domingo, 17 de agosto de 2025

A AURA DO MITO DECADENTE

 

O filósofo Walter Benjamin ao escrever sobre A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, encontrou um jeito de destacar o tema da “Destruição da aura”, e fez o seguinte destaque: “No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente.”[1] Ou seja, há períodos históricos em que as percepções se equiparam ao modo de se comportar e existir das populações. Para ilustrar melhor, na sequência, além de definir o que é a “aura”, sendo ela uma figura espacial e temporal que absorvemos ao tentar alcançá-la como se fosse algo distante, posta no topo do horizonte, mas que, quanto mais ela se aproxima, mais perde o vigor, até que vem a perder o encanto.

            É um pouco cedo para afirmarmos se a aura do mito Bolsonaro, já está próximo do entendimento da decepção e se extraordinário já quase se esvaiu ou ainda não. Mas, um mito que pede clemência, anistia e foge da sustentação da própria responsabilidade de assumir que queria continuar sendo o “imbrochável”; desafiador do Coronavírus pela imunidade sem vacina; provocador dos juízes do Supremo Tribunal, achincalhando-os em praça pública com palavrões que ninguém ousa expressar contra um juiz e, de exibir-se em motociatas como um jovem contestador do totalitarismo cultural, em busca de escudar o vento com a própria face etc., teria ainda alguma luz a oferecer?

            A última tentativa de sobrevivência do mito foi colocar a sua aura na cabeça do presidente dos Estados Unidos. Aquele, como símbolo do anjo vingador, ofereceu, de imediato, contra a nossa economia, uma tarifa impraticável de 50% sobre os produtos exportados para o reino da morte, se não fosse retirada  a tornozeleira da canela esquerda do famigerado. Depois atacou o próprio ministro com a Lei Magnitsyky, impondo-lhe a proibição de entrar naquele país especializado em deportar imigrantes. Pouco se perde em não poder ir a um lugar governado por uma besta defensora da a matança de palestinos em Gaza, como se lá fosse uma antiga arena, na qual os leões devoravam os cristãos, para divertirem da comitiva do imperador.

            Os “bolsonaros” já foram associados com bananas pequenas e, agora podres. No entanto, há sempre que ter cuidado, porque, simbolicamente quando alguém deseja derrubar outro alguém, a armadilha é feita com cascas dessa fruta escorregadia. Na verdade, a intromissão Trumpista nos assuntos judiciais brasileiros não passa de um blefe enjambrado pelas próprias bananas. Ou seja, não seriam elas capazes de fazerem uma potência como ainda é o imperialismo, gastar as suas energias para livrar da cadeia um reles serviçal, atrapalhando o fluxo centenário de relações comerciais entre os dois países. Eles, aproveitando-se do momento conseguiram colocar esse entulho no meio da artilharia trumpista. Para quem não conseguiu entrar no passado na cerimônia de posse daquele presidente, é sem dúvida uma grande conquista: colocar um punhado de fezes no meio do chumbo e da pólvora dos canhões.

            O certo é que, se o mês de setembro próximo, quando o mito for levado a julgamento, ou mesmo que venha a ser solto, as implicações tarifárias não serão revogadas.  O problema brasileiro atende por nome de Brics. A associação do Brasil com a Rússia, a Índia e a China, despertaram a fúria dos capitalistas de diversas corporações dos Estados Unidos. Essa reunião dos países, além de representar 28,9% da economia mundial, contra os 25% dos Estados Unidos, abriga 48,9% da população do mundo, que irá utilizar tecnologia independente das Big Techs Norte americanas, consumir produtos diferenciados, partilhar investimentos econômicos, financiados por um Banco próprio e, negociar com outra moeda que não é o dólar. Para além disso, ainda há as reservas minerais e de petróleo que farão toda a diferença no âmbito das disputas mundiais do futuro.

            A tentativa de Trump de se colocar como mediador no acordo de Paz entre a Rússia e a Ucrânia é para assegurar algum direito de exploração dos minérios ucranianos, antes que tudo fique sob o domínio russo. Logo, não há bondade nenhuma nessa negociação. Há medo. É uma tentativa do imperialismo segurar-se no próprio cós da cintura das próprias calças para não cair.

            Por todos os elementos postos em jogo, devemos acreditar que as associações das auras bolsonaristas e trumpistas, aproximam-se como dois indivíduos afogando-se indo em direção um ao outro para o último abraço. As circunstâncias apontam para a direção de mudanças na colocação das forças no tabuleiro mundial. No Brasil, embora com fraca animação, a condenação dos golpistas das forças armadas, simboliza que os militares podem ser enquadrados e enfrentados e, a busca de novos mercados indica que é possível sobreviver sem a submissão ao império dos Estados Unidos.

            O ponto vulnerável está do nosso lado. As forças populares e de classe ainda não reacenderam a aura oposta, para colocarem no alto do horizonte a estrela socialista e almejar alcançá-la, marchando naquela direção. É preciso acreditar e convocar para que a rebeldia acompanhe a onda criada pelas contradições entre as potências. É no impulso delas que conseguiremos saltar mais longe em busca de uma melhor colocação lá adiante. Com certeza, venceremos!  

                                                                       Ademar Bogo



[1] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. O texto aqui publicado é inédito no Brasil. O ensaio traduzido em português por José Lino Grünnewald e publicado em A ideia do cinema (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1696) e na coleção. Os pensadores, da Abril Cultural, é a segunda versão alemã, que Benjamin começou a escrever em 1936 e só foi publicada em 1955. file:///C:/Users/adema/Downloads/BENJAM-1%20(1).PDF

domingo, 10 de agosto de 2025

A ONDA É VERMELHA

 

            Karl Marx, iniciou os seus estudos sobre economia política ainda na Alemanha em 1842 quando, como redator da Gazeta Renana, deparou-se com uma situação embaraçosa voltada para “os direitos materiais”, quando a Assembleia Legislativa da Renânia, empenhou-se em aprovar uma lei sobre o “roubo de lenha”, efetuado por camponeses carentes que precisam entrar nos bosques privados para catarem o material e abastecerem as suas cozinhas. Portanto, do ponto de vista teórico, nesse momento, principiou-se a elaboração da crítica da economia política materialista, da apropriação dos bens da natureza para uso privado; no entanto, tudo feito dentro da lei com aprovação do Estado.

            O conceito de “economia política” já vinha sendo utilizado havia muito tempo. No ano de 1615, antes mesmo de todas as revoluções e guerras ocorridas no capitalismo, o francês Antoine de Montchrestien, escreveu o livro: Tratado de economia política; posteriormente outros autores como, Adam Smith, Stuart Mill e David Ricardo, utilizaram os termos com muito mais profundidade; mas é com Marx que a visão crítica pôde se insurgir e revelar as profundas imbricações que existe entre as duas áreas da política e da economia.

