domingo, 20 de dezembro de 2020

A SOCIEDADE CANSADA DA CIVILIZAÇÃO

            Vem de Aristóteles a primeira constatação de que, o homem ao buscar explicações sobre a própria existência encontrou o próprio reflexo de si mesmo, mais tarde, Karl Marx, quando analisou a religião, em 1843, na esclarecedora Crítica da filosofia do Direito de Hegel disse que “o homem, que na realidade fantástica do céu, onde procurava um super-homem, encontrou apenas o reflexo de si mesmo, já não será tentado a encontrar apenas a aparência de si, o humano, lá onde procura e tem de procurar sua autêntica realidade”.

            A realidade fantástica do céu pode ser entendida como o lugar onde as perguntas mais intrigantes formuladas sobre o desconhecido, foram respondidas e, a “autêntica realidade” deu-se com o encontro do Eu consigo mesmo que nada ou pouco mais era do que o reflexo projetado pelas suas convicções.

            O filósofo coreano Byung-Chul Han, professor na Universidade de Berlin, buscou mostrar em seu livro, “Sociedade do cansaço” que a sociedade da “disciplina” onde figurava o “sujeito da obediência” foi substituída pela sociedade do “desempenho” que visa a autonomia e a produtividade individual. Seria, na verdade, uma superação da negatividade da proibição pela positividade que persegue o poder do desempenho ilimitado por meio das próprias motivações. A conclusão alcançada pelo autor é que, se a “sociedade disciplinar produzia loucos e delinquentes, a “sociedade do desempenho” gera indivíduos depressivos e fracassados. Lamentavelmente, segundo Han, “o homem depressivo é aquele animal laborans que explora a si mesmo e, quiçá deliberadamente, sem qualquer coação estranha”.

            No entanto, se tomarmos como referência a categoria do “cansaço” e desvendarmos a sua natureza, perceberemos facilmente que não há uma causa única para as diferentes expressões dos esgotamentos físicos e emocionais, porque, ao generalizar o cansaço como sendo da “sociedade” incorremos no erro fantasioso de dizer que “todos os seres sociais” estão incluídos na “sociedade do desempenho”, próximos de saírem da coação e da disciplina para entrarem na exaustiva ocupação autônoma e liberal.

            A parcela exausta de indivíduos que encontraram o “reflexo de si mesmos”, está incluída na sociedade destrutiva do capital e que foi criada na esfera antropológica com características forjadas para seres imaginários adaptados à seleção tecnológica, lugar onde podem chegar apenas os ídolos, os gênios, as estrelas e as celebridades. Levam consigo, para o “mundo fantástico do céu” um reduzido grupo de ignorantes, possuidores de dinheiro que pagam para que juntos vegetem naquela superioridade insuportável, muitas vezes amenizado o esgotamento pelo o efeito alucinógeno das drogas. Mas, a grande maioria da humana não “desempenha”, não se inclui a não ser pelo consumo dos produtos gerados pelo reflexo daqueles que controlam o mundo fantástico da alucinação capitalista.

            Se o encontro consigo no capitalismo traz para o indivíduo a “frustração” e a “depressão” que a fama não justifica, é porque, ao mesmo tempo que o desempenho alcançado deixa para trás sinais da própria delinquência intelectual, revela tipos de personalidades inúteis para o melhoramento da humanidade.

            É temerário pensarmos que vivemos em uma sociedade do “desempenho” porque é justamente o processo seletivo que leva dois terços da humanidade a permanecer na sociedade coercitiva, sobre a qual vigora um Estado disciplinador, autoritário e exterminador, isto porque, a grande maioria das pessoas está fora do acesso às mediações que possibilitam alcançar qualquer nível de desempenho autônomo e satisfatório.          

            O encontro do sujeito capitalista com o seu próprio reflexo, propiciado pelas ciência e pela tecnologia, fez com que ele desnudasse a sua própria capacidade destrutiva e, com isso entendeu a origem das próprias crenças, quando os deuses puniam, exigiam sacrifícios, destruíam cidades e criavam pragas ameaçadoras. Desnudo vê-se agora, na fantástica realidade do sucesso como um super-homem insuportável que, por milênios de anos tentou projetar em uma figura superior, as virtudes sonhadas para si.

            O cansaço e a exaustão do modo de produção capitalista promovem o encontro com o homem contemporâneo com a sua própria obra constituída sobre os mais degradantes paradoxos, como: excesso de riqueza e de pobreza; fartura e miséria; moralidade do amor ao próximo e violência; liberdade e igualdade com discriminação; produtividade e devastação, poluição, envenenamento; acumulação do capital produtivo sobre o trabalho; expansão do capital fictício sem trabalho, e tantos outros.

            A “sociedade do cansaço” ou que cansou de si mesma e já não se suporta,  é o resultado de um projeto civilizatório desumanizador insuportável. Evoluindo, retrocedeu à brutalidade e ao medo. “O homem como lobo do homem”, como apregoava Thomas Hobbes, saiu do estado de natureza e alojou-se em cada esquina para abater a quem se negar a ceder, a obedecer ou a se igualar nos princípios da moral fascista e exterminadora. O lobo que ameaça e mata está situado na delinquência organizada, nas empresas de segurança e no Estado; mas também age como “lobo solitário” na intimidade do lar com o feminicídio.      

            A “sociedade do cansaço” é o fim de uma longa marcha em busca do reflexo projetado por cada geração que culminou na saturação, engarrafamentos, ociosidade inútil, e perda de perspectivas, fazendo com que o reflexo do “super-homem” encontrado emitiu a imagem de um rato amedrontado.

            Esse cansaço coletivo, além de impedir que se queira ir além do reflexo já alcançado também nas causas populares, impede de pensar sobre a validade das próprias invenções, como por exemplo: haverá futuro para a sociedade do capital? Para o Estado capitalista? Para os partidos políticos institucionalizados? Para as religiões partidarizadas? Para o ensino da mera diplomação? Para a moral refém da fascistização?

            Apesar do cansaço, não há tempo para descansar, descasaremos durante a própria viagem. Renovar os reflexos para que eles, agora, não estejam voltados para encontrarmos um “super-homem” mas, para uma coletividade, cujas atitudes do presente convertam-se em realidade do futuro; ela  não pode ser outra, a não ser o socialismo. Com ele a civilização capitalista será superada e a humanidade encontrará  a verdadeira realidade.

                                                                                              Ademar Bogo 
                                                                                                    Autor do livro Moral da História    

domingo, 6 de dezembro de 2020

O REBOQUISMO

     O “reboquismo” essa categoria mais apropriada para ser utilizada na engenharia mecânica, foi usada como metáfora por Carlos Marighella, nascido em 5 de dezembro de 1911, portanto, há 109 anos, na cidade de Salvador.

            Ao analisar a crise brasileira no ano de 1966, diagnosticou a principal doença das forças de esquerda do século XX que se propagou ainda com maior vigor no século XXI, ao dizer que: “A substimação do perigo de direita no panorama político brasileiro foi fruto do reboquismo e da ilusão no governo”.

            Se promovermos o verbo “rebocar” à classe principal na análise, extrairemos do enunciado acima três categorias importantíssimas que nos permitirão aproximar as épocas sem diferenciar as concepções políticas e nem mesmo os comportamentos práticos.

            A primeira categoria é a da “subestimação”. Subestimar, em se tratando de política, é quase sempre uma atitude de minimização da força contrária, mas esta referência pode ser usada para qualquer área, seja no tratamento da saúde, nas disputas esportivas, nas reações da natureza etc. Neste contexto Marighella foi bem preciso quando colocou como expressão do “reboquismo” a categoria “subestimação do perigo de direita”.

