domingo, 22 de dezembro de 2024

ENTRE A MORTE E O PÂNTANO

 

O título metafórico inspira-se na descrição de Nietzsche sobre o “homem pouco”, referindo-se ao filósofo Diógenes que saía durante o dia com uma lanterna procurando por um homem justo. Nessa adaptação ele procurava Deus. “Procuro Deus! Procuro Deus!”; despertando grandes gargalhadas misturadas com gritos irônicos: “Então ele está perdido?”; “Está se escondendo?”; “Ele tem medo de nós?”; “Embarcou em um navio?”; “Emigrou?”. Detendo-se diante dos curiosos, o louco perguntou: “Para onde foi Deus?” e, em seguida respondeu: “Nós o matamos!”. Depois, com menor veemência, para que todos se calassem, continuou a explicação: “Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? — também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos?”[1]

            É evidente que o parágrafo anterior se refere ao comportamento dos cristãos civilizados. Os atos revestidos de perversidades, sem o mínimo de compaixão e solidariedade entre os indivíduos, levaram a tais desfechos. Parece estranho invocar a ajuda de um morto para encontrar saídas em meio à decadência ética. No entanto, se quisermos sair da filosofia e rumarmos para a política, encontraremos os mesmos significados para as mesmas atitudes confusas.

            Lenin ao analisar o dogmatismo defendido por seus colegas de partido, após explicitar que estavam caminhando debaixo de fogo em uma estrada escarpada, rodeados de inimigos, tentando arrastá-los para o pântano, expressou: “Alguns dos nossos gritam: vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor!”.[2] Na sequência, tal qual fez o “homem louco”, Lenin sentenciou a conclusão: “Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano e, na medida de nossas forças estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares”.

            As referências acima não se atém propriamente às religiões com todas as suas crenças pervertidas, nem tampouco aos lugares poluídos para onde escorre o esgoto do desenvolvimento civilizatório, mas, da política como expressão das forças capazes de  direcionarem a sociedade para os caminhos da superação dos seus próprios limites.

            Desde que a Igreja católica no ano de 325, no Concilio de Nicéia, quando se enfrentaram as duas tendências: os alexandrinos e os arianos, tendo como desfecho a excomunhão do padre Ário e, as suas divergências, uma a uma serviram para a elaboração da profissão de fé, exposta na “Oração do credo”, os seguidores dessa religião, em detrimento dos comportamentos éticos, reafirmam aquele compromisso dogmático em todas as celebrações. Da mesma na forma ocorre na política, a partir do momento em que se pôs em discussão o “Arcabouço fiscal”, passou ele a ser, em todas as discussões, em detrimento dos problemas sociais, a referência dos compromissos governamentais. Em síntese, se pelos comportamentos antiéticos sociais e religiosos identificamos a “morte de Deus”, pelas atitudes das forças da situação, favoráveis ao governo, assistimos a cada dia a “morte da política”.

            Pelas últimas decisões do Congresso Nacional, o comprometimento, do que ainda se chama de forças de esquerda, diante do ataque do capital especulativo, ninguém mais pode duvidar de que a economia subsumiu a política. A ilusão de que o poder institucional levaria à superação dos problemas sociais, se desvaneceu; isto porque, na medida que todas as atenções para conter os gastos públicos se fixam sobre o salário mínimo e o Benefício de Prestação Continuada, enquanto os altos salários, as grandes fortunas, os subsídios para o grande capital, o compromisso intocável com o pagamento da dívida pública  etc., são preservados, sem que  nenhuma mobilização sindical ou popular de protesto tenha sido provocada, é de acreditar que a política verdadeiramente está morta; o que vive é o burocratismo liberal pacifista.

            A paralisia das forças sindicais e populares diante das exigências do capital, é assustadora. A crença de que o Supremo Tribunal Federal fará justiça e conterá os golpistas e, o Ministério da Fazenda, com a ajuda do novo aliado presidente do Banco Central colocarão o país na linha da estabilização econômica, dando, por certo, alguns pontos positivos para melhorar as condições de disputa nas eleições presidenciais de 2026, faz dos partidos da situação, favoráveis ao governo, verdadeiros fantoches, que só abrem a boca e os braços para falarem e gesticularem a favor do arcabouço funcional. Ninguém mais teme a “cobra cega” e desdentada que se tornou a “esquerda”.

            O pântano no qual está afogada a política institucional, que corta recursos da educação mas mantém o fundo para atender as emendas parlamentares, não pode servir de endereço para que as forças populares também se dirijam para lá. Nessa situação, se para o “homem louco” ainda há tempo: “O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos.”; para a política, o tempo acabou. Nesse caso, teremos de ter a coragem de dizer como fez Lenin em sua conclusão: “(...) larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque nós também somos livres para irmos aonde nos aprouver, livres não só para combater o pântano como também aqueles que para lá se dirigem”.  

