domingo, 20 de setembro de 2020

DO CAPITALISMO UTÓPICO AO SOCIALISMO CIENTÍFICO

Devemos a Friedrich Engels a formulação da tese denominada de “Socialismo científico”, explicação sobre a transição para o comunismo que Karl Marx fundamentou tão bem na crítica feita ao capitalismo, demonstrando que este modo de produção se encarregaria de produzir as contradições para a sua própria superação.

            Ao lançarem mão da ciência, Engels e Marx deram-se conta que o processo de superação do feudalismo ocorreu fundamentado no avanço das forças produtivas e na inovação das relações sociais, principalmente aquelas produzidas pelo sistema mercantil que não poderiam acontecer sem que houvesse uma classe apaixonada pela transformação radical da velha sociedade. A constatação de que, quando a Europa saiu da Idade Média, a classe média urbana era a força revolucionária existente. Ela vinha sendo criada ao logo do tempo e, aos poucos, a sua existência foi ficando incompatível com o regime feudal.

            Junto com a ascensão da burguesia, na modernidade, pelo menos a trezentos anos antes da revolução francesa de 1789, ressurgiu a ciência, a filosofia, a arte e a literatura que, cada uma a seu modo encarregaram-se de realizar o esclarecimento das visões ingênuas que vinham ainda dominadas pelos mitos do passado.

            O que a burguesia fez na Europa no período da transição, faz inveja a quem procura soluções para a apatia revolucionária dos tempos atuais. Sem deixar de fazer a disputa, no campo econômico contra a nobreza feudal, impondo, em meio à repressão militar e política as relações mercantis, Engels identificou três grandes batalhas que foram decisivas para enraizar o processo de avanço revolucionário: a reforma protestante incitada por Lutero que motivou duas grandes insurreições na Alemanha, em 1523 e em 1525; a segunda também como reforma protestante, foi liderada pelo francês João Calvino, que influenciou a partir de 1535 a criação de movimentos insurrecionais na Suíça e na Inglaterra. A terceira trata da insurreição motivada também pela influência calvinista, foi a “Revolução Gloriosa” na Inglaterra em 1689.

            Isso parece pouco, mas impulsionou a formação de uma base intelectual que influenciou o surgimento de pensadores na política, para citar apenas alguns, como na política, Maquiavel e posteriormente os diversos “socialistas utópicos”, na ciência como Francis Bacon; na filosofia, entre outros, Renné Descartes, John Locke, Rousseau, Kant;  na economia Adam Smith; u seja, em todas as áreas do conhecimento foram inovadas.

            A culminância do processo de transição dar-se-á, simbolicamente na Revolução Francesa, que será complementada pelas revoluções liberais ocorridas na grande maioria dos países europeus a partir de 1830 até 1852.

            Se voltarmos no início da Idade Média, iremos perceber que a nobreza feudal, formara-se dentro do modo de produção escravista e que, desde o século primeiro, d.C. começara o deslocamento para a agricultura, organizando os feudos e transformando os escravos em novos servos, a classe auxiliar de sua sustentação. Quando Império Romano caiu no século V, não havia praticamente mais poder algum centralizado em Roma; ele já estava distribuído pelos diferentes reinados.

            Isso tudo nos instiga a pensarmos na superação do capitalismo por meio da indicação de que deveremos construir o período de transição denominado de “socialismo científico”, tendo como fundamento, o próprio avanço do capitalismo.

            Como indicações para o estudo, devemos pensar que, embora os acontecimentos históricos e os processos revolucionários não se repetem, mas servem de lições e indicações do caminho a seguir. Em primeiro lugar, devemos perceber que a superação de um modo de produção por outro, se dá porque, o primeiro entra em decadência; não responde mais as necessidades de todas as sociedades, como foi o caso do escravismo e do feudalismo e já está sendo o capitalismo. No entanto, pela visão histórica, na infra-estrutura do sistema anterior forma-se uma base material que como substância física precisa de um lugar, e, como dois corpos físicos não podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo, ela se impõe sobre a base econômica anterior.