            A “direita” entendida como burguesia, já no Manifesto Comunista escrito por Marx e Engels e publicado em Janeiro de 1848, não era mais um “estamento”, mas uma classe, e aqui vemos que ela é também perigosa.

            Não perceber que a direita é perigosa levou, principalmente neste século, a fazer composições como se ela fosse a força auxiliar da classe trabalhadora para que esta governasse para todas as classes. Portanto, a direita que impetrou o golpe de 1964 e o outro de 2016, amparada pelo mesmo colo formado pelas duas coxas: dos militares e do imperialismo. Sobre essas duas coxas modelaram-se, em ambos os momentos, os espectros ameaçadores da ordem, da pátria e da família, invertendo a culpabilidade pelas crises e responsabilizando os comunistas, os marxistas, professores e intelectuais críticos do capitalismo. Fabricaram assim, justificadamente, os monstros das torturas e os mitos mentirosos, que inverteram os propósitos das causas populares: “O petróleo é nosso” e “O Brasil é nosso”, quer dizer, deles.

            A segunda categoria diz respeito ao “panorama político”. O panorama diz respeito à visão ampla que percebe a formação do estado de coisas naquele cenário analisado. Podemos considerar que o panorama revela como as coisas estão colocadas no momento em que são percebidas.

            O panorama nos períodos analisados, tanto o do tempo de Marighella quanto em nossos dias é o de crise do capitalismo. Então a pergunta decorre da mesma classe analítica do “reboquismo”, o que vão fazer os trabalhadores no governo se o capitalismo está em crise? Tirá-lo da crise com uma composição com a força burguesa perigosa?

            A terceira categoria é a ilusão. Verdadeiramente não é qualquer ilusão, mas com o governo. Essa maneira embaralhada de ver tem origem ainda nos Jacobinos franceses que inauguraram a denominação, pela colocação geográfica à esquerda no parlamento. Convenhamos que eles estavam com a razão e tinham todo o direito de assim denominarem-se, pois, haviam saídos da sangrenta revolução que legitimara o modo de produção capitalista. Ou seja, os jacobinos compunham uma força de esquerda com posições contrárias aos girondinos de direita, mas ambas as posições eram capitalistas.

            A ilusão com o governo, que Marighella identificou, vinha da própria experiência como deputado, quando ajudou a escrever a Constituição de 1946, mas que foi renegada pelo Golpe de 1964, tal qual ocorreu no ano de 2016. A burguesia como “classe perigosa” rompe com a legalidade que é preciosa em tempos de crescimento econômico, mas indesejável em tempos de crise. Nas crises, as garantias dos direitos sociais e políticos representam amarras que prendem os desejos burgueses, então insurgem-se as forças de esquerda em defesa da lei e da ordem que antes garantiam a acumulação do capital.

            Nos momentos de crise é que surgem as propostas associativas e de formação de “frentes amplas”. Elas são importantes para manter a institucionalidade jacobina, mas, a ilusão de vir a ser governo, impede de que seja percebido que, aquilo que deveria ser provisório torna-se definitivo e o êxito na disputa eleitoral alcançado pela aliança entre os trabalhadores e parte das “forças perigosas”, fará com que eles agora assumam a responsabilidade pela crise do capitalismo, sendo que os únicos culpados por tal situação são as próprias forças burguesas perigosas.

            Por qualquer ângulo que se olhe, medindo os prós e os contras, se a direita é por natureza uma força perigosa, os trabalhadores não podem ser por natureza auxiliares e reboquistas dessa classe dominante como se ela fosse a máquina que arrasta atrás de si um instrumento sem vontade própria.

            A liderança de um processo surge quando a força que se coloca à frente se diferencia das demais pela sua capacidade de formulação e direção. Não ganha velocidade o reboque que tem à sua frente uma máquina forjada para rodar lentamente. Que no aniversário de 109 anos de Carlos Marighella possamos nos dar conta de que, os avisos estão dispostos ao longo do caminho e, em todos eles o reboque passou controlado pela máquina da governabilidade capitalista. Já é tempo de pensar na autonomia e na emancipação da humanidade; para tanto é preciso convencer-se de que não somos jacobinos e por isso não temos nenhuma responsabilidade em fazer o capitalismo funcionar. O nosso compromisso é com a transição para o socialismo.

Salve Carlos Marighella, que nos disse no “Rondó da liberdade”: “Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão”. A vida é feita também de escolhas e estas dependem de decisões.

                                                                                                          Ademar Bogo

 

             

domingo, 29 de novembro de 2020

O LIMITE DOS PRONOMES

            Leôncio Basbaum ao tratar do tema filosófico “O eu e o nós”, mostra que, na prática eles são muito mais do que pronomes pessoais, isto porque, aquilo que pensamos ser “nós”, é, antes de tudo, a soma dos vários “eus” e, esse entendimento constitui a base da formação da consciência social. Interessa-nos aqui, tomando como referência a categoria da “candidatura”, demonstrar que quase nunca, milhares de “eus” indo às urnas, formarão um “nós”.

            Considerando o assanhamento das eleições no capitalismo, elas precisam ser atrativas por meio do estabelecimento de um clima de inimizade. O desejo de eleger um candidato vem se tornando mais uma obsessão de vingança contra os opositores do que propriamente a diferenciação de programas. Logo, a associação formal ou informal de eleitores é uma obrigação para fazer a diferença nas pesquisas de opinião, como também, na participação de passeatas, carretas e atos que mostram se o candidato está forte ou fraco. É nesse sentido que podemos relacionar o pensamento de Basbaum, quando diz: “Quando digo nós, quero dizer eu, e ele, ou eu e eles. Mas  essa palavra nós será uma palavra abstrata se não se traduz em ação, mesmo passiva”.

            No entanto, o alvoroço da campanha, que supostamente forma uma base de sustentação do candidato, após passado o pleito, desagrega-se deixando de lado quem estava ao lado e, o próprio eleito que fará questão de marchar sozinho como se tivesse captado todos os anseios populares mas precisa recolher-se nas entranhas do poder institucional  para refletir e agir. Esse comportamento estabelecido pela essência da “democracia representativa” diferencia-se da lógica matemática que, pela soma ou multiplicação faz render os resultados segundo cada combinação dos números, senão vejamos: se o candidato representa o número 1 e cada eleitor também, somando 1+1+1+1+1 = 5, isso pode constituir um “nós” para contabilizar o resultado dos votos que será 5. Mas, do ponto de vista organizativo, este 5 nunca representará uma associação permanente de “eus” e nem tampouco o eleito considerará o resultado como base de referência para as suas ações.

            O que almejamos redizer aqui é que, no processo eleitoral com vistas a inserir-se na ordem estabelecida, a soma temporária da reunião dos pronomes pessoais: eu, tu e ele, jamais formaremos um “nós”, pelo contrário, continuará formando um “eu” apenas, como se a soma matemática estivesse errada: 1+1+1+1+1=1. Ou seja, acabado o pleito, aquele “nós” é dissolvido e o candidato fica só, colocando-se inclusive acima de sua agremiação oficial, que lhe emprestou a sigla para eleger-se, como também o eleitor desaparece.

            Essa tradição comportamental forjada nas práticas eleitoreiras, veio ao longo do tempo, destruindo a noção da importância da manutenção da consciência coletiva, no sentido de que todos os “eus” compreendam que política não é um binômio de substantivos associados: administração/reinvindicação; mas, acima de tudo, ela é o lugar em que se estabelece o processo de permanentes superações.

