domingo, 21 de maio de 2023

O ESTADO VINGATIVO


            O filósofo Hegel em 1821, um pouco mais de duas décadas antes da realização das Revoluções Liberais na Europa, ofereceu para a burguesia em ascensão, a teoria do Estado, com as diversas proposições, dentre elas caracterizando o poder do soberano. “O poder do soberano contém em si mesmo três momentos da totalidade, a universalidade da constituição e das leis, a deliberação como relação do particular com o universal e o momento da decisão última como autodeterminação à qual tudo o mais retorna e de onde toma o começo da realidade...” (§275).

            Antes de tudo, devemos compreender que a universalidade do poder para Hegel, está na constituição e nas leis. Acima destas duas forças não há outro poder. Evidentemente que essas leis deliberam segundo a vontade dos indivíduos que as manuseiam fazendo com que as decisões finais saiam de acordo com os interesses propostos a serem alcançados.

            Sem muitas delongas, devemos entender que o Estado com o conjunto das leis e a interrelação dos três poderes, não formam um conjunto neutro e, nem tampouco se mantém estático como uma estrutura de instituições e funcionários concursados. As pessoas, dentro da estrutura do Estado movimentam-se orientadas pelos interesses externos e, fazem cumprir o essencial obrigatório, mas, acima de tudo, reagem segundo as vontades que se formam a partir das circunstâncias particulares.,

            As representações da sociedade civil, se dão pelos poderes executivo e legislativo. Essa representatividade, supostamente revela o grau de democracia reinante em um país. No entanto, há setores sociais mais representados do que outros e por isso dirigem o Estado ou pressionam os demais poderes para que os seus interesses sejam garantidos.

            Há uma estrutura estatal deliberadamente coercitiva, garantidora da ordem, composta pelas forças de repressão, auxiliadas pelo ministério público.  Mas, a disparidade de forças entre os poderes levou, já em 1823, antes mesmo da Proclamação da República no Brasil, ao parlamento criar comissões de investigações independentes. Somente em 1934, os constituintes incluíram naquela Constituição, a possibilidade da criação de Comissões Parlamentares de Inquérito. As outras Constituições seguintes, todas elas mantiveram essa decisão e, em 1988, as CPIs ganharam destaque maior passando a ser equiparadas ao Poder Judiciário e policial. Ganharam, portanto, o poder de investigar pessoas e instituições, quebrar sigilo bancário, telefônico e fiscal; fazer diligências e se preciso for decretar a prisão de indivíduos.

Os assuntos que levam a criar uma CPI, depende dos interesses e da correlação de forças existentes em cada momento político. Geralmente, aparentemente elas servem para fortalecer as disputas entre grupos rivais, mas, na verdade, elas cumprem a função de elevar o grau de coerção do Estado e, em certos sentidos, descaracterizar a justiça e estabelecer métodos de vingança.

Nas últimas duas décadas, já se tornou parte da cultura política no Brasil que, quando o poder executivo sofre alguma mudança, como a de revezar as forças partidárias no poder, principalmente, quando tende mais para a esquerda, as forças dominantes do capital, não tendo aquele instrumento para fazer a coerção, transformam o legislativo numa força investigativa e punitiva dos desafetos.

Com a pressão sobre o poder Executivo, quando governado por forças mais democráticas, as forças retrogradas visam atacar as bases de apoio das autoridades que governam, para enfraquecê-las, impedindo inclusive que atuem a favor do próprio programa de governo.

Temos no Brasil problemas agrários históricos, porque a questão agrária nunca foi enfrentada para ser resolvida. Com essa indefinição e tendo uma legislação incompleta para regular a posse da grande propriedade, os capitalistas transformaram o capital agrário com teor destrutivo, em uma força capaz de oferecer commodities para o mundo. Essas mercadorias especiais, negociadas nas bolsas de valores, pressionam os governantes para, em nome do fortalecimento das exportações, principalmente nos períodos de economia em crise, aceitarem os seus desmandos.

Por outro lado, os movimentos camponeses que nas últimas décadas se dispuseram a servir de base militante para as forças de esquerda, afetadas pelas estruturas governamentais, lançaram-se, como última esperança, na defesa de candidaturas com maior vigor do que os próprios partidos, esperando um retorno, com a aprovação de leis e medidas favoráveis em favor da reforma agrária. Mas pouco foi e está sendo feito para enfrentar a questão agrária no Brasil.

A precaução das forças de direita de atacar imediatamente no início do atual governo, tem por objetivo, impedir qualquer atitude positiva em favor dos Sem Terra para isso utilizam o poder legislativo, dominado por setores conservadores, para impedir qualquer iniciativa do governo em direção à acumulação de forças dos movimentos que sirvam de apoio para a sustentação do próprio política desse mesmo governo que, incapaz de fazer a correta leitura das intensões inimigas, procura manter-se à margem, praticando as normas e as restrições burocráticas.

