Com
o esgotamento da ofensiva institucional de esquerda, no intuito de barrar a
permanente revolução liberal capitalista em movimento ascendente desde 1848,
nos deparamos com discussões que não transcendem mais o cenário eleitoral. Em
detrimento da destrutividade do planeta, nessa fase, a mais violenta da história
do capitalismo, as preocupações partidárias estão fixadas no crescimento da
econômica e na posição política dos pobres, em franca revelação de que a oposição
continua sendo a referência de resistência e de autodefesa contra o sistema.
Quando se põe em discussão como
questão central o conceito de “pobre de direita”, em grande medida está-se
querendo manter viva a agenda eleitoral, num período que deveria ser dedicado
ao debate e a contestação dos problemas estruturais. É da própria natureza da análise
dialética termos de considerar a lei da unidade e luta dos contrários e, um aspecto
da totalidade pode ter maior ou menor atenção, dependendo da importância que
damos a ele. Por exemplo se divisarmos que as eleições de 2026 são mais
importantes do que o assalto atual às riquezas naturais seja do petróleo, dos
minérios e do avanço do agronegócio sobre as terras do serrado e da Amazônia,
discutiremos os desafios políticos para impedir que os pobres nos abandonem. Se
as preocupações são com a melhoria da renda sem distribuição da riqueza
concentrada nas grandes fortunas, ficaremos discutindo o aumento real do salário-mínimo,
o teto para o imposto de renda para a classe média e o controle das finanças
públicas para cumprir as metas estabelecidas pelo arcabouço fiscal, sem tocar
num fio de cabelo da exploração vigente.
Há de chegar o dia de alguém ter a
coragem de dizer que, para essas pautas não precisa ter uma esquerda organizada
e se ela insistir em discutir esses aspectos administrativos do capitalismo deixará
de existir e virá direita. Na verdade, o que temos construído nos últimos 40
anos, foi uma polarização, não entre direita esquerda, mas uma conformação
civilizada da política entre situação e oposição. Isto fica claro quando se
debate a tese dos “pobres de direita”, mas nada se diz dos “ricos ou da classe
média esquerda”. Por que será? Porque não se trata da disputa de ideias contra
ou a favor do capital, mas, de maior ou menor competência para garantir os
avanços do capitalismo, com um pouco mais ou um pouco menos de justiça social.
Já reprisamos em excesso esse
entendimento de Marx e Engels, escrito no livro A ideologia alemã; o importante
agora é saber que o pensamento pode ser antigo, mas a aplicação é moderna. “As
ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a
classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua
força espiritual dominante”.[1] Para compreender esse
pensamento é preciso ler as suas consequências que, não é pelo simples fato de
as forças de esquerda terem se tornado situação no regime político, que as suas
ideias passarão a dominar materialmente o sistema dominante. Isto está claro na
continuação do parágrafo que diz: “(...)a classe que tem à sua disposição os
meios da produção material dispõe também dos meios de produção espiritual de
modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos
daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual.”
Diante do emaranhado de questões que
poderiam ser formuladas, as que mais preocupam, com certeza, não seriam as que
deveriam revelar se os pobres são de direita ou de esquerda, porque, de fato
eles não sabem do que se trata essa classificação e, pela tradição idiomática a
simbologia da direita é imensamente mais simpática. O canhoto, na antiguidade
era repelido por atrair maus agouros; os Salmos nos indicam que devemos olhar
para a direita; o Concílio de Nicéia do ano 325, ao escrever o Credo, delineou
que o filho subiu ao céu e está “sentado à direita do pai”. “Andar direito”; “Entrar
com o pé direito”, são mais do que superstições, representam práticas que
coordenam os comportamentos. A única coisa que na tradição tem algum valor por
estar do lado esquerdo é o coração, mas, a racionalidade moderna o desancou da centralidade
corporal, pela sua fragilidade sentimental; instabilidade amorosa;
vulnerabilidade e demonstração de fraqueza nos momentos de tomar decisões mais rígidas.