            Marx, após revelar o seu despreparo para enfrentar aquela discussão, buscou preparar-se buscando nos Princípios da filosofia do Direito de Hegel as explicações mais contundentes. “Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais...”.[1] Evidentemente as “condições materiais” estão relacionadas com a economia que emergem da propriedade privada.

            A importância atual de compreendermos esse emaranhado de articulações e inversões, de ora a economia pretender ser totalmente privada, ora, o Estado ter de agir para não deixá-la sucumbir ou, ainda, as autoridades superiores precisam intervir e impor taxações ou assegurarem subsídios para que os negócios continuem sendo lucrativos e os empregos sejam mantidos.

            Na atualidade o governo dos Estados Unidos da América retém as atenções universais. Muitas respostas já foram dadas para pergunta, por que isso está acontecendo? Mas duas palavras apenas são suficientes para definirem a situação: falência e decadência. Em outras palavras, isso quer dizer que esse país se tornou tecnicamente incapaz de administrar vantajosamente a sua economia e, precisa impor por meio de leis, um pedido de socorro das outras economias mundiais.

            Em situações comuns, quando isso ocorre, costumam fazer um balanço para localizarem onde estão as causas dessa decadência. No caso de um país imperialista é mais complicado, porque, muitas podem ser as causas, mas, algumas delas despontam para a justificação do estado desesperador com que o governo de lá se obrigue a criar inimizade com todos os demais países do mundo.

            O entendimento primeiro é que o imperialismo não é uma definição de um modelo estático de poder. Ele é dinâmico e, figuradamente se fôssemos compará-lo com um corpo, é aparelhado com muitos braços que, nesse caso, não são membros, direito e esquerdo, mas econômico, político, militar, jurídico, tecnológico, ideológico etc. Desde a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos buscaram na força de trabalho mundial a base de sua sustentação; seja na exploração das riquezas locais, na exportação de tecnologia e bens de consumo ou da especulação financeira, comprando títulos das dívidas públicas ou forçando o pedido de empréstimo, cobrando altas taxas de juros. O controle dos negócios mundiais efetuados por meio do dólar que, além de dinheiro tornou-se também uma mercadoria e, todos os países foram obrigados a formarem as suas reservas com essa referência.

            As bases econômicas criadas pela expansão das corporações, deslocando seu potencial de produção e exploração para os países que oferecem matéria prima e força-de-trabalho de baixo custo, enfraqueceram a indústria Norte americana, mas nunca deixaram de ser acompanhadas e protegidas, por mais de oitocentas bases militares espalhadas pelo mundo. Em casos específicos, o Estado dos estados Unidos, ocupou-se em fazer guerras, sustentadas pela emissão de dólares para além de qualquer limite. Acontece que, quando um bom lutador luta com um péssimo lutador, quem mais aprende e se fortalece é o segundo, enquanto o primeiro, desaprende ou fica como está.

            No decorrer desse último século, alguns países foram se fortalecendo como é o caso da Rússia desde 1917. Depois a China, o Japão, a Correa do Sul, a Índia etc., no entanto, obrigados a negociar em dólar, mantiveram o padrão de acumulação do capital Norte americano. Isso, atualmente ocorre diretamente com os cartões de crédito. No passado para obter um cartão de desses, como: Visa, Mastercard, American Express, Discover e Diners, era muito difícil, pois precisava comprovar uma renda individual significativa; agora ficou fácil e pode ser utilizado no pagamento de qualquer valor. Ocorre que, ao pagar uma conta no restaurante, como acontece com a taxa extra para o garçom, uma quantia cai diretamente na conta da operadora nos Estados Unidos. O descontentamento com o Pix vem da restrição do envio dessa taxa para fora do país.

            Com o fortalecimento das diversas economias, alguns países passaram a fazer negócios com as próprias moedas e, mais recentemente, com a formação dos Brics, a tendência é que surja uma nova referência monetária e o dólar deixará de ter a supremacia, pelo simples fato dos Estados Unidos estar sendo deixado de fora dessa articulação.

            Voltemos ao roubo da lenha. O governo Norte americano ao perceber que os países estão aproveitando de certas vantagens locais para progredirem e satisfazerem as suas necessidades, sem dependerem do dólar, acionou o poder político para, juridicamente, validar a extorsão por meio da elevação das taxas de exportação. Seus interesses se firmam em duas perspectivas: a primeira é fazer com que a mais-valia do trabalho alheio eleve os ganhos do Estado pelo pagamento do imposto, sem elevar os preços dos produtos e, segundo, que as empresas capitalistas estrangeiras se fixem nos Estados Unidos, para gerarem empregos e, de lá exportem produtos para os países, tornando-os ainda mais dependentes. O ideal pretendido é que todos se comportem como a Europa que, além de aceitar a taxa de exportação de 15%, comprometeu-se em não elevar os preços dos produtos exportados, e ainda deverá fazer investimentos de 600 bilhões de dólares no país decadente.

            Por outro lado, há diversos interesses em jogo. A associação das Big Techs com o poder da indústria bélica dos Estados Unidos, visa controlar os avanços tecnológicos e, para isso precisam que os minérios nobres sejam controlados, para que os países concorrentes não os explorem. Por isso as chantagens descabidas, para citar dois exemplos: o da Ucrânia, cuja condição para parar com a guerra,  o país deve ceder para os Estados Unidos gratuitamente as reservas minerais para pagar um suposta dívida de guerra e, no caso brasileiro, com a taxação de 50% sobre os produtos exportados, quer em troca a anistia dos golpistas de 8 de janeiro de 2023, para que voltem ao governo em 2026, mas por trás está o petróleo e as reservas de terras raras recentemente descobertas em Minas Gerais.

            As disputas são profundas e de longo alcance. Quem conseguir melhor se colocar no controle dos minérios raros terá garantida a possibilidade de desenvolver as altas tecnologias e controlar o mundo pela intromissão centralizada em pontos estratégicos, de onde os algoritmos, localizam, identificam e direcionam o tipo de intervenção que deve ser desferida. No passado, no século XVIII, um sistema semelhante foi inventado pelo filósofo Jeremy Benthan, para vigiar os presidiários, chamava-se “panóptico” que, traduzindo, significa “ver sem ser visto”.

            Por outro lado, as contradições são também favoráveis. Elas movem as forças contrárias para formarem unidade de ação. Por isso, é preciso acreditar que a onda incolor pode a qualquer hora tingir-se de vermelho. Embora os sinais ainda não estejam evidenciados, há um movimento de forças que preparam os enfrentamentos abrangentes. Podemos dizer que, num mundo em disputa, vence quem souber se colocar a favor das mudanças revolucionárias.

