domingo, 30 de janeiro de 2022

AS CATEGORIAS NA POLÍTICA

            O filósofo Aristóteles foi o primeiro a estruturar, definir e organizar as análises, a partir de categorias e, com isso facilitou também à atividade da escrita. No livro, “Categorias” exposto no “Órganon” ele detalhou o que são elas e como podem ser aplicadas. Para tanto, alinhou dez categorias dispostas da seguinte forma: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado ou condição, ação e paixão. Portanto, qualquer coisa que tenha substância pode ser analisada, segundo a ordem categórica proposta; podendo ser um homem, um animal ou um grupo social.

Mas o filósofo não parou ali. Instigado pelas diversas relações, propôs-se a explicar também os “opostos” que poderiam ser expressos de quatro modos: correlativos; contrários; privativos positivos e, afirmativos negativos. A realidade em análise, para ele, diante dos “correlativos opostos”, representava a expressão do dobro e a metade de uma referência. Já os “contrários”, destacou ele, “podemos tomar à guisa de exemplos, bom e mau. Dos termos privativos positivos exemplificar como sendo cegueira e visão; ele está sentado e ele não está sentado, são exemplos de afirmativos negativos”.

Essa disposição simplória das categorias e dos opostos poderia ser ignorada ou substituída pelas leis e categorias dialéticas formuladas pelo materialismo histórico, mas elas não nos dariam maior precisão na análise, principalmente quando as substâncias a serem analisadas fossem gelatinosas, pouco consistentes e até mesmo deformadas.

Do ponto de vista substancial, tomemos as candidaturas oferecidas aos eleitores para o próximo pleito à presidência da República. As ofertas autocráticas correspondem primeiramente, à quantidade multiplicada por um, cada vez que se apresenta um novo figurante. No entanto, em se tratando de qualidade há bastante semelhança das matérias disformes principalmente as que não alcançam dois dígitos na prévia aprovação.

 Ao tomarmos a categoria da “relação” vemos que se aplica apenas na retórica. A grande maioria dos candidatos, nunca teve relação alguma com os trabalhadores e as massas exploradas; assim ocorre com a posição, o tempo e o lugar, sempre adequados aos domínios dos mais ricos. O estado ou a condição apresentável, todos aparecem felizes e sorridentes. Na categoria da “ação” recorrem aos prometimentos e, a paixão ou situação patológica, todos doentes psíquicos, ansiosos, principalmente por imaginarem que não terão chance alguma de vitória.

Por outro lado, vejamos a categorização dos “opostos”. Se os “opostos correlativos” nos remetem a verificar os comparativos de alguma referência, embora ainda não lançado oficialmente, Lula está na dianteira das pesquisas e, por isso, é um afirmativo positivo; do lado oposto, representando o afirmativo negativo está Bolsonaro. Portanto, é necessário verificar se ele é o dobro ou apenas a metade pior daquele que dobrando já vem nas vantagens das pesquisas das intenções de voto.

Na referência dos “opostos contrários”, temos os comparativos do bom e do mau. A depender de encontrar algo de bom no atual presidente, disposto a marchar, se puder até com um novo golpe de Estado em direção ao segundo mandato, ficaremos sem nenhum parâmetro. Nesse candidato específico, o mau é destacadamente vencedor. Ele está posicionado no ponto inverso do bom senso. A sua desumanidade o descredencia a governar qualquer coletivo humano. Seus pensamentos discordantes, em relação à vacina para adultos e crianças; a lisura do processo eleitoral por meio das urnas eletrônicas; a preservação das florestas, das cavernas e da vida em geral, são alguns dos aspectos evidenciadores da patologia mental, da qual sofre o “extra-social” e também extraterrestre, pois ao duvidar que a terra é redonda, coloca-se conceitualmente fora dela e, está desautorizado a governar esta parte dela.

Dos dois outros opostos, o “privativo”, tendo como exemplo a visão, o país está sendo governado com uma total cegueira. Chocamo-nos cotidianamente, com a fome, a miséria, o desemprego, a paralisação de políticas públicas, a inflação, mortes evitáveis, violência, queimadas, extermínio de índios etc., e nada é feito para nos proteger. E, o complemento é dado pelo “afirmativo negativo”. Seguindo o exemplo aristotélico, vemos que ele está sentado à direita do ódio; do atraso; da falta de ideias e planos; da ignorância; da ausência de humanidade, compostura e educação; do autoritarismo; do trumpismo, felizmente rechaçado; do carvalhismo, cujo criador foi fatalmente vitimado recentemente pelo coronavírus e tantos outros direitismos e negacionismos intoleráveis.