Distinguir “condição” de “posição”
ajudaria bastante na interpretação de certos comportamentos. Primeiramente, devemos
considerar que o pobre não é de direita nem de esquerda ele é simplesmente
pobre, material e espiritualmente. A sua consciência sensível, não lhe permite
compreender a estrutura das classes sociais, nem as causas da sua situação. Ele
sabe o que é a fome, mas nada entende das leis tendenciais do capital que
promove a acumulação da riqueza; sabe o que é ser pai ou filho, mas não
consegue explicar os fundamentos da família e a sua função perante o Estado;
sabe o que é um bem, mas não o distingue da propriedade privada; manuseia o
dinheiro e nada entende do sistema financeiro, do movimento do capital especulativo
etc. Aí entram os modismos da espontaneidade da autoridade do “lugar de fala”,
como se isso por si só fosse um poder constituído. A realidade nos mostra que,
não é por ser pobre que alguém consegue
explicar a riqueza; nem por sofrer discriminações que explica o racismo
estrutural; ou receber um benefício de uma política pública e pôr-se a favor da
esquerda ou da direita.
Se a condição do “pobre” estruturalmente
continua sendo a mesma nos governos de situação ou de oposição, significa que a
sua posição política pode mudar, por duas razões pelo menos: considerando as
ideias dominantes, ele pode ser convencido que, para aquele momento, tal
candidato seja melhor ou pela opção emocional antissistêmica, por ser
verdadeiramente vítima constante dos poderes constituídos. Vejamos apenas
algumas indicações. Quando um governante vai à televisão e diz que irá “combater
a violência”, está dizendo que equipará a polícia para atacar indiscriminadamente
os habitantes pobres e pretos das regiões indicadas. Da mesma forma acontece
com as promessas sobre o melhoramento do atendimento à saúde, mas as filas de
espera não diminuem; no melhoramento do transporte, os ônibus continuam os
mesmos; na educação, os colégios somente mudam a pintura dos muros. O que pensa
uma pessoa mal atendida, revistada pela polícia ou que teve um parente
assassinado por ela? Continuará votando naquele governante? Logo, há momentos
nos quais, o prefeito, o governador ou o presidente é eleito e reeleito e
retorna posteriormente; outras vezes é desprezado para sempre.
Já faz muito tempo que estes
conceitos de esquerda e direita foram retirados do horizonte político, pelo
próprio modus operandi das disputas, basta observar os palanques, como
mudam de um pleito para outro. Para a consciência sensível a verdade estampa-se
no dizer de serem todos “farinha do mesmo saco”. O exemplo mais ilustrativo é o
presidente e o vice do governo federal atual, já foram ferrenhos opositores. Ou
seja, se a condição não muda o pobre, o pobre muda de posição. Então propagar
aos quatro ventos que o resultado das eleições deve ser respeitado e a
democracia representativa o ideal a ser mantido, mas, assustar-se com a
possibilidade da volta da extrema-direita ao governo, é como desconhecer que em
31 dezembro o ano atual acaba e, no ano seguinte ele aparecerá com um novo
número.
Por fim, exigir que o pobre não
tenha em certos pleitos posição de direita, sem ter nenhuma organização de
esquerda para elevar o nível da consciência sensível para a consciência política,
é uma hipocrisia. Por outro lado, querer ser de esquerda e ao mesmo tempo ser
situação a favor do sistema capitalista, são duas hipocrisias. Os “pobres de
direita” em debate, viveram e vivem sob o poder totalitário do crime organizado
ou das polícias dos governos também desses que se dizem “esquerda”. Desse modo,
o que mudaria para esses imensos contingentes populacionais tendo um governo “centro-direita”
ou de extrema-direita? A resposta pode ser, de que, alguns direitos serão respeitados
por algum tempo. Mas precisa ser de “esquerda” para fazer somente isto?
Ademar Bogo
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