            Em segundo lugar, formaram-se bases intelectuais de análise e proposições que atacaram todas as posições que já davam sinais de insuficiência gnosiológica, ou seja, teórica, como também àquelas que se aparelhavam para proceder a produção ideológica que falseava à visão da realidade como, as religiões, as concepções educacionais, as compreensões dos verdadeiros problemas filosóficos e sociológicos das identificações e as proposições econômicas e políticas sem alcance de superação.

            Não podemos negar de que muitas confusões e limitações que ainda existem estão no modo de compreensão das relações atuais, em que, grande parte das forças de “esquerda” possuem na cabeça a superação do capitalismo real, pelo “capitalismo utópico”, e visam inserirem-se por meio dos governos na estrutura do Estado para realizarem as melhoria ordenadas pela Constituição Federal. E, por outro lado, atuam atreladas às religiões por motivos óbvios, de que são os espaços de aglutinação popular e também, por outro lado, temem o desgaste pelos ataques da velha moral conservadora.

            No aspecto econômico, falta-nos uma interpretação adequada ao processo de sustentação do movimento revolucionário, como os procedidos no passado, dirigidos pela nobreza feudal e pela burguesia moderna. O que tivemos em comum nesses dois processos, foi a criação de uma base econômica que impôs novas relações de produção. No caso dos feudos a substituição natural do escravo pelo servo, levou a afirmar a forma de produção feudal, baseada na “Corveia” (pagamento em dias de trabalho) ou a “Talha” (pagamento em produto).

            Para superar o feudalismo a burguesia agarrou-se à forma mercadoria e, com ela criou algo que a antecede, que é a indústria, e algo que a sucede, que é o mercado. Para produzi-la e comercializá-la criou o proprietário da força de trabalho que pode vendê-la como uma mercadoria, porque, não sendo proprietário dos meios de produção, se quiser viver, terá que trocar a força de trabalho pelo salário.

            A pergunta que as forças de esquerda e intelectuais com ela ou não envolvidos, não conseguem responder é: se a nobreza, para superar o escravismo, criou a sua base econômica nos feudos, e, se a burguesia, para superar o feudalismo criou a indústria e o comércio, qual será a base econômica a ser criada pelos trabalhadores para superar o capitalismo?

            Parece uma pergunta sem resposta, isto porque, se o trabalhador é proprietário da força de trabalho ele depende do mercado para encontrar um comprador para vendê-la, que é o mesmo sujeito burguês, dono da indústria e do comércio. Os próprios trabalhadores que trabalham em cooperativa ou agricultores que não vendem força de trabalho dependem do comércio para distribuírem os seus produtos.

            Por outro lado, a resposta à mesma pergunta é bastante simples, se aplicarmos o paradoxo da vida e morte. Ou seja, quando os burgueses lutaram para implementar o modo de produção capitalista, aceitaram e submeteram-se às leis da própria formação da riqueza que se resume em três formas: mercadoria, dinheiro e capital. Nesse sentido, para ser rico, um burguês precisa ter uma ou as três formas de riqueza e obedecer as leis econômicas que se localização na produção, concentração, centralização e expansão do capital.

            No entanto, como burguês não produzia a sua riqueza, sozinho, ele teve de transformar o antigo servo em proprietário de sua força de trabalho para comprá-la. Foi, portanto, essa força de trabalho que produz a riqueza historicamente, mas, devido uma lei da produção, que denominada como “mais-valia” ao explorar a força de trabalho, retira do trabalhador o salário que ele recebe e mais a parte que ficará acumulada como excedente e que, anexado ao valor investido, faz crescer o capital e a riqueza.

            Se a nobreza feudal criou o feudalismo, ela não poderia ser a força discordante para vir a criar o capitalismo. Da mesma forma, se a burguesia criou o capitalismo, não será ela que se interessará por destruí-lo. Logo, como lemos na teoria do “Socialismo científico”, o socialismo virá pela luta dos trabalhadores. Mas qual seria a base econômica destes para implodirem o capitalismo? A mesma que sustenta os capitalistas.

