domingo, 24 de fevereiro de 2019

ATOS DE FALA


                   
            O filósofo Alemão Jürgen Habermas, estudioso que trata dos “atos de fala”, diz que eles podem ser distinguidos por duas características básicas: aqueles que se interpretam a si mesmos ao serem expressos pela fala, e aqueles que só podem ser interpretados pelo recurso do entendimento humano da ideia que habita o interior de tais atos.
            O ato de falar se constitui em ato de fazer, principalmente quando ordena ou indica para uma ação. Dizer é fazer disse o britânico John Austin, exemplificando com situações muito práticas: quando digo diante do juiz ou no altar que “aceito”, não estou relatando um casamento, mas, estou me casando.
            É evidente que certos atos de fala trazem a interpretação em si mesmos enquanto outros precisam estar relacionados a um contexto, isto porque, se digo: “aceito” diante de um professor, de um médico ou de um carpinteiro, esse ato de fala não tem o poder da realização matrimonial. No entanto, há outros atos de fala que esperam propositadamente que se forme o contexto para então serem validados.
            Na campanha eleitoral de 2018 para presidente da república, os atos de fala homofóbicos, serviam como ordens para matar, e funcionaram, em certas ocasiões, semelhantemente ao “aceito” do ato matrimonial. Quando isso ocorreu, facilmente podíamos perceber que a violência contra LGBTs, índios,  jovens, mulheres etc. poderiam ser violentadas e abatidas livremente e a simbologia era a promessa da liberação da posse de armas.
            Por outro lado, há atos que esperam pela formação do contexto adequado para que as palavras e as ações se combinem. Há muitíssimos exemplos para ilustrar essa situação em vista dos discursos. Como ilustração citaremos dois atos: um brasileiro e outro muito próximo de ser.
            O primeiro ato se refere ao Ministro da Justiça que enviou, no início do mês de fevereiro de 2019, para o Congresso Nacional brasileiro um “pacote anticrime”; com um projeto de lei do qual consta o “excludente de ilicitude”, ou seja, se um policial matar um indivíduo e justificar, “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” não será punido. O que seria cada uma dessas justificativas que alegam o medo, a surpresa ou uma forte emoção em separado ou todas juntas?
            Uma “forte emoção” pode ser o disparo de um tiro pela arma de fogo que o policial carrega consigo ou uma sequência de disparos. A “surpresa” pode ser, de repente, o indivíduo escondido vir a tornar-se um alvo visível e, por “medo” que este indivíduo esboce alguma reação, o policial disparar contra ele. Quem conseguirá medir o teor de tal emoção, medo ou sensação de surpresa, na subjetividade de cada policial?
            O projeto de lei, portanto, realiza aquilo que o ato de fala da campanha eleitoral, vinha contextualizando pela expressão da frase: “Bandido bom é bandido morto”; mas que ainda não podia ser realizado por falta de autorização jurídica. Os preparativos foram sendo intensificados até que, por intermédio da aprovação da lei, provavelmente se estenderá também para o cidadão comum, com a posse e o porte de arma, o “direito” de matar uma pessoa e alegar “excludente de ilicitude”:"Eu estava muito emocionado e com medo e atirei".