                                                                                                                      Ademar Bogo



[1] MARX, Karl. Introdução a crítica da economia política. São Paulo: Expressão popular, 2008.

domingo, 27 de julho de 2025

O TEATRO DO IMPERIALISMO NACIONALISTA


É surpreendente as artimanhas que os capitalistas armam para atingirem os seus objetivos. Estamos entrando em uma fase do capitalismo, na qual, o capital, aparentemente “volta para casa”, para proteger-se e, por isso, poderemos vir a chamar esta fase do “Teatro do imperialismo nacionalista”. Parece ser contraditório, pois, a expansão é uma das principais características da exploração cosmopolita das burguesias sediadas nos países do Norte Global.

Em um livro de Florestan Fernandes, Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina[1], encontramos que: “A hipótese que se delineia não é a de uma gradual autocorreção do regime de classes (tal como ele está estruturado). Mas, a de uma persistência e de um agravamento contínuos da presente ordenação em classes sociais, cujas “debilidades” e “deficiências estrutural-funcionais” foram institucionalizadas e são na realidade funcionais. Se elas desaparecessem (ou fossem corrigidas), com elas desapareceria essa modalidade duplamente rapinante de capitalismo”.

O desmantelamento da economia dos Estados Unidos, devido ao passo em falso dado pelas forças econômicas do passado de, não somente irem explorar as matérias primas e força-de-trabalho em outros países, mas de levarem para fora as próprias empresas e toda a tecnologia industrial. Confiando que os países em desenvolvimento seriam eternamente dependentes, perceberam que, em meio à selvageria da dominação podem surgir reações, do jeito que acontece com um animal feroz; depois que passa o período de convalescença ele ataca os seus próprios tratadores. E nisso, tem razão Florestan ao dizer que as nossas deficiências “estrutural-funcional” se estruturam como realidades funcionais; o seja,  desordem veio a ser a ordem dependente.

O “tarifaço” tornou-se a marca fundamental do atual governo dos Estados Unidos. Aparentemente é uma loucura, e não deixa de ser, porque, se para cada ação há uma reação, provocando o mundo todo, logo alguém acertará a medida do troco que deverá ser dado para contê-lo. Mas, enquanto isso não vem de imediato, muitas revelações vão aparecendo, como um trem passando os trilhos que cortam um pântano, todos aproveitam para embarcarem nele.

Na verdade, existem diversas forças envolvidas em busca de aproveitarem as investidas para tirar vantagens. Na origem, o “tarifaço” contra o Brasil, mirou na condenação de Bolsonaro, que é visto pelos Estados Unidos, como já foi dito, o “interventor colonial”. Ou seja, para que a recuperação econômica aconteça lá na sede da Casa Branca, é preciso que haja colaboradores, “despatriotiotizado” aqui, para fortalecerem de patriotismo lá. Assim, “a família real” se divide; se no passado o pai voltou para Portugal, agora é o filho que vai na frente para os Estados Unidos.

Diante disso, a cada semana vemos aumentarem as reinvindicações que visam atender os produtores de 15% das exportações brasileiras. Começaram a exigir, além da anistia ao interventor, o aumento das taxas de exportação dos produtos brasileiros; depois entrou o PIX, por estar afetando os lucros das empresas que controlam os cartões de crédito, somado aos interesses das big techs, principalmente pela perda de espaço com a China, mas, acima de tudo, depois da rasteira que Trump levou do Zelenski, é o interesse pelos minérios especiais brasileiros (nióbio, lítio, cobre e terras raras). No entanto, a ponta da lança a ser enterrado no coração da soberania brasileira, está escrito Brics. Os Estados Unidos temem perder o controle sobre a América Latina, principalmente para a China e, o Brasil é o polo articulador que, como velho “gigante adormecido”, ameaça acordar e estruturar outras relações com os países do Sul Global.  

É importante perceber que a doença do nacionalismo é contagiosa. De um momento para outro começamos a expressar o “orgulho de ser brasileiros”. Por isso o governo brasileiro, obriga-se a passar da avançar reconstrução para a fase da defesa, mas falta ainda a coragem de partir para o ataque pois, pressionado pelas forças armadas para apressar o acordo, pois do contrário elas deverão mostrar se têm ou não capacidade de defenderem o país do inimigo externo, não sabemos bem o que virá.   

 Voltemos um instante para ao pensamento de Florestan Fernandes, pois, aparentemente, com o nacionalismo, desaparece o regime das classes sociais, pois, como o partido  político do presidente da República tem a marca dos trabalhadores, ao empenhar-se para garantir as exportações dos produtos do agronegócio, antes afirmados pelos subsídios, agora tomados politicamente como uma moeda de resistência e, então, “este orgulho” incorre em dois perigos: um, de afirmar definitivamente a matriz produtiva destruidora da natureza, que manterá o Brasil na condição de país dependente, produzindo e exportando produtos primários; o segundo, de novamente não investir na indústria brasileira e continuar refém da tecnologia estrangeira. Um exemplo importante, dos 2,5 milhões de veículos produzidos por ano no Brasil, nenhum deles pertence a uma fábrica nacional, simplesmente porque ela não existe.

O momento é muito crítico. O poder no mundo está apresentando um novo desenho na colocação das forças. Apesar de tudo, temos uma vantagem que, os Estados Unidos assumiram a posição de serem declaradamente inimigos da humanidade; isso poderia, se não cairmos no infantilismo do nacionalismo, de unificarmos os países do mundo e lutarmos contra o poder sanguinário daquele país. No entanto, todos sabemos que o espírito vingativo do imperialismo não é pequeno e, na vontade desesperada de ter uma coisa, podemos esperar de tudo; tanto que um avião desgovernado caia sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal, como ocorreu com os mísseis jogados sobre a usina de enriquecimento de urânio no Irã, quanto de um dia para outro, vermos surgir uma base militar, Norte americana, instalando-se sobre as principais jazidas de minérios e ninguém se moverá para dizer não.

Os preparativos para a entrega total do Brasil, em detrimento do governo, vêm sendo feitos pelo Congresso Nacional que, primeiro, apesar de estar ainda em discussão no Supremo Tribunal,  aprovou o “Marco temporal” para garantir o avanço e exploração das terras dos povos indígenas, repletas de minérios, cobiçados pelo  grande capital e, mais recentemente o reforço veio com a aprovação de normas que flexibilizam os cuidados com a preservação ambiental; com isso, libera para que a exploração mineral seja cada vez mais livre nas principais reservas do país.

