domingo, 29 de junho de 2025

ENFIM, SÓS


            Nos últimos 146 anos, se contarmos a partir da Revolução Francesa de 1789, vem imperando o capitalismo liberal. Nesse trajeto, a classe dos donos da riqueza, representada nas formas de, mercadoria, dinheiro e capital, sempre teve o controle hegemônico do poder universal, promoveu guerras regionais e mundiais para cuidar da ordem econômica e geopolítica; saqueou as riquezas naturais, apropriando-se indevidamente delas; impôs a criação e depois o enfraquecimento das instituições internacionais; promoveu a corrida armamentista para amedrontar os concorrentes; acentuou os avanços tecnológicos mais diversos para garantir a expansão do comércio e a da dominação cultural.

Poderíamos seguir enumerando benefícios e malefícios causados nesse curto período histórico, comparando com os milênios anteriores para de fato, aproveitando do fio condutor da moralização cristã, louvar ou maldizer as contradições. Não é importante fazer esse recorrido agora, interessa-nos é discutirmos qual foi e está sendo o papel dos trabalhadores nessa corrida alucinada dos capitalistas que entre si sustentam a aposta para ver quem chegará primeiro ao fim do mundo.

Quando olhamos para a impessoalidade dos trabalhadores vemos a força-de-trabalho e, como uma mercadoria em circulação no mercado, está em busca de compradores para utilizá-la em investimentos que reproduzem o capital. Se considerarmos que o trabalho se prestou a servir os interesses construtivos e destrutivos da humanidade, precisamos entender qual deve ser o papel dos trabalhadores de agora em diante.

Se tomarmos como referência a destrutividade ambiental, considerando que a primeira motosserra Stihl, vinda da Alemanha, chegou na região da mata atlântica na década de 1950 e a fabricação desse instrumento só veio a se realizar em São Leopoldo no Rio Grade do Sul em 1973, concluímos que toda devastação até aquele momento foi feita a golpes de machados desferidos pelas mãos dos escravizados, colonos imigrantes e exploradores de madeira. Por quê usamos este exemplo? Simplesmente para mostrar que, o mesmo processo ocorreu com a mineração, no entanto, como os diversos minérios e o petróleo estão no subsolo e, grande parte deles passaram a ser utilizados em maior quantidade nas últimas décadas, comprovamos que os interesses dos capitalistas já não são as árvores, mas o material que está situado abaixo de suas raízes. Por isso, não é uma projeção alarmista, mas todos os povos que possuem reservas mineiras em seus territórios, serão alvos da violência e dominação imperialista no curto prazo.

Quando, de modo mais direcionado olhamos para a história da formação da classe operária e mais especificamente os trabalhadores em geral, junto encontramos duas importantes indicações: a primeira que remete à sua responsabilidade organizativa para cumprir o papel de superar o capitalismo, nesse sentido, muito foi feito e continua sendo um grande desafio e; a segunda, surgiu como admoestação filosófica para tomar cuidado com o Estado.

Friedrich Engels, ao escrever o texto, “Do socialismo utópico ao socialismo científico” expôs que: “A sociedade , que se movera até então entre antagonismos de classe precisou do Estado (...) quando o Estado se converte finalmente, em representante efetivo de toda a sociedade, tornar-se-á por si mesmo supérfluo”.[1] O Estado, evidentemente junto com a organização da produção capitalista, foi uma necessidade organizativa e, os próprios trabalhadores na França e depois nos países da Europa, que realizaram as revoluções liberais, foram convocados a contribuírem para acelerarem a implementação das liberdades, tendo em vista a manutenção da ordem e o dinamismo do progresso.

Por mais que as análises tateiem as possíveis soluções, o entendimento sobre a importância do Estado ou o seu desprezo pelos trabalhadores, continua sendo o grande dilema da política atual. No entanto, após termos experimentado o sabor da governabilidade com o que tínhamos de melhor e mais avançado na organização partidária, temos nítidas impressões de não ser mais este o caminho a seguir.

Façamos justiça aos capitalistas burgueses, descendentes dos revolucionários do passado que ordenaram o modo de produção capitalista e junto criaram um Estado para si para dominarem as demais classes. Embora que, quando falamos de direitos sociais, temos a sensação de que o Estado nos protege com as leis elaboradas para este fim, quando nos voltamos para a economia ficamos atônitos, pois, percebemos que o mesmo Estado não tem poder sobre certas vontades dos capitalistas.

Para entendermos esses descompassos podemos resgatar um princípio liberal exposto por Adam Smith, o qual estabeleceu que precisamos admitir a existência de “uma mão invisível” que se encarrega de controlar, principalmente os preços e o consumo; é por assim dizer, uma lei que regulamenta o comércio, mas não é a única, há outras leis estruturantes que são denominadas de “leis tendenciais” do capital. Elas se parecem com lei da gravidade formada pela própria natureza. Em síntese, o capital começa a ser acumulado na produção, porque nela, obrigatoriamente se estabelece um sistema de exploração da força-de-trabalho. Depois de algum tempo esse movimento produtivo começa a revelar a acumulação de resultados extraídos dos investimentos. Ao crescer ilimitadamente, o capital precisa se expandir, pode ser dentro das fronteiras de um país como também para fora dele, é quando ganha o nome de transnacional ou imperialismo e, por fim, não tendo mais onde investir na produção material, mesmo sendo na forma de excesso de dinheiro, ele precisa se valorizar e por isso surge a especulação e a corrida pelas melhores taxas de juros, quando transforma os governos reféns das dividas públicas.

Ao lado desse processo sequenciado que segue a sua tradição, mas recomeça todos os dias com novos negócios e aplicações no mercado financeiro, temos a política que também têm seus parâmetros jurídicos, mas que não pode interromper aqueles movimentos do capital descritos acima. Nos meandros dos direitos, eles estão inscritos na Constituição Federal, mas, chama a atenção para dois capítulos, um que trata da ordem econômica e o outro da ordem social, neste, encontramos todos os direitos sobre os quais se sustenta o discurso dos políticos. Consta ali, a seguridade social e aposentadoria, a saúde, a educação, o trabalho, a família, a cultura etc.

Os principais e vitais direitos, apesar de constarem da Constituição, somente podem ser garantidos integralmente se houver recursos no orçamento, por isso, os governos precisam planejar e destinar anualmente a quantidade de dinheiro a ser destinado a cada quesito. As equações mentais são bastante emotivas e a primeira impressão é de que, se os direitos não estão sendo atendidos, precisamos disputar eleições para assumirmos o governo e, com as próprias mãos realizarmos as mudanças.