            O segundo caso trata da “ajuda humanitária” na Venezuela inventada pelo governo dos Estados Unidos, mas que envolve o Brasil e a Colômbia como serviçais do império. Trata-se também de uma ação antes preparada no contesto de “criar a crise humanitária” para depois forjar uma ação de intervenção.
            As atitudes dos governos do Império do Norte das Américas, se desmentem por serem muito previsíveis; no entanto, cuidadosamente preparadas. Se tomarmos as mais expressivas intervenções dos Estados Unidos no formato de guerras contra os povos, iniciamos pela armação orquestrada contra Saddan Hussein e as mentirosas armas químicas por ele produzidas, bem como o “desrespeito aos direitos humanos”, que levaram à guerra, deposição e enforcamento do presidente daquele país.
Em 2011, foi a vez da Líbia. Com uma estratégia divisionista da população, semelhantemente ao que ocorre na atualidade na Venezuela, o país governado por Kadafi, foi cercado, bombardeado e, enquanto a população guerreava entre si, forças especiais iam em busca da captura e o assassinato do presidente do país.
            De forma menos violenta, os Estados Unidos intervieram em Honduras  em 2009 e, sob a acusação de “desobediência à Constituição” o presidente Manuel Zelaia foi deposto e depois impedido de concorrer às novas eleições. No Paraguai, acusado de improbidade administrativa, Fernando Lugo foi deposto em uma rápida votação no Congresso Nacional, em 2012. E, no Brasil, com um período de mobilizações claramente direcionadas contra a presidente Dilma, acusada de “pedaladas fiscais” foi deposta pelo Congresso Nacional em 2016.
            O que ocorre atualmente na Venezuela é a expressão mais vergonhosa do Império que, voltado para os interesses econômicos, insurge-se contra o governo de Maduro para apossar-se das grandes reservas de petróleo ali existentes. Para preparar o contesto da intervenção e o assalto ao petróleo, começou pelas sanções econômicas que levaram a criar a “crise humanitária” e, agora, com uma bravata simbolizada por um montante de alimentos e remédios, que não chega a encher 30 caminhões, disfarça a agressão de “ajuda humanitária” e força a entrada e o ataque militar ao país.
            O Brasil como produtor de petróleo, ao participar dessa campanha intervencionista, revela que, o petróleo brasileiro já está todo ele entregue às empresas do império, por isso colabora como escravo, para que o mesmo senhor escravize o país vizinho.
            Esses atos nos mostram que o imperialismo está mais vivo do que nunca e que ele somente será enfrentado se houver a disposição política internacional. Todas as reformas propostas e que estão em pauta no Congresso Nacional, fazem parte o receituário do capital internacional que comanda as palavras expressas pelos ministros e fantoches das repúblicas.
            As investidas do Imperialismo dos Estados Unidos da América, revela a profunda crise que vive o capitalismo e que a busca de sustentação dar-se-á por todas as vias. Aos trabalhadores e explorados só resta a via da resistência e da luta pela superação do capitalismo. Este modo de produção, nada tem a dar aos explorados; para eles os atos de fala continua sendo o mesmo que no passado animou as multidões: Pátria livre! Venceremos!

