domingo, 27 de janeiro de 2019

ALTO E BAIXO


               
            Quando estudamos a dialética descobrimos que, em qualquer movimento existem as polaridades, mas, ao tratarmos do movimento concreto no interior de um sujeito, o alto e o baixo não podem ser relacionados, porque são atributos inconciliáveis. Por exemplo, não podemos dizer que este ou aquele indivíduo é um “alto baixo” ou, da mesma forma, relacionar um prédio em si mesmo pelas mesmas polaridades. O movimento dialético somente pode ser compreendido se for estudado dentro das referências crescentes ou decrescentes.
            Para efetuarmos a análise dialética, devemos tomar como ponto de partida, a referência da avaliação no padrão desejado e observar o movimento interno na substância observada. Na política podemos partir das próprias preferências a favor ou contra que, se a compreensão for verdadeira, ambas as conclusões chegarão ao mesmo lugar.
            Considerando as categorias, “alto” e “baixo” na conjuntura atual, após três semanas de governo, o referencial deverá ser o de estabelecer alguma medida que nos permita assegurar, como ponto de partida, aquilo que significa o alto e o baixo. Se a preferência é pelo “alto”, a pergunta inicial deve ser: é o alto no máximo grau ou pode vir a ser ainda mais alto? E, do contrário, é um alto que pode decrescer e ficar menos alto? Da mesma forma, devemos proceder com o baixo; é um baixo que pode vir a ser um menos baixo ou é um baixo que pode ficar ainda mais baixo? As concepções conjunturais das preferências atuais podem ser articuladas por meio das expectativas altas: o “Elesim” e, do lado das expectativas baixas, o “Elenão”.
            O que temos de material que sedimenta o caminho das primeiras semanas de governo, para aqueles que tínhamos expectativas baixas ou negativas no período da campanha eleitoral, em poucos dias, as evidências trouxeram a surpresa de percebermos que o baixo ficou ainda mais baixo.
            Os fundamentos para essa regressão avaliativa, se deve às várias iniciativas expostas, como o rebaixamento do valor do salário mínimo; a entrega para o Ministério da Agricultura da responsabilidade pela demarcação da terras indígenas, o reconhecimento das áreas de quilombos e a realização da reforma agrária; a ameaça da autorização da instalação de uma base militar dos Estados Unidos no Brasil; apoiar a intervenção militar na Venezuela; prometer transferir a embaixada brasileira para Jerusalém; aprovar a posse de armas de fogo, até quatro unidades por pessoa; preparar a venda das estatais com a perspectiva da entrega total do petróleo para empresas estrangeiras; continuar com as investidas de efetuar reformas e cortar os direitos sociais adquiridos, dentre outros.
            Dois fatos, no entanto, desmascaram a figura “mitológica” do governo. A primeira diz respeito ao combate à corrupção. Como se ela estivesse distante das paredes da própria casa, as apurações mostram que não apenas a corrupção, como também a violência paramilitar é consanguínea, está dentro do corpo dos que assinam o mesmo sobrenome. O segundo fato é o exílio do Deputado Federal Jean Wyllys que, com seu gesto revela a falsidade demagógica do combate à violência no país. Ele será o embaixador das causas humanitárias no exterior, enfraquecendo ainda mais a política preconceituosa externa brasileira.
            O rompimento da barragem de Brumadinho, se “não é culpa do governo atual”, é uma demonstração real do risco de vermos as próximas tragédias pela frente. As declarações de irresponsabilidade governamental com o meio ambiente, demonstram a intenção de  flexibilizar as leis, para assegurar para as empresas ainda mais facilidades para agirem irresponsavelmente na extração de minérios. É evidente que, as barragens construídas no alto das montanhas com terra e o mesmo material dos rejeitos, seja, pelo peso, dilatação com o calor do material depositado ou por um pequeno tremor de terra que naturalmente ocorre, reeditarão de forma mais constante as tragédias que já conhecemos. 
            Mas o equívoco mais gritante que rebaixou ainda mais o rebaixado índice avaliativo, foi a primeira apresentação internacional, na qual o discurso do presidente em Davos, não apenas demonstrou que de fato o governo ainda não tem um programa, mas que o presidente tem ao seu redor um coletivo de indivíduos inexperientes para assessorá-lo nas tarefas internacionais.
            Por fim, a insistência desqualificada de dividir o mundo por ideologias, desconhecendo primeiramente que a visão marxista do conceito de ideologia é que ela é o “obscurecimento” da verdade, ou seja, as ideias são usadas com a finalidade de esconder, ludibriar, acobertar as intenções tramadas é uma demonstração de ignorância teórica. Dizer que as relações internacionais "não serão ideológicas" e, submeter a nação aos ditames dos Estados Unidos, exibindo o boné do presidente Trump, como quem pensa com a cabeça alheia, é a demonstração do alto teor ideológico dos gestos e dos discursos governamentais que acobertam as verdadeiras intenções. O presidente deveria se dar conta de que, os maiores inimigos estão situados no despreparo político que marca o seu governo e o não nos marxistas ou nos países socialistas que lutam por uma humanidade cada vez melhor.  
            De outra forma, aqueles que tomam a referência dialética do "alto", em busca do "mais alto", deverão encontrar razões para provar que algo foi feito de melhor. A considerar pela popularidade, as pesquisas mostram que ela já é mais baixa do que a porcentagem obtida nas urnas. Isso revela que a análise oposta seguirá o descenso da sequência dos degraus indo pelo caminho do “menos alto”, levando ao mesmo lugar alcançado pela análise dos degraus do cada vez “mais baixo”, decrescendo até chegar ao nível da repugnante e criminosa lama da barragem do feijão em Brumadinho.