Para os trabalhadores chegarem ao governo há duas possibilidades: a primeira é fazendo uma revolução e apropriarem-se de todas as riquezas e, a segunda aliando-se as demais classes para disputar eleições. Tirando as poucas revoluções socialistas ocorridas no mundo, no século XX, nos países capitalistas, os trabalhadores, principalmente no século XXI, embora com algumas vitórias significativas, mesmo estando à frente dos processos, não se situaram como força hegemônica e sempre tiveram que dividir o governo com setores da classe burguesa. Isto significa dizer que, os interesses econômicos da classe dominante jamais foram ameaçados, ao contrário, tiveram de ser protegidos pelo poder político.

Para sustentar-se no governo as forças aliadas dos trabalhadores precisaram ampliar a base política com os representantes dos diversos setores da burguesia que comporão o governo, mas, antes de tudo exige quem sejam respeitadas as leis tendenciais do capital. Por isso, a essência da fidelidade entre as classes, nunca é política, mas econômica. Por outro lado, junto com a conciliação histórica esvaiu-se a força de pressão. Atualmente trezentos deputados federais têm mais força do que toda a classe trabalhadora brasileira. O governo isolado e cada vez menos defendido, pratica a política do auto suicídio: cede em tudo e, quando se dá conta, não tem mais força para exigir nada.   Exemplo disso é a taxa de juros que, no governo passado com um presidente do Banco Central inimigo, chegou a 13,75%, neste, aliado, subiu para 15%. Enquanto o ministro do afazenda corre atrás de subir algumas virgulas na cobrança do imposto sobre as transações financeiras, alguns pontos elevam o valor do pagamento da dívida pública em Bilhões.  

Quando dizemos que enfim estamos sós, é porque, os resultados após quase duas décadas de tentativas de domarmos o Estado, revelaram que quem foi domesticado e amansado são os que acreditaram em construir um castelo sobre um lixão que já afundou uma vez com o Impeachment da presidente Dilma e ameaça ruir mais uma vez.

   Diante das ameaças, começam as especulações sobre a reeleição de 2026; não é errado pretender continuar no governo, a questão é saber a serviço de quem estará esse governo? Se o Estado ainda não se tornou supérfluo e a governabilidade dos trabalhadores virou cumplice da exploração e da dominação capitalista, alguma coisa está dando errado. Para ser sujeitos da história é preciso acreditar que as leis da economia não podem estar acima dos direitos sociais. Portanto, sem luta e resistência de classe e popular, não pode haver vitória e, esta não pode ser mais apenas eleitoral. Se as nossas forças de trabalho e de ações políticas foram historicamente usadas pelos capitalistas, está chegando a hora de usá-las a favor de nós mesmos. “Antes sós, que mal acompanhados”.    

                                                                                               Ademar Bogo



[1] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Global, 1985.

domingo, 15 de junho de 2025

AS GUERRAS CONTINUAM


            As guerras entre nações estão na origem, manutenção e no final dos impérios. Inicialmente elas se apresentam como soluções imediatas de defesa, mas, depois que iniciam várias descobertas e investimentos ficam insustentáveis; mesmo assim, os interesses são renovados e as sociedades são convencidas a assumirem a posição dos governantes que justificam as perversidades que, no cotidiano de paz seriam consideradas crimes, como por exemplo, destruir, matar mulheres e crianças como um mal necessário para atingirem um objetivo. Assim, uma chacina de 12 crianças numa escola norte-americana, inglesa, francesa etc., é crime, mas a matança de mais de 30 mil pessoas da mesma idade na Palestina é uma operação militar contra o terrorismo.

        As guerras possuem, originalmente, restritas pretensões e, com o tempo vão ganhando novas dimensões. Quando se trata de defesa, para espantar o agressor, as forças se retraem e se preparam para a defesa. Quando buscam conquistar novos territórios precisam, além de ocupá-los, convencer os habitantes locais que a geografia econômica, social e política, mudou.

            Com o prolongamento das guerras, as pessoas em geral, de dentro dos conflitos e fora deles, aprendem a analisá-los e compreendê-los, pela essência de suas erupções, término ou continuidade, como por exemplo, aprender a distinguir a diferença entre o conflito da Rússia com a Ucrânia e, o outro em andamento, promovido por Israel contra os palestinos e alguns países de etnia árabe e persa.

            A Rússia é composta por uma população majoritariamente eslava e abriga também uma quantidade significativa de pessoas muçulmanas, que professam a crença no Islã, cuja referência profética é Maomé. Os ucranianos, embora pertençam a Europa, também possuem descendência eslava., principalmente os que habitam a região onde se situam os conflitos mais acirrados, incluindo diversas cidades como, Donbas, Donetsk, Lugansk e Criméia, nas quais a maioria da população se considera russa e, já optou, antes mesmo dos confrontos, a anexar os territórios à Rússia.

            A Rússia após a revolução de 1917 havia formado a grande União das Repúblicas Soviéticas e, na Segunda Guerra Mundial, para derrotar o nazismo alemão, precisou avançar e implantar os regimes socialistas em diversos países europeus. Na década de 1990, como o Pacto de Varsóvia se desfez, o “império russo” recolheu-se ao seu antigo território. No entanto, ficaram as impressões digitais espalhadas e, tanto os países europeus, quanto os Estados Unidos da América, associados à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) criada na época da Guerra Fria, ainda hoje em vigor, além de forçar a inclusão dos países antes pertencentes ao outro pacto, tenderam a enfraquecer o país vizinho para apossarem-se das suas riquezas minerais.

Na perspectiva bélica da defesa, a Rússia, ao perceber o avanço da OTAN com a possível inclusão da Ucrânia como país membro, vendo as populações residentes próximas à sua fronteira, perseguidas e  dispostas a mudarem de nacionalidade, avançou com a guerra defensiva em busca da preservação territorial. Nesse sentido, a Rússia integrará a população ucraniana à sua população.

O contrário acorre com Israel na invasão da Palestina. Desde que Theodor Herlz, um jornalista austro-húngaro, por meio de seu livro, “O Estado de Israel”, escrito e publicado no final do século XIX, cuja influência desencadeou um movimento político e ideológico que, no Congresso de Basileia na Suíça, em 1897, sob a diretriz do princípio: “Uma terra sem povo para um povo sem-terra”, decidiu que o povo judeu expatriado pelo mundo, desde o ano 70 despois de Cristo, deveria ocupar a Palestina e lá criar a sua base estatal.