E, de nossa parte? Começam a surgir reações de protestos e de rejeição aos Estados Unidos, no entanto, a falta de organização partidária, a responsabilidade de mobilização recai sobre o presidente da República que, se por um lado demonstra vontade em resistir, por outro lado, pressionado pelo agronegócio e as forças armadas, se propõe a negociar ao invés de buscar outra saída, afirmando a soberania nacional tão violentada. Nessas condições, um indivíduo sem força sempre irá optar pelo “mal menor”.

O poder no mundo está mudando, resta a nós mudarmos a nossa posição. Se o nacionalismo do império é uma peça de teatro que se encerrará com uma dança sobre as nossas riquezas minerais, o nosso enfrentamento deve ser real, em busca da libertação nacional, do domínio externo e da dominação de classe burguesa interna. Por isso, não devemos aceitar trocar a nossa soberania pela possibilidade de vendermos algumas milhares de toneladas de carne gorda. A nossa saída está na união da luta para a emancipação política da humanidade do imperialismo Norte americano, e não na defesa mesquinha de alguns exportadores de produtos agrícolas.

                                                                                   Ademar Bogo

 

 



[1] FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 4. ed. São Paulo: Editora Global, 2009. p. 47.

 

domingo, 20 de julho de 2025

GATO NO SACO


 O dizer popular, “gato no saco”, surgiu de uma antiga prática dos comerciantes e feirantes, vendedores de pequenos animais, como: leitões, coelhos e lebres silvestres. Na falta deles, os espertalhões colocavam dentro de sacos de estopa com as “bocas” fortemente amarradas, por serem de nenhum valor comercial, os gatos misturados. O trambique somente era descoberto no final da viagem quando o saco era aberto e o felino saltava em busca da liberdade. Desse costume surgiu o verdadeiro ditado: “Comprar gato por lebre”.

Podemos colocar a carta de Ronald Trump enviada ao presidente do Brasil, no início do mês de julho de 2025, como um alvo novo na “guerra das tarifas”? Seria o Brasil um inimigo concorrente do imperialismo como o são alguns outros países atacados? Tudo indica que não. O principal objetivo da tarifação é fazer as empresas fabricantes de produtos industrializados migrarem para os Estado Unidos, com a única função de reavivarem aquele parque industrial há anos sucateado. Estando lá, deverão gerar empregos e colocarem o país na crista das disputas comerciais mundiais. Acontece que aquele presidente atirou no alvo errado, devia acertar nas empresas de lá que migraram para outros países e taxa-las para fazê-las voltar, e não nas nossas.

Como sabemos, essa estratégia é de alto risco, mas, para quem está afundando no pântano, como não há condições para declarar guerra mundial, o risco maior é não fazer nada. Duas coisas importantes devem ser ditas: a primeira é que, se de fato o intento vem a ser promissor e as indústrias se transladarem e passarem a produzir no território Norte-americano, ao invés de exportarem os produtos como estão fazendo, os resultados não serão imediatos. Uma transição leva tempo e, como os governantes sucessores dos anteriores não seguem os mesmos programas, essa investida poderá acabar no meio do caminho sem resultados. A segunda coisa ainda mais complicada é que, a expansão é uma das leis tendencias do capital obrigatória de ser respeitada pelos capitalistas e, historicamente, o modelo econômico liberal promoveu e inverteu, quando necessário, os investimentos públicos e privados, mas muito pouco o fez na direção do fechamento unilateral da economia. Convenhamos que, pode até ser uma tática correta para ganhar impulso econômico e, posteriormente entrar novamente na concorrência internacional, porém, também é arriscado, porque a engenharia produtivista mundial não ficará a espera para que uma economia decadente se recupere, para daí enfrentá-la, ao contrário, a aceleração em busca de novos mercados fará com que o país implicante fique para trás. Por isso a resposta correta é a aplicação lei da reciprocidade.

Contra o Brasil, o gato no saco quer dizer outra coisa. Sendo que, dos 15% que representam as exportações brasileiras para os Estado Unidos, os produtos principais são: soja, carne, café, suco de laranja, minério de ferro, petróleo bruto e aço; não há como reforçar o parque industrial daquele país, pois, esses produtos dependem do solo brasileiro. Qual é então o motivo dessa investida com balas de canhão de 50% de tarifas? A resposta, se a quisermos, teremos de buscá-la mais na política e menos na economia.

O primeiro tiro disparado pela desrespeitosa carta, denominada de “protesto de caça às bruxas”, na verdade tinha como objetivo implodir o Poder Judiciário, mas, pelo desvio proposital atingiu o Poder Executivo. Nesse sentido, o gato que está no saco se chama Jair Bolsonaro que, não encontrando mais força de defesa jurídica, política e militar para os seus crimes, correu (como sempre fizeram os vendedores da pátria brasileira), para os braços do governo do império, para pedir anistia de uma condenação que ainda não saiu. Se a pressão for vitoriosa e o gato vir a ser solto, os resultados não serão de grande surpresa: recolocarão a extrema-direita e os setores das forças armadas em outras condições nas disputas políticas futuras. Os crimes contra os abusos militares, mais uma vez passarão impunes e anulados, como ocorreu com a última “Comissão da verdade” sobre o golpe militar de 1964 e, equivalerá à repetição de outro golpe institucional como aquele sofrido pela presidente Dilma Rousseff, em 2016, pois, mesmo não caindo, este governo de Lula ficará desmoralizado e terá findado na metade deste ano o seu mandato.

Legitima também esse disparo da investida intervencionista do império, para, em qualquer momento, sem nenhum motivo a aplicar a Lei Magnitsky contra cidadãos residentes em qualquer parte do mundo. O ministro Alexandre de Moraes e mais os outros seis Ministros da Suprema Corte, ora enquadrados serão as primeiras vítimas brasileiras. Em síntese, essa lei que foi aprovada nos Estados Unidos em 2012 com o alcance de ser aplicada contra pessoas fora daquele País que tenham cometido crimes de corrupção e desrespeitado os direitos humanos. Essa lei traz o nome do jornalista Sergei Magnitsky, morto em 2009 em uma prisão na Rússia. O acusado pode ter todos os bens e investimentos financeiros sequestrados se estiverem em território Norte-americano, por isso, a lei é também conhecida como “pena de morte financeira” e, o atingido ficará impossibilitado de entrar naquele país, o que não é de tudo ruim. Logo, não há nenhum fundamento aplicá-la contra os ministros brasileiros, tendo em vista que, a condução do processo para condenar e prender os delinquentes por tentativa de golpe, é legal e legitima. Portanto, o presidente dos Estados Unidos deveria aplicar a lei contra os seus protegidos, por serem responsáveis por quase um milhão de mortos pela Covid-19; terem se apoderado indevidamente das joias pertencente à União e, embora com fracasso e incompetência estratégica, tentarem dar um golpe de Estado contra a Democracia.

