quarta-feira, 30 de março de 2016

A IDENTIDADE REVELADA




            Do ponto de vista otimista tivemos no Brasil nos últimos 13 anos, um processo de “emancipação”, no sentido de se ter assegurado algumas conquistas. Citamos como exemplo, o acesso à moradia, à educação, através do Prouni, Fies, cotas para os estudantes negros e indígenas; melhoria do poder de compra e a elevação de milhões de pessoas ao grau de cidadãos, dentre outras. A conquista mais polêmica foi a que regulou o trabalho das empregadas domésticas. Mas a classe dominante foi enfraquecida? As medidas tomadas fortaleceram os trabalhadores? As massas beneficiadas foram organizadas e conscientizadas?
            Devemos friamente considerar que, se por vários anos a esquerda em geral acreditou que as disputas com a classe dominante eram apenas eleitorais e investiu tudo neste rumo, desfazendo o acúmulo histórico conquistado, mesmo tendo chegado ao governo, no aspecto da política, ao desfazer-se dos meios de luta, “desmancipou-se” a si própria com profundos desvios de princípios e agora sucumbe diante de um Congresso decadente, mas poderoso.
            Segundo Montesquieu, os desvios políticos começam sempre pelos princípios, por isso comprometem a idoneidade das decisões. Sem desmerecer a importância de chegar ao governo da república, um feito único na história brasileira, falsos princípios de unidade e lealdade passaram a figurar como fatores orientadores das nomeações. O objetivo da troca de favores era ter um dia a gratidão dos nomeados, como se fossem quadros partidários.
Entenda-se que, em primeiro lugar, um governo composto por diversos interesses e representantes de classe, dá certo enquanto os ganhos econômicos e políticos estão garantidos para os envolvidos. Em segundo lugar, os nomeados para os cargos de direção nas empresas estatais, por nunca terem sido quadros revolucionários, mantém a compostura até o dia em que não forem encurralados e, como crianças assustadas, aceitam a “delação premiada” para fugirem dos castigos, repassando a culpa para àqueles que a classe inimiga desejar. Em terceiro lugar, ministros, policiais federais, agentes do ministério público, etc., não são funcionários do governo, mas do Estado, logo, não se movem por gratidão, mas por normas, interesses e planos de carreira. Em quarto lugar, a eleições não eternizam ninguém no governo e esses que acreditam que devem azeitar a máquina, reduzir gastos, retirar direitos dos trabalhadores, pensando que agradam as forças da direita, amanhã, ao perderem as eleições, serão jogados fora e deverão voltar às ruas para lutar contra o que fizeram.
            Por outro lado, não é difícil perceber que temos uma crise política porque antes de tudo existe uma crise econômica que circula pelo mundo desde 2008. Sabemos também que são clássicas as saídas que os capitalistas apresentam para as crises: a) abrir novos mercados; b) fazer guerras para destruir as forças produtivas e outros bens; c) recorrer às reservas do Estado privatizando o patrimônio público e, d) retirar direitos dos trabalhadores. Dentre as quatro possibilidades, as duas primeiras, temporariamente, estão esgotadas. Restam as duas últimas, mas aí há que ter um governo que concorde e, mesmo que Dilma tenha cedido em tudo, feito os ajustes contra os pobres, não cedeu totalmente nas privatizações, nas políticas assistenciais e nos principais direitos sociais. Daí a insistência de tirá-la do governo; querem implantar o segundo turno do neoliberalismo tucano para o Brasil, com requintes piorados.
 Traições e disputas sempre existiram na política, mas algo está nascendo como inovação: a verdadeira luta de classes. Acontece agora o contrário do que víamos em décadas passadas, quando éramos reprimidos nas ruas pelas forças policiais e a classe dos exploradores, aguardavam os resultados. Agora, as forças de direita também estão nas ruas, pregam e praticam a violência contra os “desemancipados” para arrancarem o que ainda resta das reservas nacionais. O inimigo agora mostra o, a cara e tem a sua identidade revelada.
            A saída então é a organização e a luta para colocar o projeto em disputa. Enfrentar a espontaneidade que transmuta o egoísmo do mercado no individualismo na política. Devemos afirmar os pilares do projeto superando o estágio conciliatório embalado pela ilusão da governabilidade. O Estado é parte da força da locomotiva do capitalismo; ninguém governa com justiça sem tirar esse trem dos trilhos.                                                                                                            Ademar Bogo. Filósofo e escritor.

quarta-feira, 23 de março de 2016

ÂNIMO, MILITANTE!



