domingo, 21 de setembro de 2025

SOBERANIA PARLAMENTAR


                Embora a Inglaterra tenha na modernidade produzido grandes filósofos como Thomas Hobbes (1588-1679), ferrenho defensor do absolutismo, no qual reina o poder do soberano, foi o país que por primeiro implantou a monarquia parlamentarista, consolidada em 1688, com a Revolução Gloriosa e assim vigora até os nossos dias.

                Não se trata aqui de defender aquela forma de governo esclerosada, importa é fazermos uma breve reflexão sobre a ideologia da democracia representativa, a qual, superficialmente, combina irmanação dos três poderes, que constituem a representação da ordem no mundo civilizado.

                Hobbes produziu uma ideia no livro: Diálogo entre um filósofo e um jurista, que nos ajuda entender como funciona a mente dos legisladores. “O senhor gostaria que os homens alegassem mutuamente como lei sua razão particular? Entre os homens não existe uma razão universal sobre a qual há acordo dentro da nação, além daquele que tem o poder soberano”.[1]Isso é tudo. Quem pode usar a razão para fazer leis ou revogá-las, é somente o soberano, os demais cidadãos usam a razão apenas para usufruírem o que está ao alcance de suas mãos.

                Se entre os homens somente o soberano tem razão universal, significa que por tê-la, está acima dos homens comuns e, por isso, mesmo sendo pego pela lei por ele elaborada, estará blindado. Assemelha-se esse fenômeno ao da invenção da bomba de gás lacrimogênio, pelos Norte americanos  Ben Corson e Roger Stoughton,  em 1928,para maltratar as multidões, enquanto para aquele que a lança  por estar usando a proteção da máscara antigás, nada acontece.

                No Brasil, estamos caminhando para o absolutismo do parlamento. Leis  incômodas são substituídas pelos Projetos de Emenda Constitucional – PEC, enquanto a sociedade assiste o desmonte de sua Constituição.  A mais recente invenção é a PEC da “blindagem”. Em síntese é uma lei que impede a abertura de qualquer processo contra um parlamentar, salvo se o próprio Congresso autorizar. Na verdade, como eleitores já sabíamos que, sempre após eleito, o político cria a sua própria autonomia, porém, não sabíamos que o voto tem o poder de elevar os eleitos acima das próprias leis que eles elaboram.

                Se a moda pegar, o sacerdote e o pastor farão as suas leis para não serem pegos na pedofilia; o artista precaver-se-á legalmente para quando beijar tecnicamente, não passar ser visto o ato como um assédio; o fazendeiro, antes de pulverizar o agrotóxico, prevenir-se-á com uma lei de não contaminação; o juiz quando vender sentenças; o jogador de futebol envolvido em falcatruas nas loterias, todos formularão as suas garantias.

                Os escândalos entram para a normalidade porque a barbárie já se normalizou. O banditismo político tornou-se incontrolável. A eticidade, segundo o filósofo Hegel, que  deveria estar acima do direito e da moral, para garantir que a liberdade individual esteja submetida ao dever e a vontade social, não está mais. Vemos mesmo é o seu contrário. O indivíduo acostumado com o crime, impõem aos cidadãos de bem, as suas projeções legais. Assim funciona o mundo paralelo: o gangster, chefe do crime organizado, elabora as normas que lhes servem de poder pessoal.

                Ainda não vimos tudo. Esses setores marginais, com vinculação orgânica nas religiões, facções organizadas, parlamento, grande parte das forças policiais, capital especulativo, setores produtivos, como o agronegócio, as mineradoras etc., já se tornaram centros de articulação política. O crime não teme a lei. Esta última se vê como um cão acorrentado sendo caçado pela onça. Quando algumas lições podem ser dadas, o Congresso anistia, reduz as penas e tudo segue sendo a encenação dos facínoras fascinados, que acham terem mais razão do que os demais seres racionais.

                O capitalismo decadente revela as suas contradições em todas as dimensões. O Estado e o Direito, vistos na teoria como pilares da manutenção da liberdade, garantidores aos cidadãos do direito de ir e vir, tornaram-se reféns de grupos de malfeitores, que se protegem de todas as maneiras, para não serem surpreendidos em sua travessuras.

                Mais problemático do que a blindagem é a conivência e, pior que esta é a imobilidade diante da barbárie política. O poeta Paulo Leminski, em seu poema “Bem no fundo”, interpretou o desejo universal à inanição: “No fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto”. Se veremos solução, é para os problemas deles.

                Portanto, não basta lamentar-se, é preciso proibir de enganar-se que das urnas poderão nascer parlamentares mais descentes. A política será moralizada quando o parlamentar, antes de votar qualquer decreto, precisar consultar e ser autorizado a opinar, pelos eleitores que lhe deram o mandato.   

                A luta continua.

                                                                                                              Ademar Bogo



[1] HOBBES, Thomas. Diálogo entre um filósofo e um jurista. São Paulo: Landy, 2004, p. 54

domingo, 14 de setembro de 2025

JULGAMENTO E JUSTIÇA


Há momentos importantes na vida de um cidadão ou na história de um país, cujas marcas ficam registradas para sempre. É o caso de um julgamento. Os olhos se voltam para o tribunal para vislumbrarem o produto que sairá de lá, com o nome de condenação ou absolvição, daí surgem as expressões, nos juízos particulares, se os resultados foram justos ou injustos.

Aristóteles foi um dos primeiros filósofos gregos a teorizar sobre a justiça.Ora, "justiça" e "injustiça" parecem ser termos ambíguos, mas, como os seus diferentes significados se aproximam uns dos outros, a ambiguidade escapa à atenção e não é evidente como, por comparação, nos casos em que os significados se afastam muito um do outro (...)”.[1] Talvez esteja nisso a chave para entendermos essa confusão, quando não sabemos discernir se o réu é culpado ou inocente.

