segunda-feira, 30 de agosto de 2021

ORDEM E DESORDEM


            É da natureza individual e coletiva, nos momentos de apuros ou de desespero, lembrar do passado para, como autodefesa, fazer aquilo que se soube fazer. Quando esse retorno ocorre na política, as urgências e perturbações impedem que as ideias respondam a questão: por que em certas épocas as ameaças das forças contrárias avolumam-se e colocam as demais forças opositoras em total defensiva? Certamente porque, o movimento da luta dos contrários não cessa e, o novo pertencente ao movimento revolucionário ou progressista, pela inversão da ordem, transfere-se para o lado oposto que toma a iniciativa de fazer da ordem uma total desordem, aniquilando os seus próprios poderes.  

A tendência ao saudoso retorno, após ter avançado e esgotado as energias, seja na economia, na administração, na política ou em outras áreas, é em tudo semelhante. Sigmund Freud ao falar sobre “Desenvolvimento e regressão”, em sua conferência XXII (1924), mostrou-nos, no aspecto psíquico, que no processo biológico individual nem todas as fases anteriores são ultrapassadas sem que fiquem alguns resíduos marcadores de “fixações”; mas, como a vida segue em frente, mais adiante, quando o sujeito ao deparar-se com certos obstáculos, tende a fazer a “regressão”. O exemplo do próprio Freud ilustra melhor essa ideia. “Considerem que, se um povo em migração deixou atrás de si fortes destacamentos nos locais de parada de seu deslocamento, é provável que esses escalões mais avançados, tenderão a se retirar para esses locais de parada quando forem derrotados ou quando se defrontarem com um inimigo superior”.

            Se psiquicamente o neurótico volta para os pontos de fixação nos quais estão as feridas causadoras de seus transtornos, é porque lá encontra alguma referência de dívida contraída consigo mesmo e, aparentemente é mais confortável ficar no passado do que enfrentar o futuro. Na política a reação de voltarmos ao passado e utilizarmos as velhas respostas para as novas perguntas, imita este esquivo de não enfrentar os obstáculos, como se a vitória eleitoral fizesse desaparecer as milícias armadas.

A surpresa nisso tudo é que, se o partido político como sujeito coletivo não conseguiu preparar as próprias energias para ultrapassar os obstáculos, também não servirá de veículo para transportar de volta as forças que o acompanharam. O retorno das mesmas se dá na dispersão, assemelhando-se ao sujeito que revisita os seus transtornos psíquicos. Do mesmo modo que ocorre individualmente, coletivamente também criamos “neuroses políticas”. Compreendamos que, se a teoria política ao encontrar os obstáculos não consegue superá-los, os reflexos da regressão cairão de imediato sobre a prática e, a própria forma partidária vem a equipara-se ao indivíduo transtornado e, não tendo clareza do que fazer, agarra-se ao famigerado “Estado Democrático de Direito” criado pela   

Nas últimas décadas, após experimentarem alguns avanços, as forças progressistas diante dos macabros obstáculos atuais tendem a retornar para o uso das táticas conformistas, respeitosas e adequadas e ao famigerado “Estado de democrático Direito” criado pela classe burguesa em ascensão no final do século XIX.

Essa classe suplantou o “Estado de Direito” absolutista e organizaram os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, encarregados, pelo Estado capitalista de assegurarem a observância da ordem. É para este porto seguro de “fixação”, da superestrutura estatal, ideologizada pela democracia liberal, que as forças progressistas, após terem sofrido tanto, perdido tanto, morrido tanto, querem retornar, exatamente porque, os obstáculos impostos pelo “banditismo político”, de difícil enfrentamento com a forma partidária que aprendeu a fazer política da concessão. Tememos a ameaça das armas, não só porque estão na iminência de provocar a desordem do “Estado Democrático de Direito”, mas porque, há décadas muitos discursos de esquerda condenaram a luta armada e ela, para as novas gerações saiu das alternativas táticas. E, para enfrentarmos, como agora, o banditismo miliciano institucionalizado aprendemos a usar o voto, enquanto eles, na iminência de agirem contra o povo, usam o jargão de que “O povo armado jamais será dominado”

Portanto, o mesmo materialismo que reconta a História, mostra também as feridas abertas na consciência política coletiva. No fio da navalha dessa mesma História, encontramos o propagado fio de cabelo do “Estado Democrático de Direito” que, desde 1964, já fora cortado duas vezes pelos descendentes da classe dominante que o criou e, prestes estamos, de vermos o toco restante ser raspado pela terceira vez.