                                                                                                                Ademar Bogo

domingo, 20 de janeiro de 2019

O APARELHAMENTO



            Há diferentes formas de conduzir-se individualmente pela história. O filósofo Kant nos premiou com a elaboração orientadora de dois imperativos condicionadores: o “categórico” e o “hipotético”. O primeiro funciona na intimidade do sujeito, nasce conosco como um atributo da natureza, como ocorre com a cor dos olhos e funciona como uma força capaz de nos orientar para o bem. Por isso, mesmo que estejamos sozinhos, tal qual acontece com os nossos olho, que podemos ver o que está ao nosso redor, podemos também manter os princípios morais porque eles são orientados pela razão.
O segundo imperativo é mais perigoso. Ele nos surpreende com a  rebeldia hipotética e nos leva a experimentar as sensações, dar vazão aos instintos e traçar planos benéficos e escabrosos; maquinar violências, abusos e praticar atos que nos emancipam como seres humanos ou nos condenam e desmoralizam vergonhosamente. Nesse sentido, os dois imperativos podem levar a confundir o que é o real com o ilusório ou aquilo que é moral com o imoral. É no controle deste imperativo que nos projetamos ou nos desgraçamos.
            Poderíamos aqui tecer amplos comentários sobre as revelações cotidianas da política sem rumo; da justiça sem pesos e medidas justas; os assédios e abusos em leitos de consultórios médicos transformados pela vontade dos machos, em quartos de motel e tantas outras expressões de um sistema destrutivo.
Essas expressões que, nos últimos tempos foram atribuídas à política para deslegitimar a forma partidária de organização, iniciou e ainda é alimentada pelo mercado. São práticas mesquinhas que sustentam as relações de troca levando quase sempre o vendedor iludir o comprador para que compre o produto, oferecendo-lhes “descontos” atrativos, prazos compensadores e juros supostamente favoráveis. O fiado comercial assemelha-se ao “débito de favor” cobrado na política. Portanto, em todas as relações que perdem a transparência, há por trás, intenções obscuras que sujeitam as pessoas às próprias relações que estabelecem, fazendo-as colaborar nas disputas por cargos, nas indicações para funções etc.
            Por ora, temos no tema das “ilusões políticas”, o motivo para um breve aprofundamento. No Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels de 1848, há um alerta dialético que leva a perceber que, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Logo, desde Heráclito sabemos que tudo flui e nada é estático, inclusive as certezas.
            Todos aqueles e aquelas que militaram a partir da década de 1980 para cá devem lembrar dos profundos debates estabelecidos e, por meio do estudo sobre a "teoria da organização política" foram compreendidos alguns princípios, dentre eles, que a organização partidária é fundamental para se pensar e efetuar as transformações sociais.
            Durante toda a década de 1980, podemos dizer, que as diretrizes políticas, embora em meio a posições diferenciadas, tinham como certo, a orientação clássica de que o partido é a força dirigente e as demais forças, motrizes, fundamentais e auxiliares, convergiam para, por meio de suas ações, fortalecerem a estratégia política.
            No final da década de 1980 com a queda do muro de Berlim, tendo como consequência, em prejuízo do bloco socialista a junção das duas “alemanhas”  e, logo em seguida, ter ruído a composição da histórica República Soviética, ganhou ainda mais força o pensamento de que o partido político não podia ter a supremacia sobre as demais forças sociais e que o “aparelhamento” dos sindicatos e dos movimentos sociais era um erro, pois, eles se portavam como “correia de transmissão”.
            De fato, para quem defendia verdadeiramente o socialismo havia uma batalha gigantesca pela frente a ser enfrentada no “mundo das ideias”. É vidente que um grupo significativo de militantes de esquerda, baniram o socialismo de suas mentes e rebaixaram o conteúdo das ideias aceitando o receituário reformista e as opiniões das Organizações Não Governamentais (ONGs) que induziram a crer que “os paradigmas” haviam mudado e, por isso, havia que se mudar também as referências organizativas, colocando nas referências conceituais, não a classe, mas gênero, o território, as raças, religiões; enfim, os “novos movimentos sociais” e não mais o partido político. Com a devida consideração e respeito, muitos equívocos e desvios necessitavam de correção, mas o corte na concepção cerebral feriria profundamente a direção estratégica.