                                                                                                Ademar Bogo

                       

domingo, 17 de fevereiro de 2019

A NUDEZ DA ESTUPIDEZ


                   
            O filósofo Nietzsche disse uma vez que, “o homem nu é um vergonhoso espetáculo” e, com suas alfinetadas criativas, imaginou uma situação em que, se os mais alegres viventes, por meio de um toque de mágica se vissem de repente desnudados, com certeza o bom humor sumiria de uma só vez.
            Para esse filósofo, sempre temos boas razões para escondermos os nossos atos. Justificamos os mesmos com as ideias do dever, do espírito critico da honorabilidade etc. Nesse sentido, sendo “o homem um animal que venera”, a moral não surgiu para mascarar “a “perigosa besta selvagem que está em nós”, pelo contrário, é justamente em nossa condição de “animais domésticos” que oferecemos espetáculos vergonhosos e, por isso, precisamos do disfarce moral. Portanto, não é o animal feroz que tem a necessidade do disfarce moral, mas, o animal de rebanho, com a sua mediocridade profunda, o medo e o aborrecimento que causa a si próprio.
            Esse raciocínio filosófico é de fácil conclusão. O animal selvagem anda nu porque nada tem a esconder; o homem, por sua vez, anda vestido porque tem muito a esconder e, para justificar as vergonhas prováveis que surgem pela prática de atos civilizados, a moral e também as leis, aparecem como forças salvadoras dos mitos do poder doméstico, escondendo as partes pudicas desnudadas em si, enquanto rasgam os restos das roupas daqueles que não se envergonham dos atos praticados, mas que a moral quer jogá-los na imoralidade e as leis no mundo da ilegalidade e da criminalidade.
            Estava evidente no comportamento dos “animais domésticos” que se colocaram como salvadores da moral nacional e dos bons costumes nas escolas, na campanha eleitoral de 2018. Escondiam sob as roupas, mais do que as partes pudicas. Bastaram umas poucas semanas de governo para que o vento da vergonha levantasse as roupas e derrubasse das laranjeiras uma quantidade razoável de laranjas completamente podres.
              Está agora na evidência, para toda a população, que aquela euforia era o ensaio de um grande espetáculo vergonhoso. Por isso, desde as crianças de berço aos mais idosos, todos podemos sair às ruas para gritar que, “o rei está nu”. A vergonha da corrupção, moralmente escondida, já estava entranhada na pele daqueles que vinham para combatê-la, certamente pensavam que o fariam com as armas do crime organizado. A vergonha do déficit de aprendizado, cobririam com a perseguição aos educadores, aos reitores das universidades e com a transferência da responsabilidade do Estado para as famílias que queiram fazer da própria casa uma escola. A vergonha da violência e do crime organizado tentariam cobrir com um pano carcomido oferecido pela senhora caridosa chamada “Taurus” e, a vergonha da negação dos direitos humanos e o excesso de presos em cada cela nas penitenciárias do Brasil, esconderiam transportando de avião, a cada 15 dias, os chefes das quadrilhas de um Estado para outro.
            Com tamanha nudez política, as perspectivas não são boas. Para a militância séria e comprometida com os direitos em seus diversos sentidos, a conjuntura atual é um bom material de estudo sobre a teoria da organização e, fundamentalmente, serve para discutir o porque da necessidade de se ter um partido político que concentre em si a consciência da parte mais ativa e organizada da sociedade.
            O que fizeram os arautos da moral manipulada para esconder as vergonhas, foi desmantelar a ideia da organização partidária e, em seu lugar colocaram “o mito”. Sabemos que um mito é uma criação fantasiosa colocada como verdade no lugar que somente cabe uma resposta mentirosa. Isso dura o tempo do surgimento do esclarecimento, quando este chega, os mitos se dissolvem como bonecos de areia.
            As forças de direita que na década de 1980 acharam a solução para encerrar as ditaduras militares, cederam à saída “democrática” com eleições controladas pelo poder judiciário. Sustentaram essa solução até o momento em que perceberam que os seus próprios partidos políticos haviam perdido o vigor das disputas e retomaram as ofensivas por meio de golpes institucionais, com a garantia e a tutela das forças armadas que, nas sombras, se não houvesse luz, governariam nas trevas.
            As disputas e vitória eleitoral, fundamentadas “na luz” das mentiras elevaram o grau de perseguição das forças de esquerda que foram despidas em praça pública em nome da moral, não foi conduzida por um partido político e, por isso, no momento de constituir o governo, a grande maioria dos indivíduos que foram nomeados, não possuem experiência, formação e disciplina partidária. O que se tentou fazer foi colocar os quadros militares ocupando o lugar dos quadros políticos, tornando as forças armadas o mais novo partido político, sem base social orgânica.
            Este “fenômeno” político brasileiro, na medida em que os ministros civis vão se desmoralizando, ou mais propriamente, vão se desnudando por meio de um fato vergonhoso por semana, para os militares sobrarão duas saídas para garantirem a governabilidade: ou se desfazem do presidente que se tornou uma peça de risco na locomotiva do poder e se aliam à população implementando um governo defensor de direitos sociais, ou se afastam da população, abraçam e aprofundam a via do totalitarismo.
Do lado oposto, para as forças políticas e sociais resta a saída de tornarem-se novos vendavais para despir os que estão imoralmente vestidos e insistem em pregar os princípios que ofendem a ética e a cultura brasileira chamando-nos de canibais e ladrões.
                                                                                  Ademar Bogo
           
             