            O princípio de que “a luta continua”, permanece válido; faltam lutadores e organizações comprometidas com a transformação social e não com a estabilidade capitalista.

                                                                                   Ademar Bogo



[1] NIETZSCHE. A gaia ciência (§125).

[2] LENIN, V.I. Que fazer? São Paulo: Hucitec, 1986, p. 7.

domingo, 8 de dezembro de 2024

CONDIÇÃO E POSIÇÃO

 

    Com o esgotamento da ofensiva institucional de esquerda, no intuito de barrar a permanente revolução liberal capitalista em movimento ascendente desde 1848, nos deparamos com discussões que não transcendem mais o cenário eleitoral. Em detrimento da destrutividade do planeta, nessa fase, a mais violenta da história do capitalismo, as preocupações partidárias estão fixadas no crescimento da econômica e na posição política dos pobres, em franca revelação de que a oposição continua sendo a referência de resistência e de autodefesa contra o sistema.

            Quando se põe em discussão como questão central o conceito de “pobre de direita”, em grande medida está-se querendo manter viva a agenda eleitoral, num período que deveria ser dedicado ao debate e a contestação dos problemas estruturais. É da própria natureza da análise dialética termos de considerar a lei da unidade e luta dos contrários e, um aspecto da totalidade pode ter maior ou menor atenção, dependendo da importância que damos a ele. Por exemplo se divisarmos que as eleições de 2026 são mais importantes do que o assalto atual às riquezas naturais seja do petróleo, dos minérios e do avanço do agronegócio sobre as terras do serrado e da Amazônia, discutiremos os desafios políticos para impedir que os pobres nos abandonem. Se as preocupações são com a melhoria da renda sem distribuição da riqueza concentrada nas grandes fortunas, ficaremos discutindo o aumento real do salário-mínimo, o teto para o imposto de renda para a classe média e o controle das finanças públicas para cumprir as metas estabelecidas pelo arcabouço fiscal, sem tocar num fio de cabelo da exploração vigente.

            Há de chegar o dia de alguém ter a coragem de dizer que, para essas pautas não precisa ter uma esquerda organizada e se ela insistir em discutir esses aspectos administrativos do capitalismo deixará de existir e virá direita. Na verdade, o que temos construído nos últimos 40 anos, foi uma polarização, não entre direita esquerda, mas uma conformação civilizada da política entre situação e oposição. Isto fica claro quando se debate a tese dos “pobres de direita”, mas nada se diz dos “ricos ou da classe média esquerda”. Por que será? Porque não se trata da disputa de ideias contra ou a favor do capital, mas, de maior ou menor competência para garantir os avanços do capitalismo, com um pouco mais ou um pouco menos de justiça social.

            Já reprisamos em excesso esse entendimento de Marx e Engels, escrito no livro A ideologia alemã; o importante agora é saber que o pensamento pode ser antigo, mas a aplicação é moderna. “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”.[1] Para compreender esse pensamento é preciso ler as suas consequências que, não é pelo simples fato de as forças de esquerda terem se tornado situação no regime político, que as suas ideias passarão a dominar materialmente o sistema dominante. Isto está claro na continuação do parágrafo que diz: “(...)a classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios de produção espiritual de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual.”

            Diante do emaranhado de questões que poderiam ser formuladas, as que mais preocupam, com certeza, não seriam as que deveriam revelar se os pobres são de direita ou de esquerda, porque, de fato eles não sabem do que se trata essa classificação e, pela tradição idiomática a simbologia da direita é imensamente mais simpática. O canhoto, na antiguidade era repelido por atrair maus agouros; os Salmos nos indicam que devemos olhar para a direita; o Concílio de Nicéia do ano 325, ao escrever o Credo, delineou que o filho subiu ao céu e está “sentado à direita do pai”. “Andar direito”; “Entrar com o pé direito”, são mais do que superstições, representam práticas que coordenam os comportamentos. A única coisa que na tradição tem algum valor por estar do lado esquerdo é o coração, mas, a racionalidade moderna o desancou da centralidade corporal, pela sua fragilidade sentimental; instabilidade amorosa; vulnerabilidade e demonstração de fraqueza nos momentos de tomar decisões mais rígidas.

            Distinguir “condição” de “posição” ajudaria bastante na interpretação de certos comportamentos. Primeiramente, devemos considerar que o pobre não é de direita nem de esquerda ele é simplesmente pobre, material e espiritualmente. A sua consciência sensível, não lhe permite compreender a estrutura das classes sociais, nem as causas da sua situação. Ele sabe o que é a fome, mas nada entende das leis tendenciais do capital que promove a acumulação da riqueza; sabe o que é ser pai ou filho, mas não consegue explicar os fundamentos da família e a sua função perante o Estado; sabe o que é um bem, mas não o distingue da propriedade privada; manuseia o dinheiro e nada entende do sistema financeiro, do movimento do capital especulativo etc. Aí entram os modismos da espontaneidade da autoridade do “lugar de fala”, como se isso por si só fosse um poder constituído. A realidade nos mostra que, não é por ser pobre  que alguém consegue explicar a riqueza; nem por sofrer discriminações que explica o racismo estrutural; ou receber um benefício de uma política pública e pôr-se a favor da esquerda ou da direita.