A palestina até 1919 pertencia ao império Otomano, no entanto, com o final da Primeira Guerra Mundial a Inglaterra, 1919, passou a assumir o comando local, pois, ali localiza-se a passagem principal que liga Europa pelo Mar Mediterrâneo a Ásia e a África. Esse domínio durou até o final da Segunda Guerra Mundial quando, os Estado Unidos da América passaram a controlar a região e, por sua influência na Organização das Nações Unidas, o Estado de Israel foi oficialmente criado em 1948, sobre 52% do território palestino.

A reação dos países árabes e persas foi imediata e nunca aceitaram essa intromissão na região, principalmente porque o Estado de Israel continuou a tomar, por meio de assentamentos de colonos, os territórios delegados pela ONU aos palestinos. Em 1967 os conflitos foram acirrados e, na guerra árabe-israelense, Israel apossou-se da maior parte dos 48% do território, deixando os palestinos com apenas 21%  e, mais, a perda total do deserto do Sinai no Egito e as Colinas de Golã na Síria.

Nas previsões da criação do Estado de Israel, havia a perspectiva intencional de expansão territorial, com a formação de um império regional de influência europeia e norte-americana sobre o mundo árabe, para isso, além da Palestina deveriam tomar o Egito, a Jordânia, a Síria e o Líbano e anexar esses países ao Estado sionista.

Com tudo isso, pretensões e invasões chegamos aos dias atuais, com a ideologia sionista expressa em todos os meios de comunicação burgueses ocidentais, que intenta justificar as atitudes genocidas, como sendo um “direito de defesa”. Pela sustentação feita acima, compreendemos que a ofensiva israelense contra os palestinos e, mais recentemente contra o Irã, tem a proposital intenção de avançar no seu domínio territorial e enfraquecer os países vizinhos inimigos históricos do Ocidente. Por isso, o Estado sionista não está sozinho e as práticas genocidas precisam ser atribuídas a quem apoia aquele regime.

Por outro lado, por que se trata de um genocídio e não de uma anexação de território apenas como é o caso da Rússia na Ucrânia? Porque, a etnia judaica é intrusa na região e as suas práticas ortodoxas não aceita oficialmente a presença dos árabes em iguais condições dos cidadãos israelenses; por isso a política do Estado de Israel é o extermínio racial dos palestinos para, quando a guerra terminar, além da apropriação total do território da antiga Palestina, a maioria da população deverá extar extinta e, os que sobrarem, viverão como escravos. Este é o sentido da matança indiscriminada das crianças e das mulheres.

Em síntese, o Estado de Israel, para além de suas pretensões particulares de expansão imperial na região, tem o apoio das potências capitalistas do Ocidente que querem reinar na região enquanto houver, principalmente, a possibilidade de exploração do petróleo. Por outro lado, esse Estado genocida, com a matança indiscriminada de crianças, assimila a perversidade do Rei Herodes, imitado por Vespasiano que, em 70 d.C. destruiu Jerusalém, matou inocentes e dispersou pela Europa os judeus que sobraram e que Nazismo de Hitler os executou nas câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial. O extermínio dos atuais inocentes, representa a limpeza étnica realizada como precaução para que aquela população indefesa venha a ser uma força vingadora no futuro.

Isso tudo revela que, a decadência do capitalismo está posta como uma corrida sem retorno em direção à falência total do capital. Isto não quer dizer que o melhor está por vir, porque, é na agonia terminal que os movimentos se tornam mais bruscos e violentos. Não importa, se isto ainda durará séculos, importa é saber que, se não houver reações e capacidade de resistência, a velocidade destrutiva será cada vez mais acelerada. Enquanto há tempo, é preciso reagir.

                                                                                                                                                                                                                                Ademar Bogo

 

 

  

                  

domingo, 1 de junho de 2025

A POLÍTICA DO MEIO


            Por “meio”, entendemos diversas coisas. Pode ser a metade de algo, a mediação entre duas partes ou mesmo, a posição de priorizar alguma medida sem ultrapassar o meio termo. Temos ainda o Meio Ambiente, que pode ser entendido como contexto ou mesmo uma posição política que se preocupa em apenas plantar árvores e, não arriscar a ir além para impedir que as florestas naturais sejam preservadas.

            Celebramos em 5 de junho o “Dia Mundial do Meio Ambiente” e, por isso, todas as atenções devem voltarem-se para o estado do planeta. Nesse dia, veremos circular análises e imagens de ações simbólicas de plantio de árvores; limpeza de lugares engolidos pelo lixo; reflexões sobre o cuidado com a vida etc., e, tudo o quanto aparecer de ruim será denominado como “crise”. Sobre isto há uma fórmula quádrupla ou quadrada que estrutura as visões, sendo um dos lados a crise econômica, o outro a política, na parte de baixo a crise social e, na de cima, ambiental.

            Não podemos negar as oscilações existentes no crescimento, esgotamento e recuperações das “crises” econômicas. Assim como acontece com o trabalho na elevação e redução da taxa de desemprego. Há economistas que defendem ter havido duas fases no neoliberalismo: a primeira ocorrida no período de 1980 e 1995, tida como “revolução neoconservadora do monetarismo”, por isso, o modelo realizou cortes nas políticas de bem-estar e nos gastos do Estado. A segunda, baseada na política monetária de expansão do consumo, reeditou o pleno emprego; no entanto,  precarizou o trabalho, mas expandiu as políticas compensatórias em busca de reduzir a velocidade do crescimento da pobreza.

            De modo geral, as análises históricas confirmam que há uma crise “estrutural do capitalismo” que, se não for para enfrentar as suas consequências, com uma estratégia revolucionária, talvez pouco se tenha a dizer sobre o assunto. Por outro lado, há exemplos históricos firmados sobre as visões animadoras de Karl Marx, de que os avanços das forças produtivas em confronto com as relações de produção, ajudariam a pensar a própria superação do modo de produção. Não podemos esquecer que Marx e Engels viveram a realização das revoluções liberais de 1848 e, por isso, o protagonismo histórico estava identificado centrado na luta de classes e, por essa razão a análise denominada de “crise capitalista”, tinha por trás o objetivo político de indicar um ponto de ruptura na ordem dominante. Por isso, não supunham os pensadores do socialismo científico que por si só as contradições criassem um colapso na reprodução do capital, senão que, se colocava como um fator objetivo para as revoluções proletárias.

            Muitas leituras particulares foram feitas e transformadas em posições políticas, como as polêmicas que ocorreram na Alemanha, entre Eduard Bernstein defensor das reformas gradativas e Rosa Luxemburgo que se atinha à estratégia da revolução, vinculando-a as ações, como a greve geral no processo revolucionário. Essas discussões, neste século, saíram de moda e, também tiradas da conjuntura a luta de classes, adequaram-se aos ditames do modelo hegemônico mundial.

