Há diversas posições políticas em circulação; todas elas procuram dar conta da situação criada pela correlação de forças favoráveis à classe dominante no período pós-eleitoral. Teses como “massa de direita” ou “pobres de direita”, têm invadido os debates, quando, na verdade, são apenas expressões que revelam o imobilismo e misturam certos preconceitos com as incapacidades políticas de perceber os estrangulamentos que estão situados em causas um pouco mais profundas.
Para início de conversa, voltemos um pouco o nosso olhar
para o que defenderam Marx e Engels, em 1850, na mensagem à direção da Liga dos
Comunistas: “Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a
revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, os
reclamos supramencionados, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem
em tornar a revolução permanente até que seja eliminada a dominação das classes
mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado,
até que a associação dos proletários se desenvolva, não só num país, mas em
todos os países predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a competição
entre os proletários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas
decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado”.[1]
Quando as críticas visualizam apenas o tempo presente,
devido ao péssimo resultado da tática eleitoral, deixam elas de perceber que, o
antes e o depois sempre são tempos imensamente maiores do assombro momentâneo.
Por outro lado, para quem formou as suas concepções baseadas num suposto
determinismo histórico, ao deparar-se com situações adversas, como as atuais,
não vendo os resultados esperados, passa a culpar os deserdados por não
acreditarem no paraíso. Na mensagem acima, defensora da continuidade da Revolução
Liberal, até o ponto de inverter o comando do poder político e, as forças
produtivas passarem ao controle dos trabalhadores, não há nenhuma previsão de
tempo de conclusão, por isso, aquele processo, pode ter se convertido, nesse
longo período, em permanente Revolução Liberal.
Qual é a explicação que podemos dar para a situação
política atual? A mais certa seria considerarmos que a Revolução Liberal à qual
se referem Marx e Engels, em 1850, não foi ainda concluída totalmente, por dois
motivos: o primeiro, diz respeito à existência da classe dominante, tendo, a
seu favor, o avanço constante das forças produtivas, da ciência e da tecnologia
e, se hoje consideramos existir o neoliberalismo, significa confirmar, ainda
com maior vigor, a validade e a renovação daqueles princípios liberais. O
segundo motivo decorre do primeiro, sendo que a Revolução Liberal se prolongou
até os nossos dias, veio para muito mais além do que queriam os pequenos
burgueses, pois, a dinâmica tecnológica recolocou as forças produtivas em outros
patamares de exploração e, as relações de produção liberais influenciam também nas
formas de pensar e de fazer política.
O caminho aberto para o proletariado e para as massas
populares, dentro dessa permanente Revolução Liberal, foi mudar periodicamente
de táticas; grosso modo, configuradas como: a) Revoluções e insurreições
proletárias e populares. As que foram vitoriosas implantaram o socialismo por algumas
décadas, em alguns países; b) Estratégia das resistências armadas. Frente ao
endurecimento dos regimes, diversas formas de organizações guerrilheiras e
exércitos revolucionários, foram estruturadas, porém, dissociadas das
insurreições, não lograram êxito e desapareceram; c) A busca da via pacífica
eleitoral. Com o intuito de ir ganhando espaço dentro da permanente Revolução
Liberal até chegar ao poder, a via institucional mostrou-se a mais adequada,
principalmente nos últimos quarenta anos. Isso tudo mostra porque esse último
fenômeno da decadência das forças de esquerda é mundial e não um simples erro
de um ou outro partido. A aceleração da revolução tecnológica provocou esse
fenômeno de esgotamento das tentativas de superação do capitalismo. Para
continuar há que abrir uma nova forma de ofensiva.
Se de algum modo os três períodos acima representam, mesmo
parcialmente o que aconteceu, deveremos concordar que, desde 1848, as gerações se
sucederam e enfrentaram sempre as mesmas forças comandadas pelo capital que soube
conduzir a permanente Revolução Liberal. As vitórias que fizeram o poder passar
para as mãos das forças socialistas, ocorreram parcialmente em tempos de crises
extremadas, que chegaram a produzir as guerras mundiais. Fora disso, o capital,
seja ele produtivo, financeiro ou especulativo, com suas leis tendenciais da:
produção, exploração, acumulação, circulação, expansão e especulação, de
maneira mais acelerada, ou um pouco mais lenta, seguiu, até os nossos dias,
respondendo às necessidades de sua própria reprodução, dando-se o “luxo” de, em
certas situações, fazer experimentos de extermínios populacionais, como foi,
para citar alguns, o nazismo, o fascismo e, está sendo o sionismo. Isso não
abala o domínio das forças produtivas decisivas, nem afeta mortalmente, apesar
das crises, o processo de acumulação. Mesmo em decadência em alguns setores o
capitalismo continua reafirmando-se e dando respostas aos problemas que ele
mesmo cria.