O segundo motivo da investida é impedir a inclusão do Brasil no Brics. Pelo seu alto potencial de riquezas minerais deve ser impedido de tentar afirmar-se na América Latina como um país soberano e articulado com os países do Sul-Global. Basta a Venezuela que até então não se dobrou e, embora esteja alijada da articulação, graças ao voto do governo brasileiro, pesa contra o poder dos Estados Unidos e favorece a China e a Rússia. Embora seja uma operação inversa ao processo ucraniano, pois, naquele estão tentando puxar o país para dentro da OTAN e, aqui, o Brasil está sendo empurrado para fora do Brics. É o velho jogo dos impérios, desorganizar os países para enfraquecê-los e mantê-los dependentes. É evidente que por traz das intenções expressas na carta estão, as Big Techs, o capital especulativo e o domínio tecnológico e militar do imperialismo sobre o Brasil

As aventuras de Trump evidenciam o medo e o desespero. A tática de aterrorizar para fazer os países se dobrarem às suas investidas, prática que até então o mantém como único interventor no mundo, parece não estar causando o resultado desejado. As promessas de campanha de que acabaria com as guerras no primeiro dia de governo, além de ter sido humilhado por Volodymyr Zelenski nos tapetes da Casa Branca, pela negação da entrega dos minérios da Ucrânia como pagamento de uma suposta dívida de guerra, além de nada conseguir ainda terá de enviar mais armamentos para evitar que a Rússia se aproprie de todas aquelas reservas; assim como Gaza na resistência contra o genocídio Israelense, continuam ativas. Os imigrantes que seriam presos e deportados se voltaram contra promovendo um grande movimento de protesto fazendo com que até os religiosos dispense os fiéis de irem à Igreja para não serem presos; a união com o homem mais rico do planeta que parecia inabalável na moralização da máquina pública, acabou em briga pessoal e em demissão. Resta, portanto, ameaçar e tentar extorquir os países por meio das tarifas, enquanto vê o seu império ruir os pilares diante dos rugidos dos tigres asiáticos.

Cabe ao Brasil se dar o respeito e, pelo menos uma vez na História dizer e sustentar o não à interferência externa. Não cabe ceder em nada mas afirmar a nossa soberania e não trocá-la por 15% das exportações, compostas pelas mercadorias do agronegócio, devastador das florestas e contaminador do solo e das águas, que, conjugado com as mineradoras promovem os mesmos malefícios à natureza de nosso território, para servirem aos interesses do capital internacional. Junto com isso, aproveitamos para livrar-nos de uma família que se vê como imperial, pois, enquanto o rei fica em solo brasileiro com uma tornozeleira na canela esquerda, um filho foge para os Estado Unidos para fazer ameaças como se fosse um ministro do império.  

Se não queremos comprar gato por lebre, precisamos abrir o saco antes de pagar o preço, porém, dentro da cadeia desta vez que, quando os gatos saltarem estarão presos. Assim começaremos a fazer justiça aplicando a lei contra os torturadores, golpistas, matadores e demais exploradores, condenando-os e taxando aqui as grandes fortunas. Com isso, reaveremos as riquezas indevidamente apropriadas e privatizadas, devolvendo-as ao povo brasileiro.

                                               Ademar Bogo

quinta-feira, 10 de julho de 2025

A POLÍTICA DA AMEAÇA


 O filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) escreveu um livro com o nome “O Princípio Responsabilidade”, no qual buscou criticar a ética da civilização tecnológica. Preocupado com as mudanças das capacidades tecnológicas, pois elas determinam os novos modos de agir e modificam também a ética que leva a esperança se parecer, objetivamente com a ameaça, daí o vinculo inevitável entre a incerteza e o medo da destruição do próprio futuro.

De posse do mito de Prometeu, o deus do fogo, acorrentado pelos outros deuses, por analogia, o filósofo comparou a ciência com tal poder, porém, sem as correntes, ela veio a se tornar um perigo para todas as espécies. “A técnica moderna transformou-se em ameaça ou a ameaça aliou-se à técnica; o vazio de que padece a nova práxis coletiva não é mais do que o vazio atual provocado pelo relativismo de valores (...)”.[1]

A velocidade com que ocorrem as mudanças tecnológicas assusta os próprios beneficiários da aplicação de tais conhecimentos. Já não é o fracasso que amedronta, senão o sucesso. Operações militares de alto risco, com artefatos que conseguem perfurar o solo enquanto se explodem, supera a verdade vinda desde a origem do homo sapiens, que as cavernas eram lugares seguros, já não são mais. Por isso, dormir um sono profundo está se tornando um pesadelo sem que exista pelo menos um sonho. As surpresas podem surpreender a qualquer momento. Um aparelho celular pode explodir em meio a uma declaração de amor e, um drone pode localizar e disparar balas homicidas como se fosse um soldado frente a frente com um guerrilheiro.

Os artefatos tecnológicos não possuem vida própria, mas praticam movimentos inteligentes, por isso, a inteligência artificial pode ser inserida em estruturas mortas que se guiam pelas programações pré-instaladas e vão em busca dos resultados pensados pelos humanos. O mais assustador é a certeza dos resultados que a tecnologia oferece. Seja na indústria, no comércio, na agricultura, nas áreas da saúde, da comunicação etc., lá se encontram os inventos, cada vez mais despidos de responsabilidade ética pois, o coração da técnica não pratica estímulos sensíveis. A concorrência para saber quem ultrapassa por primeiro a linha imaginária dos descontroles é intensa. Dessa forma o espaço terrestre tornou-se limitado para abrigar a diversidade das forças que estimulam a própria destruição.

Por outro lado, ressurgem certos comportamentos que a história já os teria enterrado junto com as atitudes colonialistas universais e coronelistas locais. De acordo com certas medidas políticas em andamento, podemos concluir, que a tecnologia pode muito, menos impedir que, a senilidade e a decadência se manifestem como senhoras da história.

A política como outras áreas que dependem de habilidades, sempre foi considerada uma arte, logo, os desabilitados não conseguem governar serenamente e precisam utilizar a violência como argumentação e, as ameaças como intimidação. Os impérios do passado sempre atuaram em vista de manter o controle por meio da submissão das populações dominadas, por isso, atuavam presos aos interesses principais. Há fatos aparentemente pouco significativos, que serviram para desencadear conflitos, como foi o rapto de Helena, esposa de Menelau que serviu como desculpa para o início da guerra da Grécia contra Tróia.