O filósofo preocupa-se em situar a materialidade dos atos, mas, ao deparar-se com os diversos significados para “um homem injusto” que, muitas vezes não conseguimos localizar em que ponto está a sua culpa. Para facilitar o entendimento, voltou-se Aristóteles para os comparativos do “homem sem lei” e, o “homem respeitador da lei”. Acontece que entre o réu e a condenação, estão as argumentações para prendê-lo ou soltá-lo das malhas da lei.

As vezes as expectativas são maiores do que as evidências e com isso há desequilíbrio na aplicação dos pesos e das medidas, por isso, os julgamentos as vezes parecem ser justos, outras vezes injustos. As coisas se agravam ainda mais quando adentramos para o campo dos desejos, também ambíguos, no sentido de “fazer justiça” ou “fazer vingança”.

Entre a justiça e a vingança não há parede divisória, apenas duas linhas paralelas, com cores diferentes, marcam as satisfações e insatisfações. Satisfeitos com o resultado do julgamento, nem sempre nutrimos o sentimento de justiça; haverá ainda o seguimento de onde e como o réu cumprirá a sentença e progredirá no cumprimento pena. Já que o cidadão não pode interferir nas decisões do juiz, ele faz denúncias e exigências para que tudo seja cumprido nas piores condições possíveis, com as mais perversas companhias, vistas como instrumentos da vingança e acompanhada de todas as maledicências para que de tudo de ruim lhe aconteça do lado de dentro das grades.

Assim é a civilização: A lei acima de todos. No entanto, há situações que acima das leis estão aqueles que as elaboram, isto porque, como um pai nunca imagina que será punido pelo filho, supostamente, a criação de uma lei jamais se voltaria contra o seu criador. Mas pode vir a ocorrer. Quando isso acontece, como a ambiguidade entre o veneno e o antídoto: os fabricantes mudam a fórmula, um fica sendo a doença e o outro o remédio. Por isso surgem os pedidos de anistia que somente podem ser realizados com a aprovação de uma lei que anula os crimes imputados por outras leis.

A imunidade parlamentar é um exemplo de que há pessoas acima das leis que não podem alcança-lo enquanto durar o seu mandato e, a impunibilidade do juiz que faz a interpretação das leis segundo os seus interesses. Não há limites hermenêuticos, mesmo quando os atos falam por si mesmos, há a possibilidade de assegurar aos culpados uma mentirosa inocência.

Por outro lado, a justiça e a política são acompanhadas da coragem e do medo. No Brasil, logo após a abertura política de 1985, houve a campanha para presidente da republica em 1989 e, o Partido dos Trabalhadores hegemonizou as mobilizações com o slogan: “Sem medo de ser feliz”. Buscavam os seus ideólogos espantarem o fantasma do comunismo que as forças responsáveis pela ditadura militar haviam criado. Quando em 2002, aconteceu a primeira vitória eleitoral para governar o país, a afirmação verbal foi: “A esperança venceu o medo”.

O que chama a atenção não é o resultado alcançado, mas o “medo” que aparece nos dois momentos históricos decisivos. Por isso, se justificava a intocabilidade dos militares. Os ditadores e torturados responsáveis por centenas de mortes, torturas, censuras, perseguições etc., vivem ainda ou morreram em suas casas, com soldos e vantagens que se estendem para os seus familiares, privilégios que nenhum trabalhador brasileiro possui.

Nesse último onze de setembro de 2025, enquanto rememoramos os 52 anos da morte de Salvador Allende, vítima do golpe militar chileno em 1973; no Brasil assistimos à condenação de um grupo de golpistas que atentaram contra os resíduos de democracia política em 8 de janeiro de 2023. É evidente que isto é muito pouco em relação a tudo o que as lutas de resistência já passaram e sofreram, pela violência praticada pelas intervenções militares contra elas. De algum modo, só para citar alguns: Zumbi dos Palmares morto pelas forças oficiais em 20 de novembro de 1695; Antônio Conselheiro e os mortos de Canudos em 1897; Carlos Marighella (1969), Carlos Lamarca (1971) e todos os guerrilheiras e guerrilheiras que organizados enfrentaram a ditadura militar de 1964, nesse dia também foram lembrados.

O pouco se torna muito quando se ampliam os resultados. Se algo de bom ocorreu com a condenação dos golpistas, foi que “o medo venceu o medo”. Agora é possível dizer que é possível. Mesmo que tudo continue como está, um passo adiante foi dado, frente ao fantasma militar e o poder do imperialismo que, unidos, construíram o que de pior pode existir contra uma nação para que ela seja soberana, que é o medo de se insurgir.

Por tudo isso, podemos dizer que houve julgamento, mas a justiça ainda não aconteceu. O sofrimento dos povos originários massacrados; dos negros escravizados e mortos; dos pobres e trabalhadores reprimidos, presos e torturados, são todos crimes cometidos pelo braço jurídico e a mão armada dos Estado brasileiro. Para que a justiça verdadeiramente seja feita, precisamos eliminar a principal ambiguidade composta pela contradição entre explorador e explorado, para isso é preciso que o próximo tribunal seja popular, instalado nos campos, nas fábricas, nos serviços, praças, ruas e favelas para nele condenarmos, a desigualdade social, a propriedade privada, a exploração do capital e o poder centralizado do Estado. Nesse sentido, a luta não terminou, aliás, ela apenas começou.

                                                                       Ademar Bogo



[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 12

domingo, 31 de agosto de 2025

AGORA É DIFERENTE


            Se comprarmos o poder mundial a um triângulo de forças, veremos que ele mudou um pouco as aberturas dos seus ângulos, como também, está se estruturando com um novo formato. Se antes ele situava-se sobre as referências hegemônicas, tendo os Estados Unidos, Rússia e alguns países da Europa, agora, a base em formação é continental: Ásia, África e América Latina.

            A briga tarifária do governo dos Estados Unidos, praticamente, contra o mundo, pois ficaram apenas oito países sem penalização, arrastou para os seus pés, a velha Europa colonialista decadente que, ao submeter-se às imposições, abraçou-se a um moribundo ferido de morte pelo neoliberalismo, por eles mesmos criado.

