domingo, 31 de maio de 2020

A VOLTA DO BODE


                                                                       
            O “bode expiatório”, essa figura lendária e religiosa criada para dar vazão à “expiação”, quando a cerimônia se realizava com a presença de dois bodes. Um deles era sacrificado, mas o outro após receber a carga pecaminosa era levado e abandonado no deserto para que lá sumisse.
            O filósofo francês René Girard (1923-2015) quando escreveu sobre “O bode expiatório e Deus” mostrou-nos que a relação entre o social e o religioso está na origem da sociedade e que a relação direta com os mitos é, em todas as épocas, uma necessidade individual e também coletiva. Ou seja, para que a sociedade funcione e se mantenha unida, ela precisa criar inimigos comuns, porque, do contrário, o “desejo de imitação” entre indivíduos, leva à multiplicação dos conflitos particulares.
            A maneira tradicional de extravasar o “desejo de imitação” é contaminar propositalmente outros indivíduos com potencial de enfrentarem o mesmo opositor que passa a ser o mesmo inimigo de uma coletividade, composta por indivíduos invejosos que se reúnem a uma massa que sequer sabe por que escolheu aquele inimigo para lutar contra?
            A tradição dos sacrifícios oferecidos para as divindades vem desde os primórdios das religiões. As fraquezas humanas sempre foram grandes demais para assumi-las sem nenhuma justificativa. Sempre houve que culpar alguém para diminuir o peso da culpa. Assim foi com a cobra que tentou Eva para que comesse a maçã e com o próprio filho de Deus que, linchado em praça pública teve a inocência reconhecida só depois da morte. Na idade Média, a Inquisição serviu como instrumento de satisfação da eliminação principalmente de mulheres e, na Idade Moderna, a adoção da forma de produção escravista, os anseios e ressentimentos foram direcionados contra as raças, índia e negra, nas três Américas, justificadas pelas revoltas que foram na totalidade massacradas. No século XX o racismo adotou a forma de nazismo, incentivando o ódio e o desejo de vingança contra judeus, principalmente.
            O que poucas vezes nos damos conta é de que, em todos os tempos, as verdadeiras causas para os sacrifícios, não estão localizadas no sagrado, mas na crise civilizatória. O sagrado é apenas uma mediação para que o desejo político se realize. É o momento, em cada tempo histórico, que o “desejo da imitação” faz a política subir aos altares e, lá de cima, anuncia quem deve ser o “bode expiatório” da cerimônia.
            O “desejo imitador” na História da humanidade move as forças dominantes por dois sentidos: o primeiro, quando visa apropriar-se do sucesso do outro. As guerras geralmente são declaradas por interesses econômicos contra indivíduos bem sucedidos ou que possuam aquilo que o declarante deseja. O segundo sentido é a constituição de um mito que lidere, por meio de fantasias arrogantes, a reunião de forças em torno de um inimigo comum para sacrificá-lo.
            No Brasil, o bozonazismo surgiu como a ilusão unificadora das forças dominantes que produziu a alienação da pobreza religiosa e da classe média vingativa em torno mito da corrupção na política. É evidente que esta engenharia política, não surgiu da cabeça do “mito”, isto porque, o mito é sempre uma criação humana, ele não pensa, apenas age, segundo os desejos que os seus criadores incutem nele.
            Para tanto, seguindo o roteiro comum, o primeiro passo da investida “purificadora” foi escolher os “dois bodes” (como prega o livro do Levítico), um para ser sacrificado, o outro para ser enviado ao deserto carregando os pecados dos capitalistas. 