            Compreendamos que o golpe institucional desferido pela junção do poder legislativo e judiciário em 2016, contra o “Estado Democrático de Direito” e poder Executivo, que fazia tão bem às forças progressistas, pois cumpria o papel, senão na totalidade, mas, em grande medida da propagação dos ideais liberais, parece ter sido insuficiente para os capitalistas e, uma nova ofensiva, com as mesmas diretrizes absolutistas do imperialismo se faz necessário. E lá vamos nós, no século XXI, cumprir o papel que os senhores feudais e os reis, cumpriram quando lutaram para manter o “Estado de Direito” pré-capitalista.

Por certo deveríamos estar confusos, como o neurótico que volta ao ponto de fixação da infância, porque na fase adulta não sabe mais como seguir em frente. Esquecemos de perguntar, afinal o “Estado Democrático de Direito”, faz bem ou faz mal à classe dominante? Isto porque, há momentos em que eles defendem a ordem, já em outros, são eles mesmos os responsáveis por rompê-la e, com a desordem dos golpes anulam os poderes institucionalizados tão desejados pelo progressismo.

            Se entrarmos um pouco mais a fundo, perceberemos que ocorre com o “Estado Democrático de Direito” o mesmo que ocorre com a “democracia”. Há um modelo para cada situação, mas, na essência, a democracia para os burgueses é a forma de sustentação dos princípios liberais. Já sabemos disso. Há períodos que eles querem o Estado investindo na economia; em outros períodos o empurram para fora e reduzem a sua influência por meio das privatizações, acordos e concessões, apossam-se das riquezas públicas nacionais. A manutenção da ordem com respeito às liberdades, aos direitos humanos, sociais, políticos e jurídicos, se lhes convém, mantêm, caso contrário, a ordem imposta anteriormente é aniquilada pela desordem daquela ordem por eles mesmos estabelecida.

Evidentemente, com a desordem institucional imposta, a situação piora, principalmente para a classe média progressista, devota da democracia liberal representativa, por ver nela a possibilidade cômoda e oportunista de fazer política. Tanto é verdade que, as discussões divergentes do passado sobre a concepção de Partido de “quadros” ou de “massas” há tempo saiu de pauta e não faz mais sentido para ela. Em seu lugar ganhou espaço como mediação entre teoria e prática, qualquer arremedo de partido oficializado, veículo de acesso ao fundo partidário, mas que serve apenas às reduzidas cúpulas conhecidas como “classe política”. Logo, as diretrizes políticas tendem ao rebaixamento, à altura rasteira das ideias políticas que mal conseguem formular as tarefas fora da agenda proposta pelo banditismo político.     

Como trabalhares, precisamos atuar para enfrentar o obstáculo na altura em que ele foi colocado sem ceder aos instintos de retorno ao ponto de fixação que, pela concordância e submissão, em nome da defesa do “Estado Democrático de Direito” sustentávamos a ordem para os capitalistas acumularem ainda mais riqueza. Eles, a partir de 2016, mudaram a ordem e avançam cada vez mais para impor a desordem como a nova ordem policialesca e miliciana. Seremos nós os responsáveis por manter a ordem liberal, para amanhã, a própria desordem liberal assaltá-la e adequá-la sempre aos interesses do imperialismo?