            As novidades auspiciosas, firmam-se sobre as unidades das soberanias continentais. Logo, logo, veremos que é um atraso falar de “nossa pátria”, “meu país” ou “soberania nacional”. O novo conteúdo do internacionalismo proletário será formado pelas populações residentes no Sul Global.

            Neste momento ainda em transição, como latino-americanos, devemos olhar para trás para reconhecer que, desde 1492 o nosso continente suportou as dores das feridas provocadas pelas intervenções colonialistas e imperialistas. Os gritos de medo e desespero impediram os chamados à união para enfrentar os inimigos comuns. A voz de Simón Bolivar e de tantos outros, propondo a “pátria grande”, não logrou configurar-se. No entanto, as lutas pelas independências, iniciadas com o Haiti em 1804, seguiram um ritmo acelerado que, a maioria dos países tornaram-se independentes em menos de 20 anos, ou seja, entre 1810 e 1829 os processos estavam concluídos. Um curto período de tempo de ascensões promissoras na política, mas, a contaminação pela dominação econômica, mergulhou posteriormente todos os países na dominação, denominada por Florestan Fernandes, como “capitalismo dependente”, assim fundamentado nessa ideia: “O esforço necessário para alterar toda a infraestrutura da economia parecia tão difícil e caro que esses setores sociais e suas elites no poder preferiram escolher um papel econômico secundário e dependente, aceitando como vantajosa a perpetuação das estruturas econômicas construídas sob o antigo sistema colonial”.[1]

            Por essa constatação, podemos observar que, os anseios pelas independências levaram à substituição da dominação colonial pela dominação capitalista e imperialista. As corretas proposições do cubano José Martí e, do venezuelano Simón Bolivar, não encontraram as condições favoráveis para as junções nacionais em uma ampla unidade latino-americana. Os dois fatores externos que podemos considerar como limitações importantes, foram as revoluções liberais europeias de 1848, ocorridas depois das independências latinas e, as bases filosóficas do materialismo histórico ter surgido também nessa mesma época. Logo, sem teoria e condições revolucionárias as independências não suplantaram as oligarquias locais e, os Estados nacionais foram estruturados sem a presença efetiva dos trabalhadores e das massas populares; principalmente porque, os contingentes maiores dos trabalhadores, compunham a força-de-trabalho escravizada, como foi o caso brasileiro, que esse regime se encerrou 66 anos depois da independência.

            Nas duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), os países latino-americanos e caribenhos, pouca participação tivemos. A briga entre as grandes potências, com a própria Europa dividida, não afetou diretamente, com exceção da Rússia, os países do Sul-Global. Em certo sentido, fomos até beneficiados, como foi o caso da China que, com a derrota do Japão, logrou ter êxito e levou a cabo a revolução em outubro de 1949.

            No tempo presente, as mudanças operadas na forma de articulação, leva a crer que, ninguém estará imune à guerra, mas os polos articulados colocam em desvantagem a aliança entre os Estados Unidos e a Europa. Por outro lado, se a Rússia enfrenta sozinha a guerra situada na Ucrânia, mas é contra todas as potências do Norte Global, a China lidera e distribui pelos países do mundo articulados, investimentos em infraestrutura e os avanços no domínio tecnológico produtivo, distanciando-se cada vez mais com as revoluções da robótica, da informática e da eletrônica, iniciadas nos países capitalistas, mas indo além nova rota da seda, fortalecendo os continentes do Sul Global, explorados e violentados por aquelas potências decadentes.

            O poderio bélico dos Estados Unidos é uma das poucas garantias que lhes sobra para ameaçar países desobedientes. A Venezuela lidera hoje a resistência contra o imperialismo e depende dos demais países para fortalecer-se na defesa dos interesses comuns dos povos latino-americanos. Ao longo da história já experimentamos as diversas formas de repressão e de golpes militares. Contra isso, já sabemos defender-nos. O que eles nos prometem no presente são as invasões militares e as valorizações das divisões internas, promovidas pelo incentivo aos conflitos religiosos, culturais, regionais, com o único objetivo de controlarem e saquearem os minérios nobres e o petróleo, para tentarem fazer frente ao aos avanços do novo modelo econômico, com novas referências cambiais e formas inovadas de aplicações tecnológicas de produção e prestação de serviços.

            Portanto, na atualidade, podemos relacionar dezenas de confrontos internos e externos, mas um deles pelo menos nos favorece, que é o da expectativa progressista contra o desespero. Os Estados Unidos, após longo período de terrorismo internacional, agora se desmancham por dentro. Como um sujeito de vísceras apodrecidas é um corpo doente. Surge lá um conceito novo: “morte por desespero”, pois, a insegurança pessoal é tamanha, seja na ausência de um sistema público de saúde, de educação gratuita e de garantias de trabalho que, as expectativas de vida para a população masculina,  caiu para 50 anos. Os opioides, espécie de droga misturada a analgésicos, são buscados na tentativa de acalmar a ansiedade, a depressão e impedir o suicídio.

            As contradições políticas afetam a governabilidade desastrosa de um presidente alucinado, mas também tomado pelo desespero de não saber como enfrentar todos os inimigos que se voltam contra si. Com seus arroubos ignorantes conseguiu unificar concepções e posições políticas opostas, como as do Brasil e a Índia e, internamente o elevado volume de processos contra as suas medidas, chegando ao ápice de, no último dia 29 de agosto de 2025, o Tribunal de Apelações dos Estados Unidos, decidiu pela ilegalidade das mudanças nas taxas de importação. Ou seja, a onda de rejeição ao tarifaço, impulsionada pelos países do mundo, ganha repercussão nas entranhas do próprio império.

            Temos certeza que os ventos da política mudaram a direção. Parafraseando o filósofo Sêneca, da escola estoica, morto na prisão de Roma no ano de 65 d.C. que: “Quando não se sabe para qual porto navegar, nenhum vento é favorável"; nossa vantagem frente ao imperialismo, é a de sabemos que, daquele porto estamos saindo e, com o vento a favor, não tardaremos a chegarmos nas intermediações do socialismo.