             O sacrifício primeiro, orientado pelo imperialismo, fixou-se no combate ao projeto político denunciado como “Foro de São Paulo”, demonstrando nitidamente que o “mito brasileiro” era parte de uma invenção, para derrotar as articulações de esquerda na América na Latina. Mas, para justificar os sacrifícios dos governos progressistas, havia que se criar um consenso em torno da corrupção governamental e, os governos mal posicionados caíram gradativamente.
            Para que esse sacrifício ocorresse, precisou que houvesse um movimento aglutinador das forças “invejosas” e interesseiras, tradicionalmente conhecidas como, empresas; meios de comunicação; poder judiciário; capital especulativo; partidos políticos, tidos como de centro; setores militares e igrejas neopentecostais e setores de outras, para consagrarem a realização do sacrifício.
            Sacrificado um dos bodes, o outro foi enviado ao deserto, e eis então que, o despreparo para lidar com os “desejos imitadores” e as circunstâncias históricas colocaram o bode a pegar o caminho de casa. Desacostumados a lidar com períodos históricos sem oposição, os criadores juntamente com os apoiadores do mito, desconheciam que as contradições continuariam a existir dentro das próprias fileiras. De imediato vimos o desacordo entre os meios de comunicação, depois entre os próprios aliados, iniciando pelos governadores, ministros e, por fim, entre os próprios poderes. De outro lado, as circunstâncias históricas, inicialmente despercebidas, por meio da pandemia inusitada, fez crescer o deserto aonde o bode expiatório havia sido abandonado, colocando-o novamente próximo de casa, mostrando que os pecados, como a corrupção e a crise econômica tinham ficado no mesmo lugar.
            A situação, embora pareça indefinida, permite que se faça uma leitura antecipada do conteúdo das páginas ainda não abertas do livro, cujo nome poderia ser: “A vingança do bode”. Os motivos para realizar esta leitura antecipada nos vêm dos aspectos seguintes.
            Em primeiro lugar, para que um grupo com diferentes desejos se mantenha coeso, precisa de que haja uma liderança capaz de cativar e despertar os ânimos a favor das imaginações elaboradas. O mito, além de ser frágil na preparação, envergonha a coletividade com as suas atitudes. Em segundo lugar, para que o bode enviado ao deserto permaneça lá, é preciso que as justificativas sejam sustentáveis, mas pandemia  que estendeu o deserto, está mostrando que o maior culpado pelo agravamento da crise é o governo central e, como o “outro bode” (forças de esquerda) já foi sacrificado, não há quem culpar. Em terceiro lugar, uma coalizão de forças somente se mantém, se houver ganhos permanentes. Na medida que o governo federal nada tem a oferecer, a não ser armas, os aliados começam a deixar o barco. Em quarto lugar, o contágio que arrebanhava as pessoas por meio de informações mentirosas, na medida em que se revelam os culpados, os indivíduos alienados começam a se dar conta que, o nazismo que prega a pureza e a superioridade da raça branca, simbolizada pelo copo de leite branco, atinge violentamente a grande maioria dos devotos do movimento pentecostal composto por descendentes de negros e pobres brasileiros. De modo que, o bode voltou do deserto, trazendo de volta para os seus sacrificadores todos os seus pecados.
            Por fim, segundo Freud, “um grupo só pode ser excitado por um estímulo excessivo”. Qual? Todos os estímulos que animaram esse movimento vocacional ao totalitarismo, já foram debelados pela própria conduta dos lançadores de mentiras. Faltam palavras para formular ideias, e as que se pode ouvir são vaticínios, xingamentos e palavrões.
            E os resquícios exacerbados do neonazismo? A isso também podemos responder com as sábias palavras de Freud: “Um grupo é um rebanho obediente, que nunca poderia viver sem um senhor”. Com a queda do senhor, o rebanho se dispersa. Cabe às forças conscientes impedir que ele venha a se reunir novamente.
                                                                                              Ademar Bogo