            A consciência social como resultado da reunião e organização dos “eus” têm a capacidade de analisar, quando sim e quando não as contradições estão sendo superadas e colocar o “nós” como força social em posições sempre mais favoráveis para procedermos às tentativas de realizar as mudanças estruturais.

            O que fizeram os ajuntamentos dos “eus” por meio do processo eleitoral, até aqui, foi, formar dois “nós”, um de situação e o outro de oposição, asfixiando a essência da política, por isso, a população em geral não sabe mais se “política” é a arte de transformar a realidade social por meio da organização das forças sociais ou se é a pura participação no processo eleitoral.

            Ao revezarem-se nos governos, situação e oposição, em muitos casos, trocam as bandeiras e, como vimos àquilo que seria um programa de esquerda se transforma em atitudes de direita. Lembremos se quisermos exemplos, do “superávit primário” tão combatido no governo de FHC e mantido posteriormente; da mesma forma as altas taxas de juros, e, a taxação das grandes fortunas, agora posta como exigência que por décadas ficou abafada.

            A conclusão parece evidente, que não basta demonizar o capital, as grandes fortunas, a exploração, concentração de renda etc., e endeusar o Estado por meio da defesa da manutenção da ordem estabelecida. O capitalismo é um todo constituído por meio da infraestrutura e a superestrutura. Enquanto tivermos partidos que colocam o processo eleitoral acima de tudo, o “nós” continuará existindo como pronome e também como a soma dos “eus” de consciências ingênuas que acreditarão no fascínio de um momento no qual elevam um “eu” ao grau de governante.

            É tempo de relativizar este caminho de disputas confortáveis e organizar as forças capazes de fazerem com que, a soma dos “eus” se transforme em organização permanente de “nós”, sem representantes e sem ilusões de que o governo em nosso poder humanizará o capitalismo.

                                                                                                                    Ademar Bogo

                                               

domingo, 22 de novembro de 2020

LUGARES E FUNÇÕES


Há séculos que o Brasil vem se afirmando como um país de etnocidas. Sempre pesou na convivência social a sobreposição de uma classe sobre a outra que, também combina a sobreposição de uma etnia sobre as outras. Definitivamente o racismo no Brasil é praticado com todas as formas de violência e não apenas disseminado como um sentimento de superioridade de brancos ricos contra índios, negros e pobres.

            Sendo o racismo praticado, a violência é dirigida contra humanos tratados como coisas. Quando na verdade, pessoa é pessoa e deve ser respeitada em detrimento de qualquer adjetivo de cor ou etnia. Mas, matar, ferir, machucar, excluir, rejeitar, impedir, afastar e maltratar, são verbos conjugados com ações no cenário social, composto por lugares sofisticados, como Bancos, shoppings, grandes mercados, nas ruas e nas favelas.

            O filósofo Karl Marx já havia alertado em seu tempo que, o dinheiro é no mundo das mercadorias o mesmo que é para o mundo dos homens: a besta que tem sob seu poder o desígnio de todas as mercadorias e, por extensão, o desígnio de todos os homens. E, é por essa razão que a “besta” favorece mais àqueles que a alimentam com os seus negócios do que a parte da sociedade coisificada nas relações cotidianas.

            Se o dinheiro na sociedade capitalista se reproduz por intermédio das coisas, cabe aos indivíduos levá-lo a todos os lugares para que o movimento das coisas promova a sua reprodução. A princípio nada poderia justificar a discriminação das pessoas pela cor da pele, tendo em vista que a força de trabalho coisificada é atraída pelo dinheiro para ajudá-lo na reprodução. O problema é que, no mundo das mercadorias, diferencia-se a “função” do “lugar” que a coisa ocupa.

Função e lugar são duas categorias que justificam, para os racistas, o racismo. É evidente que no capitalismo o dinheiro quer ir a todos os lugares, no entanto, é nesse sentido que o mundo dos homens se divide em dois: o que têm bons e o que tem maus lugares. Com isso também, o dinheiro em cada um dos mundos estabelece os “desígnios” de quem deve ocupar as determinadas funções.

O capitalismo no Brasil, esse “paraíso abaixo da linha do equador”, diferente do paraíso bíblico que possuía uma árvore sagrada e intocável no centro, aqui, desde o início tudo foi permitido. Nem as árvores e nem os lugares são sagrados, por isso os homens brancos de negócios podiam e podem apropriarem-se das coisas, devastarem a natureza, escravizarem, discriminarem e matarem as pessoas que as leis desse mundo asseguram esses desígnios.

E eis então que o país ingressou na civilização capitalista demarcando os lugares e as funções dos homens, das mulheres, das etnias, das coisas e da natureza. Na medida em que os bons lugares foram associados ao dinheiro, os brancos foram designados pelos seus próprios critérios a ocupá-los; os pobres foram misturados com as coisas no mundo das coisas e passaram ser aproveitados ou descartados.

O racismo no Brasil sustenta-se pelo auto desígnio dos ricos de que os pobres somente podem ser úteis se forem coisificados. Como coisas são levados a ocupar os lugares nos quais se reproduz o capital. Interessa então a força de trabalho do preto e da preta, nas casas, nos shoppings, na limpeza das ruas, nos serviços mal remunerados etc., mas não interessa ver homens e mulheres de cor preta, nos consultórios, nos escritórios, nas gerências empresarias, na aviação civil, no, Bancos, cartórios etc.

Além de ser lugar e função o racismo também é um acordo pelo qual todos os brancos bem situados e relacionados com o dinheiro devem vigiar para impedir que os pretos ultrapassem a linha divisória que separa o mundo dos homens e o mundo das coisas. Podem ficar nos redutos das favelas, como “lugar de preto”, mas não podem frequentar os lugares com assentos marcados dispostos para uma quantidade reduzida de indivíduos com cargos bem remunerados.

O racismo assegurado por todas as violências é mais do que a demonstração da supremacia racial, é a linha divisória que demarca a divisa entre o mundo dos homens e o mundo das coisas, no qual, os pretos e pobres são tratados como coisas. Tanto é verdade que, quando ocorre uma violência desmesurada no salão iluminado do Carrefour, os próprios proprietários aparecem para pedir “justiça e, como se fosse um objeto vendido com defeito, oferecem à família uma indenização pela vida matada; enquanto os praticantes do ato, muitas vezes pretos, ensinados a serem racistas, são julgados, condenados e levados a cumprir pena.

Da mesma forma, outros defensores da “justiça” em geral, nessa sociedade de política eleitoreira, prontificam-se a lutar para punirem os culpados, quando os culpados não são os agentes que matam friamente, mas a estrutura que assegura as funções e os lugares para a minoria branca contratar seguranças e treiná-los para matar. Enquanto houver capitalismo haverá racismo, principalmente porque, no Brasil, ele nasceu junto com a formação das classes sociais.

Punir indivíduos, desequilibrados, do serviço público ou terceirizados, que excedem o uso da força e por isso matam, não arranca de dentro da classe dominante o orgulho de possuírem a supremacia de classe e cor. Arranca-se o orgulho racista da classe dominante e de seus aliados de dentro de suas consciências, arrancando-lhes o poder que lhes permite definir os lugares e as funções que as pessoas podem ocupar.