As disputas classificatórias dos resquícios de “esquerda” são se as posições ideológicas dos setores cooptados pela ordem dominante se denominam de “neoliberais” ou “sociais liberais”; isto porque, na segunda posição, os líderes elevados ao grau de governantes, ainda manteriam a sensibilidade para as políticas públicas de combate à pobreza. No entanto, essa leitura é totalmente equivocada, pois, a própria extrema-direita defende as políticas assistenciais   e, no resto, os representantes, amigos dos trabalhadores, seguem à risca os comandos da lei de reponsabilidade fiscal e, quando são forçados a fazerem cortes nos gastos orçamentários, não mexem nos ganhos e interesses do capital, mas, vão direto nas políticas públicas que favorecem os pobres.

Tirada a luta de classes das análises, o que fica são as elucubrações sem fundamento sobre o que é essencial na superação do capitalismo, logo, denominam toda e qualquer incongruência de crise. Por isso, há uma prostração diante do conceito de “crise”, tanto quelas relacionadas com os aspectos estruturais, porém temporárias, quanto as outras atribuídas pelas análises, como refluxo da luta de massas, ou outras tantas crises, moral, educacional, comportamental etc.; quando, na verdade, o capital continua agindo deliberadamente por todas as partes do planeta.

Podemos considerar que há uma decadência da civilização capitalista, que é a própria perda do direito da humanidade de existir. Os riscos impostos ao planeta, não podem significar “crises”, mas sim uma ameaça; como um incêndio florestal que se aproxima das moradias e obriga a fechar os olhos e fugir em meio a fumaça, ou tomar providências e enfrentar o fogo.

Tudo bem, se as análise quiserem identificar as “crises capitalistas”, poderão encontrar inclusive o renascimento do nazifascismo na Palestina e no aparecimento público de grupos inescrupulosos em todos os países, decididos a tomarem o poder político. No entanto, devem tomar cuidado para não acharem que este seja um fenômeno isolado. As práticas nazifascistas são históricas e culturais no capitalismo, seja na forma como são tratados os trabalhadores; as empregadas domésticas; as populações pobres pretas e nativas; as mulheres, nos recintos dos lares e nos empregos etc. Não seria o caso de imaginar que este fenômeno só está se tornando importante porque a onda passou a ameaçar a estabilidade da classe média, acostumada a ser respeitada como esquerda? Ou seja, não é visto como totalitarismo, um tiroteio em uma favela provocado pela invasão policial que arrebenta portas e janelas sem ordem judicial, revista e prende pessoas inocentes, quando não some com os corpos e dificulta a localização em presídios imundos.

Vejamos por outro lado. Para enfrentar a idolatria da crise, se voltarmos os olhos para a agricultura, veremos que o capital financeiro associado ao agropecuário, há décadas vem fazendo investimentos tecnológicos modernizando as forças produtivas, melhorando a genética, inclusive com o apoio do Estado, recebendo títulos beneméritos como ocorreu com a cientista da Embrapa, Mariangela Hungria, laureada com a premiação de 2025, considerado “O prêmio Nobel de alimentação”, pela sua contribuição na descoberta de insumos biológicos, capazes de fixar o nitrogênio nas plantações de soja e, impediu, em 2024 de ir para o espaço 230 toneladas de CO2. Desse modo, é permitido perceber que, se o capital conseguir ganhar com a despoluição do planeta, ele será o primeiro a fazer isto. No entanto, pelas relações de produção, apesar do alto rendimento das forças produtivas, quantos empregos gera essa forma de produção destrutiva da natureza?

Nesse sentido, se tomarmos como referência econômica o crescimento do capital na agricultura, por meio do agronegócio, vemos que ele prosperou imensamente nesses 25 anos. Na safra de 1999/2000 foram colhidas no Brasil, 85 milhões de toneladas de grãos; agora, em 2024/2025 a estimativa é de que serão colhidas 332,9 milhões de toneladas. No rebanho de bovinos, no ano 2000 eram 171 milhões de cabeças e, em 2025, esse número avançou para 234 milhões. É evidente que o capitalismo não se divide por setores, mas o capital se move justamente por essas vias que permitem maiores taxas de acumulação. Esse fator explica o porque os movimentos do campo tiveram que abandonar a luta pela terra e se dedicarem a plantar árvores se quiserem sobreviver, mas isto não significa luta de classes nem tampouco um confronto com o modelo agroindustrial. Da mesma forma podemos tomar o capital especulativo que impõe ao Banco Central a fixação de uma taxa de juros de 14,75% ano, o que significa uma rentabilidade vergonhosa para um governo que indicou o presidente do Banco e com isso perdeu a autoridade da crítica.

Por que então dizemos que estamos vivendo a “política do meio”? Pelo comportamento político, “meio lá meio cá”. A enganosa posição de falar e não fazer ou de fazer pouco para não discordar e ter de enfrentar as consequências, tornou-se uma normalidade nas posições políticas. Os partidos de “esquerda” que compõem o governo e, os movimentos sociais que o apoiam, na sua grande maioria, represam as criticas para não ofendê-lo. O contrário ocorre com os partidos de direita. Eles disputam a comida da mesa como se tivessem em uma refeição com diversos convidados. Além de se servirem primeiro, exigem que os últimos se comportem ou sofrerão represálias.

Poderíamos tomar outros exemplos, mas fiquemos na agricultura. O governo atual, rejeitado nas eleições pelos representantes do agronegócio, os mesmos que criaram “o dia do fogo” para incendiarem as florestas e abrirem novas fronteiras para a criação de gado; responsáveis pelo despejamento de 720 mil toneladas de veneno sobre os alimentos a cada ano; sujeitos responsáveis diretos dos crimes ambientais e da poluição da água; possuidores de um arsenal bélico de fazer inveja ao crime organizado e, promotores de encontros para articularem ataques contra os trabalhadores, com a proposta de “Invasão zero”. Para fazerem uto isso, recebem como recompensa de 508 bilhões de reais lugares nas caravanas das viagens presidenciais para abrir novos mercados com outros países.

    Diante de tudo isso, é importante não se deixar iludir pelas argumentações simplórias da crise do capital, como se ele estivesse enfraquecido. Muito pelo contrário, ele avança cada vez mais acelerado na direção da exaustão do planeta. É preciso enfrentá-lo de frente e atacá-lo nas suas fontes de acumulação. Assim como não se pode enfrentar motosserras apenas com o plantio de árvores, mas com ataques físicos contra quem as empunha contra a floresta, a política é o único meio a ser empunhado para alcançar o fim revolucionário.    