domingo, 24 de maio de 2020

RIVALIDADE E INIMIZADE



            Em 1921, quando Sigmund Freud escreveu o artigo, “Psicologia das massas e análise do eu”, desejava refletir sobre o fenômeno do nazifascismo que, posteriormente, ele mesmo como descendente de judeus, também seria vítima das perseguições do mesmo.
            Freud, baseado em estudos de Le Bon, explicou o fenômeno do seguinte modo: um indivíduo inicia, na infância, as suas relações pessoais com os pais, irmãos, amigos, médico e passa a ser influenciado por eles. Na vida social, na medida em que passa a existir a convivência com um grupo, forma-se também uma consciência coletiva que leva cada membro pensar e agir diferentemente de como pensaria e agiria se estivesse sozinho. Essa unidade de pensamento e ação acontece porque há algo no grupo que une a todos e isso ocorre porque os “fenômenos inconscientes” desempenham papel preponderante sobre a vida orgânica e também psíquica de qualquer pessoa.
            Sendo que, ao inserir-se em um grupo o indivíduo passa a desenvolver um sentimento de poder invencível, ao “perder” a sua personalidade consciente começa a obedecer as sugestões de alguém, por isso, tem a sensação de fazer desaparecer as noções de impossibilidade. As motivações são excitadas por estímulos excessivos de uma liderança que faz o grupo acreditar que o improvável não existe.
            Ao discorrer sobre os princípios éticos de um grupo Freud considera que, quando os indivíduos se reúnem podem surgir reações de duas maneiras: na primeira, todas as suas inibições individuais desaparecem e manifestam-se os instintos cruéis e destrutivos, como se os seus membros vivessem em uma época primitiva; na segunda, podem ocorrer realizações de abnegação, desprendimento e devoção ideal. Mas, acima de tudo, os grupos não pretendem a verdade, exigem a presença de ilusões e não podem passar sem elas; “são quase tão intensamente influenciados tanto pelo que é falso quanto pelo que é verdadeiro”, por isso, um grupo “é um rebanho obediente, que nunca poderia viver sem um senhor” que, como líder goza de um poder misterioso e irresistível assegurando o seu prestígio e credibilidade pelas ideias fanáticas que emite.
            A relação entre o líder e as massas é imprescindível porque, enquanto o primeiro precisa da força para fazer valer as suas ideias, as massas precisam de autorização para agir e é nessa transmissão de estímulos que a “rivalidade” se torna “inimizade” irreconciliável.
Na política, na última década estamos vivenciando esse fenômeno também no Brasil. Ao ser despertado e incentivado pelos interesses capitalistas o desejo perverso de cada um, o “líder” captou e transformou em sentimento de ódio a força de uma facção que chegou ao governo e agora, precisa manter em evidência os inimigos para que o grupo sinta a satisfação de estar agindo.
            Na medida em que a rivalidade, pela presença do princípio dialético da unidade e luta dos contrários existe (como era até a ascensão do grupo de estrutura perversa), a competição é tida como natural; as disputas e o desejo de vitória, se não se ocorrem pela cordialidade não destroem  as partes que se enfrentam. No entanto, quando o ódio permeia as relações de confronto, os rivais são vistos como inimigos e, então, entra em ação o princípio da lógica formal, que prega a “exclusão do terceiro” elemento; ou seja, o grupo e o líder formam uma unidade, intolerantes com a oposição que, como o “terceiro elemento”, oportunamente deve ser eliminado fisicamente. Aí está a justificativa para o armamento da população e a ameaças constantes sustentadas por uma linguagem desaforada e desbocada.  
            Mas é importante compreender que essa relação não é espontânea e sim propositalmente construída. Por isso, a mensagem precisa ter uma linguagem ofensiva que comece por ferir a moral do outro por meio da ofensa e da diminuição de sua importância. Nessa linha a mentira aparece como a força ideológica do obscurecimento do real, expondo uma “verdade” fantasiosa que sempre justifica o erro e transfere a culpa para o “terceiro excluído” que pretendem eliminá-lo, depois ou durante o processo de eliminação das entidades e instituições.
