domingo, 30 de julho de 2023

PASSOS À FRENTE

 

 Há um equívoco no entendimento da expressão leninista: “Um passo à frente, dois passos atrás” que, aliás foi criada para dar nome ao livro, publicado em 1904, escrito por Lenin, com o objetivo de analisar as atas do II Congresso do Partido Social-Democrata da Rússia.

Para os mais conservadores atuais, esta frase indica que é preciso avançar um pouco e saber recuar bastante para ganhar impulso e desferir uma nova investida. Não é esse o sentido da expressão cunhada em meio às crises e disputas levadas a cabo no II Congresso. Lenin se propôs analisar as contradições internas daquela organização composta por diversas concepções políticas, mas não se referia a uma tática a ser empregada na luta de classes na Rússia. Ao contrário, deixou claro que: “O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização.”

Se a análise expressa no livro se refere aos documentos do II Congresso, é evidente que a metáfora dos passos à frente e para trás, diz respeito aos posicionamentos contraditórios pois, em alguns aspectos avançaram um ponto e, em outros, recuaram o dobro. Lenin avaliou que, o Congresso do partido havia sido um acontecimento ímpar, sem precedentes na história, isto porque, pela primeira vez, um partido revolucionário clandestino, conseguiu sair das trevas da ilegalidade e aparecer como uma referência política. Alcançou o intento de elaborar um programa, produzido pelos diversos grupos rivais, dispostos a sacrificarem as posições particulares em prol da organização. No entanto, aqui reside o recuo: “(...) em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se combatendo”.

Em diversas passagens Lenin expôs a sua preocupação, dizendo que: “Mas uma coisa é chamar-se e outra coisa é ser. Uma coisa é sacrificar em princípio o espírito de círculo em prol do partido, e outra é renunciar ao seu próprio círculo.” Nesse sentido, a luta para fazer as decisões do Congresso irem para a prática devia ser ferrenha e incansável.

Poderíamos ir adiante com citações, mas do ponto da filosofia política já temos o suficiente para alinharmos as ideias em vista de entendermos as crises atuais. Em termos comparativos, os grupos da organização russa, em um ponto estavam de acordo: precisavam organizar o partido para tomarem o poder. O que vemos no presente é justamente o oposto: considera-se já ter o partido organizado e o poder governamental alcançado.

Aparentemente o partido com o qual os trabalhadores brasileiros afinam as suas intenções, tem como positivo os aspectos de não ser clandestino, não ser pequeno e ter unidade interna nas táticas de ação. Por outro lado, a negatividade está em que a composição com as forças aliadas para chegar ao governo para servirem-se da máquina pública, em vista da realização dos seus interesses, é infinitamente mais perigosa do que foram as facções do partido Social-democrata da Rússia.

Aqui, os passos não são contados em termos de avanços teóricos, tendo como oposição as posições atrasadas; tudo é visto pragmaticamente. O “passo à frente”, significa chegar ao governo e, os “dois passos atrás”, representa ceder nos princípios para que os aliados integrem a governabilidade dos mandatos. Ocorre que, paralelamente a classe dominante, representante das diversas formas de capital, também faz o mesmo jogo, sobrepondo a sequência dos passos na imposição de seus interesses senão vejamos: quando as forças de esquerda e aliadas chegam ao governo, dão um passo à frente, mas, logo em seguida, as forças contrárias, democraticamente ganham as eleições e, desmancham as frágeis conquistas dando dois passos para trás. Se no terceiro momento, se o revezamento permitir retorno dos progressistas, darão um passo à frente, mas ficam ainda um passo atrás, dos dois que foram obrigados a recuar anteriormente.

Para além dessa dívida com a estratégia, o prejuízo é ainda mais assustador, pois, o que vemos são as forças de esquerda e aliadas, prostradas diante das expectativas, para que, sem lutas, as instituições imponham derrotas à classe dominante. A organização partidária e popular sai de pauta, dando vaga ao comodismo, e os princípios revolucionários ficam soterrados sob os escombros das articulações das táticas antirrevolucionária.

