domingo, 29 de maio de 2022

O FECHADO E O ABERTO


            Esta discussão poderia adotar diferentes nomes, como rejeição, negação ou até mesmo imposição de vontades. Freud em 1925, no âmbito da individualidade, nos disse que, “A negativa constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido...”. Porém há pela força do juízo a possibilidade de polarizarmos os julgamentos orientados por dois grupos de instintos. Se por um lado nega-se para afirmar, por outro lado, a negação se transforma em expulsão e se vincula ao instinto da destruição.

            Estas contrariedades quando presas ao existir de um indivíduo apenas cria um mal-estar pessoal, embora que esse mal se irradie em direção aos demais seres da convivência; quando se trata de comportamentos coletivos, os recalques e impulsos de expulsão e destruição, transformam-se em riscos, porque, as vontades dos interesses transformam-se em ações concretas e a não aceitação do outro ou do contrário, investe-se de poder conspirativo contra indivíduos e estruturas.

            O filósofo francês Henri Bergson fez uma bela discussão sobre as categorias do “fechado” e “aberto” no domínio social. A sociedade fechada, como uma colmeia de abelhas, funciona entrosando os indivíduos mutuamente, prontos para atacarem ou defenderem a qualquer momento. Supostamente colocam a inteligência no lugar dos instintos sem avaliarem e medirem as consequências dos atos. Para essas sociedades ou agrupamentos, a moral e a religião são fundamentos estruturadores.

            Por outro lado, a sociedade aberta não é estática e está voltada para fora, orientando-se pelo princípio universal. Busca transformar-se a partir da superação de suas próprias pressões e contradições sociais. Ocorre que uma mesma sociedade pode jungir os dois movimentos e, num determinado abrir-se, enquanto que num outro momento inesperadamente pode fechar-se.

            Por outro lado, tanto em uma quanto em outra sociedade, há de se pensar na governabilidade e aí, Berger nos ajuda a melhorar a visão sobre a diferença entre o aberto e o fechado, pois, “a arte de governar um grande povo é a única para a qual não tem havido técnica preparatória, nem educação eficaz, sobretudo em se tratando dos cargos mais elevados”.

            Os diversos elementos acima já são suficientes para compreendermos a situação econômica, política, social, cultural e moral em que vivemos. A princípio há evidências de que somos, mesmo em uma sociedade aberta, formada e governada por grupos fechados, denominados de família, empresa, associação, igreja, clube, exército etc., e, os líderes desses agrupamentos, atuam orientados por normas corporativas específicas. A negação e a expulsão de membros dessas estruturas levam sempre em conta os desejos e interesses particulares. Sempre quando irrompe alguma ameaça contra a autoridade, normas ou interesses, a tendência é haver uma reação instintiva, vingativa ou destrutiva.

            Evidentemente, em todas as sociedades fechas ou que estejam em processo de fechamento, os dois primeiros recursos a serem adotados se fundamentam na moral e na religião. A desmoralização visa tirar da parte a ser dominada, todo e qualquer respeito e santificar ou endeusar a parte que sacrificará em busca da legitimação divina. No fundo, o interesse é fazer a maioria temer por duas forças: a repressiva e a espiritual.

            O Brasil é uma sociedade militarizada e cristã, por isso a política não está alheia ao domínio militar e religioso. Em ambas as direções ou pior, quando combinadas, sofremos as consequências, pois, os instintos do fechamento, por inexperiência das lideranças lidarem com as multidões, ameaçam sempre cercear a liberdade daqueles que almejam mais espaço e fortalecer os interesses do status quo. As ameaças constantes de golpes que se parecem a blefes, é o modo de ser de tais autoridades diminutas, as quais foram educadas para liderarem grupos ou viverem em grupos fechados, é o caso do presidente da república atual que se cerca de militares como se estivesse em um quartel e não na governança de um país.

            No entanto, não significa porque o golpe não vem que ele não esteja vindo. A manifestação do instinto do fechamento para que o todo funcione, segundo os interesses da parte, apresenta-se como se uma colméia de abelhas, a partir de seu próprio entendimento, impusesse ao mundo, o seu modo de ser, e quem não se enquadrar corre o risco de levar ferroadas.

A tendência à destruição da ordem estabelecida é um desejo em ascensão. Parece estranho os próprios dominantes agirem contra a ordem dominante, colocando em dúvida a autoridade dos poderes, dos processos e das leis. Mas nada é estranho para grupos fechados; no fundo é o jeito de serem e agirem corriqueiramente.

É importante compreender os instintos dos representantes das sociedades fechadas, para que “as sociedades abertas”, com lideres capazes e interessados em mobilizar multidões, possamos reagir, não apenas contra  o fechamento da porta principal do poder político, mas de todos os fechamentos anteriores, depreciativos dos valores civilizatórios e que estamos fartos de vermos e ouvirmos sobre ocorrências policiais desumanizadas; reações neo-nazistas contra as diferenças raciais; preconceitos religiosos transformados em ações criminais,; armamento indiscriminado de futuros delinquentes civis, etc., que servem de exercícios para a consolidação da unidade dos componentes da sociedade e do Estado fechados.

Se as sociedades fechadas, lideradas por pessoas que não possuem a arte de liderar grandes multidões, só podem acontecer por meio das armas e da violência, é evidente que as duas coisas podem também estar presentes nas sociedades abertas e participativas, mas a essência dos processos é diferente. Nas sociedades fechadas as pessoas e instituições correm riscos maiores de sobrevivência.