            A política gerida por meio de instintos violentos, somente pode alimentar-se pela existência de grupos que se constituam como facções que precisam de inimigos para instigar a irracionalidade da ação. Freud nos assegura que, o indivíduo no grupo desse tipo, está sujeito à redução da sua capacidade mental. O seu cérebro é o estímulo coletivo.
            Esse fenômeno da capacidade mental reduzida, na medida em que está submetida à emoção e aos desejos punitivos, acelera as atividades grupais, no caso, das facções políticas e seitas religiosas, de acordo como foram pensadas pelo poder manipulador identificado como imperialismo endeusado pelo líder.
Essas forças superiores consciente de que o capitalismo entraria em crise prolongada e, sabendo que as forças de repressão e os governos desaparelhados pelo modelo neoliberal não imporiam a ordem, apelaram por resgatar a “psicologia das massas”  já experimentado pelo nazismo, para induzir parcelas da sociedade, compostas por indivíduos tomados pelas “pulsões de morte” para colocá-las na linha de frente das disputas. Estudiosos identificaram os sujeitos dessa reação, como “classes médias”, porque, por natureza já alimentam sentimentos de rejeição, preconceitos e atitudes egoístas. Para além de que os seus representantes estão em todos os poderes e postos de comando na sociedade.
            Para evitar uma reação organizada das forças contrárias, a estratégia foi de cooptar, desmoralizar e criminalizar lideranças que pudessem motivar a desinibição das massas, despertando nelas, por meio de estímulos positivos, um enfrentamento direto com a perspectiva de superação do capitalismo.
            A estratégia de estrutura perversa continua em vigor. Há alguns fatores que podemos  identificar que custam a se dissolver, como: a) ainda não se desfez totalmente a unidade inicial dos agrupamentos: empresariais, midiáticos, religiosos, político partidário, militar e também jurídico que hegemonizaram essa ofensiva; b) a militância de esquerda “desagrupada” das massas e, carente de lideranças, por tê-las contido em candidatos para a única batalha das disputas eleitorais. Sem lideranças não há incentivo para que as massas enfrentem as práticas neonazistas e agarrem a ideia do impeachment; c) por sua vez a crise econômica ainda não despertou os instintos incontroláveis de sobrevivência que farão as massas, por necessidade e, mesmo sem lideranças superarem espontaneamente a inibição coletiva d) o capital especulativo ainda encontra espaço para acumulação.  
            Por outro lado, as fragilidades do projeto neofascista, são bastante evidentes que poderão, se não houver um freio brusco, enfraquecê-lo muito rapidamente. Podemos destacar: a) a revelação de que a escolha de lideranças sem idoneidade foi equivocada e  possui mais defeitos do que aquelas as quais se propuseram  destruir. Ou seja, o mito como criatura vira-se contra o próprio criador e pode devorá-lo; b) os erros grosseiros na política econômica, que maltratam as massas que deveriam engrossar o contingente de defesa da vontade do líder; c) a escolha e reprodução de inimigos “indestrutíveis”, como os veículos de comunicação tradicionais; governadores bem posicionados e ex-aliados com admiração, bem como algumas esferas do poder judiciário; d) o armamento intencional de setores da população, que podem rejeitar as ordens da liderança perversa, quando esta nada mais tiver a oferecer e, como diz a letra do Hino da Internacional, na sua quinta estrofe; “Logo verá que essas balas, são para os nossos generais”.
            Em síntese, a crise conjuntural, pela primeira vez após o golpe de 1964, chega ao ponto mais critico e tenderá a forçar encaminhamentos nas próximas semanas, com duas perspectivas: a) um novo golpe de Estado, iniciando pelo ataque aos poderes Legislativo e Judiciário, tendo um alto custo para as forças armadas e, b) a aceleração do desgaste, político e moral do governo que será cada vez mais agravado pelo prolongamento da pandemia. Nenhuma das duas soluções trará alívio à depressão econômica, mas a vitória da primeira alternativa poderá satisfazer o desejo sanguinário das facções e milícias que anseiam por eliminar fisicamente inimigos, escancarando o instinto de perversão ainda não mostrado. Neste caso, as forças democráticas teremos de escolher, entre a morte pelas balas e pelo coronavírus ou a liberdade. É preciso mobilizar-se para salvar a dignidade do povo.
                                                                                              Ademar Bogo

