domingo, 24 de dezembro de 2023

A ESFINGE DA LUTA DE CLASSES

 

            Qualquer indivíduo um pouco ilustrado em Filosofia tem domínio geral sobre a história de Édipo que, após matar o pai em uma estradinha estreita, próximo à Tebas, para onde se dirigia, ao chegar próximo da entrada principal da cidade, foi interrogado pela esfinge, sobre quem de manhã andava de quatro, ao meio-dia com dois e, ao entardecer com três pés, ele respondeu corretamente, o ser humano e ela implodiu. A vantagem é que Édipo havia sido treinado por Políbio, seu pai adotivo, no reino de Corinto e possuía elevado grau de formação intelectual, por isso conseguiu orientar-se com determinação.

            Na atualidade vivemos o novo tempo das “esfinges” e, nos balanços políticos feitos para avaliar o ano todos tentam responder a pergunta sobre o “por que as lutas de classe não avançam?”. As respostas geralmente são erradas ou incompletas. Se fosse em Tebas, não somente o analista seria sacrificado, como também a sua organização, a sua classe, o seu movimento e, posteriormente toda a população de sua cidade ou de seu país.

            O fato se deve à péssima formação de muitos analistas que se apresentam como materialistas, mas, ao invés de conduzirem a análise com o método dialético, expondo categorias que realmente representam a totalidade da situação atual, tornam-se reféns das artimanhas metafísicas, principalmente quando tomam a parte como se fosse o todo e, invertem a ordem, elegendo ponto de partida os reveses e as soluções institucionais nos países mais atrasados.

            Dizer que o capitalismo está em crise não é nenhum achado inovador. Nem mesmo tomar isoladamente a economia como referência, o movimento dos capitais, depois o Estado, com os seus governos e as implicações antiéticas dos diversos comportamentos pessoais etc., não são ponderações que ameaçam a esfinge amedrontadora. A economia é consistentemente capital, este é imediatamente político por isso, a sua estreita relação com o Estado que, por sua vez, sustenta a ordem jurídica e repressiva. Essa sequência articulada compõe o imperialismo comandado pelos países mais desenvolvidos.

            A visão comunista desde Marx e Engels é de que, a totalidade é uma categoria fundamental a ser observada quando queremos analisar profundamente a realidade universal. Embora o próprio Marx ao analisar a evolução histórica dos modos de produção, ao chegar no capitalismo não homogeneizou todos os continentes, ao contrário, atribuiu à Ásia um modo de produção próprio. No entanto, para fins de aprofundamento, tomou a formação da riqueza nos países mais avançados e situou-a nas formas: mercadoria, dinheiro e capital.

            Entender que, se o capital mesmo com as economias em “crise”, continua sendo acumulado, porém com conflitos, mais fora do que dentro da luta de classes, significa dizer que estamos a mercê das potências capitalistas. Portanto, não há justificativas: se não há lutas e enfrentamentos importantes, dos trabalhadores contra o capital, estamos errando. Hoje com maior clareza sabemos vemos o capital atuando organicamente, por isso a sua denominação universal é conhecida como “imperialismo” e, este, não separa economia de política, nem a guerra da acumulação ou a antiética dos desejos de dominação. Sem sombra de dúvidas, o capital ameaçador, da Rússia, da Venezuela, da palestina, dos povos originários brasileiros  etc., é o mesmo.

            Quando falamos em “crise do capitalismo” devemos lembrar que assim está desde 1873 quando, após as revoluções liberais na Europa, a superprodução abarrotou os mercados de produtos; naquele momento os próprios produtores de mercadorias não possuíam renda suficiente para adquiri-las. Marx em seus estudos revelou que as crises são cíclicas e inevitáveis. Mas isto não significa que elas por si mesmas venham asfixiar o modo de produção. Em completude ao raciocínio o filósofo István Mészáros, indicou a tarefa de superarmos o capitalismo, para tanto apontou a necessidade de controlarmos o capital. Mas qual capital? E como fazer?

            Já temos o diagnóstico de que o capital se move dando forma ao imperialismo, no entanto, parece não ser este o entendimento dos analistas e líderes políticos afoitos em defenderem os governos liberais dos seus países. Mais do que combater o capital o buscam para gerarem empregos; cedem a ele as riquezas naturais, principalmente o petróleo antes que surjam outras fontes de energia e, atuam politicamente, agarrados aos orçamentos de olho nas “responsabilidades fiscais” sem se importarem se, mesmo que involuntariamente, estejam cumprindo o papel, como faz qualquer trabalhador assalariado, quando ajuda naturalmente a formar a acumulação do capital.