                                                                       Ademar Bogo



[1] FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981, p. 13.

domingo, 17 de agosto de 2025

A AURA DO MITO DECADENTE

 

O filósofo Walter Benjamin ao escrever sobre A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, encontrou um jeito de destacar o tema da “Destruição da aura”, e fez o seguinte destaque: “No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente.”[1] Ou seja, há períodos históricos em que as percepções se equiparam ao modo de se comportar e existir das populações. Para ilustrar melhor, na sequência, além de definir o que é a “aura”, sendo ela uma figura espacial e temporal que absorvemos ao tentar alcançá-la como se fosse algo distante, posta no topo do horizonte, mas que, quanto mais ela se aproxima, mais perde o vigor, até que vem a perder o encanto.

            É um pouco cedo para afirmarmos se a aura do mito Bolsonaro, já está próximo do entendimento da decepção e se extraordinário já quase se esvaiu ou ainda não. Mas, um mito que pede clemência, anistia e foge da sustentação da própria responsabilidade de assumir que queria continuar sendo o “imbrochável”; desafiador do Coronavírus pela imunidade sem vacina; provocador dos juízes do Supremo Tribunal, achincalhando-os em praça pública com palavrões que ninguém ousa expressar contra um juiz e, de exibir-se em motociatas como um jovem contestador do totalitarismo cultural, em busca de escudar o vento com a própria face etc., teria ainda alguma luz a oferecer?

            A última tentativa de sobrevivência do mito foi colocar a sua aura na cabeça do presidente dos Estados Unidos. Aquele, como símbolo do anjo vingador, ofereceu, de imediato, contra a nossa economia, uma tarifa impraticável de 50% sobre os produtos exportados para o reino da morte, se não fosse retirada  a tornozeleira da canela esquerda do famigerado. Depois atacou o próprio ministro com a Lei Magnitsyky, impondo-lhe a proibição de entrar naquele país especializado em deportar imigrantes. Pouco se perde em não poder ir a um lugar governado por uma besta defensora da a matança de palestinos em Gaza, como se lá fosse uma antiga arena, na qual os leões devoravam os cristãos, para divertirem da comitiva do imperador.

            Os “bolsonaros” já foram associados com bananas pequenas e, agora podres. No entanto, há sempre que ter cuidado, porque, simbolicamente quando alguém deseja derrubar outro alguém, a armadilha é feita com cascas dessa fruta escorregadia. Na verdade, a intromissão Trumpista nos assuntos judiciais brasileiros não passa de um blefe enjambrado pelas próprias bananas. Ou seja, não seriam elas capazes de fazerem uma potência como ainda é o imperialismo, gastar as suas energias para livrar da cadeia um reles serviçal, atrapalhando o fluxo centenário de relações comerciais entre os dois países. Eles, aproveitando-se do momento conseguiram colocar esse entulho no meio da artilharia trumpista. Para quem não conseguiu entrar no passado na cerimônia de posse daquele presidente, é sem dúvida uma grande conquista: colocar um punhado de fezes no meio do chumbo e da pólvora dos canhões.

            O certo é que, se o mês de setembro próximo, quando o mito for levado a julgamento, ou mesmo que venha a ser solto, as implicações tarifárias não serão revogadas.  O problema brasileiro atende por nome de Brics. A associação do Brasil com a Rússia, a Índia e a China, despertaram a fúria dos capitalistas de diversas corporações dos Estados Unidos. Essa reunião dos países, além de representar 28,9% da economia mundial, contra os 25% dos Estados Unidos, abriga 48,9% da população do mundo, que irá utilizar tecnologia independente das Big Techs Norte americanas, consumir produtos diferenciados, partilhar investimentos econômicos, financiados por um Banco próprio e, negociar com outra moeda que não é o dólar. Para além disso, ainda há as reservas minerais e de petróleo que farão toda a diferença no âmbito das disputas mundiais do futuro.

            A tentativa de Trump de se colocar como mediador no acordo de Paz entre a Rússia e a Ucrânia é para assegurar algum direito de exploração dos minérios ucranianos, antes que tudo fique sob o domínio russo. Logo, não há bondade nenhuma nessa negociação. Há medo. É uma tentativa do imperialismo segurar-se no próprio cós da cintura das próprias calças para não cair.

            Por todos os elementos postos em jogo, devemos acreditar que as associações das auras bolsonaristas e trumpistas, aproximam-se como dois indivíduos afogando-se indo em direção um ao outro para o último abraço. As circunstâncias apontam para a direção de mudanças na colocação das forças no tabuleiro mundial. No Brasil, embora com fraca animação, a condenação dos golpistas das forças armadas, simboliza que os militares podem ser enquadrados e enfrentados e, a busca de novos mercados indica que é possível sobreviver sem a submissão ao império dos Estados Unidos.

            O ponto vulnerável está do nosso lado. As forças populares e de classe ainda não reacenderam a aura oposta, para colocarem no alto do horizonte a estrela socialista e almejar alcançá-la, marchando naquela direção. É preciso acreditar e convocar para que a rebeldia acompanhe a onda criada pelas contradições entre as potências. É no impulso delas que conseguiremos saltar mais longe em busca de uma melhor colocação lá adiante. Com certeza, venceremos!  

                                                                       Ademar Bogo



[1] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. O texto aqui publicado é inédito no Brasil. O ensaio traduzido em português por José Lino Grünnewald e publicado em A ideia do cinema (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1696) e na coleção. Os pensadores, da Abril Cultural, é a segunda versão alemã, que Benjamin começou a escrever em 1936 e só foi publicada em 1955. file:///C:/Users/adema/Downloads/BENJAM-1%20(1).PDF

domingo, 10 de agosto de 2025

A ONDA É VERMELHA

 

            Karl Marx, iniciou os seus estudos sobre economia política ainda na Alemanha em 1842 quando, como redator da Gazeta Renana, deparou-se com uma situação embaraçosa voltada para “os direitos materiais”, quando a Assembleia Legislativa da Renânia, empenhou-se em aprovar uma lei sobre o “roubo de lenha”, efetuado por camponeses carentes que precisam entrar nos bosques privados para catarem o material e abastecerem as suas cozinhas. Portanto, do ponto de vista teórico, nesse momento, principiou-se a elaboração da crítica da economia política materialista, da apropriação dos bens da natureza para uso privado; no entanto, tudo feito dentro da lei com aprovação do Estado.