            Não há outra alternativa. Toda riqueza, seja ela vinculada à mercadoria, na acumulação do capital e o dinheiro, tem a sua origem na extração da mais-valia, ou se quisermos, no trabalho não pago aos trabalhadores. De modo que, ao longo da História do capitalismo, os trabalhadores ao produzirem a riqueza para os burgueses, produziram também a sua base material, para superarem o modo de produção capitalista. Falta criar as condições para apossar-se desta riqueza e distribuí-la. Isto não pode ocorrer no capitalismo, precisa ir além.

            Os capitalistas utópicos de esquerda que desejam “humanizar” o capitalismo fazem um grande mal aos trabalhadores e as massas desvalidas, porque, prolongam a agonia dos sofredores que depositam esperanças em processos falseadores, como as disputas eleitorais; as políticas públicas; as ajudas emergenciais etc., fazendo com que, as revoltas semelhantemente as que a burguesia fez para implantar o capitalismo, sejam adiadas e o capitalismo decadente continua a fazer vítimas.

            Tudo depende de atitudes. Elas precisam marcar posição em todos os sentidos, mas, principalmente na política, que remete a ter que fazer escolhas e tomar decisões. Enquanto os representantes dos trabalhadores acreditarem em soluções capitalistas, a burguesia continuará sendo classe dominante.

                                                                                  Ademar Bogo

domingo, 13 de setembro de 2020

OS PONTOS DE CRISE

         Em grande medida, nas análises de conjuntura feitas virtualmente por parte de cientistas políticos, economistas, historiadores, lideranças políticas, predomina a referência da palavra “crise”, que vem acompanhada de múltiplos adjetivos, como: econômica, política, social, ecológica, sanitária, educacional, cultural, ética e moral, dentre outros. Na verdade, o que temos em pauta há pelos menos duas décadas nas práticas reflexivas, é uma tremenda confusão no entendimento do que significa um estado de “decadência” e outro de “crise”.

            Para facilitar o entendimento hermenêutico da das palavras e a razão do uso das mesmas devemos entender a situação como o fez Gyögy Luckács quando escreveu a “Ontologia do ser social”, expressando-se ali da seguinte forma: “É preciso ver Hegel do mesmo modo como Marx via Ricardo: No mestre, o que é novo e significativo se desenvolve arrebatadamente, em meio ao ‘esterco’ das contradições, dos fenômenos contraditórios”. Ou seja, muitas visões desenvolvem-se junto com a visão que pretende ser dialética e que a contaminam.           

É evidente que os “mestres analistas”, com seus respeitados méritos, ao mergulharem nessa profunda fossa céptica, trazem para fora, os adjetivos enlameados e os colocam na grande peneira do “ilusionismo político” confundindo-a como sendo o espectro da crise que, ali, após um curto espaço de tempo, talvez, menos de uma hora, secam como folhas verdes postas ao sol. A razão disso não está apenas no ponto de partida da análise que adjetiva os aspectos das contradições, mas na quantidade de “esterco” que confunde decadência e crise.

            Ao descermos até a definição originária do conceito de “crise” percebemos que seu uso e colocação na análise estrutural do capitalismo, na atualidade, é inadequado. Krisis, no vocabulário grego significa: “escolha, seleção, decisão”. No Latim, “crisis”, significa, “momento de decisão e de mudança súbita”. Os historiadores nos dizem que na antiguidade, a medicina tinha, tanto para a cura quanto para a morte pontuados os períodos a cada sete dias. Com base nas definições originárias do termo, queremos mostrar aqui que, “não vivemos um tempo de crise”, mas sim de “decadência” e, as condições para sairmos dessa situação remetem a termos que elevar as verdadeiras contradições para fora do “esterco da política institucional”, interrompendo a queda em direção ao aprofundamento da decadência para o estado de crise onde se possa tomar conscientemente algumas decisões.

            Entendemos que esta é a razão do porque, a grande maioria das análises não conseguem apontar para “quefazer” que tenha consistência. No estado de decadência, a pressão estrutural puxa para baixo todos as forças como se fosse um objeto em queda livre, que tem apenas como resistência o atrito do ar e, mesmo que vez em quando haja uma suposta parada, o processo de queda não se interrompe e o destino é a barbárie. A única maneira de interromper a queda é posicionar as forças contrárias para que provoquem a crise que abre possibilidades para as novas contradições.