Os “dois passos atrás”, na visão de Lenin, significavam desvios e não acertos. Recuar o dobro do que se avança é ficar sempre em dívida com a estratégia revolucionária. Com a inversão dessa lógica, as forças de direita aprenderam, ser mais acertado, dar dois passos à frente e um apenas para trás. E, ainda, quando recuam aliam-se aos vencedores para obrigá-los a fazerem as reformas ainda por fazer. Com isso, o país passa a ter credibilidade internacional, o Estado equilibra as contas e paga em dia os credores e, alguma coisa sobra para as massas populares que se aliviam com um ponto positivo no crescimento da economia.

Já é tempo de repensar a organização partidária dos trabalhadores. Há vários passos em atraso para serem dados; estes somente serão possíveis se a estratégia revolucionária for formulada e a insurreição seja a meta a ser alcançada no horizonte político. Mais do que revoluções tecnológicas, o mundo precisa de revoluções políticas.

                                                                                   Ademar Bogo

domingo, 16 de julho de 2023

DO EXTREMISMO AO COMODISMO

 

            Há uma satisfação inquietante nas fileiras da esquerda, alimentada pela defesa da Paz. É uma posição honrosa, pois, com a Paz se faz a economia crescer, gera-se emprego, inclusive dá até para interferir com opiniões nas guerras dos outros e, internamente, impor um entendimento equivocado de uma tese denominada de “revolução passiva”, que seria a realização, como já foi chamada de “revolução sem revolução”.

            O filósofo Antônio Gramsci, na primeira metade do século passado, levantou diversas possibilidades para interpretar e instituir o conceito de “revolução passiva”, pelas experiências desenvolvidas desde o Renascimento, passando pela “Revolução francesa”, e cristianizada pelo “gandhismo e o tolstoísmo”, vistas essas, como concepções ingênuas.

            Para Gramsci, antes de tudo era importante conceituar pela ciência política, o que significava a “Revolução passiva” que, no seu entendimento havia dois princípios a serem considerados: (1) nenhuma formação social desaparece enquanto as forças produtivas que nela se desenvolveram ainda encontram lugar para um novo movimento progressista (2) a sociedade não se coloca problemas, sem que as condições necessárias para a sua solução tenham se formado.

            O entendimento simplificado de Gramsci, ateve-se à relação da economia com a política, tendo a forte presença do Estado como força propulsora na afirmação da modernização. Esse entendimento parcial dos intérpretes reformadores do capitalismo que, satisfeitos encerram as leituras e se metem na prática ordinária. Há diversos alertas, postos como sinais pelo filósofo nos cadernos do cárcere (Vol. 1. 2004, p. 427), como este: “A concepção do Estado segundo a função produtiva das classes sociais não pode ser aplicada mecanicamente...”. Mais diante, dirá que, em uma situação de não desenvolvimento, há sinais de que os representantes da economia não estão sendo capazes de responderem aos desafios históricos, cabe essa tarefa de mudar a concepção de Estado, tomando-o como um poder absoluto, à camada dos intelectuais. Em outro momento ligará Gramsci o conceito de “Revolução passiva” com outro, aparentemente contraditório, denominado de “guerra de posição”, em síntese, sendo a luta para assumir os postos de comando.

            A teoria gramsciana é rica em exemplos, mas não cabem aqui. O que foi destacado acima já nos é suficiente para fazermos a nossa formação filosófica. O primeiro destaque nos leva a pensar sobre o elemento “passivo”, se ele se apresenta também como “pacífico” ou não? Em segundo lugar, também devemos aprofundar o entendimento da “incapacidade burguesa” e, o terceiro elemento em destaque é a “Guerra de posição”.

            De certo temos um mínimo de entendimento, que os conceitos possuem conteúdos formados por ideias elaboradas. “Passivo” em política não quer dizer tudo estar inativo, mas sim quando o Estado aparece como força dinamizadora diante e acima de todas as forças. Esse entendimento dispõe de um complemento que, não se trata do Estado em si como sujeito, mas o grupo dos intelectuais e não a classe trabalhadora, que o assumem para imprimir o ritmo do progresso. Isso somente é possível de ocorrer com certa autonomia, onde a classe controladora da economia é incipiente e sem força política. Nisso se alinha o segundo aspecto, de ser essa classe burguesa incapaz de sustentar o poder. Diante de tais circunstâncias esse grupo intelectualizado, aliado das forças progressistas, estabelece as diretrizes e passa a “guerrear” para conquistar posições e mantê-las na linha progressiva.