            O conceito de “economia política” já vinha sendo utilizado havia muito tempo. No ano de 1615, antes mesmo de todas as revoluções e guerras ocorridas no capitalismo, o francês Antoine de Montchrestien, escreveu o livro: Tratado de economia política; posteriormente outros autores como, Adam Smith, Stuart Mill e David Ricardo, utilizaram os termos com muito mais profundidade; mas é com Marx que a visão crítica pôde se insurgir e revelar as profundas imbricações que existe entre as duas áreas da política e da economia.

            Marx, após revelar o seu despreparo para enfrentar aquela discussão, buscou preparar-se buscando nos Princípios da filosofia do Direito de Hegel as explicações mais contundentes. “Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais...”.[1] Evidentemente as “condições materiais” estão relacionadas com a economia que emergem da propriedade privada.

            A importância atual de compreendermos esse emaranhado de articulações e inversões, de ora a economia pretender ser totalmente privada, ora, o Estado ter de agir para não deixá-la sucumbir ou, ainda, as autoridades superiores precisam intervir e impor taxações ou assegurarem subsídios para que os negócios continuem sendo lucrativos e os empregos sejam mantidos.

            Na atualidade o governo dos Estados Unidos da América retém as atenções universais. Muitas respostas já foram dadas para pergunta, por que isso está acontecendo? Mas duas palavras apenas são suficientes para definirem a situação: falência e decadência. Em outras palavras, isso quer dizer que esse país se tornou tecnicamente incapaz de administrar vantajosamente a sua economia e, precisa impor por meio de leis, um pedido de socorro das outras economias mundiais.

            Em situações comuns, quando isso ocorre, costumam fazer um balanço para localizarem onde estão as causas dessa decadência. No caso de um país imperialista é mais complicado, porque, muitas podem ser as causas, mas, algumas delas despontam para a justificação do estado desesperador com que o governo de lá se obrigue a criar inimizade com todos os demais países do mundo.

            O entendimento primeiro é que o imperialismo não é uma definição de um modelo estático de poder. Ele é dinâmico e, figuradamente se fôssemos compará-lo com um corpo, é aparelhado com muitos braços que, nesse caso, não são membros, direito e esquerdo, mas econômico, político, militar, jurídico, tecnológico, ideológico etc. Desde a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos buscaram na força de trabalho mundial a base de sua sustentação; seja na exploração das riquezas locais, na exportação de tecnologia e bens de consumo ou da especulação financeira, comprando títulos das dívidas públicas ou forçando o pedido de empréstimo, cobrando altas taxas de juros. O controle dos negócios mundiais efetuados por meio do dólar que, além de dinheiro tornou-se também uma mercadoria e, todos os países foram obrigados a formarem as suas reservas com essa referência.

            As bases econômicas criadas pela expansão das corporações, deslocando seu potencial de produção e exploração para os países que oferecem matéria prima e força-de-trabalho de baixo custo, enfraqueceram a indústria Norte americana, mas nunca deixaram de ser acompanhadas e protegidas, por mais de oitocentas bases militares espalhadas pelo mundo. Em casos específicos, o Estado dos estados Unidos, ocupou-se em fazer guerras, sustentadas pela emissão de dólares para além de qualquer limite. Acontece que, quando um bom lutador luta com um péssimo lutador, quem mais aprende e se fortalece é o segundo, enquanto o primeiro, desaprende ou fica como está.

            No decorrer desse último século, alguns países foram se fortalecendo como é o caso da Rússia desde 1917. Depois a China, o Japão, a Correa do Sul, a Índia etc., no entanto, obrigados a negociar em dólar, mantiveram o padrão de acumulação do capital Norte americano. Isso, atualmente ocorre diretamente com os cartões de crédito. No passado para obter um cartão de desses, como: Visa, Mastercard, American Express, Discover e Diners, era muito difícil, pois precisava comprovar uma renda individual significativa; agora ficou fácil e pode ser utilizado no pagamento de qualquer valor. Ocorre que, ao pagar uma conta no restaurante, como acontece com a taxa extra para o garçom, uma quantia cai diretamente na conta da operadora nos Estados Unidos. O descontentamento com o Pix vem da restrição do envio dessa taxa para fora do país.

            Com o fortalecimento das diversas economias, alguns países passaram a fazer negócios com as próprias moedas e, mais recentemente, com a formação dos Brics, a tendência é que surja uma nova referência monetária e o dólar deixará de ter a supremacia, pelo simples fato dos Estados Unidos estar sendo deixado de fora dessa articulação.

            Voltemos ao roubo da lenha. O governo Norte americano ao perceber que os países estão aproveitando de certas vantagens locais para progredirem e satisfazerem as suas necessidades, sem dependerem do dólar, acionou o poder político para, juridicamente, validar a extorsão por meio da elevação das taxas de exportação. Seus interesses se firmam em duas perspectivas: a primeira é fazer com que a mais-valia do trabalho alheio eleve os ganhos do Estado pelo pagamento do imposto, sem elevar os preços dos produtos e, segundo, que as empresas capitalistas estrangeiras se fixem nos Estados Unidos, para gerarem empregos e, de lá exportem produtos para os países, tornando-os ainda mais dependentes. O ideal pretendido é que todos se comportem como a Europa que, além de aceitar a taxa de exportação de 15%, comprometeu-se em não elevar os preços dos produtos exportados, e ainda deverá fazer investimentos de 600 bilhões de dólares no país decadente.