O processo eleitoral não é tudo e, os opostos não são eliminados pelo resultado das urnas; mas, as categorias e os opostos: correlativos; contrários, privativos e afirmativos, continuam sendo úteis para entendermos que, para além do capitalismo, existem às referências, socialista e a democracia participativa, para escaparmos de termos de, a cada quatro anos, em nome da ordem, confirmar, pela representatividade, a continuidade da sociedade desigual.

                                              

                                                                                  Ademar Bogo

 

 

  

  

domingo, 23 de janeiro de 2022

A POLÍTICA DA ARTE

 

O filósofo Georg Lukács ao tratar da estética, demonstrou que o modo de ser da obra de arte se manifesta em todas as suas determinações, mas, sobretudo “pensar a obra de arte como totalidade intensiva das determinações relevantes para o mundo que conforma”.

Para além disso, o caminho da produção subjetiva de um ser humano coexiste com múltiplas determinações, vistas como, “influências” do meio, anseios pessoais, concepções políticas, desejos estratégicos e utópicos, pontos de resistências, protestos, instigações, valorização e, acima de tudo, discernimento entre o belo e o bom, em oposição ao feio e ao ruim.

Quando Thiago de Mello escreveu, “Faz mormaço na floresta”, quis, no seu mundo particular, falar de um bem universal. “Sombra ardente que guia, tua cabeleira baila, na esparramada alegria”. Ao desconhecedor da floresta tropical, cujo mormaço é parte constitutiva da formação daquela natureza, revela que a própria sobra é quente, e a copa das árvores formam cabeleiras alongadas, femininas, elevadas acima de qualquer preconceito e que, se esparramam sobre todas as espécies posicionadas embaixo, desfrutando da natural alegria.

Um particular interessante que despreocupa o não-ser, pois, “nunca sei como sou (só sei que sou contente) quando contigo me vou”. Me ir, é conviver contente, é ser gente e ser floresta; hora árvore, ora humano, tudo é uma coisa só. E, “na glória de saber, que inteiro me recebes, desaprendo o que é ter”. Nada tenho, quem me tem é a floresta; ela é eterna, dona do mormaço, da sombra, da umidade, dos cheiros, das festas e do poder de receber-me com glória porque a respeito.

E nos versos de Thiago de Mello a floresta viaja pelo mundo. Levam o real do convivente para os espaços urbanos destrutivos, para fazer inveja de algo que o tempo de ocupação não pode ser. O mormaço da floresta não é calor que faz suar o ser cansado. O mormaço é o jeito, naturalmente composto para atrair os diferentes; visitantes de si mesmos, no lugar que faz viver e reviver com a floresta que sempre recebe, os vivos e os mortos.

Universalizado o mormaço, com ele ebulem os direitos que precisam, para expressar valores, serem estatutários. A poesia converte-se em “Estatutos do homem”, abertos com o imperativo do artigo primeiro: “Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e que de mãos dadas trabalharemos pela vida verdadeira.”

Para ter de recorrer e fazer valer a verdade é porque vigora sobreposto a ele, o valor da mentira. A civilização mentirosa cheia de Cartas, Leis e Declarações universais, não habilitou a verdade. A política perdeu. A ética inverteu os juízos impondo as interpretações convenientes para os propagadores da mentira. Sobrou a voz da arte para chamar a atenção que há uma vida verdadeira a ser retomada. E, a arte critica é a própria política.

A particularidade dos atos não reduz a universalização dos fatos e, se “fica decretado que o homem nunca mais precisa duvidar do homem”, como afirma o artigo quarto, é porque a transparência pessoal ganhou a transcendência universal. Quando duvidamos do homem? Quando negociamos com ele. A mercantilização é enganosa, porque junto com os objetos vão os desejos pessoais. As vontades reduzem o alcance das consciências e as pretensões particulares, mesquinhas e obscuras, entram como critérios para avaliar o lado oposto. Então, o homem duvida do homem, porque, como mercador, somente poderá viver se enganar quem poderá enganá-lo. Mas a arte sabe que há o certo. De algum modo, ele já percorre as relações nas asas da solidariedade. E, se houve um tempo que foi preciso duvidar, é porque esse tempo foi autorizado pelo homem enganador, cultuador de um modo de ser da sociedade enganosa.

E, por fim, “fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual fica suprimida dos dicionários, e do pântano enganoso das bocas”. Então a liberdade não se fala, se vive. Por que então usamos as palavras? Para lembrar-nos que precisamos viver os conteúdos antes de pronunciá-los. A palavra liberdade, antes de ser um substantivo feminino na comunicação é uma reinvindicação. Reinvindicamos tudo o que não temos. Se a liberdade de fato existir, ao ser experimentada, deixará de ser pronunciada; pois, a liberdade e a verdade são como as nossas pernas, não precisamos falar nem lembrar delas para movê-las.

            Salve Thiago de Melo, o poeta singular que, a partir do seu lugar, soube universalizar o bom e o belo como causas da arte política.

                                                                       Ademar Bogo