domingo, 10 de fevereiro de 2019

A VOLTA DO UTILITARISMO



            O filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832), por contestar profundamente os “direitos naturais”, fundou uma doutrina conhecida como “utilitarista”, assegurando-a nas leis e na moral. Com o intuito de maximizar a felicidade empenhou-se em formular soluções para garantir a supremacia do prazer sobre a dor, em qualquer aspecto da convivência social.
            Para o filósofo, o conceito do que é certo ou errado nos é dado pelos sentimentos de prazer e dor. São eles quem nos governam e é evidente que gostamos mais de um e menos do outro. Acontece que, como somos governados também por autoridades, a maximização da felicidade depende das decisões que elas tomam.
            O ponto de partida do raciocínio desse pensador, para alcançar a felicidade, afirmou-se sobre a pergunta: “Somando todos os benefícios dessa diretriz e subtraindo todos os custos, ela produzirá mais felicidade do que outra qualquer decisão?”
             Para fazer a população acreditar na justeza da sua descoberta, tomou como exemplo a teoria da alavanca de Arquimedes, que havia expressado na Antiga Grécia, após terem transportado os barcos do estaleiro para o oceano: “Se me derem um ponto de apoio eu moverei a terra”; Bentham, também perguntou, se “era possível um homem mover a terra?” Após responder que “sim”, acrescentou: “Mas antes precisa encontrar outra terra como apoio”. Nesse sentido adaptou: no lugar da terra pôs os problemas sociais e, para alcançar a máxima felicidade, o ponto de apoio para movê-los colocou “o princípio da utilidade”.
            Bentham formulou vários projetos com o objetivo de tornar as leis mais duras e eficientes e denominou um deles de “Panopticon”, que significa, em português, “ver sem ser visto”. Na verdade, consistiu na construção de uma torre central em cada presídio, para supervisionar os detentos sem que eles percebessem. Cada torre foi apropriada por um empresário que passou a gerenciá-la para obter lucro com o trabalho dos presos.
            Fora dos presídios, o filósofo, em nome da felicidade máxima, voltou-se para os pobres e mendigos. O seu plano foi o de reduzir ao máximo a quantidade dos mesmos por meio do impedimento da convivência social. O entendimento era que, a presença de pobres e mendigos nas ruas reduzia a felicidade dos transeuntes, porque, o contato com eles produzia um sentimento de dor e repugnância. Sendo assim, propôs a remoção de todos colocando-os em um lugar de confinamento vigiados pelo sistema do panopticon.
            O autor de tamanha crueldade justificava as suas propostas observando o lado dos pobres também. Interrogava-se se os pobres e mendigos não seriam também felizes com o próprio modo de vida? Achava que sim, mas, por outro lado, eles faziam outras pessoas infelizes, porque se sentiam mal ao vê-los. Sendo assim, qualquer cidadão “incomodado” com um pobre na rua, poderia prendê-lo e levá-lo ao “abrigo”que receberia uma contribuição de 20 xelins do Estado pelo serviço prestado.
            De certo que não precisamos dizer mais nada para vincular essa teoria legalista e moralizante aos dias de hoje. No entanto, por exigência da conclusão deste raciocínio faremos algumas relações.
            Iniciamos pela “teoria da alavanca”. Desde o governo passado ouvimos falar que, no poder executivo estão procurando “um ponto de apoio” para mover a montanha do déficit público e fixam os olhos na previdência social. Para eles, ali está o ponto de apoio que leva à felicidade de todos. Fazem as contas, somam todos os benefícios para os mais ricos, políticos e militares e subtraem os custos com os mais pobres, uns ficam com o prazer enquanto que a maioria da população fica com a dor. Isto ocorreu também na Antiga Roma nos três primeiros séculos de nossa era, quanto os cristãos presos eram devorados pelos leões. A nobreza nas arquibancadas do Coliseu se divertia e alcançava o máximo de prazer.
            Por outro lado, veja que há o outro argumento de Bentham que, exigia para mover a terra, de “outra terra” como ponto de apoio. A outra terra hoje pode ser o planeta Marte. Ele se apresenta como as arquibancadas do Coliseu de onde aqueles que preparam para si o máximo do prazer, assistirão o extermínio dos pobres nesta terra de dor em que vivemos. É por esta razão que liberam a devastação das florestas, a poluição e contaminação do ambiente, causando o crescimento da desertificação, o aumento da fome, da miséria e da violência. Ou seja, não falam em dívida pública, em privilégios de políticos, juízes, militares, banqueiros, capitalistas em geral. É claro que estes já alcançaram a felicidade é preciso eliminar aqueles que sentem dor para não causar-lhes mal-estar.