            Por outro lado, há diversos interesses em jogo. A associação das Big Techs com o poder da indústria bélica dos Estados Unidos, visa controlar os avanços tecnológicos e, para isso precisam que os minérios nobres sejam controlados, para que os países concorrentes não os explorem. Por isso as chantagens descabidas, para citar dois exemplos: o da Ucrânia, cuja condição para parar com a guerra,  o país deve ceder para os Estados Unidos gratuitamente as reservas minerais para pagar um suposta dívida de guerra e, no caso brasileiro, com a taxação de 50% sobre os produtos exportados, quer em troca a anistia dos golpistas de 8 de janeiro de 2023, para que voltem ao governo em 2026, mas por trás está o petróleo e as reservas de terras raras recentemente descobertas em Minas Gerais.

            As disputas são profundas e de longo alcance. Quem conseguir melhor se colocar no controle dos minérios raros terá garantida a possibilidade de desenvolver as altas tecnologias e controlar o mundo pela intromissão centralizada em pontos estratégicos, de onde os algoritmos, localizam, identificam e direcionam o tipo de intervenção que deve ser desferida. No passado, no século XVIII, um sistema semelhante foi inventado pelo filósofo Jeremy Benthan, para vigiar os presidiários, chamava-se “panóptico” que, traduzindo, significa “ver sem ser visto”.

            Por outro lado, as contradições são também favoráveis. Elas movem as forças contrárias para formarem unidade de ação. Por isso, é preciso acreditar que a onda incolor pode a qualquer hora tingir-se de vermelho. Embora os sinais ainda não estejam evidenciados, há um movimento de forças que preparam os enfrentamentos abrangentes. Podemos dizer que, num mundo em disputa, vence quem souber se colocar a favor das mudanças revolucionárias.

                                                                                                                      Ademar Bogo



[1] MARX, Karl. Introdução a crítica da economia política. São Paulo: Expressão popular, 2008.

domingo, 27 de julho de 2025

O TEATRO DO IMPERIALISMO NACIONALISTA


É surpreendente as artimanhas que os capitalistas armam para atingirem os seus objetivos. Estamos entrando em uma fase do capitalismo, na qual, o capital, aparentemente “volta para casa”, para proteger-se e, por isso, poderemos vir a chamar esta fase do “Teatro do imperialismo nacionalista”. Parece ser contraditório, pois, a expansão é uma das principais características da exploração cosmopolita das burguesias sediadas nos países do Norte Global.

Em um livro de Florestan Fernandes, Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina[1], encontramos que: “A hipótese que se delineia não é a de uma gradual autocorreção do regime de classes (tal como ele está estruturado). Mas, a de uma persistência e de um agravamento contínuos da presente ordenação em classes sociais, cujas “debilidades” e “deficiências estrutural-funcionais” foram institucionalizadas e são na realidade funcionais. Se elas desaparecessem (ou fossem corrigidas), com elas desapareceria essa modalidade duplamente rapinante de capitalismo”.

O desmantelamento da economia dos Estados Unidos, devido ao passo em falso dado pelas forças econômicas do passado de, não somente irem explorar as matérias primas e força-de-trabalho em outros países, mas de levarem para fora as próprias empresas e toda a tecnologia industrial. Confiando que os países em desenvolvimento seriam eternamente dependentes, perceberam que, em meio à selvageria da dominação podem surgir reações, do jeito que acontece com um animal feroz; depois que passa o período de convalescença ele ataca os seus próprios tratadores. E nisso, tem razão Florestan ao dizer que as nossas deficiências “estrutural-funcional” se estruturam como realidades funcionais; o seja,  desordem veio a ser a ordem dependente.

O “tarifaço” tornou-se a marca fundamental do atual governo dos Estados Unidos. Aparentemente é uma loucura, e não deixa de ser, porque, se para cada ação há uma reação, provocando o mundo todo, logo alguém acertará a medida do troco que deverá ser dado para contê-lo. Mas, enquanto isso não vem de imediato, muitas revelações vão aparecendo, como um trem passando os trilhos que cortam um pântano, todos aproveitam para embarcarem nele.

Na verdade, existem diversas forças envolvidas em busca de aproveitarem as investidas para tirar vantagens. Na origem, o “tarifaço” contra o Brasil, mirou na condenação de Bolsonaro, que é visto pelos Estados Unidos, como já foi dito, o “interventor colonial”. Ou seja, para que a recuperação econômica aconteça lá na sede da Casa Branca, é preciso que haja colaboradores, “despatriotiotizado” aqui, para fortalecerem de patriotismo lá. Assim, “a família real” se divide; se no passado o pai voltou para Portugal, agora é o filho que vai na frente para os Estados Unidos.

Diante disso, a cada semana vemos aumentarem as reinvindicações que visam atender os produtores de 15% das exportações brasileiras. Começaram a exigir, além da anistia ao interventor, o aumento das taxas de exportação dos produtos brasileiros; depois entrou o PIX, por estar afetando os lucros das empresas que controlam os cartões de crédito, somado aos interesses das big techs, principalmente pela perda de espaço com a China, mas, acima de tudo, depois da rasteira que Trump levou do Zelenski, é o interesse pelos minérios especiais brasileiros (nióbio, lítio, cobre e terras raras). No entanto, a ponta da lança a ser enterrado no coração da soberania brasileira, está escrito Brics. Os Estados Unidos temem perder o controle sobre a América Latina, principalmente para a China e, o Brasil é o polo articulador que, como velho “gigante adormecido”, ameaça acordar e estruturar outras relações com os países do Sul Global.  

É importante perceber que a doença do nacionalismo é contagiosa. De um momento para outro começamos a expressar o “orgulho de ser brasileiros”. Por isso o governo brasileiro, obriga-se a passar da avançar reconstrução para a fase da defesa, mas falta ainda a coragem de partir para o ataque pois, pressionado pelas forças armadas para apressar o acordo, pois do contrário elas deverão mostrar se têm ou não capacidade de defenderem o país do inimigo externo, não sabemos bem o que virá.   

