domingo, 26 de julho de 2020

O PASSO E A MARCHA



            O professor Milton Santos quando escreveu sobre a “globalização como perversidade”, não foi totalmente compreendido, pois, no início do século, a parte mais consciente da sociedade brasileira sonhava com a conquista do governo por meio das disputas pacíficas do processo eleitoral e, com aquela ideia, de que, “se o Estado estiver sob o nosso controle ele nos servirá”, o entendimento real e profundo da dominação mundial ficou obstruído.
            No entanto, quando os “golpes institucionais” começaram a rondar os governos progressistas, muitos perceberam como eram frágeis as paredes das soberanias nacionais, rompidas por um sopro manso que, direcionado sobre os territórios para chegar às últimas riquezas naturais, como as florestas, o petróleo e o lítio, conforme enunciam os bolivianos, levou menos de uma década.
            A globalização agora revela a sua face mais violenta. Enquanto as forças do mercado podiam atuar e manipular os parlamentos, as leis fluíam como um agrado antecipado aos capitalistas, ansiosos para afirmarem o poder econômico. Na medida em que a crise se fez presente, como a falta de alimento no estômago, o capital passou a exigir das soberanias, entregas preciosas e, agravou-se a perversidade comportamental do imperialismo.
            Milton Santos havia percebido que o lugar é o ponto que sustenta “os impactos do mundo”. O que ninguém sabe é como e de que maneira os impactos acontecem, pois dependem da força, do modo e do peso que dominação cai sobre as nações.
            O mundo na verdade, desde a origem do capitalismo vem mudando a sua denominação e já pode se chamar de “mercado”.  O próprio Marx, ao estudar a mercadoria desvendou que ela havia se tornado, já e, seu tempo, “cidadã do mundo”. Mal sabia Marx que chegaria o tempo que as mercadorias se moveriam mais rápido que as pessoas e, em certos momentos, como este que estamos vivendo, de “distanciamento pessoal”, que somente elas seriam os vínculos entre os países.
            Aparentemente houve uma inversão entre o protagonismo das coisas sobre o protagonismo dos homens, mas isso não é totalmente verdadeiro, porque, no capitalismo os “homens de negócio” foram também coisificados. Por isso hoje vivemos no mundo das coisas, a diferença é que a “coisa humana” perde cada vez mais o valor de troca e, as demais coisas ganham sempre mais importância.
            A perversidade do mercado está na sua capacidade de governar o mundo e de impor, por meio da tecnologia, como as sociedades locais devem se comportar. Tudo aquilo que não serve ou não presta para se tornar mercadoria é desprezado e, o ambiente aonde essa substância existe é destruído. O exemplo mais horroroso vemos na Amazônia. Os índios não servem para o capital, os seus territórios sim. Para invadir os seus territórios é preciso eliminá-los, da mesma forma que os portugueses e os espanhóis fizeram no inicio da colonização: espalhando entre eles vírus de doenças contagiosas.  O mesmo ocorre com as florestas, há muita resistência em devastá-la para torná-la mercadoria, mas o boi é atrativo. O mercado mundial, não quer árvores, quer carne e, mesmo que muitos países reajam contra a dizimação das florestas pelo fogo, não deixam de importar carne. E, os governantes que se dizem de esquerda, ajudam o agronegócio a produzi-la.
            Mas a filosofia do mercado não atingiu apenas os instintos destrutivos dos capitalistas, que já se deram conta de que algumas mercadorias tornar-se-ão obsoletas e outras serão substituídas, como é o caso do petróleo e, também com certos tipos de alimentos que serão produzidos em laboratórios. No entanto, o pior de tudo é que, as forças de esquerda que sonham em governar, no sistema capitalista, não apresentam outra alternativa que enfrente o domínio das coisas. Ao contrário, prometem “melhoria de vida” por meio da mercantilização da força de trabalho desempregada, da nacionalização do petróleo, do avanço do agronegócio, da mineração etc.
            Com a mundialização do mercado, disseminaram-se as formas de intervenções. E, se Maquiavel já havia ponderado que era preciso separar a ética e a política, o mercado nunca aceitou que a ética o acompanha-se. Logo, exigir que um governante adepto do imperialismo aja com ética, é o mesmo que exigir que um capitalista reduza o lucro a zero.
            Tudo isso indica que não é válido empregar esforço para fazer a direita e os capitalistas mudarem de comportamento. Quem deve mudar é a esquerda! Em primeiro lugar, deixando de imitar a direita com propostas de melhoramento da gestão governamental impregnada da ideologia da globalização; em segundo lugar, empenhando-se em resgatar a dignidade humana dominada pelas coisas; em terceiro lugar, livrar-se do gozo reformista, conciliador e afetivo obtém relacionando-se com a classe dominante e, em quarto lugar, romper com acasalamento oficializado pela democracia capitalista, que se legitima a convivência formal da oposição com a situação.
            Entender que, como disse Mészáros o “ato” de libertação é diferente do “processo de libertação” é fundamental. Isso quer dizer que, não se fará nunca uma caminhada enquanto os passos forem dados respeitosamente no recinto da própria cozinha. Os passos somente tornam-se uma longa marcha, se forem dados ao ar livre e em direção ao horizonte.
                                                                                                          Ademar Bogo                