            No Brasil, há esse pano de fundo na política, que sustenta as ilusões de poder alcançar a Paz desejada, bastando ganhar a eleição presidencial. Chegando a este ponto, as forças intelectuais assumem o comando do governo e passam a fazer arremedos de políticas públicas, sem garantir posição sólida nenhuma. Como um castelo de areia, basta perder as eleições futuras e tudo desanda.

            É importante considerar que no Brasil as classes dominantes sempre foram fortes. Há um agravante que, as forças extremistas até pouco tempo, eram coadjuvantes, mas, passaram a disputar as posições centralizadas do poder político. A economia, por sua vez, não é atrasada que os próprios capitalistas não possam geri-la. O agronegócio, embora sobreviva de subsídios, não pertence ao Estado; assim ocorre com outros setores da economia. Do ponto de vista político, o grupo intelectualizado que governa, não se afirma com posições evoluídas, pois, depende do Congresso Nacional, com o qual negocia interesses, sem ultrapassar a linha da legalidade e do “pacifismo” colaboracionista. Não controla o Banco Central e, se quer, consegue influenciar na formação da consciência crítica das forças armadas.

            Por outro lado, o Brasil é um país de imensa concentração de massas populares pobres e, do ponto de vista político totalmente desorganizadas. O governo se relaciona com ela através dos programas de assistência, executadas pelos Bancos que individualizam o atendimento, esvaindo também qualquer possibilidade de conscientização e mobilização social.

Podemos ponderar, que não é função dos governantes organizar o povo, mas do partido político. Este é um outro dilema contemporâneo das práticas políticas. Vejamos, quando é período eleitoral, o partido faz convenção e aprova quem será o candidato. Depois, o mesmo partido coordena a campanha e alcançam a vitória. Logo em seguida entra em cena (para mantermos o conceito gramsciano), o “grupo intelectual” e monta o governo, concedendo grande parte dos cargos aos aliados. O partido não desaparece, porque o Estado o sustenta, por meio do “Fundo partidário”, composto pelo dinheiro público e distribuído conforme o número de votos alcançados.

Além do mais, como ficou demonstrado nos últimos pleitos, a sociedade brasileira está polarizada. Há dois movimentos surdos convivendo no mesmo organismo. O poder político oficial tem oscilado entre o extremismo e o comodismo. Consideram-se os avanços paliativos, sem fazer cócegas nas bases estruturais da exploração e nem tampouco evolui-se para tornar-nos uma alternativa de poder substancialmente diferenciado.

Diante dos critérios gramscianos, não se enganem senhores que governam e dirigentes partidários, vocês estão muito abaixo do que seria um processo da “revolução passiva” e da revolução, verdadeiramente revolucionária, a quilômetros de distância. Há que se pensar na organização partidária que não se deixe dominar por um “grupo de intelectuais”, capazes de encontrarem saídas temporárias para a economia, sem nunca se preocuparem em superar o capitalismo. Como espontaneamente não se produzem respostas suficientes, a permanecer assim, cabe preparar-se para suportar a volta das forças extremistas.

                                               Ademar Bogo

domingo, 2 de julho de 2023

A COMÉDIA AMBULANTE DA POLÍTICA

 

         O filósofo Nietzsche, ao escrever sobre, “A comédia ambulante”, em seu livro: “Vontade de potência”, buscou retratar as diversidades dos homens modernos, em suas diferentes atividades, cuja função repercute socialmente, ao apresentarem disfarces e desgostos. Dentre essas representações, encontramos o político “no blefe nacionalista”, confrontado com os ideais vencidos do povo. “Infelizmente, devemos agora abraçar a mentira e é então que o erro se torna mentira e que a mentira de outrora se torna uma necessidade vital”.

Há uma série de iniciativas em andamento em vista de “fazer justiça”, julgando supostos crimes, na visão do Congresso nacional. Enquanto um grupo se volta para a apuração, para saber: “Quem financia as ocupações de terra”, o outro empenha-se a ouvir relatos do frustrado golpe de Estado, posto em prática por um plano fajuto, no dia 8 de janeiro de 2023.