domingo, 17 de maio de 2020

O ENTENDIMENTO HUMANO


                 
            O filósofo inglês John Locke, por volta de 1700 ao escrever sobre o tema do “entendimento humano”, situou a ideia como objeto do pensamento. Acontece, disse ele, que a mente humana possui várias ideias que são expressas por termos como brancura, dureza, doçura e outras, que remetem a uma pergunta: como elas são apreendidas? Certamente, o entendimento do filósofo era de que a palavra é uma representação das intenções, desejos, preocupações, planos, malvadezas e tudo o mais que possamos imaginar de bom e de ruim.
            Combatente ferrenho das ideias inatas, Locke não abriu mão da certeza de que as ideias derivam da sensação ou da reflexão. O entendimento então fundamenta-se em duas fontes: a dos objetos externos que suprem a mente com as qualidades sensíveis e a da própria mente supre as ideias com as próprias reflexões. Sendo assim, os indivíduos, municiados por mais ou menos ideias, de acordo com a variedade de objetos que estão em contato e da qualidade das reflexões que fazem sobre eles.
            Por outro lado, um indivíduo começa a ter ideias quando passa a perceber. Logo, os insensíveis possuem poucas ideias e, em geral são teimosas e inadequadas. Por isso é importante prestar atenção nas palavras que formam as ideias, principalmente na esfera política da atualidade, quando, “família”, “cloroquina”, “abertura”, “isolamento”, “perseguição”, “esquerda”, “imprensa”, “comunismo”, etc., frequentam os noticiários.
            Na medida que prestarmos um pouco de atenção nas palavras em uso na política, facilmente entendemos as reflexões que estão ao redor delas e os interesses que as fazem ser repetidas cotidianamente. Quando ouvimos a palavra “família” expressa pelo presidente da República, não significa que ele não esteja preocupado com as famílias que perdem os seus parentes na pandemia, nem da renda dos mais pobres, mas, com a sua família que concentra em cada filho dezenas de suspeitas, que só não se tornam crime, por falta de apuração. Em defesa “da família”, vale tudo: perseguir, ofender e destituir autoridades “inimigas”.
            Outra palavra bastante repetida é a “cloroquina”. Qualquer cidadão comum sabe de sua existência, mas não de sua eficácia. Mas porque essa palavra objeto entrou na linguagem política, quando a ciência desautoriza usá-la? Dois motivos explicam a insistência do não líder da nação: o primeiro está associada a uma bravata típica de subordinados que gritam alto porque imagina que por trás está uma autoridade maior, como o presidente dos Estados Unidos. Tipo assim: “se ele defende eu também defendo”.
A precipitação do uso indiscriminado da Cloroquina, mesmo contra a indicação da ciência, levou o presidente autorizar o Exército a produzir um milhão de comprimidos por semana que, sem prescrição médica, essa matéria ficou no estoque e, mesmo sem ter sido ingerido, vitimou dois ministros da saúde que caíram porque temeram ser denunciados por crime de responsabilidade. Sendo que o prazo de validade do veneno contra os infectados pelo coronavírus é de dois anos, o presidente editou uma Medida Provisória 966 de 14 de maio de2020, que isenta ele mesmo e todas as autoridades, médicos e agentes públicos, que cometerem erros durante a pandemia. Pressionado pela quantidade de comprimidos produzidos e o prazo de vencimento, o governante quer desovar o estoque na barriga dos pacientes contaminados pelo Covid-19. O segundo motivo é que além do Exército há outros produtores da Cloroquina no Brasil, como a empresas cujo dono é apoiador ferrenho do governo, é a APSEN - Brasil Indústria Química Farmacêutica. Produzir um produto em grande quantidade, com venda certa seria como ganhar na loteria.
Seguindo esse raciocínio, as demais palavras citadas acima, deixam de ser palavras e se tornam conceitos explicativos de interesses expressos por ideias “malignas” que visam preservar as perversidades em ação. Nunca tivemos na política brasileira uma obsessão tão grande por criar inimigos. Eles surgem de todos os lados e do próprio meio da família assombrada que, para defender-se ataca a imprensa, porque investiga e denuncia quando lhe é favorável; os poderes, Legislativo e Judiciário, porque já não suportam a conivência com tanta podridão depositada no terreiro do poder vizinho.
Os ataques também se voltam contra a esquerda e o comunismo, mas aí não são ideias surgidas da cabeça dos amedrontados com as revelações dos crimes da milícia política local. Essas ideias vêm sendo produzidas há tempos no laboratório central do império que, diante da crise do modo de produção capitalista precisa hegemonizar o poder político nos continentes, para tomar como suporte de produção de mercadorias as riquezas naturais.
As esquerdas e o comunismo representam o lado oposto da moeda que, nos momentos de crise profunda é jogada para o alto, pode cair com a cara para cima e pressionar a coroa para baixo. Ou, mesmo que a coroa caia virada para cima, os seus defensores não estarão seguros, porque, a miséria que produziram nas últimas décadas, ameaça a riqueza com o movimento espontâneo da barbárie. Esse é também um dos motivos que faz o governo brasileiro e os militares aliados, defenderem o fim do isolamento social, com medo de que as revoltas populares se precipitem, e nada mais possam fazer para contê-las.
O presidente mal falante e Isolado prevê duas saídas encadeadas: A primeira é desgastar os governadores e prefeitos, responsabilizando-os pelo desemprego e pela fome por resistirem ao fim do isolamento social. A segunda é aplicar o falado “autogolpe” que tem por objetivo anular os outros poderes e implantar um regime totalitário.
Para as forças de esquerda resta começar pela autodefesa que deve ser construída com todas as forças, responsabilizando o modelo neoliberal e a política do governo pela fome e pelo desemprego. Por isso além de estabelecer uma linha divisória, mostrando para a população de quem são as responsabilidades na pandemia: saúde e tratamento dos pacientes são responsáveis, os prefeitos e os governadores O emprego, renda e políticas públicas sã ode responsabilidade do governo federal.
Esse caminho também se explica com palavras que representam ideias como: consciência, convencimento, pressão e, posteriormente, mobilização e organização. Não é de tudo improdutivo cobrar do Congresso e do Supremo Tribunal Federal que levem em frente a ideia de “cassação” do mandato presidente da república, mas este intento somente será vitorioso se houver mobilização popular e é tudo o que no momento não existe.
Mas não se pode deixar de lado as palavras que indicam as ideias da transformação estrutural da sociedade, como poder, revolução e socialismo. Isto porque, não se pode motivar as gerações mais jovens a lutarem para daqui a 30 anos verem as vitórias esvaírem-se por que retornaram, ainda com mais força, as palavras e as ideias da extrema direita.     
           