domingo, 19 de julho de 2020

A CLOROQUINA DA ESQUERDA DIRIGENTE


                
            Walter Benjamin, o filósofo alemão da primeira metade do século passado, ao escrever, com o titulo, “Melancolia de esquerda”, fez uma análise dos poemas de Erich Kästner e, nos disse que esse poeta era, por um lado, um insatisfeito e, por outro, um melancólico. E de onde teria vindo a melancolia? Da rotina. A rotina, para ele, significava abrir mão da capacidade de sentir nojo.
            Mas, a parte mais expressiva e que talvez nos sirva como indicação, é àquela em que o autor declara que, “o ativismo conseguiu dar à dialética revolucionária a face indefinida, numa perspectiva de classe, do senso comum”. Disso aí, provavelmente, Leandro Konder, o nosso filósofo brasileiro, tenha tirado o título de seu livro: “A derrota da dialética”. Mas para Benjamin, isso foi como uma “liquidação de estoques na grande loja da inteligência”. Por isso, a “elite intelectual” ao deparar-se com o inventário dos sentimentos, percebeu que eles já haviam vendido a preço de ocasião e, em seus lugares ficaram os lugares vazios. O que sobrou para as pessoas foram às formas ocas. E concluiu dizendo: “Nunca ninguém se acomodou tão confortavelmente numa situação tão desconfortável”.
            E eis que a melancolia alemã, desde 1919 quando a insurreição operária foi derrotada, como um vento frio e inesperado, nos atinge nas costas e nos faz buscar abrigo no recinto de cada lar, sem forças para reagirmos nem dizermos nada a mais do que está sendo dito; a espera de um salvador, neste caso nem que seja uma vacina que nos livre das máscaras e possamos nos ver como verdadeiramente somos ou nos transformamos.
            Mas, no fundo não é uma vacina apenas que precisamos para tirarmos a máscara de cada rosto, é de um impulso que tenha a capacidade de retirar as sujeiras depositadas sobre cada consciência, que, tal qual as máscaras nas faces, impede que nos reconheçamos como seres diferentes dos capitalistas e que, a rotina deles não seja a pauta de nossas discussões.
             Se a melancolia identifica o estado de paralisação, onde está a sua causa? Basicamente no desencanto. Mas ele pode ter sido criado pela frágil existência do encantamento anterior. Numa rápida viagem de volta ao passado, facilmente podemos encontrar pelo caminho, pedaços de esperanças imprestáveis como as borrachas desprendidas dos pneus dos veículos de carga, que mais mostram os prejuízos do que as razões da viagem.
            Esses pedaços de esperanças perdidos em cada curva do caminho deveriam mostrar para os viajantes, do tempo presente, quando olharem para frente, que o modo de produção capitalista se compõem de dois pilares fundamentais: o capital e o Estado. Sabendo disso, poderão se convencer de que, prometer uma vida melhor para os sofredores acelerando o capital protegido pelo Estado, é como prometer a cura a um doente terminal, atacado pelo coronavírus, receitando a malfada Cloroquina.
            Aqui podemos comparar a esquerda dirigente brasileira com um indivíduo, e aplicar o elemento de análise, aquilo que Freud denominou de “Transtorno narcisista” e que leva o sujeito ao mundo das idealizações, que se combina com as expectativas mágicas e, por outro lado, com as decepções. Dentre as várias manifestações do transtorno, destaca-se o da “identificação” que se dá por meio da “adesividade”. Segundo Zimerman, o sujeito fica sendo uma “sombra”, um “duplo” de um outro, grudado por imitação, esvaziando do seu próprio “Eu”. Pode também, vir a desprezar excessivamente os objetos exteriores com a finalidade de internalizá-los.