            É isso que devemos entender quando dizemos que devemos “elevar as contradições para o estado de crise”. É justamente deixar de ser coniventes com a decadência e coadjuvantes das classes burguesas, tentando ajudá-las encontrar soluções para a decadência do capitalismo que nos leva a degraus cada vez mais baixos. Dizemos isto porque, essa prática tem se tornado uma regularidade no comportamento das forças de esquerda, nas últimas décadas.

Para que comecemos a pensar, basta observar o que foi a transição e saída da ditadura militar e implantação da ilusória democracia. Todos os esforços para a realização das eleições diretas, na base do entendimento, havia a intenção de concertar os estragos feitos pelos militares. A ilusão de que o processo nos havia empurrado para cima, com o neoliberalismo vimos a decadência puxando-nos para baixo. Então interferimos para frear o movimento de queda, e conseguimos gerenciar por 13 anos o capitalismo mas, reiniciou o movimento decadente, veio  o golpe de 1916 e depois, a volta dos militares ao poder pelo voto direto, a mesma arma construída com o movimento das “Diretas já” de 1984. Quais foram as respostas para impedir o avanço da decadência para um degrau mais baixo? “Fora Temer”, “Lula livre”, “fora bolsonaro”; “Pagamento de R$ 600.00”, “Eleições municipais”.   

Esse processo nos mostra claramente que não há “crise” porque contra a decadência  não há resistência. No máximo que estamos assistindo é o desejo de voltar a governar o país em um degrau ainda mais baixo da decadência em direção à barbárie. Para fins de tornar didática a explicação, situaremos a decadência em três aspectos fundamentais: a) do capitalismo; b) dos processos revolucionários; c) da cultura intelectual

            Em primeiro lugar, o destaque para o estado de decadência e não de crise do capitalismo, pode ser compreendido por todos estes aspectos adjetivados nas análises já citadas. O sistema capitalista, estruturalmente está em decadência e já entrou na fase destrutiva. A reação é a de qualquer indivíduo que, ao iniciar uma queda, busca sustentar-se em qualquer coisa que esteja ao alcance das mãos. Como o capitalismo não encontra nada que suporte o seu peso, tudo, das grandes as pequenas coisas, estão sendo puxadas pra baixo. Daí a sensação de que tudo está em “crise”, na verdade tudo está decaindo: a economia, a política, a cultura, a ética, o bom senso, os direitos etc., porque o capitalismo não tem mais repostas a dar para o seu próprio envelhecimento precoce.

            Em segundo lugar temos a decadência dos processos revolucionários que, tendo sido desclassificados pelo sistema estrutural das classes produtivas e pelo encantamento do legalismo político, que fetichizou o poder, oferecido para as esquerdas na forma de conuista governamental, e não como conquista e superação do Estado, rebaixou também o alcance da estratégia, fazendo com que os processos não tenham um fim preconcebido. Luta-se para alcançar os meios (governos) que realizariam os fins, como, o emprego, a moradia a educação para todos etc., sem considerar que a finalidade maior seria a superação do capitalismo.

            As mudanças nas relações de produção destruíram as formas clássicas de organização, sindical e partidária, isto porque a primeira era a base de sustentação da segunda. Na medida em que não há organização da classe o partido deixa de ser o represente o veiculo transportador da consciência de classe.

            E, em terceiro lugar é a decadência da cultura intelectual. Estamos passando por um momento piorado àquele vivido por Kant, que enfrentou o racionalismo e o empirismo que disputavam a supremacia do conhecimento, no entanto, havia a classe burguesa que fustigava com toda a sua consciência individualista, para que se encontrasse uma justificativa para derrotar os reis, o poder feudal e o Direito Natural. Kant “ao despertar do sono dogmático”, estruturou a explicação dos tipos de juízos. O “analítico” que não traz conteúdo nenhum, apenas repete o que se diz do sujeito: exemplo atualizado: “o governo é entreguista”, o predicado repete o que é o sujeito. O juízo sintético, baseia-se nas experiências particulares feitas; exemplo atualizado “A solução está no voto”.  No entanto, Kant demonstrou que se a burguesia como classe ascendente se quisesse conhecer deveria “criar novos juízos” que surgissem de sua própria razão e se tornasse prática social.