O racismo está nas ações e nos dizeres. O antirracismo começa pela continuação dos enunciados racista, para fazer com que “o feitiço vire contra o feiticeiro”: “A coisa está preta, para quem maltrata pretos”. Nesse sentido. a transformação social brasileira poderá ser alcançada se a revolução brasileira tiver a "cara preta"

É tempo de recompor a classe para que as consciências se identifiquem e se pintem da mesma cor, para que pretos e brancos que se igualam façamos surgir uma nação com funções e lugares estabelecidos pela solidariedade e o respeito. Se dinheiro e o capital perderem a supremacia sobre a dignidade humana, o racismo será extinto juntamente com a classe branca dominante.

                                                                                                               Ademar Bogo

 

               

domingo, 15 de novembro de 2020

UTOPIA SEM IDEOLOGIA

           Utopia e ideologia são palavras que representam fenômenos ambíguos e provocam na consciência humana ilusões e encobrimentos das causas que sustentam os desejos de alcançar aquilo que ainda virá. E, embora sejam duas forças integradoras, enquanto uma puxa para frente a outra empurra para trás.

            A ideologia vista por este entendimento, representa a distorção daquilo que é real. Atua por meio do discurso procurando sempre satisfazer os interesses particulares utilizando-se da força coletiva. A utopia atua de maneira inversa. Se a ideologia faz de tudo para esconder a realidade do lugar real, a utopia faz de tudo para mostrar aquilo que ainda não existe em lugar nenhum.

            De modo geral, os dois fenômenos, utópicos e ideológicos, são produzidos em todas as interações sociais que surgem e se desenvolvem, como nos diz o filósofo alemão Gürgen Habermas, no “mundo da vida”, que envolve a economia, o comércio, a indústria, a educação, a religião etc. Para nós interessa discutir agora a presença de ambas na política.

            Para melhor estruturarmos o aprofundamento filosófico sobre os dois fenômenos, devemos usar aqui duas categorias: a primeira diz respeito à “legitimação” e, a segunda, o “encantamento”.

            Quando tomamos a legitimação como categoria de análise, temos, logo ao lado, a categoria do encantamento que complementa a primeira com a atração boquiaberta de seres interessados em desfazer a ocultação até então proposta em vistas da superação daquele estágio aparentemente saturado. No entanto, desconhecem os “boquiabertos” que o movimento das ideias e dos fatos, atuam para deslegitimar o legitimado anterior, para estabelecer algo que deverá ser deslegitimado amanhã. Assim ocorre com o encantamento que promete superar o desencanto com a fragilidade da promessa estabelecida para desencantar.

            A grande virtude da política é a capacidade de poder fazer e desmanchar porque ela primeiramente é feita com ideias. Tudo passa pela ideia antes de se tornar um medida política, que na campanha eleitoral conhecemos como promessa. Neste caso, aquilo que é denominado como “a festa da democracia” desencadeada pela força do voto, nada mais é que a comemoração da ideia produzida pela ideologia de agremiações partidárias que encantaram parcelas das populações a se deliciarem com a utopia ou lugar feito de promessas nunca alcançado.

            As eleições estão impregnadas de ideologia e utopia e,  “a festa da democracia” a cada dois anos, tem a intenção de fazer suportar a “política oculta” que funciona no “mundo da morte” de pessoas, planos, vontades, desejos etc. Se assim não fosse as pessoas votariam sempre nos mesmos candidatos e eles passariam a ser vitalícios nos cargos legislativos e executivos.

            O encantamento é uma necessidade na política como é o romance na literatura. Somos humanos, precisamos fugir do real para que ele não nos devore. A ideologia como força enganadora, cumpre o papel de, amenizar as dores do totalitarismo econômico que não tem mandato a cumprir; do totalitarismo racial que não alivia a discriminação da cor da pele preta; do totalitarismo masculino que vê o feminino a matéria a sua presa de submissão; do totalitarismo laboral que usa a força física e mental dos trabalhadores para acumular riquezas; do totalitarismo cultural que inferioriza a maioria da juventude negando-lhes o acesso às mediações culturais; do totalitarismo policial que alveja os alvos de carne e osso como se fossem de papel, e tantas outras formas que a ideologia eleitoral não deixa aparecer.

            O que legitima então “a festa da democracia”? O totalitarismo estrutural. Parece estranho, mas não é. O encantamento com as eleições faz com que se deixe de perceber que as mudanças propostas não oferecem perigo algum à ordem estabelecida. É assim que no capitalismo a “democracia” legitima o totalitarismo. Manejado pelas elites ou por aqueles que se valem das ideias para obscurecer a verdade, os ideólogos oferecerem ao invés da superação das causas, apenas  um breve alívio das consequências.

            “É o que temos”, dizem os ilusionistas buscadores de um lugar real na estrutura de poder. A ideologia é uma força ilusionista para o povo, por isso precisa encantá-lo e fasciná-lo para que acredite que as ideias enganosas oferecem o “tudo de bom”. Em nome da utopia da liberdade, os escravizados brasileiros suportaram 350 anos de escravização e, quando foram agraciados com a Lei Áurea de 1888, um ano antes da proclamação da República, deparam-se com a realidade e, a utopia imaginada tornou-se a ausência de lugar, com um amplo vazio de possibilidades. Mas as elites não. Enquanto chicoteavam no tronco e nos canaviais, os pretos maltrapilhos, os brancos faziam a independência do Brasil, escreviam a primeira Constituição e modificavam o código penal escrito anteriormente em Portugal.

            A ideologia que leva a ouvir o clamor das urnas eletrônicas, que festejam com música a confirmação de cada voto, cuja letra diz: “venha, vote e legitime o legitimado”, ganhou também o apoio de todas as forças partidárias; dentre elas, as mais críticas, agem como os abolicionistas do passado: prometem igualdade, sem tocar na propriedade dos meios de produção; justiça, sem efetuarem o julgamento e a condenação dos capitalistas causadores da miséria; liberdade, sem garantirem o acesso aos bens materiais e aos meios para garanti-la.

            O totalitarismo capitalista, obscurecido pela ideologia da “festa da democracia”, não pode impedir que se cultive a utopia que nos faz acreditar, mesmo que seja em superações idealizadas, que o futuro poderá ser melhor se for antecipado a sua construção. A democracia virá no dia em que o voto será substituído pela ação que deslegitimará o legitimado e transformará o encantamento ideológico em desencanto porque, todo o mal se fará passado e, portanto, superado.

            A consciência é a arma para combater a ideologia. Ver o real e querer o ideal forma a conjugação do verbo lutar. Se o processo eleitoral que afirma a democracia representativa ameaçasse e prejudicasse a classe dominante, ele já teria sido extinto. E para aqueles que acreditam derrotar a mesma classe dominante dentro da legalidade por ela instalada, nada mais fazem que servir de amortecedores dos choques que poderiam causar uma ruptura na ordem estabelecida.

            Uma marcha que anda em circulo é apenas uma marcha sem horizonte. Mas, uma marcha que anda para frente, mesmo que em linhas curvas, faz do horizonte a sua meta que lá um dia chegará.

                                                                                                                          Ademar Bogo

                                                                                                     Autor do livro “Moral da História”.

                                  

 

domingo, 8 de novembro de 2020

O MARAVILHAMENTO CONFUSO


            Vladimir  Jankélévitch, o filósofo francês que viveu entre 1903-1985, cunhou esse vocábulo na Filosofia e aqui nos servirá como uma categoria de análise. Ele nos mostra que o encantamento ou o espanto com algo surpreendente pode ser mais ilusório do que concreto, ou mais metafísico do que real.

            O maravilhamento surge pela revelação de algo que se esconde por trás das sombras e causa uma importante satisfação e também uma euforia, que têm motivos, mas, não tendo base real para se sustentar, afunda como a baleia que se mostra por alguns segundos sobre as águas, mas logo em seguida desaparece. Sabe-se que ela continua lá, mas não se pode saber os dados mais superficiais como as medidas, o peso, a idade etc., e, em pouco tempo, o maravilhamento se dissolve, restando apenas uma lembrança, talvez uma fotografia e uma duradoura saudade. .