O fato é que, se a primeira iniciativa apura o insinuado, as calúnias e mentiras servem para favorecer a dispersão das opiniões sobre os crimes do agronegócio; na segunda apuração, os mentirosos são os arquitetos do golpe que usam dos elementos da própria autocrítica, para mostrarem, como o equívoco foi organizado, mostrando que o evento nunca seria vitorioso. Apenas não dizem que perderam por incompetência total de uma estratégia militar envergonhada, diante do não apoio dos Estados Unidos da América, foram levados a apostarem tudo no erro do governo, intimidado pelo caos, decretaria a GLO (Garantia da lei e da ordem) e convocaria os próprios maquinadores do golpe, as forças armadas, para protegerem os autores do quebra-quebra. Deu tudo errado. O governo optou pela intervenção no local afetado e, com isso, as forças armadas ficaram retidas dentro dos quartéis, assistindo parte dos seus aliados sendo presos e investigados pelo poder judiciário central.

No meio de tantos destroços e vergonha pública, uma verdadeira comédia de amadores, sobrou para as forças da direita segurarem a frente parlamentar organizada; principalmente aquela vinculada ao agronegócio. Como medida investigativa, convocou a Comissão Parlamentar de Inquérito, para saber “de onde vem o dinheiro para financiar as ocupações de terra”. Evidentemente, eles sabem que não há dinheiro público envolvido nas ações dos movimentos sociais, pelo simples fato do governo instalado no início de 2019 ter exterminado com as políticas públicas, impedindo qualquer financiamento a favor dos trabalhadores Sem Terra. Por outro lado, o governo atual sequer teve tempo de organizar as suas políticas sociais.

Embora que, do ponto de vista filosófico essas iniciativas representem um  “comédia política”, os resultados a favor do capital destrutivo e especulativo, financiado com dinheiro público, são promissores. Basta olhar para os recursos destinados no Plano safra 2023/2024, que o valor chega a 364 bilhões de reais. Ora, um governo que se posiciona contra o neonazismo na agricultura, com todos os agravantes de suas práticas já conhecidas, não poderia financiar os seus inimigos e inimigos da preservação do meio ambiente.

Na outra comédia conhecida como “8 de janeiro”, as manobras são ainda mais desconcertantes. Os depoimentos dos articuladores do golpe frustrado, são um verdadeiro material de estudo de como não se deve organizar uma ação para a tomar o poder. Agora eles dizem que, um golpe não se dá concentrando as forças em um lugar apenas. Mas esta foi a estratégia milimétricamente planejada, de atacar unicamente as instituições do poder central e provocar o caos, para forçar a intervenção. Não sabem estes estrategistas que, se a ação é localizada a reação também será? Agora, sendo chamados a prestarem contas, diante de provas concretas, inclusive com propostas escritas do que iriam fazer, como críticos dos próprios atos, negam tudo.

Por outro lado, as forças de esquerda permanecem ocupadas com os destroços da comédia política e deixam de avançar na busca do fortalecimento da capacidade de ofensiva, quando essas forças pensarem em voltar com a estratégia modificada. Apostar na ineligibilidade do escroque, é continuar sendo ingênuos que a institucionalidade dá alguma garantia contra as forças mentirosas e incorrigíveis.

O maior defeito da forma de poder presidencialista é que, as forças de direita estando descontentes com o governo, dão golpes, seja por meio da cassação de mandato ou pela força militar, mas ao contrário, as forças de esquerda quando o governo não as favorece, não convocam insurreições para tomar o poder e, pior, ficam paralisadas a espera de que o presidente da República, faça todas as mudanças desejadas, utilizando apenas a força do cargo.

Há muito por mudar para que as comédias políticas não continuem sendo apresentadas como encenações fictícias até acertarem o texto da História real. As classes, embora que, muitas vezes na institucionalidade se misturam, na vida cotidiana continuam intactas, somente as lutas organizadas podem revelar as verdadeiras contradições e ajudar a superá-las.

                                                                                                          Ademar Bogo