No capitalismo, em qualquer uma das formas, fechada ou aberta, para a maioria da população não é o melhor dos mundos, pois, a democracia, além de não ser participativa na política é antidemocrática na economia e nos direitos sociais. A luta contra o fechamento dos regimes é vital, não apenas para que o todo não venha a ser dominado pela parte, mas, principalmente porque é anti-humano deixar-se dominar por instintos destrutivos, arrogantes e empobrecedores até mesmo dos valores dessa civilização em crise.

A melhor forma para evitar o fechamento das sociedades é lutar para deixar os caminhos abertos por onde devemos passar com as multidões rumo ao escancaramento das portas da justiça da igualdade e da solidariedade universal.

                                                                                  Ademar Bogo

               

               

 

domingo, 15 de maio de 2022

PROBLEMAS DE ORGANIZAÇÃO

            Sempre que nos deparamos com desafios políticos, lembramos da organização. Repetimos o que ocorre com a doença. Quando ela chega corremos em busca de remédios. Faz sentido a semelhança sobre tais comportamentos se considerarmos que a História pode ser adaptada ou moldada segundo as nossas vontades e desejos.

            Como na vida pessoal temos dois parâmetros orientadores reveladores de quem somos socialmente: a imaturidade juvenil e a maturidade adulta. Na primeira, fazemos as coisas como se o futuro estivesse lá no alto do horizonte e os esforços para chegar até lá podem ser empregados despreocupadamente. Afinal, o jovem sempre terá tempo de acertar as suas deformidades comportamentais.

            A maturidade, por sua vez, exige definições mais seguras, porque o horizonte é uma meta obrigatória a ser alcançada e qualquer esforço ou posição errada, pode levar ao fracasso e comprometer os destinos da História, como também, a segurança das pessoas que lutam.

            Sabemos pelas ofensivas das lutas revolucionárias, em diferentes partes do mundo que, os processos, devido as condições materiais e a colocação das forças, se reestruturam e exigem mudanças também nas formas de organizar e combater os inimigos do processo político em andamento.

            Não faz muito tempo, o saudoso Plínio de Arruda Sampaio, um exímio formulador de diagnósticos conjunturais, ao descrever a própria enfermidade, quase num ato de arrependimento por não ter prestado atenção e se cuidado a tempo, disse: “O corpo sempre manda recados”. Os processos políticos por serem movimentos vivos, também mandam avisos de algo que poderá acontecer se não forem tomadas as algumas providências; isto porque, conforme as circunstâncias atuais, o primeiro esforço para pensarmos as futuras estratégias, depende de continuarmos vivos.

            Antes de tudo, é importante destacar para que todas as forças de esquerda caídas, há algumas décadas, na vala comum das disputas eleitorais, que a situação das mesmas mudou profundamente e, para perceber isto, basta fazer breves comparações com o passado em que as massas iam em direção as praças para, aproveitarem dos atos, conhecerem artistas, ao mesmo tempo que contribuíam com as campanhas transformando-as em verdadeiras festas populares.

            Nos últimos anos, a cada dia surgem afirmações de sinais de que nada será como antes e, por isso, a imaturidade política tornou-se intolerável. Quais são os três principais sinais: a) a exacerbação dos instintos nas redes sociais, pondo dúvida antecipada à eficiência das urnas eletrônicas; o ataque ao poder judiciário e a promessa de que as forças armadas estão do lado e a serviço da ofensiva totalitária; b) o armamento de militantes e milícias com posições extremistas e, c) as “motociatas” que serviram até aqui como ensaios para a perturbação motorizada.

            Estes claros sinais indicam que a campanha eleitoral para presidente da república de 2022 terá ingredientes diferenciados e, cabe aos devotos desta tática assumiram a responsabilidade de eliminar qualquer tipo de ingenuidade e Boa-fé, para evitar danos irremediáveis.

            O verbo “tumultuar” certamente já entrou na linguagem neo-nazista e a sua conjugação será procedida por meio de ações perversas, antidemocráticas e criminosas. Para combater uma força é necessário apelar para outra força ainda maior. Para combater a conjugação do verbo “tumultuar”, devemos confrontar o verbo “organizar”. Os sinais enviados aos imaturos e adoradores do pacifismo, ecoam por meio de perguntas: 1) O que fareis quando um grupo armado, ao som das rajadas de armas de todos os calibres, dispersarem as multidões presentes nos comícios? 2) O que fareis quando um movimento de milhares de motos, com descargas modificadas, cercarem as praças e os atos ficarem incomunicáveis? O que fareis quando os resultados das urnas forem questionados, os candidatos eleitos atacados ou mortos e um movimento militar, em nome da ordem, assumir o poder?

            Os sinais conjunturais alertam os imaturos que não basta olhar para os números das pesquisas e satisfazer-se com alguma vantagem. A cortina de defesa da legalidade se tornou frágil que pode ser rompida a qualquer momento. Isso nos diz que, a política, mesmo na mais pura legalidade mudou de patamar e, o jogo de forças, agora, não depende apenas de alianças, marqueteiros, bandeiras e panfletos, mas de homens e mulheres organizados, capazes de riscarem o chão e, como dizia no passado, em tom de ameaça; “Daqui pra cá, ninguém passa”.

            Não temos outro processo, é dentro deste atual, criado pelas circunstâncias históricas e escolhas equivocadas no passado que a maturidade deve ser forjada. E, tomara que as ruas ensinem a ver a política como movimento permanente e nunca satisfeita com os resultados alcançados. Querer mais é também se propor a fazer mais e melhor.

                                                                                                                      Ademar Bogo