            Esse maravilhamento vimos revelar-se nos últimos dias nas eleições para presidente da República dos Estados Unidos da América. Uma boa parcela da humanidade está maravilhada com a derrota do “homem mais poderoso do mundo”, sem considerar que um pouco mais da metade dos eleitores daquele país escolheu outro homem, também poderoso para ocupar o lugar.

            Isto quer dizer que não valeu à pena? “Tudo vale à pena, quando a alma não é pequena”, nos disse Fernando Pessoa e, nesse caso é um valor para as almas pequenas. Vale pelo maravilhamento. Há épocas que precisamos um pouco de fantasia para não enlouquecer. Mas os negros e os imigrantes latinos que residem nos Estados Unidos, perceberão em curto prazo que eles estarão fora do governo e que a polícia branca continuará sendo branca e que o racismo que contribuiu para a derrota do presidente atual, continuará arraigado nas consciências pervertidas e intolerantes.

            Por outro lado, as populações periféricas do mundo, que também nos maravilhamos com “a pequenez da alma” sequestrada pela tática eleitoral, sentiremos que o maravilhamento confuso e momentâneo não converterá a brutalidade dos setores da extrema direita e seus adeptos em posições de bom senso. A razão para compreendermos essa posição é muito simples: o capitalismo em sua fase destrutiva precisa de sujeitos destrutivos para que o capital possa se reproduzir.

      Karl Marx, durante a sua vida não se cansou de revelar que, a personificação das formas sociais de poder se dá pela encarnação dessas mesmas formas em representantes humanos. Ou seja, para que as estruturas mortas tenham vida precisam de pessoas que as assumam como suas, é por isso que, a mercadoria, o dinheiro, o capital e a forma política estatal, existem e funcionam pelas próprias leis tendenciais assumidas por indivíduos que, na atualidade, por conta da decadência estrutural do capitalismo, representam também as posições de extrema direita.

            É esse processo de encarnação das formas: mercadoria, dinheiro e capital, que o maravilhamento das parcelas mais sofridas da humanidade não conseguem desmanchar com uma eleição. A destrutividade capitalista é tamanha que amedronta as classes dominantes e estende o seu medo para a classe média que facilmente percebe a linha divisória entre o conveniente e o nível mais baixo do padrão de vida.

            Nessa viagem para o futuro, em busca de assegurar os seus espaços, os indivíduos mais bem posicionados atacam e forcejam para descartar as parcelas da população que estão embaixo e que exigem direitos e respeito.

            As eleições, como o salto da baleia, mostram, mesmo que de relance, a divisão criada entre as populações. Em estudos passados foram revelados dados que mostravam as intenções da globalização e do neoliberalismo que era criar as condições para que 30% da população mundial tivesse acesso a todos os benefícios do capitalismo. Isso certamente não mudou. Apenas para que se legitime por meio da fantasiosa “democracia representativa”, tornou-se necessário buscar o apoio de mais 20% das populações, dispersas ou organizadas em seitas religiosas ou cooptadas pelas políticas assistenciais sustentadas pelos governos.

            Os sinais indicadores de que as populações em diversos países não estão apenas divididas, porque isso de algum modo sempre ocorreu, mas agora são também vistas como inimigas pelas classes dominantes. Essa postura de acirramento das tensões das forças de extrema direita para, quando perderem não deixarem governar, tem como objetivo manter uma porcentagem razoável da avaliação positiva para justificarem os ensaios de guerra civil, atuação livre das milícias, que se encarregarão da matança das massas incômodas ao capital.

            Nesse sentido, uma derrota eleitoral pode representar muita coisa, até mesmo o maravilhamento temporário e confuso para as populações exploradas e abandonadas; mas, acima de tudo, para as classes dominantes e forças auxiliares, pode mostrar que para se sustentarem precisarão estruturar ainda mais as forças paramilitares e intensificar a violência contra as massas opositoras, incômodas e excedentes no capitalismo decadente.

            Tudo isso nos mostra que a suposta tendência à moderação institucional não baixará a temperatura da polarização real; as forças de direita utilizarão como matéria política, o racismo, a discriminação, os preconceitos, a exclusão e o extermínio, isto porque, o capital após encarnar-se transfere o seu caráter inumano para o capitalista.

            A única forma de enfrentar a decadência é superá-la, para isso é preciso maravilhar-se conscientemente com o processo de transição socialista.

                                                                                  Ademar Bogo  

                                                                               Autor do livro: Moral da História 

domingo, 1 de novembro de 2020

A EMERGÊNCIA DO NAUFRÁGIO OU DO FENÔMENO

            O termo emergência, na Filosofia, costumamos usá-lo para designar quando um fenômeno forma-se a partir de outro fenômeno. No sentido corriqueiro é o movimento de fazer surgir das águas alguma coisa que estava submersa. No primeiro sentido temos a possibilidade de observar e direcionar a análise e, também os resultados do fenômeno que surge, na segunda, a lógica faz considerar aquilo que é direcionando os efeitos previsíveis.  

            O Filósofo grego Epicuro, que morreu em 270 a.C descobrira que “tudo o que acontece no mundo deve-se às ações e as interações mecânicas dos átomos”. Esse entendimento direcionado aos átomos pode ter levado a uma compreensão bastante estreita porque, no fundo, para o filósofo, todas as coisas, inclusive os deuses eram compostos de átomos, mas, o mais importante foi que ele nos alertou de que há um movimento que faz as coisas interagirem, chocarem-se ou aliarem-se.

            O raciocínio fica ainda mais integrante quando nos damos conta que as ações e interações quando vamos para a política. O movimento dos corpos compostos de átomos que gere a mesma é bastante confuso. As razões para essas confusões podem ser encontradas nos interesses, nas vontades e desejos dos indivíduos que manejam os encontros e os desencontros reais. A pergunta que tentaremos responder é: se os corpos que dão forma ao sujeito estruturam e conduzem a política, foram, são e serão compostos por átomos quem os dota de vontade e desejos para se colocarem em certas posições em cada época?

            Se “uma longa marcha começa com o primeiro passo”, diz o provérbio chinês, tudo depende da escolha e do lado para onde a marcha deve ir, mas, principalmente, por que e o que se quer encontrar no final? Aliás, a definição do objetivo e a escolha do percurso já definem para onde e com quem a marcha será feita.

            Para ilustrar ainda mais este preâmbulo, o pensador humanista holandês, Erasmo de Roterdã (1467-1536), nascido e morrido no Renascimento, bem antes da Revolução Industrial, mas que já indicava o seu surgimento optou, propôs que, invés de combater as forças conservadoras que se colocavam contra os avanços científicos, artísticos, literários etc., deveriam incluir na política, o ideal moral que visava antes converter os príncipes para que praticassem os ideais cristãos e, dessa forma eles fariam com que reinasse a paz e a harmonia. Numa clara afronta ao italiano a Maquiavel, falecido em 1527 que havia proposto em “O príncipe” a separação entre religião e política, Erasmo expôs em seu escrito, “A instituição do príncipe cristão”, as ideias que, aparentemente, constituíam um programa com diversas medidas, dentre elas constava: “Mobilizar todas as forças morais em favor da paz”.