O que vemos agora são arremedos de imperadores, que ameaçam punir antes que qualquer travessura seja feita. As longas décadas de domínio militar do imperialismo dos Estados Unidos da América em diferentes lugares do mundo, revelam que as altas tecnologias, principalmente as de natureza bélica, não conseguem manter as populações submissas e quando menos se dão conta, a maioria das nações já buscaram outras referências para se relacionarem.

Não se pode negar que um império decadente se torna violento e ataca com todas as suas forças; no entanto, quem tem um pouco que seja de convivência com animais, sabe que, por exemplo, um cão que morde todos os outros, acaba ficando sozinho. Isso não significa que ele, mesmo isolado não possa morder, mas a sua impetuosidade acaba promovendo a reunião de todos os cães ofendidos.

Se o feitiço pode virar contra o feiticeiro, devemos estar otimistas e não pessimistas com o “tarifaço” decretada por carta de um bufão decadente. A história também produz as suas armadilhas. Se, nos últimos cinquenta anos muitos esforços foram gastos para inovar o liberalismo do século XIX, reafirmando que o capitalismo não pode viver sem ele, não é de um dia para outro que alguém possa decretar que as regras mudarão e todos ficam impunes. Sabemos dos poderes do livre mercado e da interação que existe entre as economias. Então, não são apenas os países pobres que dependem dos ricos, o contrário também é verdadeiro. É evidente que muitas riquezas eram e ainda são roubadas das colônias, mas, também, muitas reações se afirmam como verdadeiras trincheiras de resistência.

Muitas linhas são escritas e palavras são atiradas ao vento como se apenas um lado da contradição se movesse. É importante aprender a ler os sinais emitidos pelas circunstâncias. Em primeiro lugar, podemos destacar que o império economicamente está cambaleando; em segundo, que bolsonarismo está evaporando, não tendo mais força para defender os próprios criadores desse movimento decrépito, apelaram para o monstro de boné norte americano  fazendo-o proferir algumas ameaças. Em segundo lugar, a possibilidade real de fuga do líder maior do golpismo e que, em certa medida, não seria de tudo um mal; porém, consintamos que isto venha ocorrer sem que os demais colaboradores sejam contemplados com a mesma fuga, pagariam o preço da condenação calados?

Por outro lado, ainda, é importante reconhecer que nosso país sempre foi exportador de produtos da melhor qualidade, enquanto os refugos desqualificados abasteceram o mercado interno. Não podendo mais vender a produção do agronegócio em dólar, os pobres poderão, com um pouco de reais, adquirem o que antes somente era servido na mesa dos ricos. Então, viva a crise dos ricos sustentados pelos subsídios públicos.

Por fim, se não encontramos motivos para lutarmos diante das explorações, devemos agora reagirmos diante das provocações. Elas devem motivar revoltas, alimentadas pelo sentimento de coragem, capaz de destravar o grito de: “Morte ao imperialismo” e, tudo quanto tiver as suas marcas e os seus cheiros, devem ser atacados.

Há muitos perigos, no entanto, o maior deles não é a inteligência artificial que vem com toda pomposidade, mas a inteligência humanizada prestes a decidir mundialmente que não se humilhará diante de um artefato, afinal, uma máquina, por mais inteligente que seja, não saberá nunca o prazer de dar as mãos para construir uma vitória. Nós podemos e faremos! Para cima deles, Brasil.                                  

                                                                          Ademar Bogo            



[1] JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: Ensaio de uma ética para uma civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2026.

domingo, 29 de junho de 2025

ENFIM, SÓS


            Nos últimos 146 anos, se contarmos a partir da Revolução Francesa de 1789, vem imperando o capitalismo liberal. Nesse trajeto, a classe dos donos da riqueza, representada nas formas de, mercadoria, dinheiro e capital, sempre teve o controle hegemônico do poder universal, promoveu guerras regionais e mundiais para cuidar da ordem econômica e geopolítica; saqueou as riquezas naturais, apropriando-se indevidamente delas; impôs a criação e depois o enfraquecimento das instituições internacionais; promoveu a corrida armamentista para amedrontar os concorrentes; acentuou os avanços tecnológicos mais diversos para garantir a expansão do comércio e a da dominação cultural.

Poderíamos seguir enumerando benefícios e malefícios causados nesse curto período histórico, comparando com os milênios anteriores para de fato, aproveitando do fio condutor da moralização cristã, louvar ou maldizer as contradições. Não é importante fazer esse recorrido agora, interessa-nos é discutirmos qual foi e está sendo o papel dos trabalhadores nessa corrida alucinada dos capitalistas que entre si sustentam a aposta para ver quem chegará primeiro ao fim do mundo.

Quando olhamos para a impessoalidade dos trabalhadores vemos a força-de-trabalho e, como uma mercadoria em circulação no mercado, está em busca de compradores para utilizá-la em investimentos que reproduzem o capital. Se considerarmos que o trabalho se prestou a servir os interesses construtivos e destrutivos da humanidade, precisamos entender qual deve ser o papel dos trabalhadores de agora em diante.

Se tomarmos como referência a destrutividade ambiental, considerando que a primeira motosserra Stihl, vinda da Alemanha, chegou na região da mata atlântica na década de 1950 e a fabricação desse instrumento só veio a se realizar em São Leopoldo no Rio Grade do Sul em 1973, concluímos que toda devastação até aquele momento foi feita a golpes de machados desferidos pelas mãos dos escravizados, colonos imigrantes e exploradores de madeira. Por quê usamos este exemplo? Simplesmente para mostrar que, o mesmo processo ocorreu com a mineração, no entanto, como os diversos minérios e o petróleo estão no subsolo e, grande parte deles passaram a ser utilizados em maior quantidade nas últimas décadas, comprovamos que os interesses dos capitalistas já não são as árvores, mas o material que está situado abaixo de suas raízes. Por isso, não é uma projeção alarmista, mas todos os povos que possuem reservas mineiras em seus territórios, serão alvos da violência e dominação imperialista no curto prazo.

Quando, de modo mais direcionado olhamos para a história da formação da classe operária e mais especificamente os trabalhadores em geral, junto encontramos duas importantes indicações: a primeira que remete à sua responsabilidade organizativa para cumprir o papel de superar o capitalismo, nesse sentido, muito foi feito e continua sendo um grande desafio e; a segunda, surgiu como admoestação filosófica para tomar cuidado com o Estado.

Friedrich Engels, ao escrever o texto, “Do socialismo utópico ao socialismo científico” expôs que: “A sociedade , que se movera até então entre antagonismos de classe precisou do Estado (...) quando o Estado se converte finalmente, em representante efetivo de toda a sociedade, tornar-se-á por si mesmo supérfluo”.[1] O Estado, evidentemente junto com a organização da produção capitalista, foi uma necessidade organizativa e, os próprios trabalhadores na França e depois nos países da Europa, que realizaram as revoluções liberais, foram convocados a contribuírem para acelerarem a implementação das liberdades, tendo em vista a manutenção da ordem e o dinamismo do progresso.