Se observarmos com maior atenção, veremos ainda que,
embora as forças de dominação se embasem na economia, os inimigos simbólicos para
as massas populares, sempre estiveram identificados com a política e encastelados
na estrutura do Estado. Nesse sentido, se, em certos momentos, enormes esforços
foram empenhados para defender-se das forças de repressão, em outros, mesmo a
repressão estando presente, valeram mais as táticas reivindicatórias, no
sentido de pressionar os capitalistas e os governantes, para, simplesmente
garantir ordeiramente alguns direitos e não para tomar-lhes o poder.
Nesse sentido, os partidos políticos de esquerda e as
organizações populares e sindicais, aliadas desses partidos, nas últimas
décadas, lutaram contra a classe dominante, até quando os governantes passaram a
ser os próprios representantes dos trabalhadores. Logo, o comodismo universal
que levou e impede a reação contra a Revolução Liberal, são, pelo menos três:
a) a histórica educação moral cristã e constitucional, voltada para o respeito
ao direito sagrado e intocável da propriedade privada; b) as lutas ordeiras,
pacifistas, de caráter reivindicatório, desferidas contra o capital, sem a
mínima intenção de tomá-lo e controlá-lo c) a visão do inimigo político,
simbolizada pelos governantes ruins que poderiam ser substituídos por
governantes bons, criando expectativas de que eles fariam tudo por nós e, a
cada mandato renovariam os propósitos para todo o sempre.
Esses
três fatores sempre envolveram as massas pobres e fizeram-nas acompanhar os
chamados, não por terem consciência, mas, por causa do abandono secular,
projetado pelas elites brancas ou por necessidades materiais. Identificadas com
a linguagem agressiva, vinda de líderes corajosos capazes de expressarem
palavras que batiam contra a fome real, a falta de moradia, as péssimas
condições de educação, os descalabros no atendimento à saúde, a carestia, a
corrupção etc., lutaram bravamente sempre como forças aliadas. Ao assumirem os
governos e ocuparem o lugar dos inimigos políticos, os representantes de
esquerda passaram a falar palavras amenas e a dar supostas soluções
insuficientes, como as que davam os seus antecessores de direita, contra os
quais as massas protestavam. As mudanças de lugar das forças políticas, no
posto governamental elevou a esquerda à condição de situação. Nesses processos
liberais, compreendendo contra quem as massas direcionam os seus protestos, podemos
concluir que, mesmo cooptadas, a tendência é elas serem de oposição e lutarem
contra os políticos vistos como ruins, mansos e hipócritas.
Se
quisermos debater como sair da defensiva para a ofensiva, precisamos entender
que estamos vivendo, mesmo com diversas crises, um acelerado ascenso destrutivo
da permanente Revolução Liberal capitalista, para enfrentá-la é preciso pensar
a revolução dentro dessa revolução que, provavelmente dar-se-á com o retorno à
estratégia das insurreições, enraizadas, mais proximamente, na desobediência
civil. Para isso é preciso atacar as três domesticações: a) das ideias que
impõe o comportamento moral de respeito à propriedade b) das reivindicações
pacíficas invertendo-as para a apropriação do capital e dos meios de produção
e, c) do ilusionismo político eleitoral, demonstrando que a democracia não pode
ser representativa, mas participativa e distributiva da riqueza.
As
massas não são de direita nem de esquerda, mas, mobilizadas, podem vir a ser
contrarrevolucionárias ou revolucionárias. Tudo depende de quem estiver com
elas.
Ademar Bogo
[1] MARX/ENGELS. Mensagem do comitê
central à Liga de Março de 1850. In. FERNANDES, Florestan (0rg) História. São
Paulo: Ática, 1984, p. 224.
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