                                
            Sabemos que há um tempo para tudo; que se ligam o presente e o passado, pois o que foi não se encontra superado, e o que é está caindo em desapreço. Mas é o futuro que está sem endereço e precisa de uma forte intervenção. Falta um acerto na canção e pôr as notas na nova melodia; ascender em cada mente a rebeldia e pôr-se em marcha na mesma direção..
            Não se amedronte ao ver que os tribunais e o parlamento se agigantam sobre todas as conquistas, eles são o que de pior já se inventou na ordem capitalista. Nessas instâncias o indivíduo concentra a autoridade e faz da sua função uma extensão de suas propriedades. Escondem-se sob o manto das representações, e ignoram a vontade dos milhões de sujeitos que compõem a sociedade.
            Não se envergonhe quando as televisões repetem reportagens, expondo com imagens, vozes e letreiros, a linguagem e a revolta de nossos companheiros. É próprio do caráter dos patrões fazer politicagem, esconder a verdade e alimentar os noticiários com bobagens. No entanto, mostram que são infinitamente inferiores e temem as palavras duras dos trabalhadores, porque são sinceras e cheias de coragem.
            Não se acomode nem se deixe tomar pela impotência. Levante, vá às ruas, mostre a sua consciência, carregada de saberes e de lições. Não dê ouvidos aos que pedem paciência, nem para aqueles que adoram as instituições. Há momentos que somente os empurrões podem abrir o caminho para a frente. Acredite que os elos da corrente, têm imensa fraqueza no cadeado; rompe-se a impostura de poderes concentrados, quando se assume com vigor as tarefas do presente.
            Aproveite e faça uma revisão. Compreenda que apenas uma intenção, não faz a história. Que a ausência temporária de conflitos, não é sinal de Paz nem de vitória. A vitória só vem quando ficam do outro lado, contingentes de inimigos derrotados. Aprenda pela sua vida inteira, que a burguesia é sempre traiçoeira e vai lhe atacar mais dia menos dia. Por que então aliar-se aos inimigos, se já sabemos que joio é joio, trigo é trigo e em toda a história sempre fomos a maioria?
            Aceite os desafios, não as provocações! Mostre que as revoluções sempre começam e seguem em frente, porque as forças populares se levantam em todos os lugares e se mantêm em luta permanente.
            Por fim, não perca as esperanças, também não aja por vingança, ódio ou espírito mercenário. Lembre que o amor é revolucionário, faz por si e por todas as nações; basta pôr em marcha as multidões que o processo como o rio segue adiante. Assuma a sua função de comandante, porque as tarefas já estão dadas. Levante e faça da madrugada, o momento do novo amanhecer. Ânimo, força e persistência, é hora de fazer com coerência, o futuro que queremos ter.
                                                                                  Ademar Bogo

terça-feira, 15 de março de 2016

PARA OU SEGUE O ENTERRO



                    
            Uma anedota conhecida, sobre um indivíduo preguiçoso, se parece muito com o governo brasileiro. Diz o causo que, ignorando todas as cobranças e conselhos, o preguiçoso chegou ao ponto de aceitar a ser enterrado vivo. Carregando o caixão, amigos e curiosos revezavam-se no cortejo. Mas, a certa altura, um conselheiro bondoso, ao ser informado da causa e do fim que teria o sentenciado, prontificou-se e ofereceu uma ajuda: uma saca de arroz. Foi quando o condenado perguntou de dentro do caixão: “O arroz é com casca ou descascado?”. “Com casca” – respondeu o doador.  “Então, podem seguir com o enterro.”
            A situação da política brasileira é bastante parecida. O condenado já o temos, resta saber em que altura está o funeral que vem sendo preparado e conduzido com ampla divulgado na mídia desde 2005.
O objetivo é claro, concluir o funeral antes de 2018 para recolocar uma parte das forças de direita no governo. Uma parte, porque a outra nunca de lá esteve ausente e, ambas, em todo o tempo foram beneficiadas pelas altas taxas de juro, de créditos, de lucro e do pagamento dos juros da dívida pública que, no ano passado, chegou a custar mensalmente, 45% de tudo o que o governo arrecadou em impostos. Mais ainda, no caso específico da Rede Globo, que mesmo devendo R$ 615 milhões em impostos, foi agraciada com a renovação da concessão em 2007, por mais 15 anos, ou seja, até 2022, e que, quando morreu o patriarca dessa maldosa empresa em 2003, o presidente da República em sua nota, após dizer que Roberto Marinho não veio ao mundo a passeio,  disse que ele tinha “quase um século de vida de serviços prestados à comunicação, à educação e ao futuro do Brasil”. E aqui está ela agora, liderando a nossa própria cassação, com a desculpa, “de levar a verdade à população”.
Mas isto pouco importa para quem se coloca atrás do funeral que segue. No entanto, é lastimável observar que, apesar do governo ter feito, nos últimos anos, tudo aquilo que as forças dominantes pediram; desde a isenção de impostos para as montadoras de veículos, créditos subsidiados, ajuste fiscal contra os trabalhadores; já se dispôs a fazer a reforma da previdência; desobrigou a Petrobras de manter 30% dos investimentos no Pré-sal, reajustou as valores do fundo partidário para melhorar a mesada dos partidos etc., querem derrubá-la.
            Por que ficar lembrando tudo isso? Só para pensar? Não. Para dizer que a classe dominante não se move por gratidão nenhuma. Quem tem e se move pela gratidão, são as massas populares, mesmo quando os beneficiados, por descuido, medidas equivocadas ou teimosia, não são de tudo merecedores; mas agora terão que dizer e fazer por merecer.
            Precisam dizer para parar o cortejo e impedir que o funeral chegue ao fim como programado. Para isso a presidente terá de aceitar o “arroz com casca”; saltar do caixão e dizer porque ficará. Da mesma forma Lula, cuja candidatura para 2018 já está posta, terá que dizer a que virá! Ou seja, terão que sustentar aquilo que até agora ignoraram, mas que o projeto exige: que deixarão de pagar mensalmente os juros da dívida pública. Farão uma auditoria para averiguar porque a dívida já passou de três trilhões de reais; enquanto isso investirão o dinheiro em casas populares, saneamento e estrutura para a saúde. Que irão estatizar, em nome da segurança nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, todas as mineradoras, devastadoras do meio ambiente e a Petrobras.  Assumirão que farão a reforma agrária, cassarão a concessão da Rede Globo, estabelecerão o transporte público com passe livre, taxarão e expropriarão as grandes fortunas, construirão escolas e universidades para que haja uma vaga para cada jovem brasileiro. Ouvirão o povo em assembleias permanentes, se deixarão dirigir pelo partido e governarão com ética.  
É radical demais?  Mas é preciso ter motivos para decidir se para ou segue o enterro!
                                                                       Ademar Bogo, filósofo, escritor e agricultor

