domingo, 29 de junho de 2025

ENFIM, SÓS


            Nos últimos 146 anos, se contarmos a partir da Revolução Francesa de 1789, vem imperando o capitalismo liberal. Nesse trajeto, a classe dos donos da riqueza, representada nas formas de, mercadoria, dinheiro e capital, sempre teve o controle hegemônico do poder universal, promoveu guerras regionais e mundiais para cuidar da ordem econômica e geopolítica; saqueou as riquezas naturais, apropriando-se indevidamente delas; impôs a criação e depois o enfraquecimento das instituições internacionais; promoveu a corrida armamentista para amedrontar os concorrentes; acentuou os avanços tecnológicos mais diversos para garantir a expansão do comércio e a da dominação cultural.

Poderíamos seguir enumerando benefícios e malefícios causados nesse curto período histórico, comparando com os milênios anteriores para de fato, aproveitando do fio condutor da moralização cristã, louvar ou maldizer as contradições. Não é importante fazer esse recorrido agora, interessa-nos é discutirmos qual foi e está sendo o papel dos trabalhadores nessa corrida alucinada dos capitalistas que entre si sustentam a aposta para ver quem chegará primeiro ao fim do mundo.

Quando olhamos para a impessoalidade dos trabalhadores vemos a força-de-trabalho e, como uma mercadoria em circulação no mercado, está em busca de compradores para utilizá-la em investimentos que reproduzem o capital. Se considerarmos que o trabalho se prestou a servir os interesses construtivos e destrutivos da humanidade, precisamos entender qual deve ser o papel dos trabalhadores de agora em diante.

Se tomarmos como referência a destrutividade ambiental, considerando que a primeira motosserra Stihl, vinda da Alemanha, chegou na região da mata atlântica na década de 1950 e a fabricação desse instrumento só veio a se realizar em São Leopoldo no Rio Grade do Sul em 1973, concluímos que toda devastação até aquele momento foi feita a golpes de machados desferidos pelas mãos dos escravizados, colonos imigrantes e exploradores de madeira. Por quê usamos este exemplo? Simplesmente para mostrar que, o mesmo processo ocorreu com a mineração, no entanto, como os diversos minérios e o petróleo estão no subsolo e, grande parte deles passaram a ser utilizados em maior quantidade nas últimas décadas, comprovamos que os interesses dos capitalistas já não são as árvores, mas o material que está situado abaixo de suas raízes. Por isso, não é uma projeção alarmista, mas todos os povos que possuem reservas mineiras em seus territórios, serão alvos da violência e dominação imperialista no curto prazo.

Quando, de modo mais direcionado olhamos para a história da formação da classe operária e mais especificamente os trabalhadores em geral, junto encontramos duas importantes indicações: a primeira que remete à sua responsabilidade organizativa para cumprir o papel de superar o capitalismo, nesse sentido, muito foi feito e continua sendo um grande desafio e; a segunda, surgiu como admoestação filosófica para tomar cuidado com o Estado.

Friedrich Engels, ao escrever o texto, “Do socialismo utópico ao socialismo científico” expôs que: “A sociedade , que se movera até então entre antagonismos de classe precisou do Estado (...) quando o Estado se converte finalmente, em representante efetivo de toda a sociedade, tornar-se-á por si mesmo supérfluo”.[1] O Estado, evidentemente junto com a organização da produção capitalista, foi uma necessidade organizativa e, os próprios trabalhadores na França e depois nos países da Europa, que realizaram as revoluções liberais, foram convocados a contribuírem para acelerarem a implementação das liberdades, tendo em vista a manutenção da ordem e o dinamismo do progresso.

Por mais que as análises tateiem as possíveis soluções, o entendimento sobre a importância do Estado ou o seu desprezo pelos trabalhadores, continua sendo o grande dilema da política atual. No entanto, após termos experimentado o sabor da governabilidade com o que tínhamos de melhor e mais avançado na organização partidária, temos nítidas impressões de não ser mais este o caminho a seguir.

Façamos justiça aos capitalistas burgueses, descendentes dos revolucionários do passado que ordenaram o modo de produção capitalista e junto criaram um Estado para si para dominarem as demais classes. Embora que, quando falamos de direitos sociais, temos a sensação de que o Estado nos protege com as leis elaboradas para este fim, quando nos voltamos para a economia ficamos atônitos, pois, percebemos que o mesmo Estado não tem poder sobre certas vontades dos capitalistas.