            Com essas referências podemos recolocar os parâmetros e observarmos o movimento dos átomos e dos seus interesses e desejos na política atual, isto porque, num momento em que se deve pensar mais profundamente como colocar as forças para iniciar uma longa marcha de superação de todas as causas estruturais que sustentam a decadência do capitalismo, o que vemos são os velhos corpos emergirem das águas da política, trazendo consigo as marcas que possuíam antes do naufrágio.

            Todos os esforços empregados nos últimos tempos voltam-se para convencer o “príncipe Kyros” (Ciro) que na etimologia grega significa, “aquele que tem autoridade”. Em nosso caso, a “autoridade” de convencer parcelas das forças da direita para fazer emergir a aliança editada em 2002 com um vice de linhagem burguesa. Por essa razão é que, ressurgindo os mesmos átomos, ressurgem as mesmas expectativas, vontades e desejos e, o primeiro passo, para a realização da “longa marcha” fica suspenso, porque, a ocupação do tempo em assistir a emergência dos restos naufragados, sintetiza o conteúdo da alienação.

            Sem muito mais explicações, devemos compreender que há, pelo menos, duas possibilidades de emergências importantes, e elas poderão até acontecer ao mesmo tempo como acontece com o movimento de todas as coisas, são elas: a emergência do naufrágio político e a emergência do fenômeno político. No entanto, só o segundo pode desencadear a longa marcha. O primeiro, como a emergência de um corpo das águas, “morre na praia”

            A emergência fenomênica nos diz que de um fenômeno surge outro. É a lei do movimento das contradições que inovam e reorientam os processos. Do naufrágio só pode emergir o velho, o anterior, o conservador e o desejo de somar-se à ordem do sistema democrático assistencialista que como Erasmo, os seus defensores sonham “humanizá-lo”.

            A emergência do fenômeno se dá pela reação, nuca pela conciliação, isto porque, o fenômeno antagônico causador da emergência precisa ser superado. Mas este fenômeno não pode ser visto nem projetado por forças apáticas. E elas não sairão dessa condição enquanto forem atraídas para a beira do lago para apreciarem a emergência dos corpos naufragados puxados pelo mesmo guindaste do processo eleitoral. Certamente, como Erasmo, fracassando mais uma vez, porque, quando algo emerge de um naufrágio traz consigo resquícios de lama e defeitos morais graves.

            Por fim, a emergência também pode significar pressa. O estado de decadência da civilização é tão caótico que, para interrompê-lo, não basta torcer que candidatos um pouco menos pior no Estados Unidos da América ou no Brasil sejam eleitos. A democracia eleitoral não pode mais ser o parâmetro para medir se um Estado é totalitário ou não. O momento pede inovações e não emergência de destroços.

                                                                                  Ademar Bogo

domingo, 25 de outubro de 2020

PENSAR É SENTIR


            O filósofo francês René Descartes, em seu tempo de vida, deparou-se com um problema filosófico de difícil solução, que resumidamente se expressa na pergunta: “O que é pensar?”. A resposta surpreende porque, ao invés de relacionar o pensamento puramente com as ideias considerou ele que, “pensar” é tudo o que ocorre em nós; “é por isso que não somente compreender, querer, imaginar, mas também sentir, são aqui a mesma coisa que pensar”.

            O enunciado, contido em “O Discurso do Método”: “Penso, logo existo”, em grande medida tem, no pensar, no compreender, no querer, no imaginar e no sentir a explicação para uma completa cognição entre o Eu e o tudo. Portanto, é por meio dessa relação entre objetividade e subjetividade que ocorre o encontro entre o concreto e o abstrato existentes no mesmo ser.

            No passado Aristóteles ao formular a metafísica havia antecipado, por meio das categorias de Ato e Potência, o que René Descartes veio a demonstrar séculos depois. É claro que ambos podem ter ficado muito atrás daquilo que vivemos com as contradições que o sistema de produção, circulação, troca e consumo de mercadorias provocam na organização social. Porém, de um modo ou de outro não escapamos de considerar que existem subjetividades nas relações sociais, políticas, religiosas, culturais etc., porque, sendo que somos mais do que “animais políticos”, imaginamos e queremos sempre ser reconhecidos como seres sociais.

            No entanto, com a definição anterior de que pensar é tudo o que ocorre em nós, desmentimos Descartes com a sua própria teoria, na qual, para justificar a existência da razão no ser humano e não nos demais seres, localizou duas substâncias distintas nas espécies: o “puro pensamento” e a “pura extensão”. Em geral estão separadas, mas no homem encontram-se reunidas no mesmo corpo pela glândula “pineal” situada próxima à nuca. Nesse sentido, se o pensar não é constituído apenas por ideias, mas também de compreensão, querer, imaginação e sensibilidade. seriam apenas os humanos a terem essas faculdades em si?

 

            Aristóteles havia alertado que somos “animais políticos”, que não significa igualar o homem ao “bicho do mato”, mas considerar que pelo menos, uma boa parte de nossa existência é gasta em busca da produção da subsistência, exatamente porque temos necessidades animais. Os animais por sua vez gastam toda a existência em busca da subsistência e se despreocupam com a política.

Se alguém tentar nos surpreender com a pergunta: onde está a diferença entre a espécie humana e as demais espécies? Prontamente responderemos: “na capacidade de pensar”. Pela visão contraditória de Descartes, esta resposta está errada, isto porque, se não pensamos apenas com as ideias, mas também com as sensações, não podemos ignorar que as outras espécies também pensam por que sentem, e o “penso, logo existe” é o mesmo que dizer, “sinto, logo existo”.

No passado podia-se dizer que a diferença entre o “animal político”, e os demais animais selvagens era de que, o primeiro administrava a polis e os outros as selvas. Como havia mais animais selvagens do que seres humanos, o espaço reservado para eles era imensamente maior. Mas eis que, com o advento do capitalismo, a mão pesada do progresso com a sua fineza tecnológica, avançou sobre os territórios dos animais e o “animal político”, também chamado por Rousseau de “bom selvagem”, investindo contra as selvas tornou-se uma ameaça para a totalidade das espécies agindo com tamanha crueldade, que fez tremer de arrependimento, Prometeu, o deus do fogo, por ter um dia dado de presente esta arma infernal que veio a devastar o mundo dos animais.

            O fogo, portanto, continua sendo, desde a antiguidade, motivo de discórdia e de ameaça às espécies “inferiores”. Com ele como disse Thomas Hobbes, instala-se a “guerra de todos contra todos”, com as armas de fogo ou o fogo como arma “animais políticos” e animais selvagens” vão sendo eliminados, com tamanha velocidade que faria rir os inventores do nazismo.

            O motivo para tanta violência contra a natureza, está situado no aumento da população mundial e das necessidades vitais, principalmente no que diz respeito a alimentação, vestuário, calçados e bens de consumo, impulsionaram os mercados mundiais que passaram reclamar a carência de matérias primas como base para a produção de mercadorias. Guiado por esses interesses, os capitalistas brasileiros voltaram aos tempos da colônia e passaram a  massacrar os índios, dizimar os animais selvagens e a queimar as florestas para produzirem a majestade bovina. Assim o fazem porque os países que condenam a devastação continuam comprando carne produzida sobre o morticínio o amazônico.

            Filósofos e cientistas descrevem a “política da morte” ou a “necropolítica”, mas é preciso lembrar que ela não se efetiva sem sujeitos e instrumentos. O “necrocapital”, o “necromercado” e o “necroestado” agem articuladamente enquanto os noticiários e muitas análises políticas mostram apenas as consequências.

            É hora de pôr em marcha a insurreição popular única forma de frear a ganância dos ricos e a matança dos pobres e da natureza. Par isto é preciso comando, organização e consciência.