                                                                                  Ademar Bogo

domingo, 10 de maio de 2020

PENSAR COM A LÍNGUA


           
            Este título pertence ao filósofo alemão Hans-Georg Gadamer que entendeu ter, a linguagem filosófica, posições conceptuais diversas em suas especificações conceituais: metafísicas, religiosas, humanistas, racionalistas, criticas, analíticas, dialéticas, dentre outras concepções que podemos acrescentar.
            Segundo Gadamer as palavras que usamos nos são tão familiares que chegamos a estar nelas. Logo, podemos deduzir que, se estamos nas palavras que pronunciamos, aparecemos para o público que nos ouve como seres cordiais ou ofensivos. E se “elas nos vêm e alcançam o outro”, podemos considerar que as palavras que usamos, com más intenções, são como objetos que atiramos contra as pessoas que não gostamos.
            Para “pensarmos com a língua” podemos relacionar as palavras e aquilo que elas expressam, como sendo objetos que lançamos para fora da boca, medindo ou não os acordos e os desacordos que elas causam.
 O primeiro destaque categórico para compararmos, palavra e atitude, que podemos tomar como referência, é a “elegância”. A elegância, principalmente para os círculos da elite e das classes médias, sempre representou a estética das vestimentas e o cumprimento das regras da etiqueta social. No entanto, a “deselegância” se mede principalmente pelas expressões linguístas. Por isso, quando vemos uma autoridade prezar pela elegância impecável de suas vestes, mas a ouvimos dizer, autoritariamente a outra pessoa: “Cale a boca”, as expressões são tão contraditórias que a única impressão que podemos extrair desse incidente, é que tal autoridade não merece estar no cargo que ocupa.
            Para ilustrar ainda mais a natureza dispare entre elegância e deselegância, podemos trazer para esta análise, o provérbio português que expressa essa dissintonia: “Por fora, bela viola; por dentro, molambos só”. Em outra versão: “Por fora bela viola; por dentro, pão bolorento”. Ou seja, as “aparências enganam”, enquanto a boca estiver fechada.              
            Pensar com a língua significa sopesar aquilo que a língua expressa, por isso, os gregos já diziam que “as palavras têm peso”. Elas, quando atiradas indevidamente, caem como uma pedra na cabeça das pessoas, principalmente quando falta com a sensibilidade. A relação entre o sensível e o insensível, nos serve aqui como material para uma segunda avaliação.
            Uma autoridade sensível usa a sensibilidade para atenuar a dor alheia. Seu comportamento o coloca no círculo intimo das relações pessoais com o outro, que se sente confortado, como quando o pai acalenta o filho. Não lhe tira a dor, mas ajuda a suportá-la. A autoridade insensível, com palavras e atitudes, agrava a dor. Além de não amparar o sofredor, despreza o seu momento de fragilidade e, ao pisar sobre os sentimentos contraídos, ainda pergunta: “E daí?”. Essas letras atiradas contra o luto, são como grãos de chumbo perfurando a carne. Elas causam revoltas e desespero porque o verbo “desimportante”, conjugado na terceira pessoa da insensibilidade, quer dizer mais do que, “ele não se importa”, mas, principalmente é que o “eu” do sofredor, “não é importante”, talvez seja um número, igual ao morto enterrado em vala comum, por uma máquina afirmando que a produção está sendo em escala.
            Outra palavra atirada pela autoridade contra a nação, é a indiferença. Diferente não significa ser desigual, mas, a indiferença pode ser a expressão de uma profunda perversidade. Ser indiferente é julgar que, para ele “aquilo” não existe. A indiferença ignora o que é, e afirma o que não é, em busca de uma satisfação pessoal. Ignora para comprazer-se com as lamentações. O indiferente é sem dúvida nenhuma um doente mental. A penúltima autoridade, vista na humanidade com esse tipo de comportamento, foi Nero que, no ano 65 incendiou Roma para culpar os cristãos, ao mesmo tempo que corria, com prazer entre as chamas, como se estivesse banhando-se em uma chuva fina. A última autoridade ainda vive e zomba do isolamento social, banhando-se no Lago Paranoá, passeando de Jet Ski, enquanto os cemitérios testemunham a entrada de dez mil mortos vitimados pelo Covid-19. Quer como Nero, o Bolsonero, como já foi chamado, que o fogo da febre viral queime os pulmões de milhões de pessoas de uma só vez. É a fumaça romana, fétida e vingadora que volta e extermina os idosos aposentados, os pobres favelados, os índios e, quem sabe, muitos comunistas, artistas, professores e opositores.
            O pensar com a língua nos ensina que as palavras são como coisas atiradas, machucam e praticam ofensas. Elas se tornam ameaçadoras e aparecem com maior veemência quando os sujeitos que as expressam se sentem contrariados, ameaçados ou feridos em seus interesses.
            Essas expressões tem se inserido na prática política e refletem a desorganização da mesma. Na medida em que a política é feita sem um ordenamento partidário, ela não tem, linguagem própria, disciplina e unidade. Os palavrões assumem o lugar das propostas e, as explanações vazias, o lugar da consistência teórica. Tudo isso identifica uma facção, que representa sempre uma parte agindo contra o todo e, busca o apoio espiritual das seitas religiosas, como veículo de transporte da ideologia encobridora dos interesses escusos, locais e internacionais.
 Se a elegância das vestimentas compõe o cerimonial do cargo de uma autoridade, a deselegância no uso das palavras fere a ética, a cordialidade e o bom senso. Só aceita ser governado por um atirador de grosserias, o insensível alienado e de estrutura comportamental perversa que, para o nosso desespero, não tem cura. Isto porque, ele se move pelo princípio do prazer em detrimento de todos os valores morais. Sendo uma facção política e paramilitar, esta de linguagem odiosa e desbocada, precisa ser contida, e  começa pela tomada de decisão para fazer isto.
                                                                                                           Ademar Bogo