quinta-feira, 10 de março de 2016

A VERSALHES BRASILEIRA



            Diante das investidas raivosas de setores da classe dominante, tendo a seu serviço os instrumentos jurídicos, a Polícia Federal, o Congresso nacional, a mídia etc., para além de uma reação de autodefesa das forças populares, é importante compreender a natureza da burguesia, isto porque, a classe capitalista, em termos de essência, é o que foi em todos os tempos.
            O que defende a classe dominante? Nada mais que o conjunto das leis. Primeiramente as leis econômicas, aquelas reveladas por Karl Marx que estão na extração da mais-valia; a lei da valorização do valor, portanto, do livre mercado; a reprodução do capital tendo como base as altas taxas de lucro e de juros; a centralização da renda e da riqueza; a concentração da terra e da renda advinda dela; o superfaturamento dos contratos etc.
            Paralelamente a essas leis econômicas, funcionam também as leis jurídicas do Estado, feitas para dar garantias aos investidores, especulares e agiotas que manejam a propriedade privada dos meios de produção; as empresas de serviço; os Bancos; os meios de comunicação etc. As leis não estão imunes aos interesses de classe e, de acordo com esses interesses são aprovadas, emendadas, revogadas ou substituídas.
            A íntima relação que há entre o capital e o Estado, é de fácil compreensão, se entendermos que se trata apenas da combinação entre formas. O Estado que ora conhecemos e nos sentimos impotentes diante dele, pelo simples fato de um juiz poder determinar que a polícia possa colocar aparelho de escuta na casa de qualquer pessoa, obrigá-la a ir prestar depoimento a qualquer hora e ficar presa, sem provas, se assim o desejar aquela autoridade, surgiu com o capitalismo. Logo, se o capital se reproduz a partir das formas econômicas, o Estado se estrutura a partir das formas política e jurídica. Juntando as diferentes formas temos um sistema de dominação e, por isso, quem é apenas dono da força de trabalho, é coagido e ameaçado pelas formas econômicas, políticas, jurídicas e ideológicas.
            Há períodos em que a classe burguesa, aparentemente, comporta-se com tolerância, cordialidade e parcimônia. São os períodos em que as coisas funcionam bem para os seus interesses. Finge-se de aliada e prestativa. No entanto, quando sente que os seus interesses estão ameaçados e terá de diminuir os seus ganhos, expõe a sua natureza sanguinária e vingativa, comporta-se como um crocodilo faminto que come o próprio tratador.
            Dito isto, o que temos a ver com a Versalhes francesa? Muita coisa. Quando em 18 de Março de 1871, Paris foi acordada com os gritos de: “Viva a Comuna!”, a burguesia fugiu e se aquartelou na cidade de Versalhes, a 30 km de Paris. De lá retornou em 18 de Maio do mesmo ano, produzindo a maior carnificina que se viu na história; retomou Paris, deixando de saldo cerca de 20 mil trabalhadores. Isso fez Marx afirmar que, se algum erro se poderia atribuir à Comuna “foi o de não ter avançado logo sobre Versalhes”.
            Aqui estamos nós, após 12 anos de governo sob a eminência de vermos a governabilidade destruída, com dezenas de lideranças presas e todas as conquistas incendiadas pelo ódio burguês. E onde está o erro? Não termos avançado logo, quando tínhamos força e popularidade, sobre a exploração da mais-valia; da propriedade privada dos meios de produção; das taxas de lucro e de juros; da mídia financiada com dinheiro público; da Constituição carente de mudanças e da opção pelas não reformas estruturais. Agora, o que resta é reagir, primeiro, formulando um projeto para elevar o conteúdo da disputa e juntar as forças para avançar sobre as formas de poder da burguesia, impedindo que ela jamais retorne.
Que em 18 de Março, 145 anos depois, possamos gritar: Viva a Comuna! A vez da verdadeira reação chegou.                                                          Ademar Bogo, filósofo e escritor