                                                                                              Ademar Bogo

domingo, 18 de outubro de 2020

PERVERSIDADE E IMORALIDADE

    O filósofo Arthur Schopenhauer em seus escritos atormentados, nos mostra sempre elementos atualizadores da capacidade maligna dos humanos. Um de seus pensamentos assertivos afirma “Que o mundo tenha apenas um significado físico e nenhum significado moral constitui o maior, o mais pernicioso, o erro fundamental, a própria perversidade do modo de pensar, e no fundo é aquilo que a fé personificou como o anticristo”.

            Por “significado físico” podemos entender a importância dada às coisas mortas, às mercadorias, à tecnologia e ao capital, mais do que às espécies vivas que não entram no mundo dos negócios. Por essa razão é que não encontram tais agentes, promotores da exploração lugar para a moral e para a moralidade, antes sim, atuam na contramão adotando princípios imorais que orientam e possibilitam a prática de imoralidades.

            Na sequência da reflexão sobre a ética, o filósofo denuncia de forma acusatória, ao dizer que, “O homem é no fundo um animal selvagem, terrível. Nós o conhecemos meramente no estado subjugado e domesticado que se denomina civilização: por isso nos apavoram as eventuais irrupções de sua natureza”. Isso nos faz pensar que, de acordo com as nossas origens selvagens, apesar das tentativas de domesticação da civilização, mantivemos os instintos da selvageria e, tais quais são as diversidades das espécies com seus temperamentos dóceis e perversos, entre os humanos, encontramos todas as provas de que os mais terríveis entre os seres vivos, não são os tigres e os leões que habitam a terra e os tubarões do mar, mas o homem que se sente dono e, destrutivamente, avança sobre as selvas, as águas e na sociedade em geral.

            Geralmente damos pouca importância aos filósofos contratualistas quando estabeleceram argumentos convincentes para o estabelecimento do contrato social. Para eles era uma extrema periculosidade viver no “estado de natureza”, pois, ali, segundo Thomas Hobbes, o homem era “o lobo do homem”. No entanto, deixando de lado todos os esforços humanistas, podemos reconhecer que a premissa que sustenta a selvageria do lobo em ação é verdadeira. O homem, como genuíno animal selvagem nunca deixou de submeter, pelo terror e o medo, nem de devorar os seus iguais, seja pelo homicídio, exploração produtiva, exploração sexual, estupro de mulheres, crianças e vulneráveis; maus tratos com os idosos, discriminação e escravização de negros e tantas outras perversidades cometidas contra os demais animais, pondo fogo nas florestas e contaminando os rios, a terra e o ar com agrotóxicos.

            Diante disso podemos criticar os filósofos contratualistas, ingênuos e crentes que a criação do Estado capitalista poderia coagir os seres de maior periculosidade civilizatória, a não agirem guiados pelos próprios instintos, mas, submetidos à lei deveriam igualarem-se na busca da justiça. O “significado físico do mundo” foi mais forte que as boas intenções e, dentre os animais, os mais ferozes, dotados de inteligência, impõem a ordem que favorece a eliminação do “significado moral” dessa civilização sem juízo ético.

            O aprendizado dos animais dos negócios perpassa as épocas e nos atormenta sempre que surgem ameaças destrutivas. Como são eles os mais perversos a defenderem a existência da lei e a se valerem dela, sabem que primeiro se pratica o fato, melhor dizendo, o delito, depois se faz a lei para validá-lo ou condená-lo. Estas duas últimas possibilidades ficam à escolha de cada situação, para que a força de repressão legitima do Estado possa implementá-las.

            Nesse sentido, com um simples esforço podemos reconhecer os momentos na História do Brasil quando a Lei legitimou a perversidade dos animais vestidos e artificialmente perfumados. Neste século, lembremos da aprovação do plantio clandestino das sementes trangênicas de soja que, após as safras colhidas não havia o que fazer com o produto e por isso, após duas proibições desrespeitadas, no ano de 2005 aprovou-se a lei que liberalizou o plantio e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Em 2016, prevendo a realização do Golpe Institucional que derrubou a presidenta da República e as possíveis reações dos movimentos populares, a própria presidenta, vitima do Golpe, foi induzida a sancionar a lei Antiterrorismo. E, para resumirmos, neste momento, tudo está sendo feito para desregulamentar as leis ambientais que permitem invadir e destruir as florestas e os manguezais.    

            Se a violência nas selvas pode ser denominada de “selvageria”, a prática da violência civilizatória deve ser chamada de “barbárie”. Surpreende porque o homem perverso, amedrontador e cruel é praticante das duas formas. Mas havemos de enfrentá-las.

            Havia no passado caricaturas ilustrativas que demonstravam a reunião de peixes pequenos para enfrentar os tubarões. Agora é preciso que as espécies do bem, pessoas, florestas, jacarés, onças, ervas e insetos que não acreditam em “contrato social” no capitalismo, nem que o Estado seja o mediador para harmonizar as diferenças, para enfrentarmos, primeiramente, os homens perversos e sem moral, nacionais e imperialistas, que governam e exploram amparados nas leis e nas milícias privadas, para praticarem todos os tipos de crimes; em segundo lugar, o fogo, que a cada ano, torna vítima a natureza, abrindo clareiras para a invasão gananciosa dos fazendeiros, praticantes do matricídio; em terceiro lugar, o boi, que se tornou o principal agente da devastação e, em quarto lugar, a produção extensiva de todos os monocultivos que comprometem a reprodução da diversidade de sementes e a própria soberania alimentar.

            Para que o homem deixe de ser lobo do homem e, portanto, este animal terrível que é, devemos despi-lo da pele de cordeiro com a qual se veste e, com a qual engana: os eleitores a elegerem os mesmos perversos como governantes; as crianças, para abusá-las; os consumidores, para vender-lhes ilusões; os fiéis, para que se prostrem em adoração à própria alienação; os pobres em geral, que acreditam em auxílio sem dignidade; as mulheres, a serem submissas e aos jovens que esperam que o futuro seja melhor sem a sua participação.

            Em síntese, o homem saiu do “estado de natureza”, mas o “estado de natureza” nunca saiu dele e, embora a civilização o tenha domesticado, a maioria se verga sob o peso da lei, enquanto a minoria continua exercendo, da ilegalidade e da imoralidade a perversidade destrutiva. É hora de dar uma lição definitiva aos perversos, para que o planeta possa ter garantido o seu futuro. Sendo, mesmo continuando sendo animais racionais e irracionais, teremos que aprender que destruição só pode gerar destruição e, preservação, gera respeito, igualdade e dignidade.

                                                                                                          Ademar Bogo                                                                                                      

             

domingo, 11 de outubro de 2020

A JUSTA MEDIDA DEMOCRÁTICA

           A “justa medida” é um conceito pertencente a Aristóteles que, ao elaborar as formas de justiça, definiu, na “justiça corretiva” que “ela será o meio-termo entre perda e ganho”. É, para ele, com essa intencionalidade que as pessoas recorrem ao juiz, representante de uma espécie de “justiça animada”, latente e pronta para interferir nas questões litigiosas em busca de resolvê-las.

            Aristóteles é aparentemente rígido na aplicação da justiça, mas é condescendente com o sistema da ordem estabelecida, isto porque, o papel do juiz e da justiça é “restabelecer a igualdade”, seja no caso de ferimento, morte, ou quando o sofrimento e a ação forem desigualmente distribuídos, o juiz busca, por meio da pena, subtrair uma parte do ganho do ofensor para compensar a perda da vítima.