domingo, 3 de maio de 2020

CONSCIÊNCIA E EMOÇÕES



            No estudo da Filosofia encontramos relações muito estreitas entre consciência e emoção, principalmente porque a segunda é uma forma de expressão da primeira. O filósofo Jean-Paulo Sartre, ao tratar do tema chamou a atenção que, para compreendermos bem o processo emocional a partir da consciência precisamos considerar o caráter duplo de nosso corpo que, por um lado é um objeto no mundo e, por outro, carrega em si a experiência vivida e guardada na consciência. Em síntese, podemos dizer que tempos dois sistemas funcionando no mesmo esqueleto: o sistema físico e o sistema psicológico.
            Sendo que a consciência é a experiência vivida no tempo passado, ela é um conjunto de registros feitos durante a história de vida do corpo físico. Portanto, não significa que a consciência individual guarda a totalidade dos fenômenos sociais porque, muitos deles passaram somente pela consciência alheia, sem estabelecer nenhum contato com a consciência particular e, muitos assuntos não são conhecidos por todos.
            A maneira mais simples de entendermos a consciência é por meio das formas. Elas podem ser simploriamente nominadas como “consciência social”; “consciência política”; “consciência religiosa”; “consciência emocional”, etc. É em cada forma de consciência, que são postos, pela sensibilidade, “os objetos” que aquela forma de consciência passa a se ocupar. Temos apenas um complicador que subdivide o mundo da consciência em dois: o da racionalidade e o da emoção.
            Quando lidamos com a racionalidade, as formas de consciência são estabelecidas e “convocadas” a se fazerem presente, cotidianamente, às vezes ordenadas e outras vezes, segue saltando de um assunto para outro, de acordo como os pensamentos fluem. Ou seja, se precisamos fazer um cálculo estatístico, pois, estamos estudando o aumento da violência, exigimos que a forma dc consciência matemática entre em ação, logo em seguida, ela se “retira” e o estudo continua com a ajuda das outras formas de consciência.
            Com a forma emocional de consciência e seus objetos não é a mesma coisa, porque ela é constituída basicamente por crenças, religiosas e não religiosas. Nesse sentido, se na racionalidade colocamos como objeto de estudo a violência, na consciência emocional, quase sempre colocamos ou deixamos que coloquem objetos de outra natureza como, o medo, a angústia,  a ilusão, a paixão, a crença etc., que atuam interferindo sobre a vontade e o comportamento individual. A diferença entre o objeto racional e o objeto emocional presentes em uma mesma consciência, é que, o primeiro pode ser abandonado ou deixado para ser utilizado quando houver necessidade de uso, enquanto que, o segundo, permanece e atua como uma perturbação incontrolável, isto porque, o “sujeito emocionado” e o “objeto emocionante” estão jungidos entre si. Nesta diferenciação conceitual podemos ainda acrescentar duas manifestações opostas de conduta: a “conduta-refletida” e a “conduta-irrefletida”. Interessa-nos compreender melhor a relação existente entre a consciência emocional e a conduta-irrefletida, motivada pelo ódio, medo, presunção, recalque, vingança, crença etc.
            Tomemos como referência a conduta social de uma facção neo-nazista. Aparentemente ela é movida por uma consciência política, que tem como objeto de ocupação da racionalidade a defesa dos interesses de uma classe, de um grupo ou de uma parte da sociedade. No entanto, as ações que desenvolvem são expressões de pura irracionalidade.
            Considerando a natureza das ações e a conduta-irrefletida, percebemos que, aqueles indivíduos agem conduzidos pela consciência emocional, fixada em alguns objetos que foram propositalmente produzidos por sujeitos influenciadores, preocupados em formar uma unidade corporativa para alcançar objetivos obscuros, fazendo com que a ação seja uma expressão de uma quase alucinação.