A classe dominante já provou que não tem aliados fora de sua classe. Os seus representantes são de extração identitária aos interesses dos grupos ligados ao grande capital. Nesse sentido, a ingenuidade política com sinais de covardia, ao invés de incentivar a luta e os enfrentamentos nas ruas e territórios em disputa, aconselham ao enquadramento político para cumprir obedientemente a agenda imposta pela CPI, que usará o parlamento como palco para fazer propaganda midiática e projetar alguns dos seus para ganharem evidência como nome de oposição, contribuirá para o verdadeiro massacre e aniquilamento político.

Os velhos bordões, como esse de Bertold Brecht, de que, “quem luta pode perder, mas quem não luta já perdeu”, ecoam por todos os lugares,  basta que os ouvidos se abram para poder ouvi-los. Sem luta, a história perde a sua força e os interesses dominantes acabam sendo a referência das novas narrativas.

                                                                       Ademar Bogo

domingo, 7 de maio de 2023

O DILEMA DO ESTADO


            No dia 5 de maio desde ano de 2023, o filósofo Karl Marx completou 205 de seu nascimento. Dele muito têm se extraído de orientações e propostas para a superação do capitalismo, mas, é no quesito Estado que reside o maior dilema para os comunistas, não porque o nosso aniversariante não tenha pensado sobre o tema, mas porque a estrutura complexa leva a crer que, sem ele a sociedade não sobrevive.

            Hegel havia deixado para os seus sucessores um plano de funcionamento do Estado, impecável. Disse: “O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que adquire na consciência particular de si universalizada é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel; nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que, em serem membros do Estado, têm o seu mais elevado dever” (§ 257). Marx estudou a “ Os Princípios da Filosofia do Direito” de Hegel, por isso, primeiro compreendeu a supremacia do Estado e por isso pôde propor a sua superação.

            Vejamos que, o Estado é visto por Hegel como uma “expressão da vontade substancial”. Essa substância constituída em si e para si, portanto, tem força, ideias, liberdade e poder soberano, para agir sobre os indivíduos que o respeitam por dever. Marx, por sua vez, não desmanchou esse entendimento mas, agregou que, a “vontade substancial”, não vem do Estado propriamente, mas do capital que é a base estrutural de todas as criações.

            O dilema encontrado pelas forças revolucionárias vindas depois de Marx, foi o de terem em mãos as forças produtivas, tomadas à força dos capitalistas para serem aproveitadas e do outro lado a estrutura do Estado, pensada anteriormente para garantir a liberdade suprema. Portanto o entendimento lógico criado sobre o pensamento de que a superação se faz com a sobreposição de formas novas sobre as formas anteriores, pondo fim, principalmente à propriedade privada dos meios de produção. Com isso, supera-se também o trabalho assalariado e a extração da mais-valia. A conclusão lógica, em relação ao Estado é de que se poderia fazer a mesma coisa: reformular as formas administrativas, mas, manter a mesma estrutura.

            Em nome do progresso civilizatório, os processos revolucionários garantiram, por meio do Estado estruturado conforme concebido por Hegel como “poder absoluto”, levando aqueles países a se transformarem em grandes potências econômicas e políticas. Na medida que as crises foram surgindo até que, na maioria deles a referência do socialismo deixou de estar presente, potência como a Rússia não precisou de muito esforço para adequar-se aos padrões capitalistas. E se quisermos saber, porque a Rússia atual, na guerra contra a Ucrânia não teme a Europa e nem Os Estados Unidos da América? Porque age com o mesmo Estado mantido e fortalecido antes e depois do socialismo. Pelo mesmo caminho vai a China. Aos poucos prepara-se para penetrar em todas as economias do mundo, mas, seus interesses não é espalhar ideias socialistas.

            Diante disso, entender o que pensam sobre o Estado os governos progressistas ou vistos como de “esquerda”, é bem mais simples. Na medida que não pensam atacar o capital o Estado não teme sofrer nenhum abalo. Voltam-se as atrações para as políticas governamentais. Não se pensa em superação, mas, em reprodução e continuação do capital e do Estado.

            A transmutação da concepção socialista para o rebaixamento da concepção da pura e simples democracia representativa, reflete o grau de conformidade vivida na atualidade. Confunde-se o poder do regime político com o poder do sistema econômico, parece que desconhecem que, tanto no capitalismo os regimes oscilam, mas o sistema permanece.

            Pensar que, no capitalismo, o regime totalitário é melhor, é uma loucura; mas também dar-se como satisfeitos com a democracia representativa, para ter a oportunidade de apenas governar, é a pior das conivências.

            Teoricamente, não há outro caminho, a não ser o que leva a tomar a infraestrutura e sobre ela construir s superestrutura adequada, mas isto exige organização e poder construídos na prática e nas consciências da maioria da população. Enquanto a apatia tomar conta as fracas vitórias eleitorais satisfizerem, pouco de novo surgirá. É preciso romper todas as barreiras e avançar um passo, para que o espaço aberto mostre outra realidade real e possível. Mesmo desconhecendo tudo o que é, nos resta tentar fazer o que virá. Como disse o poeta e filósofo francês Jean Cocteau: “Por não saber que era impossível, ele foi lá e fez”.

                                                           Ademar Bogo