Por mais que as análises tateiem as possíveis soluções, o entendimento sobre a importância do Estado ou o seu desprezo pelos trabalhadores, continua sendo o grande dilema da política atual. No entanto, após termos experimentado o sabor da governabilidade com o que tínhamos de melhor e mais avançado na organização partidária, temos nítidas impressões de não ser mais este o caminho a seguir.

Façamos justiça aos capitalistas burgueses, descendentes dos revolucionários do passado que ordenaram o modo de produção capitalista e junto criaram um Estado para si para dominarem as demais classes. Embora que, quando falamos de direitos sociais, temos a sensação de que o Estado nos protege com as leis elaboradas para este fim, quando nos voltamos para a economia ficamos atônitos, pois, percebemos que o mesmo Estado não tem poder sobre certas vontades dos capitalistas.

Para entendermos esses descompassos podemos resgatar um princípio liberal exposto por Adam Smith, o qual estabeleceu que precisamos admitir a existência de “uma mão invisível” que se encarrega de controlar, principalmente os preços e o consumo; é por assim dizer, uma lei que regulamenta o comércio, mas não é a única, há outras leis estruturantes que são denominadas de “leis tendenciais” do capital. Elas se parecem com lei da gravidade formada pela própria natureza. Em síntese, o capital começa a ser acumulado na produção, porque nela, obrigatoriamente se estabelece um sistema de exploração da força-de-trabalho. Depois de algum tempo esse movimento produtivo começa a revelar a acumulação de resultados extraídos dos investimentos. Ao crescer ilimitadamente, o capital precisa se expandir, pode ser dentro das fronteiras de um país como também para fora dele, é quando ganha o nome de transnacional ou imperialismo e, por fim, não tendo mais onde investir na produção material, mesmo sendo na forma de excesso de dinheiro, ele precisa se valorizar e por isso surge a especulação e a corrida pelas melhores taxas de juros, quando transforma os governos reféns das dividas públicas.

Ao lado desse processo sequenciado que segue a sua tradição, mas recomeça todos os dias com novos negócios e aplicações no mercado financeiro, temos a política que também têm seus parâmetros jurídicos, mas que não pode interromper aqueles movimentos do capital descritos acima. Nos meandros dos direitos, eles estão inscritos na Constituição Federal, mas, chama a atenção para dois capítulos, um que trata da ordem econômica e o outro da ordem social, neste, encontramos todos os direitos sobre os quais se sustenta o discurso dos políticos. Consta ali, a seguridade social e aposentadoria, a saúde, a educação, o trabalho, a família, a cultura etc.

Os principais e vitais direitos, apesar de constarem da Constituição, somente podem ser garantidos integralmente se houver recursos no orçamento, por isso, os governos precisam planejar e destinar anualmente a quantidade de dinheiro a ser destinado a cada quesito. As equações mentais são bastante emotivas e a primeira impressão é de que, se os direitos não estão sendo atendidos, precisamos disputar eleições para assumirmos o governo e, com as próprias mãos realizarmos as mudanças.

Para os trabalhadores chegarem ao governo há duas possibilidades: a primeira é fazendo uma revolução e apropriarem-se de todas as riquezas e, a segunda aliando-se as demais classes para disputar eleições. Tirando as poucas revoluções socialistas ocorridas no mundo, no século XX, nos países capitalistas, os trabalhadores, principalmente no século XXI, embora com algumas vitórias significativas, mesmo estando à frente dos processos, não se situaram como força hegemônica e sempre tiveram que dividir o governo com setores da classe burguesa. Isto significa dizer que, os interesses econômicos da classe dominante jamais foram ameaçados, ao contrário, tiveram de ser protegidos pelo poder político.

Para sustentar-se no governo as forças aliadas dos trabalhadores precisaram ampliar a base política com os representantes dos diversos setores da burguesia que comporão o governo, mas, antes de tudo exige quem sejam respeitadas as leis tendenciais do capital. Por isso, a essência da fidelidade entre as classes, nunca é política, mas econômica. Por outro lado, junto com a conciliação histórica esvaiu-se a força de pressão. Atualmente trezentos deputados federais têm mais força do que toda a classe trabalhadora brasileira. O governo isolado e cada vez menos defendido, pratica a política do auto suicídio: cede em tudo e, quando se dá conta, não tem mais força para exigir nada.   Exemplo disso é a taxa de juros que, no governo passado com um presidente do Banco Central inimigo, chegou a 13,75%, neste, aliado, subiu para 15%. Enquanto o ministro do afazenda corre atrás de subir algumas virgulas na cobrança do imposto sobre as transações financeiras, alguns pontos elevam o valor do pagamento da dívida pública em Bilhões.  

Quando dizemos que enfim estamos sós, é porque, os resultados após quase duas décadas de tentativas de domarmos o Estado, revelaram que quem foi domesticado e amansado são os que acreditaram em construir um castelo sobre um lixão que já afundou uma vez com o Impeachment da presidente Dilma e ameaça ruir mais uma vez.

   Diante das ameaças, começam as especulações sobre a reeleição de 2026; não é errado pretender continuar no governo, a questão é saber a serviço de quem estará esse governo? Se o Estado ainda não se tornou supérfluo e a governabilidade dos trabalhadores virou cumplice da exploração e da dominação capitalista, alguma coisa está dando errado. Para ser sujeitos da história é preciso acreditar que as leis da economia não podem estar acima dos direitos sociais. Portanto, sem luta e resistência de classe e popular, não pode haver vitória e, esta não pode ser mais apenas eleitoral. Se as nossas forças de trabalho e de ações políticas foram historicamente usadas pelos capitalistas, está chegando a hora de usá-las a favor de nós mesmos. “Antes sós, que mal acompanhados”.    

                                                                                               Ademar Bogo



[1] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Global, 1985.

domingo, 15 de junho de 2025

AS GUERRAS CONTINUAM


            As guerras entre nações estão na origem, manutenção e no final dos impérios. Inicialmente elas se apresentam como soluções imediatas de defesa, mas, depois que iniciam várias descobertas e investimentos ficam insustentáveis; mesmo assim, os interesses são renovados e as sociedades são convencidas a assumirem a posição dos governantes que justificam as perversidades que, no cotidiano de paz seriam consideradas crimes, como por exemplo, destruir, matar mulheres e crianças como um mal necessário para atingirem um objetivo. Assim, uma chacina de 12 crianças numa escola norte-americana, inglesa, francesa etc., é crime, mas a matança de mais de 30 mil pessoas da mesma idade na Palestina é uma operação militar contra o terrorismo.