Nosso desafio continua sendo de organização partidária. A teoria e a prática na atualidade não se encontram porque a fragilidade está na forma mediadora. O “Estado Democrático de Direito” que interessa aos trabalhadores não tem “Estado”, por isso, o convite histórico estratégico é sair e não querer voltar para dentro dele.       

                                                                       Ademar Bogo

domingo, 15 de agosto de 2021

A MILITÂNCIA CONTRA A IMPOTÊNCIA

               A sociedade atual, onde os renascimentos e os sentimentos religiosos primitivos, bem como o legado das revoluções, estão à venda no mercado; onde os chefes fascistas negociam atrás das portas o território e a vida das nações, enquanto o público esperto calcula o preço no rádio; a sociedade, onde a palavra que a desmascara se legitima por isso mesmo como recomendação para a admissão no banditismo político; essa sociedade, na qual a política não é mais somente um negócio, mas o negócio é a política inteira – essa sociedade se toma de indignação contra o retrógrado mercantilismo do judeu e designa-o como o materialismo, o traficante, que deve recuar diante do fogo sagrado daqueles que erigiram o negócio em algo absoluto.

            O parágrafo acima, de conteúdo tão atual, pertence a Adorno e Horkheimer, membros da Escola de Frankfurt, publicado em 1947, com o nome de “Dialética do esclarecimento”. E, de imediato nos mostra, o poder do poder político, no capitalismo, de marcar as épocas com revisitações ao retrocesso.

            Não é estranho ver o renascimento do poder da religião através das seitas religiosas, quando a Teologia da Libertação havia ensinado a organizar as Comunidades Eclesiais de Base? E, o legado das revoluções trocados na liberalidade do mercado como se ele pudesse incluir as massas empobrecidas na sociedade de consumo, defendido também pelos governos ditos populares? Ou ainda, os chefes fascistas no poder, não estão novamente atrás das portas, representadas pelas mentiras contadas nas redes sociais, enquanto privatizam o resto do patrimônio público e fazem as reformas usurpadoras dos direitos sociais, enquanto as esquerdas comemoram a derrota do voto impresso e a volta das coligações? Não vivemos por acaso um requentado processo de banditismo político, como foram as “Centúrias Negras” na Rússia depois da Revolução de 1905, aqui associando grupos paramilitares, milícias, militares, políticos e governantes, tendo até presidente de partido político conclamando as forças do atraso a se levantarem em armas para derrubarem as instituições e entrarem definitivamente no “estado de terror”? Temos ou não temos uma política mercantilizada que passa por dentro dos ministérios, cuja base é permeada de sujeitos do crime organizado, militares, religiosos e agentes do mercado paralelo, movido pelas propinas?

            Quando as forças criminosas aprendem a manejar a política e a fazê-la fluir como fluem os negócios no mercado, é evidente que entramos em um tempo de retrocesso, mas, não é qualquer retrocesso, é um retrocesso que forma bases estruturadas permanentes para funcionarem como pequenos reinados, culturalmente aceitos pelas populações dominadas. Logo, aquilo que filosoficamente vínhamos denominando de “barbárie”, podemos já visualizar como “política do terror”. Os dados mostram que a vida nos países latino americanos está se tornando insustentável. Somente no mês de Março de 2021 foram detidas na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América, 171 mil pessoas que migravam ilegalmente, fugindo do terror da América Central.

            O agravante, para a nossa realidade brasileira, é que, se no passado a implantação do Estado e das instituições foi uma reinvindicação burguesa para garantir o funcionamento da sociedade desigual, na atualidade são as forças de esquerda que, abandonando os princípios revolucionários ocupam-se em mendigar votos da população para sustentarem o “jogo democrático” na oficialidade, quando o campeonato verdadeiro está sendo disputado na ilegalidade.