                                                                       Ademar Bogo

domingo, 18 de maio de 2025

O PAPA E O PEPE

                      

            Os dias chegam e passam; surgem e desaparecem como os números no calendário na parede riscados com um X. Deixam e levam matérias e sensações. Eles mostram que a morte, apesar espertalhona, age de bom senso. Quando quer, sem pressa, rodeia e instiga o convidado a se preparar. Permite até proceder certas despedidas que marcam os semelhantes, futuros candidatos a uma vaga na dianteira dos próximos funerais. Mas, o que para os vivos a morte é sempre um fim, para ela é apenas o início da passagem para eternidade.

            Eternos são o tempo e o infinito. Estes, como dois irmãos, tudo absorvem e consomem. Nada escapa sem ter com eles contatos rápidos ou duradouros. A vivência é medida pela quantidade de tempo de cada existência e, a infinitude, presas às coisas que ficam como imanência nas consciências. Só existe essa maneira de ficar quando se tem de partir: enfrentar o esquecimento com bons exemplos.  

            O filósofo Nietzsche deu destaque à vida como quando chega o meio-dia, que aparece para quem teve uma tempestuosa manhã, por isso, a vontade tende para um repouso que pode durar meses e anos. Assim fica o sujeito no silêncio a observar e a ouvir os sons sob o Sol a pino, com o coração parado, mas o olhar vivo, como se fosse uma morte de olhos abertos. Por isso, ele vê o que nunca viu, tudo iluminado e se sente feliz. “Enfim o vento se ergue nas árvores, o meio-dia passou, a vida o arrebata novamente para si, a vida de olhos cegos, atrás da qual se precipita seu cortejo: desejo, engano, esquecimento, fruição, aniquilação, transitoriedade”.[1] Assim vem a tarde e, podemos dizer, a longa noite memorável que transita para o outro dia.

            O filósofo Homero ao falar de Aquiles na transitoriedade da Guerra de Tróia, nos seus 25 anos, quase chegando ao “meio-dia da vida”, declarou a obrigação de fazer a escolha do próprio destino, em sua última conversa com a mãe. Antes, logo ao nascer, ela havia tentado imortalizá-lo jogando-o em uma fogueira, mas foi salvo por Peleu seu pai. Na segunda tentativa ela foi banhá-lo no Mar seguro pelo calcanhar, que, por não o tê-lo molhado, ficou ali a sua vulnerabilidade, local onde Paris, príncipe de Tróia, acertou a flechada. Diante das duas alternativas, teve o jovem que tomar a decisão: (...) um destino dúplice fadou-me à morte como termo. Fico e luto em Troia:/ não haverá retorno para mim, só glória eterna; volto ao lar, à cara terra pátria: perco essa glória excelsa, ganho longa vida; tão cedo não me assalta a morte com seu termo.” (Ilíada, IX, 411-16).

            Sempre tomamos a morte como perda. Mas porque perdemos se ficam os feitos como herança? No fundo a morte não leva, mas fixa ou marca o dia da passagem do imediato para o eterno. A eternidade, antes que alguém confunda com o Céu, é o relembrar de uma palavra dita, uma página escrita, um ato de bravura, uma escultura, um exemplo ou até mesmo uma árvore plantada. O dilema de Aquiles era reduzir-se a uma vida sem sentido ou doar-se pela causa gloriosa da vitória. Morrer tristonho e esvaziado ou ter uma bela morte marcada com uma longa vida.

            Sendo assim, morre um papa, elege-se um sucessor comprometido ou não, depende de como os interesses religiosos são confrontados. Terá ele o seu pontificado já no entardecer da existência. Assim, o papa é feito depois de eleito. Quando ainda é cardeal, tem destaque, mas nada se compara com a projeção recebida após a aprovação. A fumaça branca que anuncia também expande a harmonia e a natural afetividade. Quando, pela primeira vez aparece paramentado, já é aplaudido e aclamado. Na política, um mandato é o oposto de um papado. O governante pode ser benquisto ou malvisto tem a lei a seu favor para governar. No entanto, uma liderança se constrói ao longo de uma vida. Desde manhã até o entardecer, há de ser militante. Um líder é forjado nos conflitos e nas contradições que enfrenta, por isso a consciência é um parâmetro obrigatório.  

            Os tempos ainda estão bons para escolher um bom Papa, mas ruins para projetar líderes vigorosos e virtuosos. A diferença está em que, na religião basta ter coerência, mas na política é preciso ter decência. A escassez de líderes vem dos péssimos cultivos marcados pelos encantamentos ou deslumbramentos que a luminosidade negativa não deixa mais formar consciências combativas.

O Papa Francisco e o Pepe Mujica viveram para expandir e combater. Abraçarem paciência a bela morte, com uma carga de feitos expostos como herança. Não deixaram riquezas, apenas sensibilidade estética e delicadeza. Esses homens delicados foram sensibilizados pelas dores do mundo, que precisam ser saradas e superadas.

            Mujica era um florista, um verdadeiro comunista da beleza. Antes de embater-se com a brutalidade da política, cultivou a estética das cores, os perfumes e os sabores. Depois, foi preso e encarcerado por catorze anos. Na solitária obedeceu a repressão, como Jacó que serviu Labão por sete anos para obter o direito de se casar com Raquel mas viu com surpresa quando o sogro o enganou e o fez casar-se com Lia, obrigando-o a trabalhar outros sete anos para tê-la, Pepe fez o mesmo para alcançar a liberdade. A escravidão como também a prisão, não poderiam destruir seres sensíveis, sonhadores e superiores dos seres normais.

            As ditaduras sanguinárias na Argentina e no Uruguai nas décadas de 1970 e 1980, forjaram as duas personalidades autênticas e comprometidas. Eternos serão na terra pela grandeza de suas intensidades. Como Aquiles, eles também estavam um pouco acima do senso comum dos seres humanizados.

                                                                                               Ademar Bogo



[1] NIETZSCHE, Friedrich. Humano demasiadamente humano. Sçao Paulo: Companhia das Letras, 2008, §308.

domingo, 11 de maio de 2025

COMBATER O SUPREMACISMO


            Ao completarem-se 80 anos do final da Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazismo, apesar da euforia, as comemorações ainda acontecem com desfiles militares, tanques e armas de alta precisão nas ruas, para mostrarem que o arsenal bélico retrata, por um lado, a civilização como inimiga de si mesma e, por outro lado, que os Estados estão submetidos a duas vontades: a primeira denominada “armamentismo” e, a segunda de “financismo”.