            A consciência emocional embasa-se na confrontação entre os objetos das crenças: de aceitação e de rejeição. Os objetos da aceitação, quando por trás há interesses escusos, para os portadores dos desequilíbrios emocionais são constituídos como mistérios, com boa parte do conteúdo revelado que se configura como “mito”, “símbolo” ou “agressão”. Por outro lado, os objetos de rejeição, são escolhidos pelos mesmos ideólogos que necessitam situar os alvos “ameaçadores”, às vezes abstratos como o escuro que causa o medo. Podemos citar como exemplo de uso atual, “o comunismo”, “a pedagogia de Paulo Freire” e “a família”; outras vezes mais concretos, como os negros, os índios, as instituições, os meios de comunicação e as autoridades políticas que, mesmo sendo de extrema direita, por serem desafetos, são classificadas como “comunistas”.
            Preocupados com esses objetos fantasiosos que alimentam a consciência emocional, os membros das facções desconhecem a realidade e não há elementos racionais que os possa convencer. Talvez existam apenas duas maneiras de correções destas perturbações: a primeira representada pela frustração e, a segunda, pela reação e imposição de uma derrota.
            Quando a correção se dá pela frustração, ela tende a produzir um período de luto, cujo tempo leva o sujeito a ocupar-se dos objetos do arrependimento como a vergonha e a rejeição da própria crença. A volta à consciência racional, pode ser acompanhada de um posicionamento cético de desprezo pela política e pelas mediações que conduzem a mesma. Quando a correção é imposta por uma intervenção contrária que leva a uma derrota, os objetos guardados na consciência emocional resguardam-se nos sentimentos de vingança, de ódio e perseguição. Essa forma de conduta não desaparece e sempre encontrará motivos para expressar-se por meio dos preconceitos alimentados no senso comum.
            Vivemos no Brasil um paradoxo entre a exacerbação da consciência emocional, centrada no tripé do mito, dos símbolos e da agressão e, no seu oposto, uma consciência racional dominada pela apatia. A superação de ambos virá também pelo movimento das contradições opostas. Do lado da consciência emocional, o rompimento virá pelo confronto entre alucinação e deslealdade. Ou seja, na medida em que, no próprio corpo da facção surgem desentendimentos, enfraquece-se o mito, abandonam-se os símbolos e a agressão interna leva a ruína o poder estabelecido sobre as bases mentirosas. Do outro lado, as contradições externas expressas pelas diferentes crises, passarão a revelar os limites da facção que jamais teve interesse em representar o todo.
            O que virá depois? Ainda é uma grande incerteza. As crises nem sempre terminam com a união das partes divergentes, principalmente porque as tragédias sociais não são prejudiciais para todos. Assemelham-se, muitas vezes com as tragédias patrimoniais. Quando um bem incendiado com vítimas fatais, mas o primeiro está assegurado por uma apólice de seguro, as perdas irreparáveis são as vidas.
            A consciência racional enquanto não colocar como objeto de referência o poder dos trabalhadores contra o capital, a exploração e a comercialização da força de trabalho, sempre correrá  o risco de ser sobreposta pela consciência emocional, que aceitará os mitos, os símbolos e a agressão como objetos de ocupação das ideias que impulsionam as práticas ignorantes.
            O tempo é propício para refletir sobre os comportamentos alucinados e céticos, por estarem em pólos opostos na de inovador produzem. É preciso que o ceticismo se converta em consciência critica e supere as ações alucinadas com reações conscientes.
                                                                                                   Ademar Bogo