            Poderíamos seguir resgatando os elementos que sustentam a argumentação sobre as formas de justiça em Aristóteles e estender os seus ensinamentos, vinculando-os às formulações de São Tomás de Aquino que veio entender que, na “justiça corretiva” de seu mestre, deveria ainda agregar-se a “reparação dos danos”, fazendo com que, comutativamente o infrator tivesse que arcar com os custos do mal causado.

 Em síntese, podemos concluir que esses entendimentos perpassaram todas as épocas e, no capitalismo, contribuem para estruturar o sistema tributário, empregar sanções por meio das multas, estabelecer acordos de leniência firmados entre infratores confessos e o Ministério Público Federal. Nesse sentido, as infrações e diversos tipos de crimes têm as penas facilitadas para os ofensores, por meio do pagamento em dinheiro por todos os danos causados. Por exemplo, uma multa de trânsito segue o mesmo ritual de um crime ambiental de desmatamento ou incêndio nas florestas, como também a sonegação de impostos etc. As multas são subterfúgios para “reparar os danos”, mas mantêm o sistema e a ordem exploradora e desigual em harmonia com os desejos de expansão do capital.

De outro modo nos interessa relacionar esses delineamentos reflexivos enraizados também nos programas políticos partidários que operam na contemporaneidade com critérios que são próprios para a manutenção da ordem desigual, coercitiva e vantajosa para as classes dominantes. É nessa trama de interesses escusos e entendimentos equivocados que os discursos dos políticos dos atuais partidos, de “direita” e de “esquerda”, expressos em defesa do “Estado de Direito” servem como conteúdo para o conceito de “democracia” no capitalismo.

Se das forças partidárias de direita nada se espera de justo, das forças de esquerda também não se pode esperar que haja a superação das injustiças. Para estas últimas o conceito de democracia abriga a ideia de que tudo se resume na garantia dos pleitos eleitorais. A simples ameaça de fechamento do Congresso Nacional é suficiente para dar fôlego à argumentação de que “estamos rumando para o totalitarismo”. O mesmo se dá com o conceito de “liberdade” que também envolve a grande mídia, significando nada mais do que “o direito à expressão”. É evidente que sem esses mínimos de garantia piora muito a convivência com o regime, mas, com apenas essas garantias somente a minoria que tem acesso a alguns direitos se sente beneficiada e incluída à ordem.

As limitações forjadas nas praticas conciliadoras em vista da garantia do direito de figurar como “sujeitos da ordem”, tem trazido para os trabalhadores e as massas cada vez mais pobres, o aprofundamento da alienação. Ela faz creditar ao Estado e aos governos gestores de políticas públicas, a responsabilidade para atacarem as desigualdades sociais. No fundo, há décadas vem se tentando fazer crer que, existem “governantes do mal” que gerem o Estado capitalista do mal e, “governantes do bem” que gerem o Estado capitalista do bem.

Diante desta concepção, falar em “democracia institucional”, na atualidade é música para ouvidos dos partidos de esquerda. O bom funcionamento das instituições, com concursos públicos assegurados; segurança pública estruturada para combater a criminalidade; o acesso aos meios de comunicação; a manutenção de programas emergenciais etc., parece fazer inveja a Platão, por não ter visto a implantação do modelo republicano idealizado e, a Thomas Morus por não vislumbrar a utopia realizada.

Para os leitores mais atentos das contradições do movimento da História, não custa lembrar que os conceitos de esquerda e direita, foram formulados dentro do parlamento francês, logo após o triunfo da Revolução francesa. A natureza da denominação surgiu devido o acaso da acomodação geográfica dos jacobinos agrupados naquele lado esquerdo da Assembleia. Se, naquele acaso, tivessem invertido as ocupações de espaço, os jacobinos progressistas e radicais seriam de direita e os girondinos, conservadores, seriam esquerda.

Poderiam essas classificações hoje pouco importar se não fosse uma semelhança com o passado, em que direita e esquerda; situação e oposição representaram e representem posições a favor da ordem estabelecida e da permanência do capitalismo.

A unidade em torno da manutenção da ordem capitalista é de fácil comprovação. Vejamos um exemplo baseado na “justiça corretiva”. Qual é a solução que os partidos de esquerda indicam para “sair da crise econômica”? Taxar as grandes fortunas. Sem desmerecer a alternativa, mas as forças que propõem isto, hoje, já estiveram no governo Federal e várias delas estão nos governos estaduais. Por outro lado, esqueçamos as apelações casuísticas; imaginemos que isto venha a ocorrer, enfraqueceria a classe dominante? Desestruturaria o capitalismo? Criaria condições para a transição socialista?

Da mesma forma, algumas outras soluções são mostras de medidas democráticas e visam afirmar a possibilidade de que essas forças, temporariamente derrotadas, voltem ao governo para pagarem, com as próprias mãos, parte das dívidas sociais que o Estado contraiu ao longo do tempo, contra a população. Gerariam mais empregos, financiariam moradias, abririam vagas nas universidades etc. Bastaria apenas uma chance para fortalecer o Estado e fazê-lo garantir empregos por meio de concursos públicos; liberar créditos e incentivos aos capitalistas para comprarem força de trabalho; expandir o comércio para recolher impostos e pagar a dívida pública; manter as taxas de juros elevadas para que os Bancos privados e públicos acumulem capital e emprestá-lo aos investidores etc.

Podemos então recolocar a pergunta: se defendemos somente essas propostas de que lado estamos, contra ou a favor ao capitalismo? Entendemos que a influência metafísica de Aristóteles ronda e contamina as ideias de nossos intelectuais e políticos que se empenham em encontrar soluções para os problemas sociais, mas, no fundo, o que fazem é encontrar no processo de decadência do capitalismo a “justa medida” para que esse sistema não colapse de uma só vez.

A você que agora junto raciocina, deve estar se perguntando: é errado então propor medidas que penalizem os ricos e lutar para derrubá-los do governo? Não. O erro não está em tomar medidas imediatas que estejam contidas num programa mínimo, mas, em só propor isso e não colocar como meta a superação capitalismo como se com ele se poderia se pudesse, cobrando pelos danos estabelecer a justiça. Se, com a “justa medida” Aristóteles fez funcionar melhor o escravismo, com as mesmas medidas não se fará funcionar cada vez pior o capitalismo.

Lembramos ainda que não basta dizer-se de “esquerda” para ser contra o capitalismo. As práticas mostram-nos o contrario. Se as forças políticas se somam quando se trata de garantir o funcionamento em funcionamento o capital e o Estado, não podemos dizer que existem dois lados. A simples existência desses dois elementos, capital e Estado seria o suficiente para mostrar-nos que viveremos na sociedade cada vez mais desigual.

E, para os que relutam aceitar essa argumentação, embora se denominem “marxistas”, uma simples olhada no “Manifesto do partido comunista” de 1848, mostra que, naquela época as ideias revolucionárias comunistas enfrentavam três posições transviadas socialistas: a) Socialismo reacionário; b) Socialismo conservador e c) Socialismo e comunismo crítico-utópico. Nenhum deles servia e, para não serem confundidos, Marx e Engels nomearam o programa de, Manifesto de Comunista.

Para a juventude dispersa nos partidos, igrejas ou completamente desorganizada, mas que é portadora do germe da inovação revolucionária, cabe o alerta de que, se continuar acreditando nesses discursos sebosos e nas pregações moralistas, nos sobrará outro caminho a não ser a definitiva barbárie e o inferno, que no fim representam a mesma coisa.

                                                                                  Ademar Bogo  

                                                                            Autor do livro: Moral da História