            Ao tomarmos o conceito de “civilização” como referência de bem, imaginamos o percurso da humanidade como uma ordem verdadeiramente capaz de implementar o respeito mútuo entre as nações, Estados e etnias. No entanto, quando recorremos aos livros vemos que desde o surgimento na Idade Antiga, quando a reunião de grupos humanos no Egito e na Mesopotâmia e, em outros lugares, deixou para trás a pré-história, pois, além da agricultura, da vivência grupal e a domesticação de animais, a descoberta do fogo, da escrita etc., fez surgir, a 4 mil antes de Cristo, a primeira e mais antiga demonstração de incivilidade, o escravismo. Este, após mil anos de feudalismo, ressurgiu, com o colonialismo, como uma forma de produção para expandir o produtivismo no capitalismo e, neste, apesar de todos os avanços, contando desde a antiguidade até 1945, quando a desumanização ganhou o nome de “Nazismo”, somaram-se quase 6 mil anos de supremacismo, com o qual, grupos, classes, etnias, Estados, sistemas, empresas ou indivíduos, se acharam superiores, com direito de subjugar os “inferiores”.

            Sem fortalecermos o pessimismo e a desesperança, comparemos os princípios do escravismo, do colonialismo e do nazismo, e veremos que, na essência, todos eles prezam pela supremacia e a dominação de territórios, grupos, povos e pessoas; controle cultural, das riquezas e imposição do totalitarismo como ordem geral.

            Embora os livros façam os recortes históricos e procedam certas separações, como a que estabelece  o surgimento do colonialismo no século XV, não ligam o surgimento do imperialismo no século XIX, o nazismo no século XX, o sionismo no século XXI e, não adianta querer incluir nessa sequência outros ismos (socialismo, comunismo e internacionalismo) para dizer que todas as expressões possuem o mesmo teor, porque se trata verdadeiramente de autodefesa dos povos e nações. Sem essas resistências e tentativas de superações, a humanidade estaria ainda mais subordinada às vontades da minoria intransigente.

                Nesse sentido é importante perceber que não importa se, em certos momentos as expressões de dominação tenham alcance universal e, em outros, apareça com acentuações locais. Consideremos que a perversidade que gera a dor física, produzida por maus tratos, provoca as mesmas sensações em seres vivos que sofrem em qualquer parte do mundo. Se tomarmos a civilização ea compararmos com um rio caudaloso, cuja nascente estaria no início da humanidade e, se tudo o que foi feito tivesse ocorrido dentro de suas margens, qual seria a cor e que gosto teria a sua água? Poderíamos bebê-la com as conchas das mãos, ou nem sequer tocá-la?

            O filósofo fundador do ceticismo se chamava Pirro de Elis (360-270 a.C ). Ele defendeu que jamais podemos chegar a conhecer as coisas, pois, podemos ter apenas opiniões sobre elas, por isso seria impossível conhecê-las, ainda mais, porque, cada cabeça têm as suas próprias imaginações. No entanto, ele ofereceu um roteiro baseado em três perguntas para pensarmos sobre a realidade: O que são as coisas? Como nos relacionamos com elas? E, quais devem ser as nossas atitudes?

            Há, sem dúvida grandes descobertas favoráveis ao bem-estar e, apesar das desigualdades, certos avanços civilizatórios são acessíveis a ampla maioria das pessoas, como a anestesia, os antibióticos e as vacinas. No entanto, as duas coisas que perpassaram a história e impedem a convivência respeitosa, estão relacionadas aos domínios da riqueza e do poder.  Essas duas irmandades, como a água cor de sangue do caudaloso rio, atraem e confundem os desavisados que facilmente se contaminam e deliram expressando palavras como: progresso, desenvolvimento, produção de riqueza, crescimento econômico, emprego e salário justo. Na verdade, o que vemos é a perpetuação da miséria e do sofrimento. 

            Se, com certo alívio relembra-se o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, de lá para cá foram desencadeados 180 conflitos entre nações e, diversos estão em andamento, significando que a palavra Paz é apenas uma expressão demagógica na boca dos produtores de armas e especuladores das finanças dos países, obrigados a se endividarem emitindo títulos  para financiar o capital especulativo.

            Diante disso, o que sempre se ousou chamar de “povos civilizados”, são os que mais promoveram e promovem a violência. A Comunidade Econômica Europeia, tida como berço da civilização, ameaça investir 800 bilhões de Euros, ou cerca de 5 trilhões de reais, em armamentos para garantir pelo menos algum pouco da supremacia que ainda lhe resta.

            Enquanto a humanidade apenas assiste, os exploradores do planeta continuam conduzindo a civilização com os seus próprios interesses. É  preciso universalizar as reações e tomar o controle do destino da humanidade descivilizando o que é tido negativamente como civilizado e, elevar, pela desobediência civil a capacidade de combater o supremacismo em todos os níveis, para humanizar a humanidade.

                                                                                   Ademar Bogo

 

              

domingo, 4 de maio de 2025

O FIASCO DO IMPÉRIO


            Costumamos chamar de “fiasco” um fracasso ou um desastre propositalmente provocado, justamente porque as coisas não saem de acordo como planejadas. O filósofo Nietzsche, chamou de “tragédia” e “fracasso” tais infortúnios. Para ele o estado em que fazemos o mal é raramente agradável como quando fazemos o bem, e isso é um sinal de falta poder, por isso “(...) traz consigo novos perigos e incertezas quanto ao poder que possuímos e turva nosso horizonte com perspectivas de vingança, escárnio, punição, fracasso”.[1]

            Tivemos a impressão nesses primeiros meses de 2025, que no coração e na mente do império norte-americano, as frustrações avançaram tornando-se perigosos fiascos, tendo por companhia, a vergonha, a vingança, o escárnio e o fracasso. Isso se deve ao reducionismo cada vez maior do controle do poder de um grupo minoritário, caprichoso, elitista e totalitário; embora apresente-se como exemplo de democracia mundial. Eric Fromm (1900-1980), filósofo e psicanalista alemão, ao tratar do Medo à liberdade, chegou ao entendimento que: “O único critério para a concretização da liberdade é saber se o indivíduo participa ou não da determinação de sua vida e de sua sociedade, e isso não apenas do ato formal de votar, porém em sua atividade diária, em seu trabalho e em suas relações com outras pessoas”.[2]