            Para defenderem a maximização da felicidade para a minoria do planeta, utilizam um discurso moralista e aprovam leis que substituem outras leis e criminalizam inocentes ou estudiosos que defendem o contrário, dizendo que o aquecimento global “é invenção dos marxistas”.
            Entremos no aspecto da aprovação de leis mais rígidas e a vigilância "panóptica" por meio da tecnologia e o direcionamento das investigações. O espectro dos preceitos morais servem de fundamento para a formulação das leis, supostamente feitas para todos. No entanto, elas visam abarrotar os presídios que logo se tornarão empresas de produção capitalista, com a força de trabalho escrava, sem previdência, férias,décimo terceiro etc.
            Não esqueçamos também que a terra toda já imita os presídios com vigilância "panóptica". Por meio de satélites e tecnologias avançadas, nos veem sem que possamos vê-los. Sabem o que compramos, quanto ganhamos, quanto gastamos, que operação financeiras fazemos, com quem falamos e o que dizemos.
            Agrava ainda mais a situação dos pobres, com a aprovação de leis, como esta que visa assegurar a felicidade por meio da liberação da posse de armas e, a possibilidade do uso do argumento da “legitima defesa” para os policiais que matam. Essa prerrogativa vem de encontro ao slogam da campanha eleitoral passada, quando acentuava que, “Bandido bom é bandido morto”. Se, vivo, nenhum bandido é bom, depois de morto já é tarde para dizer que entre eles foram mortos inocentes. De certo modo ainda falta um passo para que o “utilitarismo” de hoje se iguale ao de ontem, que é o pagamento pelas prisões e assassinatos com R$ 20,00 por unidade. Já alcançamos o grau da “delação premiada”, cujo pagamento é a redução da pena e a recompensa para quem denunciar indivíduos foragidos. Falta muito pouco para, em nome da felicidade e do maior prazer, os “bons” eliminem com dor os que são malvisto,s pois, a disseminação das armas apontam para isto.
            Também, enquanto não exterminam imediatamente, querem reduzir os riscos do contato com os pobres, negros e índios, nos shoppings, universidades, aviões, elevadores etc. Para a minoria de viventes, enquanto não se mudam para Marte, isto causa repugnância e diminui o teor da felicidade que pretendem sentir. Então, o governo contribui com o convencimento de que “a universidade não é para todos” e que, “a formação técnica é suficiente para os pobres”. Por essa razão, a própria família pode fazer de sua casa uma escola.
É claro que, para aqueles que pretendem maximizar a felicidade, haverá universidade com laboratórios sofisticados e a presença das empresas que usarão do Estado para preparar os seus profissionais. Para estes, a educação em casa é prejuízo, porque, certamente se dão conta que o pai e a mãe, quando sabem bem matemática, não dominam totalmente, português, química, física, filosofia, história etc. Podem nos dizer que os pais poderão estudar e aprender para ensinar. Poderão, mas terão que inventar um dia com o dobro de horas, porque as de então já estão comprometidas.
            Por essa exposição compreendemos que eles “não são fascistas” como foram classificados. Eles são mais perversos. São utilitaristas que vincularam as leis à moral, em vista de possibilitarem, em tempos de profunda crise do capitalismo, o máximo de prazer para a minoria enquanto jogam à própria sorte as grandes maiorias.
            O princípio dialético nos mostra que, para cada ação há uma ou mais reações, nem sempre a nosso favor. No entanto, como os ingleses que iam buscar o sal na índia, e lá encontraram Ghandy e seu povo resistindo em nome da independência, por mais que os admiradores do planeta Marte, busquem a felicidade lá, terão que vir buscar o seu “sal de cozinha” aqui. E, aqui, apesar da dor, os que permanecerão saberão maximizar o prazer.  
     Os capitalistas e aqueles que os defendem não suportam viver sem privilégios.Com o agravamento da crise econômica mundial, para garantirem tais privilégios os capitalistas precisam de três coisas: exaurir a natureza, assaltar os direitos dos pobres e fazer guerras para abrir novos mercados. As reformas que prometem é para assegurar a própria felicidade por meio da dor da maioria da população.
      "Só o povo salva o povo"; para tanto terá de organizar-se para salvar-se. 