            É nesse sentido que nos dizem ainda os autores do primeiro parágrafo, que “a impotência atrai o inimigo da impotência”. Ou seja, quanto mais impotentes somos, quanto mais medo demonstrarmos, mais os inimigos avançam, porque não vislumbram do lado oposto, nenhuma demonstração de resistência. É como se o ladrão acha-se a esquecida porta aberta pelo morador que saiu para o trabalho. Neste sentido, contra os tanques coloca-se a esperança do poder judiciário declarar o golpe de Estado ilegal e, contra a demência do Palácio do Planalto, a trincheira das eleições presidenciais de 2022.

            É verdade que a política eficiente combate os males da política. Mas, não se faz política sem força. Desde Napoleão Bonaparte, quando instituiu o “exército popular”, permitindo a qualquer sujeito do povo tornar-se um soldado, é que também se pôde começar a fazer política com as massas dirigidas pela “militância” (soldados da ação), organizada partidariamente a favor do todo e combatente das facções interessadas na defesa de si mesmas e contra o todo.

            Na atualidade, universalmente, as representações partidárias assemelham-se ás facções e passaram a funcionar sem os “soldados da ação” (militância) e, posicionando-se sempre e prioritariamente a favor de si mesmas, contra o todo. É contra essa impotência que devemos reagir também, porque ela é tão malévola quanto a política do crime, pois, a maioria dos representantes eleitos, além de tornarem-se incontroláveis, sobrevivem também dos negócios da política.

            No entanto, não há como fazer política, estruturar processos de mudanças, elevar o nível de consciência dos cidadãos e projetar a conquista do poder, sem uma organização partidária. Ela pode ter qualquer denominação, mas, acima de tudo, deve ser uma parte da sociedade, com posição de classe, solidamente organizada e disposta a lutar a favor do todo. Isso é o suficiente dizer, para nos diferenciarmos das posições retrogradas que querem fechar o Congresso Nacional e cancelar os partidos políticos. Nós também acreditamos parcialmente, mas, enquanto eles têm como finalidade o totalitarismo, nós temos em mente alcançar a democracia na forma revolucionária.

            A essa forma partidária atual expressa pelas “facções” que, na sua grande maioria, empenham-se em garantir a presença de representantes no Congresso Nacional, para apossarem-se da parcela cada vez maior do “Fundo partidário”, e têm como prioridade defenderem o “Estado de Direito”, devemos perguntar: a que “Estado de Direito” se referem? Daquele garantidor do funcionamento do capitalismo? Daquele preservador dos privilégios dos marechais, dos generais e de seus descendentes? Daquele assegurador apenas das eleições, mas nunca da verdadeira democracia? Daquele defensor do direito de ir e vir para a população branca, componente da classe média para cima, enquanto as populações pretas e faveladas vivem eternamente sob o totalitarismo policial e miliciano?

            Podemos afirmar uma aparente aberração de que, “não há futuro sem futuro”; no entanto, faz todo o sentido, se entendemos que nada de novo será construído se ficarmos reféns da direção das forças decadentes e impotentes. Ou seja, qual é o futuro da impotência? A resposta foi dada a cima: atrair ainda mais os inimigos. Esse é um futuro sem futuro.

            O futuro com futuro garante-se enfrentando a própria impotência, insurgindo-se contra os inimigos. Esse enfrentamento começa pelas disputas territoriais, contra as forças do crime e das seitas religiosas. A militância somente será reconstruída com uma nova experiência de trabalho de base. No passado, as aglutinações clandestinas eram  chamadas, ainda no século primeiro de “grupos dos cristãos”; no início do cristianismo para lutarem contra o Império Romano e ficaram por trezentos anos atuando clandestinamente; no Brasil, no período colonial tivemos os Quilombos; na Rússia para a Revolução de 1917, as “células”, mais próximos, aqui tivemos “núcleos” e até “grupo dos onze” para lutar contra o imperialismo e as ditaduras. Vivemos um novo retrocesso sistêmico, político, religioso, ideológico e cultural; os ataques e ameaças contra a vida vêm de todos os lados, somente a estruturação de práticas conspirativas pode garantir a superação da política do crime e emancipar os trabalhadores.