Atualmente vivemos pressionados pelo “espiritualismo conservador” e o “anti-comunismo neo-nazista”, sem a força de classe que instigue para que, tanto a intelectualidade quanto as organizações partidárias, sintam-se preocupadas para criarem “os próprios juízos”, propondo a superação do capital, do Estado capitalista, do Direito positivo e da moral conservadora. Sem isto, permaneceremos misturados ao “esterco das contradições” criadas e impostas pelos anúncios da distração burguesa que, ao posicionar-se, intencionalmente arrasta todos os analistas, por uma semana, para divulgar o factóide desviante das atenções.

O enfrentamento à decadência que ruma ao estado de barbárie, se faz mediante a colocação de “Pontos de crises” que visem a contaminação da totalidade do sistema. Os “pontos de crise” começam por impedir a decadência e isso se faz com, mobilização, elaboração, organização e consciência.

                                                                                                       Ademar Bogo

                                                                        

 

           

                                                                                                          

domingo, 6 de setembro de 2020

ESTADOLATRIA

            O filósofo Antônio Gramsci, cunhou este conceito de “estadolatria”, para explicar o comportamento de grupos sociais, que se colocam a favor do Estado o qual abriga o “governo dos funcionários” que, se por um lado aparenta ser uma opção necessária, jamais pode tornar-se um fanatismo prático e teórico.

            O Estado representado pelo “governo dos funcionários” tornou-se o invólucro da forma política que, tanto as forças de esquerda ou as de direita, no comando de seus partidos políticos, tentam romper, penetrar nele e governar de dentro para fora. A “estadolatria”  tornou-se um sonho de consumo a ser alcançado por aqueles que compreendem ser a política a arte de reunir forças para pintar a “ordem democrática”, com as cores de  suas crenças, sem mexer nas estruturas do sistema de dominação.

            Nas crises econômicas e sociais as cores e as crenças enquadram-se na institucionalidade para dar forma ao Arco-Íris, como ocorreu no passado, quando Noé saiu da Arca depois do dilúvio e entregou a Jeová os animais salvos. Recebeu em troca, como aprovação do que havia feito o arco de cores que tocava o céu e a terra. Apesar de todas as mortes, a ordem moral divina foi continuada, mas, os animas em busca de alimentos, penaram por um longo tempo, sem nenhuma orientação, guiados apenas pelos instintos naturais, até que a terra enxuta refez as paisagens e ofereceu o novo alimento.

            A pandemia do Covid-19 é o novo dilúvio. Os humanos como animais recolhem-se em suas arcas e alimentam-se com aquilo que “noé” lhes oferece. No, entanto, alto se vê todas as cores movendo-se para formar o “arco-íris” que virá para “moralizar a ordem”, com as forças partidárias que, por unanimidade concordam com a “estadolatria” e que o “governo dos funcionários” deve transformar o auxílio emergencial em auxílio permanente, até que a terra arrasada pela doença refaça a vegetação para que “os rebanhos” imunizados, possam encontrar formas de subsistência. Quanto a isso há total concordância, o único ponto discordante é se o auxílio deve ser de R$ 600,00 ou 300,00 reais.

            A “estadolatria” é tão dominadora que antes mesmo do dilúvio estar amenizado, “Noé”, agora encarnado pelas forças partidárias, libera os “animais políticos”, como diria Aristóteles, para que saiam das “arcas” e sigam para as urnas para confirmarem a harmonia da velha divindade da “ordem democrática burguesa”, com o povo faminto, tornando assim, o “direito ao voto”, a ação mais radical que se poderia desferir para contestar o poder do capital e o projeto neoliberal. Sendo assim, conforme o filósofo Hegel, o Estado, como o “espírito absoluto”, entra com R$ 300, 00 reais e, as forças de esquerda oferecem os pobres, como Noé ofereceu os animais salvos, para afirmar a tática eleitoral, suprassumo de processos políticos cooptadores e sequestradores do senso crítico.

