domingo, 14 de agosto de 2022

POLÍTICA E POLÊMICA

              

            Quando os gregos tomaram a política como referência, entenderam que ela era e ainda é uma das poucas áreas que diz respeito a todos os cidadãos e ao governo da cidade ou do Estado. Aristóteles tentou simplificá-la ainda mais, dizendo que “o homem é um animal político”; certamente entendia ser este, um animal do bem.

            A polêmica, por sua vez, é parte da política. Polemizar significa estabelecer diálogos sobre algo que seja do interesse de todos. Um indivíduo polêmico, a princípio é um precursor a verdade. Nada passa ileso pela sua consciência, pois, sempre pretende confirmar a sua razão. Por outro lado, as polêmicas podem ser praticadas em todas as áreas, na política, economia, filosofia, religião, arte etc.

            Recentemente bradou a primeira dama defensora da moral evangélica, de que o “palácio”, símbolo da política institucional, até pouco tempo, “era consagrado aos demônios”. Errou feio, não pela “diabolicidade” comportamental do próprio esposo, que ela acompanha, mas pelo uso equivocado do adjetivo “consagrado”. Sabemos que desde Zeus até os nossos dias, esse atributo é dedicado aos lugares e pessoas que fazem o bem. O contrário do sagrado é o profano. Profanar é tratar com irreverência, transgredir, regras e princípios, mas isto não é feito pelo demônio, mas sim pelos humanos.

            O filósofo Nietzsche destacou, em seu tempo, algo polêmico. Disse ele que “o mais importante dos acontecimentos recentes – o fato de que “Deus está morto”, o fato de que a crença no Deus cristão se tornou impossível...” parece ser bem atual. Frei Betto em busca de equilíbrio disse que “Deus não tem religião”, certamente quem as tem são os cristãos, mas também os políticos desesperados e interesseiros alinham milicianos da fé para formarem o partido dos mortos de consciência, que choram a prática da própria morte e não de Deus.

            Poderíamos adentrar mais nessa polêmica improdutiva, fetichista e sem consequências. É assim que muitas vezes nos perdemos dando atenção a frivolidades, sem valor intelectual nenhum. De algum modo, são experimentos lançados para que os ruminantes de mentiras possam proceder a remastigação.

            Voltemos ao que interessa. Avançam pelo país, em praças, teatros e universidades, as discussões sobre a “defesa da democracia representativa e do Estado democrático de direito”. O motivo pra esse debate é erguer uma trincheira em defesa do processo eleitoral e da garantia de que o resultado do pleito será respeitado. Parece estapafúrdio, como diria Aristóteles, os cidadãos de bem precisam sair às ruas para defender algo tornado polêmico, propositalmente pelos animais políticos do mal.

            Estapafúrdio também é observar que neste estagio de desenvolvimento da civilização capitalista, coube às forças progressistas e de esquerda, defenderem o “Estado democrático direito”, tido sido, este sim, consagrado pela ordem capitalista. Não faz muito e fica logo ali no tempo, abril de 1964, as mesmas forças armadas que  deram um golpe militar, porque os comunistas ameaçavam o mesmo Estado, colocam-se, após a redemocratização sem punição, novamente na linha de frente, como antees, para romperem com a ordem eleitoral e com ela todas as ordens.

            Esse é o ponto de emergência a ser entendido. A energia que move as mobilizações para a defesa das eleições e da manutenção do Estado de direito, mistura-se com o medo, não do capitão descabeçado, mas das forças armadas que avalizam as suas loucuras e que ao lado do mesmo colocam como candidato, um general experiente para qualquer emergência de substituição, não precisar criar uma junta governativa.

            As inversões tornaram-se naturais, não só porque, para a maioria das religiões partidarizadas, “Deus está morto” ou descaracterizado, como a visão e análise dos processos foram invertidos, e, ao invés da transformação social, busca-se a manutenção da mesma sociedade, como se as velhas forças da revolução burguesa de 1789 tivessem ressuscitado e encarregado os trabalhadores para defenderem os ideais da igualdade, liberdade e fraternidade capitalista.

            O encostamento no muro da História, além de obrigar a fazer coisas avessas à tradição revolucionária, instiga a entrar em polêmicas malfadas como a de que “as urnas são seguras”, que “o Estado de Direito é inviolável”, ou que “todas as religiões devem ser respeitadas”, mesmo aquelas que se configuram como seitas de matriz imperialista.

O mesmo ocorre com o tema das armas. No passado os comunistas foram perseguidos, presos e muitos mortos, porque defendiam a luta armada; na atualidade quem defende e instiga a luta armada, em vista de iniciar uma guerra civil, é o chefe do poder executivo. Seu interesse é evidente, criar um ambiente favorável para a intervenção militar no país.

            Não há como fugir da verdade. Os atos pela defesa do Estado democrático de Direito e das urnas eletrônicas tornaram-se os pontos e urgência obrigatórios na conjuntura, mas, a lucidez política deve nos alertar que, em tempos de progresso econômico, os capitalistas querem a ordem e reprimem os trabalhadores quando reinvindicam direitos; em tempos de crise, eles ameaçam a ordem e colocam os trabalhadores para defenderem o sistema que os manterá ainda mais submissos.

            A superação das armadilhas virá quando nos convencermos que os processos devem ser de superação e não de manutenção ou de regressão. Assim como, os compromissos e as tarefas intermediárias não podem contradizer os objetivos estratégicos, podemos compreender que, se temos energia e organização para irmos às ruas para defendermos a Democracia representativa, podemos também permanecer nas ruas para implantar e assegurar a Democracia participativa.  

 

                                                                       Ademar Bogo