O
título metafórico inspira-se na descrição de Nietzsche sobre o “homem pouco”,
referindo-se ao filósofo Diógenes que saía durante o dia com uma lanterna
procurando por um homem justo. Nessa adaptação ele procurava Deus. “Procuro
Deus! Procuro Deus!”; despertando grandes gargalhadas misturadas com gritos
irônicos: “Então ele está perdido?”; “Está se escondendo?”; “Ele tem medo de
nós?”; “Embarcou em um navio?”; “Emigrou?”. Detendo-se diante dos curiosos, o
louco perguntou: “Para onde foi Deus?” e, em seguida respondeu: “Nós o matamos!”.
Depois, com menor veemência, para que todos se calassem, continuou a explicação:
“Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da
putrefação divina? — também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua
morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os
assassinos?”[1]
É evidente que o parágrafo anterior se
refere ao comportamento dos cristãos civilizados. Os atos revestidos de
perversidades, sem o mínimo de compaixão e solidariedade entre os indivíduos,
levaram a tais desfechos. Parece estranho invocar a ajuda de um morto para
encontrar saídas em meio à decadência ética. No entanto, se quisermos sair da
filosofia e rumarmos para a política, encontraremos os mesmos significados para
as mesmas atitudes confusas.
Lenin ao analisar o dogmatismo
defendido por seus colegas de partido, após explicitar que estavam caminhando
debaixo de fogo em uma estrada escarpada, rodeados de inimigos, tentando
arrastá-los para o pântano, expressou: “Alguns dos nossos gritam: vamos para o pântano!
E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: como vocês são atrasados!
Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho
melhor!”.[2] Na sequência, tal qual fez
o “homem louco”, Lenin sentenciou a conclusão: “Sim, senhores, são livres não
somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o
pântano e, na medida de nossas forças estamos prontos a ajudá-los a transportar
para lá os seus lares”.
As referências acima não se atém
propriamente às religiões com todas as suas crenças pervertidas, nem tampouco aos
lugares poluídos para onde escorre o esgoto do desenvolvimento civilizatório,
mas, da política como expressão das forças capazes de direcionarem a sociedade para os caminhos da
superação dos seus próprios limites.
Desde que a Igreja católica no ano
de 325, no Concilio de Nicéia, quando se enfrentaram as duas tendências: os
alexandrinos e os arianos, tendo como desfecho a excomunhão do padre Ário e, as
suas divergências, uma a uma serviram para a elaboração da profissão de fé,
exposta na “Oração do credo”, os seguidores dessa religião, em detrimento dos comportamentos
éticos, reafirmam aquele compromisso dogmático em todas as celebrações. Da mesma
na forma ocorre na política, a partir do momento em que se pôs em discussão o “Arcabouço
fiscal”, passou ele a ser, em todas as discussões, em detrimento dos problemas
sociais, a referência dos compromissos governamentais. Em síntese, se pelos
comportamentos antiéticos sociais e religiosos identificamos a “morte de Deus”,
pelas atitudes das forças da situação, favoráveis ao governo, assistimos a cada
dia a “morte da política”.
Pelas últimas decisões do Congresso Nacional,
o comprometimento, do que ainda se chama de forças de esquerda, diante do
ataque do capital especulativo, ninguém mais pode duvidar de que a economia subsumiu
a política. A ilusão de que o poder institucional levaria à superação dos
problemas sociais, se desvaneceu; isto porque, na medida que todas as atenções
para conter os gastos públicos se fixam sobre o salário mínimo e o Benefício de
Prestação Continuada, enquanto os altos salários, as grandes fortunas, os
subsídios para o grande capital, o compromisso intocável com o pagamento da
dívida pública etc., são preservados,
sem que nenhuma mobilização sindical ou
popular de protesto tenha sido provocada, é de acreditar que a política
verdadeiramente está morta; o que vive é o burocratismo liberal pacifista.
A paralisia das forças sindicais e
populares diante das exigências do capital, é assustadora. A crença de que o Supremo
Tribunal Federal fará justiça e conterá os golpistas e, o Ministério da Fazenda,
com a ajuda do novo aliado presidente do Banco Central colocarão o país na
linha da estabilização econômica, dando, por certo, alguns pontos positivos
para melhorar as condições de disputa nas eleições presidenciais de 2026, faz
dos partidos da situação, favoráveis ao governo, verdadeiros fantoches, que só
abrem a boca e os braços para falarem e gesticularem a favor do arcabouço
funcional. Ninguém mais teme a “cobra cega” e desdentada que se tornou a “esquerda”.
O pântano no qual está afogada a política
institucional, que corta recursos da educação mas mantém o fundo para atender
as emendas parlamentares, não pode servir de endereço para que as forças
populares também se dirijam para lá. Nessa situação, se para o “homem louco”
ainda há tempo: “O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas
precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem
vistos e ouvidos.”; para a política, o tempo acabou. Nesse caso, teremos de ter
a coragem de dizer como fez Lenin em sua conclusão: “(...) larguem-nos a mão,
não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque nós também
somos livres para irmos aonde nos aprouver, livres não só para combater o pântano
como também aqueles que para lá se dirigem”.
O princípio de que “a luta continua”,
permanece válido; faltam lutadores e organizações comprometidas com a
transformação social e não com a estabilidade capitalista.
Ademar
Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário