domingo, 28 de março de 2021

HISTÓRIA E LIBERDADE

            Com esse título o filósofo Karel Kosik, praticamente conclui o seu livro, “Dialética do concreto”, e convida a pensar sobre o problema filosófico, “o que é a História?”. Nestes tempos sombrios, responder esta pergunta é enfrentar os dilemas postos, mas, acima de tudo, tentar compreender onde estão ou para onde foram os sujeitos da História?

            Diante de tudo o que vemos na política, nenhuma resposta é fácil. Se não há ponto de fuga, o sujeito da História precisa reaprender a conjugar o verbo “enfrentar” e, enquanto reaprende, analisa o substantivo das circunstâncias aonde se alojaram as mais duras e perversas contradições.

            Muitos sujeitos históricos vividos em outros tempos fizeram-se essa mesma pergunta: “O que é a História?”. As diversas respostas formuladas nem sempre foram favoráveis ao bem, isto porque, a História não é “racionalmente determinada”, por isso é que devemos acreditar que a razão se cria na História. Em grande medida, não se pode predestinar o futuro. Dizemos, “em grande medida”, porque, também não é pela espontaneidade ingênua que descobriremos a direção a seguir. 

            Portanto, as lições que perpassaram as consciências em todos os tempos e chegaram até nós, nos ensinam que não basta ter razão é preciso fazer com que essa mesma razão seja vitoriosa. Por sua vez, uma vitória pode ser parcial se tiver o propósito de vir a ser total, caso contrário, os restos das derrotas reabilitam-se e retornam impedindo que o total não se realize. Em política, muitas vitórias podem ser parciais, mas existem algumas que devem ser definitivas, caso contrário, o discurso envelhece repetindo a mesma convocação: “Começar de novo”.

            Kosik nos diz que, não sabemos quem somos antes da História e somente nela existimos. Implica dizer: sem fazermos a nossa História seremos sujeitos sujeitados na História dos outros, aquela a qual pertencem “os atos de heroísmo e os crimes”. Difícil é saber quando um não se confunde com o outro. Em certas circunstâncias é mais fácil perceber as diferenças, porque, os próprios criminosos fazem questão de exaltar os crimes, exibindo-os como recados intimidadores. Sendo assim, “O sentido da História está na própria História...”; é preciso compreendê-la para saber qual sentido devemos dar aos fatos.

            Uma coisa é certa, a História não limita às reduções de algumas supremacias ou a alguns fatos tristes e constrangedores. “Não é a História que é trágica, mas o trágico está na História”. Logo, a tragédia representa apenas uma parte da História. A outra parte é marcada pelas forças que querem ver o dia seguinte. É evidente que a tragédia de mais de trezentos mil mortos não é nenhuma notícia a ser esquecida após ser lida. Mas, são essas mortes, pelo menos grande parte delas, que desafiam os vivos a não se deixarem morrer e nem matar. Isto por que a morte tem causas, e elas podem ser de ser físicas e também políticas. Morre-se por falta de remédio e também por falta de governo.

             O mesmo ocorre com a liberdade, as carências que estão nela impedindo as realizações coletivas. A liberdade também é um movimento que depende da ação para adquirir significado. Livre não é apenas ter o direito de ir e vir, quando por trás há a redução da autonomia. Como poderia um pássaro solto ser livre se lhes cortaram as asas? Livre não é o cidadão que pode votar em um representante. Como poderia ser livre para escolher se os candidatos já vêm numerados e registrados? “Liberdade é espaço histórico que se desdobra e se realiza graças à atividade do corpo histórico, isto é a classe”. Liberdade é, portanto, a possibilidade de conduzir dois corpos: o individual e o coletivo, representado pela classe social.

            O sujeito da História é um sujeito sem medo, mas é também desvencilhado dos projetos limitados, das ilusões e imaginações fantasiosas, de que o capitalismo pode ser humanizado e o Estado garantidor da igualdade. Se assim pensamos, entendemos a liberdade como sendo o espaço interno das quatro paredes que nos abrigam. Sonhamos com o infinito, mas não saímos das prisões que construímos para justificarmos que as circunstâncias não são favoráveis. 

            Se a História universal não pode ser determinada, a particular pode, por meio das opções feitas. Se o pássaro engaiolado acredita que é livre para voar por todos os lados dentro da gaiola, acreditará ser aquele o tamanho da liberdade possível e jamais se preocupará em achar a porta de saída. Se acreditamos que as soluções estão na troca de governo, como o pássaro engaiolado, durante quatro anos não veremos nenhuma porta de saída.

            Somos nós os sujeitos que fazemos a História e a contamos depois de feita. São os outros que fazem a História e também a contam depois de feita. Essa é a questão: se um lado conta a História, impede que o outro lado a conte. Podemos por um tempo contar duas Histórias? Podemos, mas ela sempre dará razão àqueles que melhor se posicionam. Isto porque, a História é como o Mar, todos os rios, por maiores que sejam, ao tocarem  o oceano são subsumidos.

            Não é livre quem teme o golpe de Estado e, por isso, não age para impedir que ele venha. Não é o medo que impede que venha o temporal, mas se ele está vindo, ele virá. Cabe preparar-se para enfrentá-lo. Não é livre quem teme a ditadura e por isso se esgueira nas franjas da oligarquia, chamando-a de democracia. Enquanto assim se comporta, milhões de brasileiros e brasileiras que mendigam ajuda emergencial ou se deitam no piso das próprias salas para escaparem das balas homicidas, a ditadura já chegou.

            Com o problema filosófico “o que é a História”, respondido, o recado está dado: ou fazemos a História ou os outros a farão. Os que fazem, contam, os que não fazem são contados.   

                                                                                                                                                                                                                     Ademar Bogo

 

domingo, 21 de março de 2021

A VERDADE VOS DERROTARÁ

            Immanuel Kant, Karl Marx e Friedrich Engels, trataram do tema do cosmopolitismo de maneira diferenciada. O primeiro vinculou a explicação à vontade universal, os outros dois inseriram o conceito na perspectiva histórica e dialética compreendido na expansão do capital e do mercado capitalista.

            Kant desenvolveu a teoria dos “imperativos morais”. A sua intenção foi fazer com que a vontade humana fosse vista como um “dever” de alcance universal. Interessava a ele justificar a busca do “reino dos fins”, no qual, se cada um tomasse a humanidade existente no humano nunca como meio, chegaríamos à “paz eterna”. Para ele, a questão estava em fazer vir a termos uma humanidade dotada de razão e, por ser universal, guiar-se-ia pela autonomia da vontade como lei natural, sem contudo apontar para nenhum projeto.

            Marx e Engels também analisaram a questão universal, mas de olho no capitalismo. No Manifesto Comunista mostraram que “a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo, em todos os países, por meio da exploração do mercado mundial. E para o desespero dos reacionários, ela retirou da indústria a sua base nacional”. Portanto, Kant orientou-se pela vontade individual. “Age de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser um princípio de uma lei universal”. Marx e Engels materializaram a expansão pela vontade do mercado e do capital que impõem as próprias leis.O primeiro, quis dar vos ao agir voluntariosos do indivíduo, os dois outros denunciaram o agir perverso e criminoso do mercado e do capital. 

        Na atualidade, as vontades individuais e universais foram intensificadas, mas estão longe de estabelecerem uma racionalidade favorável à civilização. Do ponto de vista universal, o progresso prometido por aquilo que, no início do século vinte, veio a ser denominado de “imperialismo” e no final do mesmo século, converteu-se em “globalização”, foi por assim dizer, “um ato permanente de vontade” do capital internacional, para apossar-se das riquezas nacionais dos países dominados, mas, acima de tudo, foi uma obrigação imposta pelo mercado de levar o capital a todos os lugares da terra para salvar a própria estrutura capitalista. E a vontade individual? No caso brasileiro, teríamos, na visão de Kant, uma verdade abstrata e metafísica sendo imposta pelos slogans: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, e, do ponto de vista de projeto político nada de concreto apresenta.

            Por outro lado, há dois aspectos a serem considerados que representam as ideologias enganosas dos dizeres. O primeiro, é que a “autonomia da vontade” expressas pelas palavras, “Deus acima de todos”, não está na devoção dos governantes daqui, mas no poder imperialista que se coloca, de verdade, “acima de todos”; logo, a subordinação é ideológica concreta. O segundo aspecto, sem “autonomia da vontade” interna, por estar dominado pela vontade externa, o governo entregou-se ao “deus dará”, é a dominação ideológica abstrata. Não sabendo o que fazer posiciona-se na contramão da história, oferecendo como solução aos problemas humanitários, o “Estado de sítio”. Ou seja, enquanto os capitalistas, com “vontade de rapina” esfolam as riquezas naturais, situadas no quintal, o mandatário fica gritando da janela que imporá medidas totalitárias contra aqueles que disserem que ele “não vale um pequi ruído”. Dessa forma, Getúlio Vargas chamado de “Sancho Pança” e “Mãe dos pobres”, não teria implantado a indústria nacional. Juscelino Kubitschek, conhecido desde a infância por “Nonô” e a própria mãe o apelidou de “Meu fusca”, por ser identificado pelas iniciais de JK como a placa do carro, não teria feito Brasília, a capital do país. Lula, chamado de “Sapo barbudo”, não teria feito, na opinião dos analistas, o melhor governo da República e teria recorrido à Lei de Segurança Nacional para perseguir desafetos.

            A vontade metafísica governamental que, segundo os adeptos, elegeram um “mito” e não um presidente, vai do lado avesso. Ao invés de buscar soluções para os problemas concretos das mortes pelo coronavírus, da fome, desemprego e outros, pelo menos duas dezenas de problemas, fica procurando leis para enquadrar indivíduos que lhe tecem criticas, enquanto ocupa-se em liberar a compra de armas ao invés de investir na indústria, tecnologia, educação etc., iniciativas que de fato enfrentariam a decadência nacional e anulariam as criticas. Sua ocupação predileta é instigar os seguidores a boicotarem as medidas e orientações dos governadores e prefeitos; negar a gravidade da crise generalizada, ofender os países que poderiam auxiliar com repasse de vacina e, fazendo ameaças de que instalará um Estado de Sítio. Para que? para dominar quem? Para dar golpe em quem?

            Há, de fato, como disseram os filósofos, um “cosmopolitismo” da vontade do capital e do mercado, imobilizadores que não é em nada solidário. Em primeiro lugar pela expansão do capital, interessa às grandes corporações a exploração até o fim, mantendo a economia regulada pelo dólar. Em segundo lugar, do ponto de vista sanitário, a globalização da Pandemia, em nossas terras encontrou aliados negacionistas rompedores de todas as medidas protetivas, enquanto o mundo olha estupefato, com medo de que as novas cepas queiram também participar do cosmopolitismo da morte.

            A ignorância é uma doença que só pode ser curada com o conhecimento. Por isso clamamos, homens do governo, estudem! Estudem tudo e também a teoria social do materialismo histórico e verão que é melhor governar um povo de barriga cheia e feliz do que grandes contingentes de massas famintas e tristes. Busquem soluções que orgulhem os patriotas! Incluam no vocabulário cotidiano, para substituir as ofensas, palavras de otimismo, conforto e ânimo! A morte só traz perdas, tristeza, melancolia e depressão! Usem o Estado, enquanto puderem, a serviço da vida e deixem de ser inimigos de vós mesmos! Caso contrário: A verdade vos derrotará.

A visão desmantelada, sem nenhum projeto, alimentada apenas por um desejo totalitário, nos está conduzindo para longe até do que desejava Kant, “ao mundo dos fins” onde de fato reinaria a “paz eterna”. O “mundo dos fins” o qual estamos indo, não há Paz e nem respiração. Se o propósito necrotrófico era matar 30 mil pessoas, já ultrapassou a meta em dez vezes e chega à casa das 300 mil mortes, com uma tendência imperativa de multiplicar por dois e talvez por três este número, tornando-nos, possivelmente, nesta copa pandêmica mundial, os primeiros campeões do século vinte e um.

            A exploração capital e a pandemia tornaram-se as duas pragas insuportáveis da civilização: o primeiro mata de fome, o segundo de asfixia.  As respostas a eles deverão ser dadas em âmbito internacional. Temos portanto, duas uniões a serem feitas: a união de países, povos e governos para combater a Pandemia e a união de classe e das massas exploradas para enfrentarmos e superarmos o capitalismo. Se a verdade liberta, ela tarda mas não falta.

                                                                                                                       Ademar Bogo               


domingo, 14 de março de 2021

O APOCALIPSE

 

               Apocalipse, em grego quer dizer “revelação”. Portanto, pode ser lido este conceito com outro conteúdo que não seja aquele apenas do “juízo final”. Revelação que também nos remete a “tirar o véu”, desvelando aquilo que mal se compreende, tornando evidente algo que sempre nos pareceu misteriosamente reservado.

            O filósofo Nietzsche ao escrever o seu livro, “O anticristo”, para tecer criticas à religião indicou que, “as intuições mais preciosas são aquelas que se tem por último: as intuições mais preciosas são os métodos”. Podemos considerar que existe uma grande verdade nisso: se a última intuição é a mais preciosa e podemos transformá-la em um método de ação, significa que é possível chegar o fim da ingenuidade e da subserviência à perversidade.

            De outro modo temos de reconhecer que, entre o principio e o fim vigora a existência da História. Sobre isto, Marx e Engels já alertaram em “A Ideologia Alemã” de 1845, quando categorizaram a “libertação” como “um ato histórico e não um ato do pensamento, e é ocasionada por condições históricas...”

            Todas as gerações vivem os seus dilemas, as atuais, vivemos o dilema da morte. Esta nunca esteve tão próxima; basta sair de casa para contrairmos o vírus, voltarmos e assassinarmos as pessoas que mais amamos. Talvez seja também, a época “apocalíptica” que mais revela as verdades da dominação capitalista e, como para muitos não são as “últimas intuições”, elas não conseguem a transmutação para os métodos de ação em vista da superação das contradições.

            Não temos nenhum estudo reunido feito pela psicanálise que nos revele a estrutura da personalidade (neurótica, psicótica ou perversa) dos 37 presidentes da república já existidos no Brasil. O atual (38º) supera qualquer comparação pelo grau de perversidade que manifesta a cada dia. Move-se ele pelo “principio do prazer” constante, por isso age sem nenhum escrúpulo nem sentimento de culpa. Para ele valem os momentos de transgressão da ordem e do bom senso. Nesse sentido, se uma afirmação lhe é prazerosa pela manhã, mas à tarde do mesmo dia deixou de ser, muda e expressa o seu contrário. Vive a criar suspense e a ofender, desprezar, humilhar e zombar das pessoas, mesmo que estas estejam enlutadas. Diz o que lhe causa satisfação, mente e desmente a própria mentira.

            Poderíamos empregar mais tempo descrevendo as atitudes perversas e intoleráveis em uma autoridade, mas não entenderíamos as razões da perversidade arraigadas na política e, nem tampouco conseguiríamos ter “as últimas intuições” como inspirações para a formulação de um método ou estratégia de superação.

            A pergunta inicial a ser respondida é, por que o perverso na política tem um número espantoso de seguidores? No caso brasileiro, com quase 280 mil mortos vítimas da Covid-19, sendo o principal culpado, o presidente da república, um zombeteiro, desleixado, ignorante à ciência, que propositalmente não articulou a compra de vacinas, nas pesquisas de opinião sustenta-se com 30% da aprovação?   

            Não podemos negar que há em todo ser social, potencialidades para a perversão. Para a maioria das pessoas ela chega ao nível da inveja, da competição, do desejo que o outro vá mal, na difamação caluniosa, na ofensa verbal, no desprezo cotidiano etc. Para outros, manifesta-se em um nível mais elevado, expresso pelo racismo, feminicídio, homofobia, homicídio e outras manifestações materializadas ainda no nível dos ataques individuais. O terceiro e mais elevado nível, aloja-se na pratica política e manifesta-se contra as multidões, impedindo o acesso aos direitos, negando proteção, indo até o genocídio, que também se estende contra as outras espécies, tornando-se, biocídio e  ecocídio gerando em seus adeptos a sensação de prazer. No entanto, a revelação para entendermos a perversidade presidencial e a de seus defensores não a encontraremos em suas atitudes, devemos buscar as respostas nas causas estruturais da sociedade capitalista.

            Todo ser humano é um ser social. A sua formação é social como também a sua educação e profissionalização. Há, portanto, uma estrutura social, em nosso caso, capitalista, que sustenta a estrutura comportamental. Aprendemos a pensar com as informações e os temas que a sociedade nos apresenta. Internalizamos preconceitos, convicções machistas, e critérios racistas no convívio familiar e nos grupos sociais. Nesse sentido, olhando de baixo para cima, o que é o modo de produção capitalista senão um complexo estruturado, reprodutor de perversões que a uns pouco dá prazer, e a uma grande maioria reserva-lhes o sofrimento?

            O que é a perversão social, senão ver no final do mês, o assalariado que tudo produziu em uma fábrica construída com subsídios públicos, voltar para casa, em direção à periferia, embarcado em um ônibus lotado, enquanto o pretenso proprietário faz outro trajeto de helicóptero? Mas isto não é tudo. Por que o empregado aceita tal condição e o patrão não é preso por concentrar a riqueza extraída do trabalho alheio? Pelo simples fato que a perversidade humana, para garantir a exploração empresarial, foi expressa nas leis e foi a perversidade jurídica que sustentou três séculos de trabalho escravo no Brasil. Com ela, travestida de “interesses”, cerceou-se a liberdade dos mais pobres ao acesso à terra; o acesso à educação de qualidade às massas empobrecidas e tantos outras formas de aniquilamento da dignidade humana.

            Então chegamos ao ponto critico: se estranhamos a perversidade do presidente da república, por que não estranhamos a crueldade do capital e, principalmente a perversidade do Estado que age cotidianamente para garantir a ordem perversa que a pequena-burguesia eleitoreira chama de “democrática”? Ao contrário, as forças políticas de “esquerda” que deveriam cultivar a critica contra a base estrutural do capitalismo, que faz penar a maioria da população, enquanto a minoria usufrui o prazer de dominar, pensa e prepara-se para adentrar nas estruturas perversas para “fazer justiça”.

Voltemos primeiramente a Marx e Engels (1845) quando, após dizerem que a expressão dos limites econômicos existentes não é apenas puramente teórica, mas também existe na consciência prática, “daí se segue que todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto etc. etc., não são mais do que formas ilusórias...” Portanto, as ilusões corroem as intuições e, por essa razão restringem-se os métodos e as frentes de combate. Mas podemos ir mais longe, e recorrermos a Aristóteles que já, no seu tempo percebera da mesma maneira que podemos ter três tipos de governo: de um, de um grupo e de muitos, mas que no final esse terceiro tipo se transmuta para um grupo oligárquico, impossibilitando qualquer tentativa de se ter um governo popular.

            Pensar em combater a perversidade do perverso com uma simples disputa eleitoral que ainda está por vir, no distante 2022, em vista de tirá-lo da cadeira para alguém sentar em seu lugar, é sim uma ilusão, quando na verdade a perversidade surge e se sustenta pela estrutura social, capitalista e estatal, mantendo como devotos 30% da população mais abastada ou alienada por ela que a vitória eleitoral não desmancha.

            Lembremos que na Antiga Roma, na metade do século primeiro, os cristãos eram presos e levados às arenas e coliseus para serem, em grupos, comidos por leões, enquanto nas arquibancadas compraziam-se, o imperador e os seus acompanhantes. De lá para cá nada mudou, apenas os leões foram substituídos pelas milícias e forças policiais, que matam jovens negros nas periferias das cidades, enquanto os alienados festejam. Por sua vez, a tentativa de armar os 30% da população alucinada é a última forma de expressão do perverso que sonha ver um dia as populações e inimigos políticos, inteiramente dizimados. Nesse sentido, combater o perverso e não a estrutura do capital e estatal que o sustenta, é o mesmo que atacar o leão dentro do Coliseu, enquanto o imperador protegido se diverte olhando do alto.

            Não nos enganemos senhores e senhoras, a perversidade não é só uma estrutura na personalidade, ela é um sistema estruturado que o perverso dela se utiliza para realizar os seus prazeres. E, não estranhemos, que por prazer e não por necessidade institucional, o perverso,  poderá oficializar o golpe de Estado para impedir a realização das eleições de 2022. Por enquanto diverte-se com ameaças, enquanto as forças contrárias se deleitam com o “Lula livre”, esquecendo-se de tudo, inclusive que seis votos no Supremo Tribunal Federal pode fazer valer a perversidade jurídica, e anular a decisão anterior. 

            Apocalipse, portanto, não deve ser visto como fim de tudo, mas como revelação daquilo que ainda está por vir. E, se tiver que ser o fim, que seja das estruturas que sustentam as perversidades. Desmascará-las e não elogiá-las é a intuição correta. O método exige uma finalidade maior do que esta bandeira eleitoral sustentada no frágil mastro da legalidade. A caneta que absolve é a mesma que condena. Entre uma opção e outra passa o afiado fio da navalha que pode cortar um pouco e de vez em quando do lado direito, na maioria das vezes corta mesmo do lado esquerdo.

            Que a maioria dos mortos na Pandemia, pressione nossas cabeças para que pensemos corretamente e entendamos que, a democracia ora reinvindicada pela esquerda, é música para os ouvidos da direita e, nesse ritmo ela continuará servindo para que os leões continuem devorando os escravos para garantir o prazer diário dos perversos.

                                                                       Ademar Bogo   

      

domingo, 7 de março de 2021

O PARTICULAR E O UNIVERSAL

            Quando refletimos sobre o particular e o universal, imaginamos existir uma distância e, mais ainda, um total descomprometimento entre eles. Esse pensar desassociado de certo nos vem do princípio, de pensarmos ser o cidadão responsável pela sua propriedade privada, as demais responsabilidades públicas ficam a cargo das autoridades.

            O filósofo húngaro György Lukcás nos ajuda a pensar sobre este assunto no sentido que, “o singular não existe mais que na conexão que leva ao geral. O geral não existe mais que no singular, pelo singular. Todo indivíduo é geral (de um modo ou de outro). Todo geral constitui uma partícula ou um aspecto ou a essência do singular.” Nesse sentido, pensar em separar um do outro é levar os juízos a cometerem um desvio “tautológico”, retirando a importância do predicado do sujeito, principalmente quando expressa que, o “particular é particular” e “universal é universal”.

            Desde a antiguidade o “Cosmos” e a “Phisis” estiveram interligados pela relação entre os corpos e espíritos. O universo não é uma ilusão expressa pela opinião particular. É a redução da capacidade de pensar e a mesquinhez individual que reduziram o mundo ao alcance do privado. O particular sem o universal perde a essência e fica irreconhecível. Somos e sabemos quem somos quando nos comparamos.

            Por outro lado, se levarmos as tautologias para a argumentação filosófica, veremos que, embora os predicados sejam idênticos ao sujeito, os juízos expressam de forma concreta, algo a mais. Acrescentam, pelos significados encadeados, o prolongamento do entendimento e a qualificação do senso critico. Se não vejamos: quando ouvimos a expressão: “Brasileiro é brasileiro”, inicialmente pensamos uma repetição desnecessária do sujeito; no entanto, os juízos tautológicos nos conduzem a perceber o dito e o não dito.

            Ao dizemos: “Brasileiro é brasileiro”, podemos entender a primeira parte da expressão, tratar-se do “brasileiro” cidadão. A importância maior, porém, está no significado do segundo “brasileiro”. Ele significa o predicado da oração que dá qualidade ao sujeito. O predicado, portanto, nos mostra juízos positivos e negativos. Podemos considerar presente na intenção do “brasileiro” predicado e não sujeito, as características do “homem cordial”, alegre, afetuoso, bem relacionado, festeiro, esperto etc. Por outro lado, o juízo pode nos levar a pensar no “brasileiro” ingênuo, acomodado, tolerante, descuidado e assim por diante. Logo, “Brasileiro e brasileiro” não é uma repetição, mas uma significação.

            Essas expressões são correntes nas falas cotidianas, surgidas às vezes como elogios: “craque é craque”; como superação” “mãe é mãe”; como heroísmo: “soldado é soldado”; como dedicação: “professor é professor”; sempre ditos no sentido da valorização. Outras vezes apelamos para a critica ligeira, por meio de expressões de aceitação como: “bandido é bandido”; “policia é polícia”; “banqueiro é banqueiro”.

            Isso posto, é importante compreender os predicados. Eles são responsáveis pela revelação das características dos sujeitos. Precisam ser considerados como parte da reação política. Ajudam-nos a combater o comodismo. Alertam-nos para procedermos a a discordância com as atitudes e expressões de desprezo legitimadoras da ordem da perversidade, sustentáculo da ineficiência da prática política, resumida na tautologia de “Morrer tem que morrer”, como se fosse uma verdade universal sem culpabilidade particular.

            Sigmund Freud ao tratar da “Dissecação da personalidade psíquica”, em 1923, fez justamente essa associação do particular com o universal ao comparar os “territórios estrangeiros” internos e externos ao ego, dizendo que, “Os sintomas são derivados do reprimido, são, por assim dizer, seus representantes perante o ego; mas o reprimido é território estrangeiro para o ego – território interno – assim como a realidade....é território estrangeiro externo”.

            O entendimento de Freud é que, temos um território interno estrangeiro ao ego (eu) que se localiza no inconsciente, onde estão retidos os traumas, as reprimendas e as outras neuroses e, existe um outro território, também  estrangeiro, ao ego, que é a realidade externa. Vemos, portanto, que também pela Psicanálise o particular e o universal estão interligados.

Nesse sentido, ao voltarmos ao juízo tautológico, percebemos que a expressão “governo é governo” não significa independência e, a soberania nacional quando atinge a esfera da perversidade, como o inconsciente no humano deve ser deve ser contida pelas forças conscientes com a ajuda das forças internas e externas.

            Do modo, a compreensão de que, “presidente é presidente”, não pode significar a autorização para uma conduta sem limites. “Presidente é presidente” deve significar um verdadeiro líder e não como um genocida, exterminador das florestas e do patrimônio publico.

            Diante das expressões tautológicas incivilizadas, nos dizendo que: “perverso é perverso”; “corrupto é corrupto”; milícia é milícia”; “insanidade é insanidade”, “desleixo é desleixo” e, “incompetência é incompetência”, consideramos ser de fundamental importância observar essa realidade, para que ela nos motive a reagirmos  no território interno, em busca do apoio e a participação da ordem externa. É hora dos países importadores de produtos produzidos na Amazônia, deixarem de fazê-lo. Todos os esforços devem ser combinados para que o particular (Brasil) não venha a ser um, mal universal.

Por outro lado, um povo não pode ser refém do próprio medo. O medo que o Congresso Nacional tem das forças armadas, evita de abrir o processo de impedimento do presidente; o medo que o Supremo Tribunal Federal tem das forças armadas, impede de declara os desmandos de Sérgio Moro como suspeitos. O medo que os partidos de esquerda têm das forças armadas, contém as iniciativas de irem além do processo eleitoral e, tantos outros medos estão presentes nas universidades, nos movimentos populares e sindicais, nas fileiras estudantis e intelectuais de que as mesmas forças armadas possam dar um “golpe de Estado”. O que falta ainda para que seja declarado o governo brasileiro como governo do tipo militar? O silogismo lógico nos diz que, quanto mais demoram a legitimar a forma de governo totalitária, mais se prolonga agonia da insípida democracia e, quanto mais se retarda a reação popular interna e da comunidade internacional, mais se prolonga a agonia das massas deserdadas.

            Baseados em que podemos fazer esta afirmação. As tendências mostram que a pandemia no Brasil não será controlada facilmente a Curto e a médio prazo, e, chegar a meio milhão de mortos é uma questão de seis meses de tempo futuro.  O atraso proposital da vacinação que teve como causa o negacionismo inicial de ser “uma gripezinha”, induziu a não fazer contrato com os laboratórios e, por isso o Brasil foi colocado nos últimos lugares da fila de espera. Isto fará com que, o território nacional,  particular venha a se tornar um verdadeiro canteiro de recriação das variantes do vírus que, pela resistência, colocará em risco a própria eficácia da vacina tão esperada.

Para o mundo, a “tautologia” afetiva histórica de que “Brasil é Brasil”, que exporta alegria, carnaval e futebol, passará ser o Brasil da exportação de vírus fortalecido na contaminação do agrotóxico do agronegócio; na fumaça do fogo dos incêndios das florestas e no negacionismo, de uma parcela da população que, em nome do “mito” contesta a  ciência e as orientações dos cientistas e sanitaristas.

            É tempo de inverter a tautologia negativa de que “brasileiro é brasileiro” e “brasileira é brasileira”, no sentido de que aceita tudo ou teme o poder da repressão. É a hora do Brasil contribuir com a humanidade, não como sempre fez sendo celeiro alimentício; fornecedor de matérias primas minerais e, alegria contagiante, mas como preservador da vida e da saúde da humanidade, combatendo as forças que alimentam a recriação do coronavírus.

            Desse modo, se o particular é o país, o universal é o mundo; se o particular é a comunidade interna o universal é a comunidade externa; se o particular é o negacionismo, o universal é a ciência; se o particular são as forças armadas, o universal é o povo. É este povo que precisa salvar e salvar-se. Vamos à luta.

                                                                                                                     Ademar Bogo