            As evidências de que a política contestatória perdeu o conteúdo é indiscutível. As várias décadas da “estadolatria” fez com que, no âmbito das disputas políticas, as confrontações ficassem presas ao sim e ao não: “menos Estado”, “privatizações”; “liberação para compra de armas” etc., e, nada de buscar alternativas para a superação do capitalismo.

            A “estadolatria” fez esquecer os conceitos válidos produzidos pela ciência política que levou ao triunfo as revoluções em países, tidos na teoria de Gramsci, como tipos “Orientais” e “Ocidentais”; as primeiras caracterizadas por realidades econômicas e sociais, incipientes ou “gelatinosas” como foi o caso da Rússia e da China; as segundas, lastreadas por fundamentos mais estruturados.  Nestes países também foram confrontados os dois conceitos de guerra de “posição” e de “movimento”, quando, a primeira, devido à existência de sociedades menos organizadas, com classes sociais menos estruturadas, foi a forma escolhida pelos países que pensaram em um processo de decisão rápida, ou de tomada pela força o poder do Estado.

            Por outro lado, os países de estrutura mais consistente, os “Ocidentais”, segundo Gramsci, teriam que impulsionar outro processo político denominado de “guerra de movimento”. Nesse as forças irão conquistando posições e,  aos poucos chegarão ao triunfo. Essas duas formulações induzem a pensar também, nas formas organizativas, ou mais propriamente, partidárias. Para a “guerra de posição”, necessita-se de um “partido de quadros” e, para a “guerra de movimento”, que vai acumulando forças e ganhando espaço dentro das estruturas sociais, a referência é para a organização do “partido de massas”.

            Diante do processo de globalização, das economias nas últimas décadas, a centralização e comando da política, pelos capitais produtivos e especulativos, que se lançam sobre os territórios tolhendo as soberanias nacionais, em termos de conceitos, somos “sociedades Ocidentais” ou ao contrário, “sociedades Orientais”? E se somos, uma ou outra, que forma de organização precisamos estruturar para fazermos os processos apontarem para a superação do capitalismo?

            Todas as análises nos levam ao entendimento de que, o uso das tecnologias interfere violentamente nas formas produtivas e desmancham a ordem tradicional iniciada na Revolução Industrial. As classes trabalhadoras que anteriormente se formavam, conscientizavam e agiam reunidas no mesmo local de trabalho, foram dispersadas e, os processos de produção, circulação, troca e consumo tendem a se dar por meio da informalidade, na qual o  indivíduo sobrepõe-se à coletividade. Nesse sentido, embora pareça confuso, os avanços tecnológicos não fizeram as sociedades avançar para o tipo “Ocidental”, pelo contrário, do ponto de vista social e político, fizeram-nas regredir para as sociedades de tipo “Oriental”, com características acentuadas de propensão à barbárie.

            Parece então que, se os processos “noelinos” de entregar os pobres para serem atendidos pelas políticas emergências, como os animais que desceram da arca, famintos e sem consciência esperaram que a natureza rebrotasse, enquanto o chefe recebia o Arco-Íris e o reconhecia como a aliança institucional, política e moral feita, não é o suficiente para mudar a correlação de forças, nem tampouco conseguirá mudar os rumos da política.

            Temos duas indicações de sociedades de tipo “Oriental” que nos mostram a necessidade de organizarmos o “Partido de quadros”, ou se quisermos de militantes conscientes, para conduzirmos em cada país o processo de superação do capitalismo, que foram as mobilizações na Grécia de 2013 e as do Chile em 2019; ambas acomodadas depois de um tempo de ações e resistência, por falta de um partido consciente que pudesse encaminhar os esforços para o desfecho vitorioso.

            A juventude, trabalhadores e intelectuais teremos que escolher entre, assistir o velho Noé representar, por meio da malfadada democracia representativa, que reduz a vontade da maioria ao poder de um grupo, deixando ao povo a única saída do voto, ou superar o “velho” líder e a velha forma de reunir cores para formar o Arco-Íris que encanta, mas não suplanta.

                                                                                                                 Ademar Bogo