Quando tememos a própria liberdade não praticamos o exercício da participação; revivemos as sensações de perigos constantes em todos os países capitalistas, cujo poder do capital obriga os governantes a usarem, desde cedo o totalitarismo ou a subordinarem-se aos interesses mesquinhos das elites dominantes. Um golpe de Estado, na atualidade, nasce e se consuma com tamanha facilidade que é de fazer inveja as ditaduras do passado. As ideias acostumam-se a transportar o medo para o campo das ameaças, com ou sem fundamento. Quando levadas a sério, as ameaças, causam efeitos danosos, quando não alcançam a realização, para a nossa sorte, tornam-se fiascos. É disso que falaremos. Nos Estados Unidos da América, os eleitores que votaram “sem medo” e venceram, recebendo como prêmio a anistia pela anterior tentativa de golpe de Estado,  aos poucos vão se dando conta que a força do fôlego do dragão para soprar as chamas sobre os inimigos externos, não passa de uma série de bravatas, mentiras e fiascos produzidos pelas big Techs e por um presidente alucinado; por isso, as chamas que deveriam queimar à distância, como o xixi do Tio San, não vão além do bico dos próprios sapatos. Daí o medo de ter que arcar com as consequências pela escolha malfeita, é cada vez mais crescente.  

A sinuosidade na escolha dos inimigos converteu o fiasco em escárnio, pois, oscilou entre a guerra na Ucrânia, a dominação da Palestina; as anexações do Canadá e da Groelândia; na elevação vergonhosa das taxas, tornando inviável a importação de produtos chineses, dentre outras medidas as únicas duas que foram vitoriosas se referem as deportações de alguns milhares de imigrantes ilegais e a mudança de no do Canal do Panamá e, para completar redução, termina agora, no início do mês de maio, conforme noticiam alguns jornais, com o envio de um emissário ao Brasil, para estudar punições ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Ou seja, aquilo que parecia ser uma guerra nuclear está acabando numa simples tentativa do impedimento de um ministro. O lado positivo desse intento é a declaração de que o bolsonarismo já perdeu e, não tendo força para livrar os golpistas da cadeia, recorre à truculência externa, juntando o fiasco daqui com o de lá.

Os fracassos das iniciativas punitivas na sede do império, tendem a bater com a mesma velocidade nas portas dos gabinetes das autoridades que emitiram as ordens, logo se ver-se-ão obrigados a entregarem os seus cargos. Ouviremos nos próximos dias e meses os sons das ordens emitidas: “O governo dos Estados Unidos da América, volta atrás”. De onde nos vem esta certeza? De dois movimentos em ascensão. O primeiro movimento, está no que se costuma chamar de “o resto do mundo”. As taxas de impostos elevadas além de irem contra todos os princípios neoliberais, atacam todos os países de uma só vez que, ao invés de se ajoelharem para pedir clemência, abandonam o barco da subserviência e buscam outras articulações. A continuar assim, logo, logo, veremos a noiva sozinha diante do bolo, todo esfarelado sem ânimo para contá-lo. Se todos os países estão fazendo os seus arranjos comerciais, certamente também negociarão com outras moedas e associarão os recursos em novos investimentos fora dos monopólios tradicionais. O segundo movimento, diz respeito à situação interna da economia e da população norte-americana; em um tempo em que a globalização, por meio da ideologia neoliberal estabeleceu que as fronteiras dos países devem ficar abertas, permitindo liberdade ao capital, fechar as portas, servirá para dificultar as exportações dos próprios produtos. 

Desse segundo motivo, desprender-se-ão os respingos do fiasco que contribuirá para o fortalecimento de pelo menos três reações: da economia, da política e das novas articulações internacionais. Do ponto de vista econômico, apenas um exemplo, os compradores de produtos externos, como é o caso da China que adquiria 52% da produção de soja dos produtores norte americanos, como também 15% da carne bovina e suína, com a inviabilidade dos impostos, buscará esses produtos em outras fronteiras agrícolas, dentre elas o Brasil e, as consequências já sabemos: mais devastação, mais concentração de terra e envenenamento ambiental.  No aspecto da política, o fiasco do Tio San de assumir-se como extrema direita, empurrará as forças políticas dos países para a posição de centro esquerda, dando um pouco mais de tempo às democracias representativas que não são as ideais, mas bem melhores do que os regimes totalitários puros. E, no aspecto das articulações internacionais, é provável que nesses longos quatro anos de bravatas asquerosas ainda por virem, os países de economias historicamente dependentes dos EUA, se soltarão e incorporarão tecnologias bélicas e industriais de outras matrizes.

Portanto, a reação positiva dos países diante das ameaças, ao invés de medo, transformou os rompantes indigestos do presidente Trump em desastrosos fiascos, dando a conhecer ao mundo que, um erro fatal de estratégia política nem sempre é perdoado pela história. É evidente que esse fracasso não é mérito de um só indivíduo. A decadência do capitalismo está atingindo por primeiro os países tradicionalmente dominantes, por isso as economias emergentes, por serem as mais leves e dinâmicas, se defendem com maior facilidade. Estamos claramente diante da expressão da lei da dialética conhecida como “negação da negação” que se manifesta pela concordância da ação e reação, ainda dentro da ordem dominante.

A nós não cabe adorar o medo. Mesmo com poucos avanços é preciso afirmar o desejo de liberdade. Trancar as portas dos retrocessos e assumir a defesa do direito às transformações sociais na linha socialista. Mas elas não virão de uma vez só, é preciso agarrar as cordas que se soltam e se arrastam atrás da locomotiva da história, como é o caso de não permitir a anistia aos golpistas; a defesa da soberania nacional e a luta pelas reformas estruturais. Quem nada faz, não faz nada. É preciso arriscar, investir e conclamar para que as desobediências parciais se convertam em insurreição total e não em um fiasco.

                                                                       Ademar Bogo



[1] NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2001, p. 50.

[2] FROMM, Érick. O medo à liberdade.14 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 216.

domingo, 20 de abril de 2025

A POLÍTICA DA CARA FEIA

 

Desde o surgimento da política na antiguidade dá-se a ela a responsabilidade da organização harmônica das relações entre indivíduos e governantes e de competição entre Estados e Estados. Por sua vez, a política não anda com as próprias pernas, ela precisa das matérias econômicas e comerciais para se locomover pela maciez das trocas. Aristóteles em sua época visualizou esse movimento dizendo que: “Quanto a arte das permutas, seu ramo principal é o comércio, que consta de três partes: com transporte por mar, transporte por terra, venda no próprio local da produção”.[1] Tarefa cada vez mais arriscada de realizar.