            Surgiram então as novas linguagens, que feriram as formas de tratamento do sujeito determinado; de “companheiros e companheiras” passou-se para o sujeito indeterminado “todos e todas”; do conceito ofensivo do “imperialismo” para o conceito conciliatório da “globalização”, tornando-o parte do conteúdo das palavras de ordem expressas em manifestações e, surgiram as ondas como a do “Fórum Social Mundial” que, nas suas diversas versões priorizou a livre iniciativa das ideias; exposições liberais, colocando-o como um instrumento de articulação de entidades, movimentos e partidos políticos de todo o planeta. No entanto, por falta de diretrizes reais pouco saldo organizativo restou.
            O movimento das contradições, presente em todos os sentidos, contribui para as mudanças históricas. Para nós, nesse item específico, a dialética foi deveras vingativa porque, enquanto os movimentos sociais em seu amplo sentido eram “desaparelhados dos partidos”, expressando gloriosamente a autonomia política, como se estivem emancipando-se de algo perverso e repressor, os partidos políticos foram aparelhados pelo Estado e induzidos a valorizarem as disputas institucionais como tarefa única.
            No entanto, na medida em que alguns partidos políticos tiveram êxito no intento de chegar ao governo, como relata Platão no mito de Er, quando as almas voltavam para terra e passavam pelo rio Letes, com sede, bebiam a água e esqueciam o que tinham vivenciado no período vivido no outro mundo, assim fizeram as nossas entidades partidárias e movimentos sociais: esqueceram tudo e entregaram-se à governabilidade como quem se entrega a um amante apaixonado vindo a formar o “novo aparelhamento conjugal” na casa que viria a aprisioná-los.
            Não é necessário discutir os retrocessos políticos e as derrotas, mesmo as institucionais sofridas, mas é importante verificar se aquelas posições que defendiam o protagonismo dos “novos movimentos sociais”, autônomos dos partidos, surtiu efeito? Onde estão agora aqueles movimentos, autônomos do partido político para procederem a reação organizativa e conduzirem a sociedade a um consenso de que o totalitarismo usurpador de direitos sociais está equivocado? Parece que o papel dos movimentos não era “desaparelharem-se” do partido, mas exigir que ele fosse o instrumento dirigente para a transformação social e não um mero farol para iluminar o caminho das políticas públicas.
            Diante da situação em que os paridos políticos foram domesticados pelo Estado, que ora sobrevivem do Fundo Partidário e que prezam pelas disputas eleitorais, é de se acreditar que tal aparelhamento continue direcionando as suas práticas. Por sua vez, os movimentos que já não encontram governos para aparelharem-se e os partidos políticos disponíveis oferecem apenas o aparelhamento para fazerem as disputas eleitorais, que destino darão para as suas autonomias?
            É conveniente pensar em mudar de estrada, mas não abandonar a roda ou perder tempo em reinventá-la. Permanentemente as teses socialistas nos mostram a importância do Partido Político como sendo o instrumento de organização e condução da luta pela transformação social. O partido não deve ser uma entidade burocrática, mas “a parte consciente” da sociedade que se propõe a lutar em favor do todo. Dentro desta parte há setores responsáveis; dentre as responsabilidades há aquelas da formulação dos planos, dirigir e distribuir tarefas.
            As tarefas também compreendem as lutas específicas que são desenvolvidas pelos movimentos e entidades que se orientam pelas diretrizes conscientes, formando assim, uma totalidade de forças que compõe esta parte que luta a favor do todo.
            Enquanto não nascer este instrumento dirigente, as forças tenderão a torcer que os inimigos se equivoquem e se desmoralizem. Cabe um alerta, um governo civil desmoralizado pode se arrastar e, mesmo desprezado ir até o fim previsto; um governo militar desmoralizado tende a usar o seu atributo principal que é a força. Em quaisquer circunstâncias, os trabalhadores sempre souberam qual é o seu papel na História e, os mais experientes descobriram com os próprios passos que: “quem acorda cedo faz o amanhecer”.
                                                                                                           Ademar Bogo