            Para estabelecermos o caminho do combate e inovar as lutas, precisamos verificar as táticas e as estratégias dos inimigos dirigidas contra nós. É notável que o domínio hegemônico do poder universal está se deslocando dos Estados Unidos da América para a Ásia e, com isso, muitos partidos de esquerda e movimentos sociais abraçam com simpatia essa ascensão chinesa, como se fosse uma força aliada para a superação do capitalismo. Ninguém se pergunta, como a China está se impondo contra as forças econômicas atuais para tornar-se um novo poder imperial? A resposta é simples: pelo capital e pelas disputas dos mercados mundiais. A confiança de que a ordem na China está sendo comandada pelo Partido Comunista, único, não é nenhuma garantia de bondade. Na medida em que a base econômica privada se fortalece, ela terá mais força que a superestrutura política e jurídica. 

            Há um gasto excessivo de tempo em análises locais. Em vista das disputas eleitorais vindouras, “doença senil da esquerda”, os olhares, por algum tempo, não verão o capital imperialista, enxergarão apenas o município. No entanto, verifiquemos como o império age dando-nos o indicador da importância universal. Quando um país se levanta em defesa de seus interesses, de imediato formam-se articulações internacionais, para bloquear e isolar com pesadas punições a nação rebelada. Assim ocorre com Cuba, Irã, Rússia, Venezuela e diversos outros países principalmente os produtores de petróleo. Por outro lado, as forças de esquerda nos governos, pregam apenas a Paz e a reconciliação. Pedem dinheiro para defenderem as florestas aos mesmos que exploram o ouro e a madeira. Eles compram a carne bovina e a soja extraídas das pastagens e das lavouras extensivas postas no serrado e na Amazônia.

            A doença senil da esquerda apegada aos processos eleitorais leva a crer que, por meio da institucionalidade se alcançará a justiça e a igualdade. No entanto, todas as reformas impostas e, a cada Projeto de Emenda Constitucional -PEC – arrastam para fora do alcance dos mais pobres os direitos fundamentais, sem que os representantes políticos, endeusadores da ordem democrática de direito, possam reverter aquilo que é estrutural. O último, mais grave e vergonhoso retrocesso vimos na aprovação do projeto de lei 490, conhecido como “Marco temporal”, no qual, os povos nativos perderam o direito de demarcarem as novas áreas reivindicadas. Nem o parlamento, nem o executivo com o seu poder de veto, conseguiram impedir tal afronta.

            Com a visão metafísica da realidade, o corporativismo tomou conta das consciência e, os fiapos de categorias e classe organizadas em torno de velhas práticas, atuam em defesa de grupos também corporativos e, os partidos e forças políticas nos governos, demonstram muito timidamente, apoio às lutas mais aguerridas como é o caso do apoio e ação solidária com o Hamas e o povo palestino, quando na verdade é o momento de bloquear e isolar Israel para enfrentar o imperialismo, calam-se em nome do “direito a cada nação de se defender”.

            Para avançarmos no próximo ano precisamos superar três referências: a) o velho conceito de classe social para impulsionar lutas por meio das forças sociais; b) descartar os partidos institucionalizados ou mantê-los reduzidos às ações que correspondem à ordem se alguma disputa for interessante; para tanto necessitamos de novas formas de organizações revolucionárias; c) atacar todas as formas de capital em qualquer lugar que eles estejam, interagindo com forças ascendentes em qualquer parte de mundo como se fossem lutas locais.

            Não haverá superação enquanto primarmos pela Paz e pelo respeito aos capitais dominantes no planeta. Qualquer tentativa de conciliação significará a colaboração para que as estruturas de dominação continuem a fazer o que fazem.

                                                           Ademar Bogo

domingo, 3 de dezembro de 2023

SEM MARXISMO NÃO HÁ SOCIALISMO

                      

             O filósofo francês Henri Lefebrve (1901-1991) destacou que: “O marxismo considera-se uma concepção do homem e da história, do indivíduo e da sociedade, da natureza e de Deus; uma síntese geral, ao mesmo tempo técnica e prática, em suma, sistema totalitário (da totalidade)”.[1]

            Esse entendimento do passado e, mais fortemente a partir da década de 1970, com a onda política neoliberal, posteriormente, pontuada por algumas discordâncias, no caso brasileiro, com o neodesenvolvimentismo e o neonazismo, mostra-nos que restrições houve, foi na contenção dos gastos e nas políticas públicas; no resto, o capital continua exigindo a sua total liberdade, a propriedade privada exige a garantia da lei e da moral capitalista e, a manipulação ideológica continua presente nos púlpitos das seitas, nos discursos  tolerantes dos líderes populares, representantes de movimentos descarnados e minguados em suas forças já sem rebeldia; os partidos políticos, sustentados pelo Fundo Partidário completam o grau de acomodamento e interação com a concepção de mundo sem classes e sem confrontos.