                                                                                                                               Ademar Bogo   
                                                                         

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

TRAGÉDIAS E PURGAÇÕES



            O filósofo Aristóteles definiu a tragédia como sendo a imitação de uma ação importante de grande extensão e que pode ser representada por atores que motivam o sentimento de compaixão e de terror, tendo como efeito, sobre os que assistem a purgação das culpas. Ou seja, a tragédia é um recurso pedagógico para fazer refletir sobre as culpas e os dilemas sociais e humanos.
            Assistir uma apresentação sob a forma de tragédia, em primeiro lugar, tem-se contato com o dilema humanitário e, em segundo lugar, o contato permite reconhecer as culpas e os culpados.
            A diferença entre as tragédias antigas e as atuais é que, as primeiras referenciavam-se nos comportamentos políticos e morais, como é o caso da tragédia em que envolveu Antígona em 406 a.C. As de hoje envolvem sujeitos sociais em grandes quantidades, nações imperiais e detentores do capital.
            Antígona era filha de Édipo (aquele que matou o pai e casou com a mãe tendo com ela 4 filhos, dois homens e duas mulheres). Na ocasião o rei Creonte havia publicado uma lei, impondo que, quem empreendesse qualquer ação contra a cidade, morrendo, não poderia ser sepultado dignamente. O irmão de Antígona teve este triste fim e, ela, noiva do filho do rei decidiu ir e enterrá-lo. Foi por isso perseguida, presa e condenada a morrer trancada numa tumba. O noivo interferiu, mas o rei não se convenceu. O rapaz envergonhado suicidou-se e levou ao suicídio também a sua mãe.
            Por ser uma peça lendária, os figurantes em cena imitavam o mito elaborado, nesse episódio por Sófocles. Na atualidade, as próprias tragédias imitam a si mesmas e, entre si se representam. Como se encenassem os acontecimentos em sequência, tendo o agravante de o último (como o de Brumadinho, no palco da mineração brasileira), ser ainda mais grave que os primeiros.
             As tragédias da mineração brasileira iniciaram ainda no século XVII, com as conhecidas “Entradas e Bandeiras”, que exploravam a força escrava  nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. A busca enlouquecida pelo ouro, no século XVIII, criou conflitos como o da “Guerra dos Emboabas” nos anos de 1707-1709, quando paulistas lutaram contra os portugueses e os novos imigrantes europeus que vinham para estraçalhar o que encontrassem pela frente.
            No século XX, a partir de 1930, com a industrialização, as técnicas rudimentares começaram a ser substituídas e, a partir de 1990, com a globalização, as mineradoras norteamericanas e canadenses (as novas emboabas) apressaram-se em se apropriar do que tínhamos de mais rentável no setor, abocanhando por primeiro a Companhia Vale do Rio Doce fundada em 1942.
            A Vale foi privatizada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso no ano de 1997 pelo valor de R$ 3,4 Bilhões de Reais. Na verdade, esse valor foi financiado pelo dinheiro brasileiro do BNDES. De lá para cá, antes da tragédia de Brumadinho, a empresa tinha, um valor de mercado de R$ 304.914 Bilhões de Reais e, só no ano de 2017, obteve um lucro para dividir entre os seus acionistas, de R$ 17,7 Bilhões de Reais.
Esses dados nos revelam, em primeira mão, o conteúdo do conceito obscurecido pela “globalização” daquilo que se chama pelo nome de “imperialismo”. No entanto, o imperialismo não é apenas um nome, é um processo exigido pelo capital quando cresce em um país e precisa de mais espaço para se desenvolver. Nasce no momento em que o capitalista cumpre o papel de levar o capital para outros países.
Para entrar em outros países, o capital exige que seja elaborada uma legislação que o favoreça. É nesse momento que entram em ação os representantes da tragédia política e relativizem tudo: liberam os investimento, as privatizações, os financiamentos, a redução de impostos, o licenciamento ambiental, a vigilância aos crimes ambientais etc.
Esse processo, que poderíamos chamá-lo de “intrometimento externo” é feito de forma “pacífica”, em países de governos subservientes. Em países com governos resistentes. o capital imperialista se comporta como o lobo que quer comer o cordeiro preso em uma jaula. Para fazê-lo ceder, vai arrancando-lhes os pedaços por meio de golpes ou, se necessário, com a própria guerra.  
            Para as populações que assistem a morte da soberania de seus países, no caso brasileiro, as famílias das vítimas de Brumadinho ficam na impossibilidade de enterrarem dignamente os seus mortos, justamente porque não conseguem ter acesso a eles.
            Quando ocorrem as encenações trágicas feitas pela própria natureza importunada, os capitalistas noticiam como sendo um acidente com vítimas. Lamentam mais pelos prejuízos do que pelas vidas assassinadas e prometem algumas modificações no sistema. É ignorando as tragédias permanentes que os defensores das relações com o imperialismo justificam que o “capitalismo dá certo”. É com a desorganização política que as populações nacionais permitem que outras tragédias voltem acontecer.
            Não nos iludamos, as brutalidades praticadas contra a natureza e as vidas humanas que iniciaram, com as Entradas e Bandeiras continuarão. A corrida em busca de minérios e petróleo, feita por milhares de empresas, preparam novas tragédias. Com as tragédias os exploradores nada aprendem porque, as lições e os ensinamentos são para aqueles que, assumindo a culpa se propõem a mudar. O capital não muda porque, as leis que regulam o seu crescimento precisam: do roubo, do saque, da exploração e dos crimes.
            O caminho é outro. Os “cordeiros”, que assistimos as tragédias e purgamos as culpas pelos passos mal dados pela civilização, precisamos acreditar que há outro destino para a humanidade que não este de ter que lutar apenas pelo direito de enterrar os mortos. A vida segue e com ela a luta confortará o luto.                                                                                                                           Ademar Bogo