                                                                                  Ademar Bogo            

domingo, 8 de agosto de 2021

O BARALHO DO JOGO DEMOCRÁTICO

            O filósofo Albert Camus em seu livro “O mito de Sísifo” escrito no início da Segunda Guerra mundial, descreve “o homem absurdo” como uma necessidade histórica. O mito é antigo, representado pelo rei de Corinto quando morto foi condenado pelo deus da morte, Hades, a rolar uma enorme pedra morro acima para expiar as suas culpas. Por isso, diante do castigo, do caos e das incertezas do presente, “A uma   certa altura do seu caminho, o homem absurdo é solicitado. A história não tem falta de religiões, nem de profetas, ainda que sem deuses”.

            O absurdo no entendimento geral é aquilo que contraria a lógica das coisas. Aparentemente é algo que acontece sem que possamos impedir. Uma ação inaceitável e, aparentemente fora de propósito, é absurda. No entanto, também é absurdo submeter-se ao sacrifício, quando seria possível arrancarmos das próprias contradições as respostas certas para as questões mal respondidas no passado.

          Vivemos um tempo em que reina a política do absurdo. Se por um lado o “demente político”, como o “deus da morte” impõe para uma sociedade submissa o castigo de rolar a pedra de Sísifo montanha acima, com a plena certeza que, antes de chegar ao topo ela rolará ao ponto de origem, do outro lado, existem os “sísifos” que sofrem, mas, em cada parada ou resvalo da pedra, refletem e se articulam para levar a pedra ao destino determinado.

            É no movimento dos contrários existente no mesmo processo absurdo, que as razões se fundamentam. Dizer que “tudo é falso” no absurdo político implantado pelos espantalhos da morte, é falsificar a própria afirmação. É preciso acreditar que o negativo também tem as suas verdades e, ao pô-las em prática, elas caem como sacrifícios nos ombros dos castigados.

            Não podemos negar tudo, como se tudo fosse mentiroso. O mentiroso assim como o ditador são indivíduos reais, eles promovem o caos e se tornam parte dele. A cara da morte estampa-se na cara do morto e o corpo inerte é o resultado da ação da morte, mas, as suas razões ficam obscurecidas pelo impacto da perda da vida. 

            Diante disso, interpretamos que certas insinuações e exigências são absurdas. No entanto, as razões absurdas bem analisadas informam o verdadeiro interesse do caos. Disse Camus: “O verme se acha no coração do homem”. Sendo que certos homens encarnam o lodo do capitalismo, garantem com ele o pulsar do coração e o próprio alimento do verme.

            Há diferentes formas de expor a superioridade absurda; dentre elas, obrigar Sísifo a rolar a pedra montanha acima, como também armar disfarces prendedores das atenções. Se o baralho é liberal, o jogo também será. Nesse sentido, enquanto o espantalho liberal ameaça o processo eleitoral e promove desfiles de alucinados nas capitais, a pedra de Sísifo vai sendo delineada para termos em breve de empurrá-la até o topo da montanha e jogá-la para o outro lado do passado.

            Enquanto o espantalho colocado na lavoura se mostra um monstro assustador intimidando os pássaros, os usurpadores fazem a colheita com a reforma da constituição; a legalização das terras griladas da Amazônia; privatizam os correios, as hidrelétricas, as reservas minerais e, avançam nas reformas fiscais e políticas para deixarem o “espaço da democracia” totalmente controlado.

            Isso é absurdo? Não. Absurdo é conformar-se e, enquanto tudo acontece, colocar-se diante das urnas eletrônicas como se elas fossem as máquinas garantidoras da democracia, enquanto a base da verdadeira da igualdade está sendo corroída pela concentração das riquezas com garantias jurídicas visando o controle total da soberania do país.

            Ao considerarmos que a resistência ao poder de dominação capitalista pode ser feita por dentro do Estado, optamos por dar aos exploradores o direito ao controle do baralho. Eles dão as cartas e nos chamam para o jogo com a certeza de que serão vitoriosos.