            Em que sentido podemos aproximar o sujeito de transtorno narcisista com o comportamento das “esquerdas dirigentes” hoje? Pelas expressões: conceituais, da linguagem e do comportamento. Imaginemos um debate entre um indivíduo dirigente de esquerda e outro de direita, sobre o tema da “Democracia representativa”; teríamos alguma surpresa na conceituação, na linguagem e no comportamento político? Evidentemente, ambos defenderiam o “estado de direito”; o funcionamento das instituições; a relação harmônica entre os poderes etc., entretanto, poderíamos ouvir outras argumentações sobre o que é justo ou injusto; exemplos ilustrativos de abuso de poder etc., mas, no fundo, de ambos ouviríamos o essencial: disputar eleições e oferecer para a sociedade candidatos, a serem eleitos por meio do financiamento público de campanha.
            Mas a imitação não para aí. Suponhamos que o indivíduo de esquerda e seus aliados, como já aconteceu, ganhem a eleição. Assumem o governo e se internalizam na estrutura do Estado. No capitalismo, com o surgimento do Estado capitalista, fortaleceu-se o Direito positivo e a justiça passou a ser feita “conforme a lei”; logo, o preceito principal da imitação narcisista, é consultar e obedecer a lei. O que faz a direita? Enquanto esse governo lhe for útil, respeita-o, quando já não for, golpeia-o.
            Se o indivíduo da direita ganha a eleição, como o vimos em 1918, governará o país, comportando-se segundo o mesmo transtorno psíquico, ameaçando de um só golpe, fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal; também imporá as reformas que os capitalistas desejam; desprezará o sujeito de direitos e, receitará, sem autoridade para tanto, um veneno como remédio para enfrentar a pandemia, testando assim todos os limites do bom senso, com ministros de Estado avessos à própria civilização. E o que faz a esquerda? Exige, com falas agressivas, a manutenção do “estado de direito” e a validação da democracia representativa; o respeito às leis etc. Tudo aquilo que faz o capitalismo funcionar, sustentando as desigualdades sociais, sem nunca se perguntar se os explorados viveram a democracia defendida.
            É evidente que tais comportamentos históricos chegam a um esgotamento e, aí, surge a “melancolia coletiva”, nem tanto por aquilo que se perdeu, mas com o universo imaginado e não alcançado. Não se pode negar que a população, dos cerca dos 30% que apóiam esse governo neonazista, não esteja com uma posição mais radicalizada do que o grupo dirigente que governa, e que frustrará os seus objetivos, por não implantar o regime totalitário e estabelecer um processo de “vingança política”. Mas esse sentimento de radicalização, já esteve presente em 70% ou mais da população, quando, pela primeira vez foi eleito um operário para governar o país. Mas o que fizera o grupo dirigente? Como se fosse um poder superior à classe e à vontade popular acomodou-se na imitação narcísica com o processo anterior e, para o qual quer agora convencer que devemos retornar.
            Concluímos que há muitas formas de levar a óbito a vida e a esperança dos indivíduos e as massas em uma sociedade. A primeira é oferecendo um veneno como remédio, que, para ingeri-lo o paciente deve assinar uma declaração que ele aceita correr risco de vida; a segunda é oferecer a eleição como remédio para curar a epidemia da miséria e da desigualdade social, levando o indivíduo à urna, fazê-lo assinar e votar, para delegar aos seus representantes para matarem a sua esperança, mergulhá-lo na melancolia e na depressão coletiva.
            A melancolia social que estamos vivendo, não se deve apenas ao conjunto de mortes que vemos em cada esquina ou àquela de repente não vemos mais a imagem do vizinho na janela, mas a desesperança em relação ao futuro, porque, economicamente e politicamente, o que nos dão como horizonte, é a volta ao passado. Repetir à imagem ou a sombra de tudo aquilo que já fomos e passamos. Só a esquerda salva a esquerda, mas é preciso deixar para trás, a melancolia e as forças dirigentes que a criaram.
                                                                                               Ademar Bogo

                



domingo, 12 de julho de 2020

NOVAS FORÇAS E NOVAS POSIÇÕES



            Há épocas em que as circunstâncias históricas entrelaçam-se entre si e promovem enormes decadências. Uma espécie de desarrumação desorganiza o costumeiro e, as pessoas e as forças sociais são jogadas para fora da rotina. Essas situações aparentemente aconteciam em períodos de guerras mundiais, principalmente, quando todas as populações temiam a morte ou convocações para participarem ativamente das matanças. São épocas, portanto, que o futuro fica suspenso e o máximo que as pessoas almejam, é apenas continuarem vivas.
            A imensa maioria dos habitantes da terra nasceu depois da Segunda Guerra Mundial que levou à morte cerca de 80 milhões de pessoas. Na época, a população mundial era de 2,3 bilhões de habitantes que tiveram de retirar debaixo das ruínas as esperanças da reconstrução.
            A pandemia que ora vivemos assemelha-se a uma grande guerra, nos aspectos do temor e do sofrimento, embora ainda não saibamos qual será o tempo de sua duração e quantas vítimas fará. E, por mais que vivamos no mesmo modo de produção capitalista, as condições econômicas, sociais, políticas, morais e culturais, são profundamente piores, por isso prevemos que as esperanças estão ainda mais profundas e em muitos casos, mutiladas debaixo dos escombros.
            No término Segunda Guerra mundial, as potencias econômicas do mundo, Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França, para citar apenas as principais, tinham respostas a dar para alguns dilemas da civilização. Do lado dos trabalhadores, a perspectiva sindical apontava para a busca de mais direitos e, mesmo que dentro do modelo hegemônico de Bem-Estar-Social, contemplavam-se os anseios de melhorias de vida. Se quisermos olhar também pela organização partidária, os partidos comunistas, embora submissos à Terceira Associação Internacional nos países da América Latina, tinham em torno de duas décadas de fundação e, do ponto de vista estratégico, todos defendiam, mesmo com equívocos táticos, a revolução e o socialismo.
            O tempo presente é o “avesso do avesso”. Se do ponto de vista do capital não há perspectiva de respostas, as economias das potências mundiais em queda amedrontam aqueles que sempre tiveram em mente o progresso sem fim. Os estrategistas do capital, o máximo que conseguem prever de crescimento médio nos próximos 40 anos é de 2% ao ano. Isso mostra que um país como o Brasil, cujo PIB cairá, se as análises se confirmam, a 11 ou 12%, levaremos 6 anos para colocar o país no degrau que estava no início da pandemia, que tinha 13 milhões de desempregados.
            É importante perceber que a decadência econômica sustenta as demais decadências que atropelam os sinalizadores que antes alertavam a civilização para cuidar-se da barbárie. Se observarmos os aspectos educacionais em todos os níveis escolares, não se tem uma porcentagem a ser estabelecida para medir o retrocesso, como se faz com o Produto Interno Bruto – PIB – mas, temos a nítida impressão de que não conseguiremos, no Brasil, reparar as perdas, quiçá por diversas décadas. E isso se deve mais à falta de condições e o estado de desprezo que se encontra a educação, do que pelos meses de paralisação devido o Covid-19.
            Quando nos voltamos para a política, vemos que o seu déficit é ainda maior que a depressão econômica. Se do lado da estrutura governamental a História pontua que jamais existiu na República uma relação tão estreita entre a ignorância e a perversão coletiva, do lado das forças de oposição jamais se registrou tanto cansaço e inoperância política.   
            Na Psicanálise estudamos que a “perversão” está vinculada as “pulsões sexuais” incluindo aquelas que estão no âmbito do “sadismo-destrutivo”, no típico modo de ser do indivíduo com “personalidade cindida” que, por um lado finge cumprir com o dever e, por outro, extravasa todos os tipos de tendências que impõem castigo aos desafetos. Podemos citar, para ficar apenas em alguns, o descaso com a progressão das mortes causadas pelo coronavírus; o genocídio dos índios; o incentivo à devastação das florestas e o teatro em torno do uso da Cloroquina.
            As circunstâncias pioram ainda mais, se observarmos no tempo histórico o posicionamento das forças de oposição. A decadência da honradez política é tão grande que o próprio conceito é atrelado à forma partidária que se tornou desprezível à ótica popular. O desprezo e a inutilidade dos partidos políticos é tão expressivo que, há décadas vinha demonstrando que, após as eleições, o “partido do presidente”, não opinava na montagem e no controle do governo e, na atualidade, o próprio presidente está sem partido e parece não sentir falta alguma.
            Quando, em Agosto de 1917 pouco antes da Revolução na Rússia Lenin escreveu o artigo, “A propósito das palavras de ordem” revelou que, para cada momento era preciso ter uma que resumisse o programa e unificasse todas as forças em torno dela. Por isso, a palavra de ordem “Todo poder aos Soviets”, que no mês de Fevereiro do mesmo ano fazia pouco sentido, naquele momento era fundamental a sua afirmação. Por quê? Para Lenin era fundamental olhar para frente e não para trás. Mas, acima de tudo, precisavam operar com novas forças e “não com as velhas categorias e partidos”.   
            Esse chamamento indica alguma coisa para o encontro com a saída da pandemia. Em primeiro lugar é preciso prestar atenção nas novas forças que poderão surgir e a elas creditar a responsabilidade de formular a palavra de ordem que supere as melosas palavras oportunistas que não vão além do interesse eleitoral, gritadas por gargantas roucas, envelhecidas sem disposição de mudar o tom, nem de indicar o caminho da ruptura. Essa posição, contribui para o aprofundamento da barbárie social e não o contrário.
            As circunstâncias estão ruins para nós e para eles. A vantagem é que nós podemos mudar, eles não.
                                                                                                         