Por natureza, o comércio é o lugar da satisfação das partes envolvidas. É verdade que existe a concorrência que impede os comerciantes de possuírem e praticarem uma ética comercial; mas, no fundo, é o respeito à liberdade a comerciar que todos põem acima de todas as divergências.

Karl Marx ao estudar o fetiche da mercadoria, identificou nela segredos que impõem o mistério de encobrir as características sociais do próprio trabalho para produzi-la. Mas que: “Quando o mundo parecia estar tranquilo, recorde-se, a China e as mesas começaram a bailar, pour encorager les outres (para encorajar os outros)”.[2] A citação se refere à Guerra do Ópio, iniciada em 1839, com a proibição  da China da importação desse produto oferecidos pelos comerciantes ingleses que, revoltados, destruíram diversas cidades chinesas impondo, em 1842 a assinatura do Tratado de Nanquim, obrigando o país asiático, além de entregar a ilha de Hon Kong, de abrir cinco novos portos para a comercialização. Na contemporaneidade prestes a completar duzentos anos da Guerra do Ópio, são as mesas dos Estados Unidos da América que, por meio da declaração da “Guerra tarifária”, começam a dançar.

Por que dançam as mesas norte-americanas? Pelo simples fato de sentirem que o solo sob os pés começou a mover-se. Bem comparado, o fato dessa dança desesperada acontecer agora, se deve à inversão do movimento que fez circular as mercadorias. Se a Guerra do Ópio aconteceu devido a proibição da Inglaterra exportar o produto intoxicante para a China, no momento são os Estados Unidos que, de cara feia, proíbem a importação de produtos chineses.

Quando na década de 1970, o Partido Comunista Chinês decidiu abrir a economia em 14 munícipios do país, viu-se com temeridade aquela iniciativa, tendo em vista que as empresas de produção capitalistas poderiam migrar para lá, firmar contratos por tempo determinado com o governo. O Problema parecia estar em que durante a validade do contrato os investimentos estrangeiros poderiam explorar a força de trabalho e venderem os seus produtos. Deu certo. Mantendo o controle sobre o processo produtivo e comercial, o mesmo sistema foi ampliado para todo o país. De olho na força de trabalho barata, o amplo mercado interno e externo, facilitado pela globalização, muitas empresas dos Estados Unidos migraram para a China e de lá passaram a exportar as suas mercadorias para o país de origem.

As mesas começaram a bailar desesperadamente quando alguns grupos, principalmente os da especulação, perceberam que as próprias empresas norte-americanas além de gerarem empregos na China  praticavam a concorrência com os restos das indústrias locais. A elevação brusca das taxas tarifárias representa uma tentativa desesperada de trazer de volta para casa as empresas que saíram do país.

Embora essas medidas de Ronald Trump pareçam estudadas e bem calculadas, elas representam um ato de desespero por avaliar que, a velha hegemonia devido a contradição principal da globalização, inverteu os papeis e, agora o senhor se tornou dependente do escravo que, com desenvoltura, sorriso manso e relações cordiais, quer afirmar-se também como senhor em um mundo com a economia globalizada.

Os Estados Unidos possuem duas armas importantes para se defenderem, a indústria bélica e o dólar, mas postas sobre uma mesa que sozinha dança pela sala, provavelmente sentirá, em breve, a impotência de ambas. Isto porque, declarar uma guerra armada contra a China não dá nenhuma garantia de vitória e, com os demais países negociando com as próprias  moedas, o segundo trunfo também não terá força de detenção do movimento contrário.

Quais os limites norte-americanos? Dentre os já descritos em outros textos, como o atraso tecnológico, a desindustrialização, o crescimento da pobreza interna e a incapacidade de competição rápida, terá agora, de imediato, que enfrentar a tendência recessiva da economia, o reposicionamento das bases militares dispostas no mundo e, manter a cara feia sem perder os aliados.

Parece que a tranquilidade chinesa de não ficar competindo na publicação de taxas de importação para saber quem cobrará mais, vai na direção de simplesmente buscar outros mercados para recolocar os 3% do PIB exportado para os Estados Unidos, o que parece não ser tão difícil de encontrar. Por outro lado, enquanto os governantes chineses ampliam os contatos, os negócios e as relações de investimentos com outros países, os norte-americanos interrompem relações, quebram acordos e ameaçam os aliados com bravatas, como essa de anexar o Canadá, comprar a Groelândia, tomar de assalto os minérios ucranianos e sair da OTAN.

A desmoralização do presidente que, com cara feia e truculência nas ordens, já se iniciou e tende a se avolumar. Primeiro porque não conseguiu a bravata de acabar com a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia em um dia, assim como a imediata rendição do Hamas na Palestina e já são quase cem dias de governo, o que se ouve é a promessa de se retirar dessas intermediações. Por outro lado, internamente, vemos a reação das universidades contra a política negacionista e a perseguição aos estudantes e professores, fazendo-os pensarem em abandonarem o país; a proibição pelo poder judiciário da deportação dos imigrantes ilegais e a reação por meio das mobilizações populares. Somado a isso, há o crescimento da taxa desemprego, a elevação do custo de vida e as divergências políticas dentro do próprio núcleo dirigente da guerra tarifária.

E nós, diante de tudo isso? Dando “milho aos pombos”? Até quando assistiremos as mesas bailarem cada qual agarrado ao título de eleitor como a única arma a lançar mão para o combate que será ainda em 2026? Ou paralisados esperamos uma condenação de um famigerado que já está, certamente, com o pedido de asilo político preparado para fugir para a embaixada da Hungria?

A experiência nos mostra que não se recompõe uma porta arrombada com uma folha de papel, porque, a função da porta é proteger quem está dentro do ambiente. Se não há como fugir das circunstâncias históricas é preciso tomá-las como matéria e fazer delas as novas circunstâncias para fazer a história. A política é uma arte que oscila entre os tempos harmônicos e de guerra. Chegou o tempo da guerra, por enquanto é tarifária, dessa forma, o tempo, há tempo, deixou de ser harmônico. Por isso, cara feia pode ser fome, mas também de desespero. Contra a forma do imperialismo podemos dar comida, petróleo e minérios, como sempre fizemos; mas, contra o desespero da vida, segundo o filósofo Arthur Schopenhauer, oscila entre a “dor e o tédio”, o que faremos para enfrentá-los?

                                                                                   Ademar Bogo



[1] ARISTÓTELES. Política, p. 29.

[2] MARX, Karl. O fetichismo da mercadoria : seu segredo. In. O capital. Vol 1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 80.