques à “ideologia socialista”, ao Foro de São Paulo, às questões de gênero, raça e crenças, coroados pelo uso de uma linguagem desbocada, que não se sintonizava com status das autoridades, pegava bem entre as fileiras totalitárias, mas fora delas era uma afronta.    
A nomeação de alguns ministros que aparentemente objetivava fazer enfrentamentos mais do que gerir as políticas públicas, começa a demonstrar aos próprios vingadores que nem tudo se pode destruir, quando se precisa, acima de tudo, mostrar serviço e provar que as promessas são realizáveis.
Sentindo que as turbulências sociais não apareceram aqui como as reações ocorridas nos países, que surgiram, mas não se sustentaram, por isso deixou-se de ameaça com o “novo AI-5; da mesma forma o medo do “Lula livre”, ao vê-lo fora da prisão sem forças para liderar uma reação imediata, mesmo porque as forças de esquerda, ao longo das décadas foram sendo auto liquidadas, o totalitarismo recalcula os seus impactos e redireciona os rumos. Primeiro disciplina a linguagem e os ataques frenéticos, depois, tudo indica que reabre o caminho da ressiginificação da aparência, por meio da troca de figuras estigmatizadas, por outras que podem ser mais “palatáveis” como é ocaso da secretária da cultura vista como “a namoradinha do Brasil”. Nesse sentido, a manutenção do ministro da justiça, por mais que internamente seja incômoda, cumpre o papel de garantir a simbologia da eficiência, mesmo que fragilizada. As declarações vidas do palácio de que é preciso eliminar o radicalismo ideológico do ministério da educação, apontam para as mudanças de postura interna.
No entanto, essas medidas que remodelam as aparências, em nada influenciam na essência do poder totalitário de natureza mercenária. Ao mesmo tempo em que agem para reapresentar as garras sem o sangue dos crimes à mostra, no interior da administração vilipendiam o patrimônio público e garantem-se pela ajuda dos poderes legislativo e judiciário que atuam na linha colaboracionista para que se cumpram os desígnios de salvar o Estado e empurrar cada vez mais a população, ingênua e desinformada, para a miséria.
Em síntese, eles estão mudando na aparência porque podem mudar. Não poderão deixar de mentir nem tampouco de lançarem mão da propaganda enganosa. Podem deixar a porta sem tranca porque a oposição ameaça levantar-se só em 2022 para a disputa eleitoral. Até lá, por falta de unidade interna, tendem eles mesmos a liquidarem-se uns aos outros, para, no final saberem quem continuará no comando do processo de subordinação ao imperialismo.
E então nos perguntamos: o que fazer? Só há um caminho possível que a organização política, mas isto implica em buscar assumir uma posição avançada que supere as posições intermediárias e oferecedoras do bem-estar social, mas dentro do capitalismo.
É certo que, mais dias, menos dias as massas levantar-se-ão e, a continuar assim, encontrarão pela frente, fileiras de candidatos e nem uma proposta além de irem às urnas e legitimarem a condenação ao capitalismo.   
                                                                                 Ademar Bogo