                                                                                                    Ademar Bogo


              


domingo, 5 de julho de 2020

IMPERIALISMO E BARBÁRIE



            Vladimir Lenin, o dirigente principal da revolução russa de 1917, ao analisar o desenvolvimento do capitalismo, no início do século XX, estabeleceu a referência conceitual de que ele é a “fase superior” e, consequentemente a última fase do capitalismo. Rosa Luxemburgo, em meio à Primeira Guerra mundial, percebendo a avidez destrutiva dos capitalistas, deu-se conta de que a última fase do capitalismo apresentava um dilema para a humanidade, obrigando-a a marchar por um dos dois caminhos opostos: para o socialismo ou para a barbárie.
            Essas ideias, entre os setores intelectualizados e, principalmente no campo da filosofia, dão ainda muito o que falar e, estranhamente, nos meios políticos em geral, incluindo aí as forças de “esquerda” pouco se discute esses assuntos, principalmente porque a política não se orienta pelos problemas filosóficos, como por exemplo: o que é o progresso? O que é o futuro? O que é a barbárie? O que é o imperialismo? etc., preferem discutir os interesses imediatos, como se estivessem em plena viagem à noite com um meio de transporte de faróis apagados.
            É evidente que Lenin preocupou-se em considerar a fase monopolista do capital como a mais avançada, mas não se descuidou de apontar as diferenças entre as tendências expansionistas da época, sendo que a Rússia representava um tipo de “imperialismo militar-feudal”; a Inglaterra atuava como “imperialismo-colonial”; a Alemanha como “imperialismo junker” (capital agrário); e, a França como “imperialismo usurário”. Essa classificação no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, já era bem diferente.
            No momento em que se encerrou Segunda Grande Guerra, os capitalistas mundiais desejavam avidamente emprestar as suas pernas e cabeças para levar o capital a todos recantos do mundo. Numa primeira fase, como disse Mészáros, de “destruição produtiva”, que podemos exemplificar com a formação das grandes metrópoles, o avanço da industrialização, a valorização do valor etc., em busca de fazer crescer as economias e, posteriormente, a fase com a qual estamos convivendo, que é a da “produção destrutiva”. Esta fase é perversa porque, ela se move pela destruição dos empregos, das florestas, da indústria e do próprio planeta se precisar.
            Mas é importante retornar ao conteúdo do conceito do imperialismo como “fase última do capitalismo” e considerar que o capital se move, tendo como veículo, o poder bélico de cada país. Há quem atue por meio da “política sentimental” e valorize o suposto mundo das disputas internacionais, admirando um dos lados como se estivéssemos ainda no tempo da “Guerra Fria”. Isso leva a perguntar: se são diferentes, qual império é melhor para a humanidade? O dos Estados Unidos da América; o da China; o da Rússia ou o do bloco formado pelos países da Europa?