Para entendermos esses descompassos podemos resgatar um princípio liberal exposto por Adam Smith, o qual estabeleceu que precisamos admitir a existência de “uma mão invisível” que se encarrega de controlar, principalmente os preços e o consumo; é por assim dizer, uma lei que regulamenta o comércio, mas não é a única, há outras leis estruturantes que são denominadas de “leis tendenciais” do capital. Elas se parecem com lei da gravidade formada pela própria natureza. Em síntese, o capital começa a ser acumulado na produção, porque nela, obrigatoriamente se estabelece um sistema de exploração da força-de-trabalho. Depois de algum tempo esse movimento produtivo começa a revelar a acumulação de resultados extraídos dos investimentos. Ao crescer ilimitadamente, o capital precisa se expandir, pode ser dentro das fronteiras de um país como também para fora dele, é quando ganha o nome de transnacional ou imperialismo e, por fim, não tendo mais onde investir na produção material, mesmo sendo na forma de excesso de dinheiro, ele precisa se valorizar e por isso surge a especulação e a corrida pelas melhores taxas de juros, quando transforma os governos reféns das dividas públicas.

Ao lado desse processo sequenciado que segue a sua tradição, mas recomeça todos os dias com novos negócios e aplicações no mercado financeiro, temos a política que também têm seus parâmetros jurídicos, mas que não pode interromper aqueles movimentos do capital descritos acima. Nos meandros dos direitos, eles estão inscritos na Constituição Federal, mas, chama a atenção para dois capítulos, um que trata da ordem econômica e o outro da ordem social, neste, encontramos todos os direitos sobre os quais se sustenta o discurso dos políticos. Consta ali, a seguridade social e aposentadoria, a saúde, a educação, o trabalho, a família, a cultura etc.

Os principais e vitais direitos, apesar de constarem da Constituição, somente podem ser garantidos integralmente se houver recursos no orçamento, por isso, os governos precisam planejar e destinar anualmente a quantidade de dinheiro a ser destinado a cada quesito. As equações mentais são bastante emotivas e a primeira impressão é de que, se os direitos não estão sendo atendidos, precisamos disputar eleições para assumirmos o governo e, com as próprias mãos realizarmos as mudanças.

Para os trabalhadores chegarem ao governo há duas possibilidades: a primeira é fazendo uma revolução e apropriarem-se de todas as riquezas e, a segunda aliando-se as demais classes para disputar eleições. Tirando as poucas revoluções socialistas ocorridas no mundo, no século XX, nos países capitalistas, os trabalhadores, principalmente no século XXI, embora com algumas vitórias significativas, mesmo estando à frente dos processos, não se situaram como força hegemônica e sempre tiveram que dividir o governo com setores da classe burguesa. Isto significa dizer que, os interesses econômicos da classe dominante jamais foram ameaçados, ao contrário, tiveram de ser protegidos pelo poder político.

Para sustentar-se no governo as forças aliadas dos trabalhadores precisaram ampliar a base política com os representantes dos diversos setores da burguesia que comporão o governo, mas, antes de tudo exige quem sejam respeitadas as leis tendenciais do capital. Por isso, a essência da fidelidade entre as classes, nunca é política, mas econômica. Por outro lado, junto com a conciliação histórica esvaiu-se a força de pressão. Atualmente trezentos deputados federais têm mais força do que toda a classe trabalhadora brasileira. O governo isolado e cada vez menos defendido, pratica a política do auto suicídio: cede em tudo e, quando se dá conta, não tem mais força para exigir nada.   Exemplo disso é a taxa de juros que, no governo passado com um presidente do Banco Central inimigo, chegou a 13,75%, neste, aliado, subiu para 15%. Enquanto o ministro do afazenda corre atrás de subir algumas virgulas na cobrança do imposto sobre as transações financeiras, alguns pontos elevam o valor do pagamento da dívida pública em Bilhões.  

Quando dizemos que enfim estamos sós, é porque, os resultados após quase duas décadas de tentativas de domarmos o Estado, revelaram que quem foi domesticado e amansado são os que acreditaram em construir um castelo sobre um lixão que já afundou uma vez com o Impeachment da presidente Dilma e ameaça ruir mais uma vez.

   Diante das ameaças, começam as especulações sobre a reeleição de 2026; não é errado pretender continuar no governo, a questão é saber a serviço de quem estará esse governo? Se o Estado ainda não se tornou supérfluo e a governabilidade dos trabalhadores virou cumplice da exploração e da dominação capitalista, alguma coisa está dando errado. Para ser sujeitos da história é preciso acreditar que as leis da economia não podem estar acima dos direitos sociais. Portanto, sem luta e resistência de classe e popular, não pode haver vitória e, esta não pode ser mais apenas eleitoral. Se as nossas forças de trabalho e de ações políticas foram historicamente usadas pelos capitalistas, está chegando a hora de usá-las a favor de nós mesmos. “Antes sós, que mal acompanhados”.    

                                                                                               Ademar Bogo



[1] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Global, 1985.

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