 Voltemos um instante para ao pensamento de Florestan Fernandes, pois, aparentemente, com o nacionalismo, desaparece o regime das classes sociais, pois, como o partido  político do presidente da República tem a marca dos trabalhadores, ao empenhar-se para garantir as exportações dos produtos do agronegócio, antes afirmados pelos subsídios, agora tomados politicamente como uma moeda de resistência e, então, “este orgulho” incorre em dois perigos: um, de afirmar definitivamente a matriz produtiva destruidora da natureza, que manterá o Brasil na condição de país dependente, produzindo e exportando produtos primários; o segundo, de novamente não investir na indústria brasileira e continuar refém da tecnologia estrangeira. Um exemplo importante, dos 2,5 milhões de veículos produzidos por ano no Brasil, nenhum deles pertence a uma fábrica nacional, simplesmente porque ela não existe.

O momento é muito crítico. O poder no mundo está apresentando um novo desenho na colocação das forças. Apesar de tudo, temos uma vantagem que, os Estados Unidos assumiram a posição de serem declaradamente inimigos da humanidade; isso poderia, se não cairmos no infantilismo do nacionalismo, de unificarmos os países do mundo e lutarmos contra o poder sanguinário daquele país. No entanto, todos sabemos que o espírito vingativo do imperialismo não é pequeno e, na vontade desesperada de ter uma coisa, podemos esperar de tudo; tanto que um avião desgovernado caia sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal, como ocorreu com os mísseis jogados sobre a usina de enriquecimento de urânio no Irã, quanto de um dia para outro, vermos surgir uma base militar, Norte americana, instalando-se sobre as principais jazidas de minérios e ninguém se moverá para dizer não.

Os preparativos para a entrega total do Brasil, em detrimento do governo, vêm sendo feitos pelo Congresso Nacional que, primeiro, apesar de estar ainda em discussão no Supremo Tribunal,  aprovou o “Marco temporal” para garantir o avanço e exploração das terras dos povos indígenas, repletas de minérios, cobiçados pelo  grande capital e, mais recentemente o reforço veio com a aprovação de normas que flexibilizam os cuidados com a preservação ambiental; com isso, libera para que a exploração mineral seja cada vez mais livre nas principais reservas do país.

E, de nossa parte? Começam a surgir reações de protestos e de rejeição aos Estados Unidos, no entanto, a falta de organização partidária, a responsabilidade de mobilização recai sobre o presidente da República que, se por um lado demonstra vontade em resistir, por outro lado, pressionado pelo agronegócio e as forças armadas, se propõe a negociar ao invés de buscar outra saída, afirmando a soberania nacional tão violentada. Nessas condições, um indivíduo sem força sempre irá optar pelo “mal menor”.

O poder no mundo está mudando, resta a nós mudarmos a nossa posição. Se o nacionalismo do império é uma peça de teatro que se encerrará com uma dança sobre as nossas riquezas minerais, o nosso enfrentamento deve ser real, em busca da libertação nacional, do domínio externo e da dominação de classe burguesa interna. Por isso, não devemos aceitar trocar a nossa soberania pela possibilidade de vendermos algumas milhares de toneladas de carne gorda. A nossa saída está na união da luta para a emancipação política da humanidade do imperialismo Norte americano, e não na defesa mesquinha de alguns exportadores de produtos agrícolas.

                                                                                   Ademar Bogo

 

 



[1] FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 4. ed. São Paulo: Editora Global, 2009. p. 47.

 

domingo, 20 de julho de 2025

GATO NO SACO


 O dizer popular, “gato no saco”, surgiu de uma antiga prática dos comerciantes e feirantes, vendedores de pequenos animais, como: leitões, coelhos e lebres silvestres. Na falta deles, os espertalhões colocavam dentro de sacos de estopa com as “bocas” fortemente amarradas, por serem de nenhum valor comercial, os gatos misturados. O trambique somente era descoberto no final da viagem quando o saco era aberto e o felino saltava em busca da liberdade. Desse costume surgiu o verdadeiro ditado: “Comprar gato por lebre”.

Podemos colocar a carta de Ronald Trump enviada ao presidente do Brasil, no início do mês de julho de 2025, como um alvo novo na “guerra das tarifas”? Seria o Brasil um inimigo concorrente do imperialismo como o são alguns outros países atacados? Tudo indica que não. O principal objetivo da tarifação é fazer as empresas fabricantes de produtos industrializados migrarem para os Estado Unidos, com a única função de reavivarem aquele parque industrial há anos sucateado. Estando lá, deverão gerar empregos e colocarem o país na crista das disputas comerciais mundiais. Acontece que aquele presidente atirou no alvo errado, devia acertar nas empresas de lá que migraram para outros países e taxa-las para fazê-las voltar, e não nas nossas.

Como sabemos, essa estratégia é de alto risco, mas, para quem está afundando no pântano, como não há condições para declarar guerra mundial, o risco maior é não fazer nada. Duas coisas importantes devem ser ditas: a primeira é que, se de fato o intento vem a ser promissor e as indústrias se transladarem e passarem a produzir no território Norte-americano, ao invés de exportarem os produtos como estão fazendo, os resultados não serão imediatos. Uma transição leva tempo e, como os governantes sucessores dos anteriores não seguem os mesmos programas, essa investida poderá acabar no meio do caminho sem resultados. A segunda coisa ainda mais complicada é que, a expansão é uma das leis tendencias do capital obrigatória de ser respeitada pelos capitalistas e, historicamente, o modelo econômico liberal promoveu e inverteu, quando necessário, os investimentos públicos e privados, mas muito pouco o fez na direção do fechamento unilateral da economia. Convenhamos que, pode até ser uma tática correta para ganhar impulso econômico e, posteriormente entrar novamente na concorrência internacional, porém, também é arriscado, porque a engenharia produtivista mundial não ficará a espera para que uma economia decadente se recupere, para daí enfrentá-la, ao contrário, a aceleração em busca de novos mercados fará com que o país implicante fique para trás. Por isso a resposta correta é a aplicação lei da reciprocidade.