            As pessoas, portadoras do nível de consciência situado um pouco acima da média do senso comum, criado pelos conciliadores, percebem facilmente que o capitalismo já não serve mais como modo de produção para que a civilização siga em frente. Esse sistema, podemos chamar assim, está organizado para reproduzir o capital e concentrá-lo em poucas mãos. Para que isso siga acontecendo os requisitos básicos se concentram na máxima exploração da natureza, na livre iniciativa, no direito e nas leis protecionistas combinado com o funcionamento de sociedades desiguais, uma pequena parte muita rica e a outra imensa parte miserável.

            A pergunta a ser feita a essas pessoas que compreendem ser o capitalismo um estágio terminal de muitas formas de vida e que o progresso não é benéfico quando não contempla a igualdade de renda e de condições para ter acesso aos bens de uso, se é possível enfrentar  as contradições postas em vista de outra sociedade socialista sem a teoria do Materialismo Histórico, também conhecida como Marxismo?

            Parece que dentre as concepções totalizantes citadas por Lefebrve no primeiro parágrafo, apenas a preocupação com a “natureza” está se tornando o referencial das discussões em reuniões políticas internacionais e, também impõe as suas diretrizes e demandas no que fazer dos movimentos e partidos políticos. Falta apenas uma palavra de ordem para reunir os interesses entre os governos e as classes sociais, para criar  o senso comum rebaixado, que poderia ser: “Deem-nos dinheiro para plantarmos árvores e salvaremos o planeta”.

            Foi-se o tempo em que o verde da natureza sequestrava a totalidade do carbono expelido no espaço. O progresso capitalista, sob a égide do liberalismo e, principalmente do neoliberalismo, implementou e acelerou o desequilíbrio social e ambiental. Os comparativos mostram, sem detalhamento que,  por volta do ano de 1800 quando o modelo liberalizante começou a reinar, a população mundial era de 1 bilhão de pessoas. De lá para cá, em pouco mais de duzentos anos, alcançamos uma meta  de 8 bilhões de indivíduos e, para acumular riqueza em troca de satisfazer esse grande número de pessoas, precisou desmatar, poluir, envenenar e, controlar, dominar e exaurir a natureza.

            Vemos, portanto, que parece haver um paradoxo bem na frente dos olhos das pessoas conscientes, o qual pode ser assim descrito: Os mais ricos são responsáveis pela poluição do planeta e a despoluição é responsabilidade de todos, mas isto tem um custo que os ricos precisam assumir. Mas se os ricos darão o dinheiro extraído dos ganhos fornecidos pela matriz produtiva poluidora, o que mudará no final?

            Muitas iniciativas ainda surgirão espontaneamente que mobilizarão as pessoas voluntariamente a plantarem árvores. Alguns receberão pagamentos por deixarem as fazendas intactas, mas ninguém se pergunta como será feito o controle da acumulação do capital? Quando será distribuída a riqueza acumulada? Quem educará os incendiários a deixarem de pôr fogo nas florestas? Qual governante imporá limites para o tamanho máximo da propriedade rural? Que dia se tomará a decisão de fechar todos os poços de petróleo obrigando as indústrias produzirem voltadas para as energias limpas?  E, principalmente, como os miseráveis sairão da miséria desvencilhando-se do domínio alienador das bolsas de assistência públicas?

            O estudo do Materialismo Histórico, facilmente nos remeterá a perceber as contradições atuais para saberemos como ligar as partes para formar um todo articulado. Nesse sentido, iremos descobrir que devemos apagar os incêndios, mas atacar o capital; combater a poluição, mas atacar os poluidores; solidarizar-nos com os mais pobres, mas atacar a concentração da riqueza. Valorizar e selecionar o conhecimento humano, as descobertas e os inventos, mas combater o capitalismo e lutar para superá-lo, se quisermos de fato contribuir com as novas gerações.

            Nossas tarefas são práticas, mas as práticas feitas precisam de teoria para continuarem a serem feitas. Todas as teorias que visam a superação do capitalismo, em algum grau pertencem a Histórico, mas, os socialistas e comunistas devemos sempre defender que: Sem marxismo não haverá socialismo.

                                                                                                          Ademar Bogo



[1] Henri Lefebrve. O marxismo. São Paulo: Difusão Europeia do livro, 1974