            Se considerarmos as disputas internacionais é evidente que sempre torcemos pela derrota do império que nos massacra, mas, a derrota deste, não nos torna livre se a liberdade não for conquistada pela própria luta. No entanto, considerando que todos os impérios se movem pelo poder do capital, haveria uma perspectiva futura de que, dentre eles, um se destaque e mude a natureza a favor da superação do capitalismo e da transição socialista? A China, por exemplo, com pesados investimentos de capital nos mais diversos países do mundo, estaria disposta, no momento em que os Estados Unidos deixarem de ser um império, a entregar para os trabalhadores locais, para que assumam como proprietários aqueles investimentos?
            O que temos como certo é de que, o imperialismo e a barbárie são como os dois pólos da corrente elétrica, que se unem no bocal da lâmpada para expressar a luz. Um pólo não funciona sem o outro. Sendo assim, se há imperialismo há também barbárie. A fase do imperialismo determina também a fase, baixa, média ou alta barbárie,
            Tendo em vista que crise do capitalismo tornou-se estrutural e não há mais como fazê-lo evoluir produtivamente, estamos sendo carregados pela fase “destrutiva do imperialismo”, que coloca a humanidade em risco e, se não houver reação, a tendência é a humanidade mergulhar em um profundo retrocesso.
            Então, a inteligência filosófica, volta a cobrar uma nova resposta já colocada por Nietzsche: onde devemos colocar a nossa esperança?
Conforme já indicamos, precisamos nos preparar para a vida “depois da barbárie”. As elites mundiais, com o avanço da tecnologia, desbravam o espaço como fizeram Portugal e a Espanha quando, em 1417, os estudiosos da Escola de Sagres aperfeiçoaram a Bússola que permitiu navegar com segurança pelos Oceanos. As conquistas do espaço impulsionarão o retorno às formas de produção escravistas que sequestrava, raptava e comercializava os habitantes do continente africano,desta vez do planeta inteiro.
Se a ingenuidade platônica que considerava existir um mundo inteligível para as ideias e um mundo sensível para os corpos físicos e, da mesma forma Santo Agostinho, 600 anos depois, tomando as mesmas referências intuiu que havia duas cidades, a de Deus e a dos homens; na primeira, situada lá no espaço, tinha na terra como representante a Igreja, tudo era bom; na segunda situada aqui na terra, representada pelo Estado, tudo era ruim injusto e desigual, ambos os entendimentos podem vir a ser confirmados até a metade deste século.
A avidez com que os capitalistas olham para o espaço, mostra com projetos avançados que, setores da sociedade que possuem poder econômico, preparam-se para mudarem para lá, fazendo da terra uma simples colônia de exploração humana, reserva de força de trabalho e estoque de matéria prima.
No século XVIII, o feudalismo para a burguesia havia se tornado insuportável, principalmente porque as relações capitalistas apontavam, para ela que, fazendo a Revolução Francesa haveria um futuro promissor. Na atualidade, o capitalismo tornou-se insuportável, não há rota de fuga, e, por isso, as revoluções socialistas tornaram-se imprescindíveis.
                                                             Ademar Bogo