            Quando a lavoura for colhida o descarte do espantalho é certo. Sabendo disso ele busca o vento para manter os movimentos intimidadores contra os inimigos e antigos aliados. No fundo o que espantalho quer é um lugar de honra pela função cumprida e a garantia de que não seja queimado ou jogado como uma peça imprestável junto com sua família no lixão de algum presídio.

            Temos certeza de que a História segue em frente, mas, sem gestos aparentemente absurdos, desorganizadores da ordem do sistema, ela será contada pela ótica liberal, e, como Sísifo, continuaremos ingenuamente tentando levar a pesada pedra até o topo da montanha. Para que?

            O baralho do jogo liberal tem as cartas marcadas. Eles sabem quando devem atacar e blefar. A nós não interessa o jogo liberal; interessa o jogo socialista. Mas é preciso começar dar as cartas e jogar.

                                                                                                                     Ademar Bogo

domingo, 1 de agosto de 2021

A POLÍTICA DA FORÇA E A FORÇA DA POLÍTICA

                Remanescem dos poderes imperiais antigos, dos reinados e da tradição absolutista, a vontade e o poder do soberano, não importa se alimentados por um indivíduo, um partido ou um exército partidarizado. Marcus Tullius Cícero, imperador romano até o ano 43 antes de Cristo, afirmou que: “carrego em mim três pessoas; a mim mesmo, meus adversários e os juízes”.

            É de suma importância perceber que muitas verdades permanecem como foram elaboradas na História, mudam apenas os personagens. Se para Thomas Hobbes, quando o soberano agisse desrespeitando a lei não era ele a estar errado, mas a lei, por isso revogavam a mesma, na atualidade, quando o arremedo de soberano erra, ou a lei não está de acordo com os seus interesses, ele ameaça com golpe e intervenção militar contra as instituições que ele mesmo jurou defender.

            Evidentemente, seja na antiguidade ou no capitalismo, o poder e o Estado são instrumentos de manejo da classe dominante. Essa mesma classe ao estabelecer a legalidade do poder representativo, não importa o tamanho da população de um país, importa apenas a busca da formação da maioria para atentar contra o país e as forças de oposição. Para assegurar as manobras políticas os mensageiros do capital colocam na retaguarda de seus passos, as forças armadas. Estas últimas entram em ação quando a coerção das leis tornou-se insuficiente para garantir os interesses burgueses, por isso, como arautos do mal, não prometem o melhor, apenas anunciam: “O que virá será ainda pior”.

            De todo o visto, vivido e ameaçado não podem ficar apenas as lições históricas. A ingenuidade também é uma força inimiga que atenta contra a própria consciência. Ter ilusões que no capitalismo a justiça, a liberdade e a igualdade serão garantidas pelos poderes da República, equivale acreditar também na bondade do capital e na fidelidade das forças armadas ao povo. O simples fato de existir o Estado capitalista nos dá a certeza de vivermos em uma sociedade injusta e desigual.

            A “inconsciência” nos diz Georg Lukács em seu livro, “História e consciência de classe”, é um sinal de imaturidade do movimento. Por imaturos, devemos entender indivíduos ou um partido que agem sem levarem em consideração as consequências de seus próprios atos. Significa, no caso da luta de classes, agirmos comprometendo o nosso próprio futuro. Como? Ignorando que a permanência da desigualdade social tem para a classe dominante, a mesma importância da igualdade para os trabalhadores. A existência da primeira e à condição primordial para nunca deixar que a realização da segunda aconteça.

            Por outro lado, há equivalência entre a imaturidade do movimento de organização dos trabalhadores e a dominação burguesa. Os capitalistas são assim denominados por encarnarem o capital e o Estado. Estas duas formas de poder não existiriam sem as instituições e as pessoas leais para representá-los. Ou seja, não é apenas a intransigência do capitalista     colocada a favor dos rendimentos financeiros a fazer mal aos trabalhadores, mas as próprias leis de produção e reprodução do capital, sustentadas pelas práticas econômicas cotidianas. Da mesma forma, não é o político capitalista apenas, culpado por não agir democraticamente, mas a própria estrutura do Estado a impedir qualquer movimento em outra direção. 