        As guerras possuem, originalmente, restritas pretensões e, com o tempo vão ganhando novas dimensões. Quando se trata de defesa, para espantar o agressor, as forças se retraem e se preparam para a defesa. Quando buscam conquistar novos territórios precisam, além de ocupá-los, convencer os habitantes locais que a geografia econômica, social e política, mudou.

            Com o prolongamento das guerras, as pessoas em geral, de dentro dos conflitos e fora deles, aprendem a analisá-los e compreendê-los, pela essência de suas erupções, término ou continuidade, como por exemplo, aprender a distinguir a diferença entre o conflito da Rússia com a Ucrânia e, o outro em andamento, promovido por Israel contra os palestinos e alguns países de etnia árabe e persa.

            A Rússia é composta por uma população majoritariamente eslava e abriga também uma quantidade significativa de pessoas muçulmanas, que professam a crença no Islã, cuja referência profética é Maomé. Os ucranianos, embora pertençam a Europa, também possuem descendência eslava., principalmente os que habitam a região onde se situam os conflitos mais acirrados, incluindo diversas cidades como, Donbas, Donetsk, Lugansk e Criméia, nas quais a maioria da população se considera russa e, já optou, antes mesmo dos confrontos, a anexar os territórios à Rússia.

            A Rússia após a revolução de 1917 havia formado a grande União das Repúblicas Soviéticas e, na Segunda Guerra Mundial, para derrotar o nazismo alemão, precisou avançar e implantar os regimes socialistas em diversos países europeus. Na década de 1990, como o Pacto de Varsóvia se desfez, o “império russo” recolheu-se ao seu antigo território. No entanto, ficaram as impressões digitais espalhadas e, tanto os países europeus, quanto os Estados Unidos da América, associados à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) criada na época da Guerra Fria, ainda hoje em vigor, além de forçar a inclusão dos países antes pertencentes ao outro pacto, tenderam a enfraquecer o país vizinho para apossarem-se das suas riquezas minerais.

Na perspectiva bélica da defesa, a Rússia, ao perceber o avanço da OTAN com a possível inclusão da Ucrânia como país membro, vendo as populações residentes próximas à sua fronteira, perseguidas e  dispostas a mudarem de nacionalidade, avançou com a guerra defensiva em busca da preservação territorial. Nesse sentido, a Rússia integrará a população ucraniana à sua população.

O contrário acorre com Israel na invasão da Palestina. Desde que Theodor Herlz, um jornalista austro-húngaro, por meio de seu livro, “O Estado de Israel”, escrito e publicado no final do século XIX, cuja influência desencadeou um movimento político e ideológico que, no Congresso de Basileia na Suíça, em 1897, sob a diretriz do princípio: “Uma terra sem povo para um povo sem-terra”, decidiu que o povo judeu expatriado pelo mundo, desde o ano 70 despois de Cristo, deveria ocupar a Palestina e lá criar a sua base estatal.

A palestina até 1919 pertencia ao império Otomano, no entanto, com o final da Primeira Guerra Mundial a Inglaterra, 1919, passou a assumir o comando local, pois, ali localiza-se a passagem principal que liga Europa pelo Mar Mediterrâneo a Ásia e a África. Esse domínio durou até o final da Segunda Guerra Mundial quando, os Estado Unidos da América passaram a controlar a região e, por sua influência na Organização das Nações Unidas, o Estado de Israel foi oficialmente criado em 1948, sobre 52% do território palestino.

A reação dos países árabes e persas foi imediata e nunca aceitaram essa intromissão na região, principalmente porque o Estado de Israel continuou a tomar, por meio de assentamentos de colonos, os territórios delegados pela ONU aos palestinos. Em 1967 os conflitos foram acirrados e, na guerra árabe-israelense, Israel apossou-se da maior parte dos 48% do território, deixando os palestinos com apenas 21%  e, mais, a perda total do deserto do Sinai no Egito e as Colinas de Golã na Síria.

Nas previsões da criação do Estado de Israel, havia a perspectiva intencional de expansão territorial, com a formação de um império regional de influência europeia e norte-americana sobre o mundo árabe, para isso, além da Palestina deveriam tomar o Egito, a Jordânia, a Síria e o Líbano e anexar esses países ao Estado sionista.

Com tudo isso, pretensões e invasões chegamos aos dias atuais, com a ideologia sionista expressa em todos os meios de comunicação burgueses ocidentais, que intenta justificar as atitudes genocidas, como sendo um “direito de defesa”. Pela sustentação feita acima, compreendemos que a ofensiva israelense contra os palestinos e, mais recentemente contra o Irã, tem a proposital intenção de avançar no seu domínio territorial e enfraquecer os países vizinhos inimigos históricos do Ocidente. Por isso, o Estado sionista não está sozinho e as práticas genocidas precisam ser atribuídas a quem apoia aquele regime.

Por outro lado, por que se trata de um genocídio e não de uma anexação de território apenas como é o caso da Rússia na Ucrânia? Porque, a etnia judaica é intrusa na região e as suas práticas ortodoxas não aceita oficialmente a presença dos árabes em iguais condições dos cidadãos israelenses; por isso a política do Estado de Israel é o extermínio racial dos palestinos para, quando a guerra terminar, além da apropriação total do território da antiga Palestina, a maioria da população deverá extar extinta e, os que sobrarem, viverão como escravos. Este é o sentido da matança indiscriminada das crianças e das mulheres.

Em síntese, o Estado de Israel, para além de suas pretensões particulares de expansão imperial na região, tem o apoio das potências capitalistas do Ocidente que querem reinar na região enquanto houver, principalmente, a possibilidade de exploração do petróleo. Por outro lado, esse Estado genocida, com a matança indiscriminada de crianças, assimila a perversidade do Rei Herodes, imitado por Vespasiano que, em 70 d.C. destruiu Jerusalém, matou inocentes e dispersou pela Europa os judeus que sobraram e que Nazismo de Hitler os executou nas câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial. O extermínio dos atuais inocentes, representa a limpeza étnica realizada como precaução para que aquela população indefesa venha a ser uma força vingadora no futuro.

Isso tudo revela que, a decadência do capitalismo está posta como uma corrida sem retorno em direção à falência total do capital. Isto não quer dizer que o melhor está por vir, porque, é na agonia terminal que os movimentos se tornam mais bruscos e violentos. Não importa, se isto ainda durará séculos, importa é saber que, se não houver reações e capacidade de resistência, a velocidade destrutiva será cada vez mais acelerada. Enquanto há tempo, é preciso reagir.

                                                                                                                                                                                                                                Ademar Bogo