Contra o Brasil, o gato no saco quer dizer outra coisa. Sendo que, dos 15% que representam as exportações brasileiras para os Estado Unidos, os produtos principais são: soja, carne, café, suco de laranja, minério de ferro, petróleo bruto e aço; não há como reforçar o parque industrial daquele país, pois, esses produtos dependem do solo brasileiro. Qual é então o motivo dessa investida com balas de canhão de 50% de tarifas? A resposta, se a quisermos, teremos de buscá-la mais na política e menos na economia.

O primeiro tiro disparado pela desrespeitosa carta, denominada de “protesto de caça às bruxas”, na verdade tinha como objetivo implodir o Poder Judiciário, mas, pelo desvio proposital atingiu o Poder Executivo. Nesse sentido, o gato que está no saco se chama Jair Bolsonaro que, não encontrando mais força de defesa jurídica, política e militar para os seus crimes, correu (como sempre fizeram os vendedores da pátria brasileira), para os braços do governo do império, para pedir anistia de uma condenação que ainda não saiu. Se a pressão for vitoriosa e o gato vir a ser solto, os resultados não serão de grande surpresa: recolocarão a extrema-direita e os setores das forças armadas em outras condições nas disputas políticas futuras. Os crimes contra os abusos militares, mais uma vez passarão impunes e anulados, como ocorreu com a última “Comissão da verdade” sobre o golpe militar de 1964 e, equivalerá à repetição de outro golpe institucional como aquele sofrido pela presidente Dilma Rousseff, em 2016, pois, mesmo não caindo, este governo de Lula ficará desmoralizado e terá findado na metade deste ano o seu mandato.

Legitima também esse disparo da investida intervencionista do império, para, em qualquer momento, sem nenhum motivo a aplicar a Lei Magnitsky contra cidadãos residentes em qualquer parte do mundo. O ministro Alexandre de Moraes e mais os outros seis Ministros da Suprema Corte, ora enquadrados serão as primeiras vítimas brasileiras. Em síntese, essa lei que foi aprovada nos Estados Unidos em 2012 com o alcance de ser aplicada contra pessoas fora daquele País que tenham cometido crimes de corrupção e desrespeitado os direitos humanos. Essa lei traz o nome do jornalista Sergei Magnitsky, morto em 2009 em uma prisão na Rússia. O acusado pode ter todos os bens e investimentos financeiros sequestrados se estiverem em território Norte-americano, por isso, a lei é também conhecida como “pena de morte financeira” e, o atingido ficará impossibilitado de entrar naquele país, o que não é de tudo ruim. Logo, não há nenhum fundamento aplicá-la contra os ministros brasileiros, tendo em vista que, a condução do processo para condenar e prender os delinquentes por tentativa de golpe, é legal e legitima. Portanto, o presidente dos Estados Unidos deveria aplicar a lei contra os seus protegidos, por serem responsáveis por quase um milhão de mortos pela Covid-19; terem se apoderado indevidamente das joias pertencente à União e, embora com fracasso e incompetência estratégica, tentarem dar um golpe de Estado contra a Democracia.

O segundo motivo da investida é impedir a inclusão do Brasil no Brics. Pelo seu alto potencial de riquezas minerais deve ser impedido de tentar afirmar-se na América Latina como um país soberano e articulado com os países do Sul-Global. Basta a Venezuela que até então não se dobrou e, embora esteja alijada da articulação, graças ao voto do governo brasileiro, pesa contra o poder dos Estados Unidos e favorece a China e a Rússia. Embora seja uma operação inversa ao processo ucraniano, pois, naquele estão tentando puxar o país para dentro da OTAN e, aqui, o Brasil está sendo empurrado para fora do Brics. É o velho jogo dos impérios, desorganizar os países para enfraquecê-los e mantê-los dependentes. É evidente que por traz das intenções expressas na carta estão, as Big Techs, o capital especulativo e o domínio tecnológico e militar do imperialismo sobre o Brasil

As aventuras de Trump evidenciam o medo e o desespero. A tática de aterrorizar para fazer os países se dobrarem às suas investidas, prática que até então o mantém como único interventor no mundo, parece não estar causando o resultado desejado. As promessas de campanha de que acabaria com as guerras no primeiro dia de governo, além de ter sido humilhado por Volodymyr Zelenski nos tapetes da Casa Branca, pela negação da entrega dos minérios da Ucrânia como pagamento de uma suposta dívida de guerra, além de nada conseguir ainda terá de enviar mais armamentos para evitar que a Rússia se aproprie de todas aquelas reservas; assim como Gaza na resistência contra o genocídio Israelense, continuam ativas. Os imigrantes que seriam presos e deportados se voltaram contra promovendo um grande movimento de protesto fazendo com que até os religiosos dispense os fiéis de irem à Igreja para não serem presos; a união com o homem mais rico do planeta que parecia inabalável na moralização da máquina pública, acabou em briga pessoal e em demissão. Resta, portanto, ameaçar e tentar extorquir os países por meio das tarifas, enquanto vê o seu império ruir os pilares diante dos rugidos dos tigres asiáticos.

Cabe ao Brasil se dar o respeito e, pelo menos uma vez na História dizer e sustentar o não à interferência externa. Não cabe ceder em nada mas afirmar a nossa soberania e não trocá-la por 15% das exportações, compostas pelas mercadorias do agronegócio, devastador das florestas e contaminador do solo e das águas, que, conjugado com as mineradoras promovem os mesmos malefícios à natureza de nosso território, para servirem aos interesses do capital internacional. Junto com isso, aproveitamos para livrar-nos de uma família que se vê como imperial, pois, enquanto o rei fica em solo brasileiro com uma tornozeleira na canela esquerda, um filho foge para os Estado Unidos para fazer ameaças como se fosse um ministro do império.  

Se não queremos comprar gato por lebre, precisamos abrir o saco antes de pagar o preço, porém, dentro da cadeia desta vez que, quando os gatos saltarem estarão presos. Assim começaremos a fazer justiça aplicando a lei contra os torturadores, golpistas, matadores e demais exploradores, condenando-os e taxando aqui as grandes fortunas. Com isso, reaveremos as riquezas indevidamente apropriadas e privatizadas, devolvendo-as ao povo brasileiro.

                                               Ademar Bogo