            Os trabalhadores ao acreditarem na honra burguesa, em vistas de levarem a cabo determinadas “vitórias”, como defensores da ordem, também encarnam a defesa do capital e do Estado. No entanto, antes desta encarnação os representantes partidários incorporam  o espírito pacifista, a ingenuidade e a domesticação à ordem estabelecida. Isto porque, em nome da liberdade de formulação de políticas públicas, para favorecer temporariamente os mais pobres, obriga a garantir a liberdade do capital de ir a todos os lugares, inclusive nas entranhas do orçamento público, além de  permitir a exploração da força de trabalho e agir de acordo com as leis coercitivas garantidoras do funcionamento da sociedade desigual, caso contrário são  derrubados pela política da força.

            Vivemos um tempo controverso. Ele nos convida a tomarmos posições mais incisivas. Contra as ameaças da política da força devemos contrapor com a força da política, mas isto significa deixar transparente qual é o objetivo final a ser alcançado. Objetivos parciais conciliadores, alimentam a ingenuidade de, “no longo prazo”, irmos definindo onde queremos chegar. No entanto, a cada década, diante das crises, os capitalistas sob pressão do capital, desmancham as combinações e impõem, pelas leis ou pela intervenção militar, a ordem que lhes interessa.

            Quando não se tem objetivos definidos, quem dirige a política são as pautas da classe dominante ou dos pregadores do caos. Observe e veja, pelo que lutamos hoje? Por vacina, auxilio emergencial, contra o voto impresso e outras poucas coisas semelhantes. E tudo por quê? Por quê houve um golpe em 2016? Por quê perdemos a disputa eleitoral de 2018? Não. Porque antes disso, a ingenuidade política permitiu que os capitalistas agissem com total liberdade na acumulação do capital; as forças armadas se educassem para defender o capitalismo, ao ponto de contestarem o comunismo sem que haja qualquer vestígio de ameaça e, mais ainda, por não termos como preocupação a verdadeira conquista do poder.  

            A definição do objetivo final impede os retrocessos ingênuos. Os processos revolucionários admitem derrotas, mas nunca a mudança da direção da finalidade. O alcance do objetivo final se assemelha ao alcance do objetivo parcial, com uma diferença, se o objetivo parcial é alcançado dentro da ordem, é porque esse objetivo é suportável pelos capitalistas, por isso, até se somam ao movimento para efetivá-lo. Se o objetivo final é contestado pela classe dominante, é porque ele é insuportável por ela. Logo, em primeiro lugar, devemos ter claro qual é o objetivo final a ser alcançado, a partir disso sim, devemos definir os objetivos particulares que sigam naquela direção.

            Insistimos, que a organização política, a formação de militantes e a elaboração dos métodos de trabalho, dependem da definição do objetivo final. A força política contra a política da força, somente pode vigorar se houver uma verdadeira “direção política”. Quando isto ocorre, todas as forças progressistas e revolucionárias são chamadas a darem um passo à frente. Este é o primeiro compromisso para combater a ingenuidade alimentada pelo senso comum, na atualidade formado pelas seitas religiosas e pelas inverdades publicadas nas redes sociais.

            A organização partidária é a força mediadora entre a elaboração teórica e a realização das tarefas. Ela é responsável para medir o ritmo da marcha em direção ao objetivo final e, principalmente, por quais lugares devemos conduzir o movimento. Ao mesmo tempo em que assegura a linha política, combate o fatalismo e a ingenuidade e evita que se tenha de sempre começar de novo pelo degrau mais baixo da luta de classes, formado pelas mais simplórias reinvindicações.

            A força da política se impõe quando a política da força é não apenas derrotada, mas definitivamente impedida que se jamais se volte contra o povo e os interesses do país.

                                                                                                                      Ademar Bogo