            Se a condição do “pobre” estruturalmente continua sendo a mesma nos governos de situação ou de oposição, significa que a sua posição política pode mudar, por duas razões pelo menos: considerando as ideias dominantes, ele pode ser convencido que, para aquele momento, tal candidato seja melhor ou pela opção emocional antissistêmica, por ser verdadeiramente vítima constante dos poderes constituídos. Vejamos apenas algumas indicações. Quando um governante vai à televisão e diz que irá “combater a violência”, está dizendo que equipará a polícia para atacar indiscriminadamente os habitantes pobres e pretos das regiões indicadas. Da mesma forma acontece com as promessas sobre o melhoramento do atendimento à saúde, mas as filas de espera não diminuem; no melhoramento do transporte, os ônibus continuam os mesmos; na educação, os colégios somente mudam a pintura dos muros. O que pensa uma pessoa mal atendida, revistada pela polícia ou que teve um parente assassinado por ela? Continuará votando naquele governante? Logo, há momentos nos quais, o prefeito, o governador ou o presidente é eleito e reeleito e retorna posteriormente; outras vezes é desprezado para sempre.

            Já faz muito tempo que estes conceitos de esquerda e direita foram retirados do horizonte político, pelo próprio modus operandi das disputas, basta observar os palanques, como mudam de um pleito para outro. Para a consciência sensível a verdade estampa-se no dizer de serem todos “farinha do mesmo saco”. O exemplo mais ilustrativo é o presidente e o vice do governo federal atual, já foram ferrenhos opositores. Ou seja, se a condição não muda o pobre, o pobre muda de posição. Então propagar aos quatro ventos que o resultado das eleições deve ser respeitado e a democracia representativa o ideal a ser mantido, mas, assustar-se com a possibilidade da volta da extrema-direita ao governo, é como desconhecer que em 31 dezembro o ano atual acaba e, no ano seguinte ele aparecerá com um novo número.   

            Por fim, exigir que o pobre não tenha em certos pleitos posição de direita, sem ter nenhuma organização de esquerda para elevar o nível da consciência sensível para a consciência política, é uma hipocrisia. Por outro lado, querer ser de esquerda e ao mesmo tempo ser situação a favor do sistema capitalista, são duas hipocrisias. Os “pobres de direita” em debate, viveram e vivem sob o poder totalitário do crime organizado ou das polícias dos governos também desses que se dizem “esquerda”. Desse modo, o que mudaria para esses imensos contingentes populacionais tendo um governo “centro-direita” ou de extrema-direita? A resposta pode ser, de que, alguns direitos serão respeitados por algum tempo. Mas precisa ser de “esquerda” para fazer somente isto?

                                                         Ademar Bogo



[1] MARX/ENGELS. A ideologia alemã. São Paulo, Boitempo, 2009, p. 47.

domingo, 17 de novembro de 2024

A REVOLUÇÃO LIBERAL

 

       

               Há diversas posições políticas em circulação; todas elas procuram dar conta da situação criada pela correlação de forças favoráveis à classe dominante no período pós-eleitoral. Teses como “massa de direita” ou “pobres de direita”, têm invadido os debates, quando, na verdade, são apenas expressões que revelam o imobilismo e misturam certos preconceitos com as incapacidades políticas de perceber os estrangulamentos que estão situados em causas um pouco mais profundas.

            Para início de conversa, voltemos um pouco o nosso olhar para o que defenderam Marx e Engels, em 1850, na mensagem à direção da Liga dos Comunistas: “Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, os reclamos supramencionados, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado, até que a associação dos proletários se desenvolva, não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a competição entre os proletários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado”.[1]

            Quando as críticas visualizam apenas o tempo presente, devido ao péssimo resultado da tática eleitoral, deixam elas de perceber que, o antes e o depois sempre são tempos imensamente maiores do assombro momentâneo. Por outro lado, para quem formou as suas concepções baseadas num suposto determinismo histórico, ao deparar-se com situações adversas, como as atuais, não vendo os resultados esperados, passa a culpar os deserdados por não acreditarem no paraíso. Na mensagem acima, defensora da continuidade da Revolução Liberal, até o ponto de inverter o comando do poder político e, as forças produtivas passarem ao controle dos trabalhadores, não há nenhuma previsão de tempo de conclusão, por isso, aquele processo, pode ter se convertido, nesse longo período, em permanente Revolução Liberal.

            Qual é a explicação que podemos dar para a situação política atual? A mais certa seria considerarmos que a Revolução Liberal à qual se referem Marx e Engels, em 1850, não foi ainda concluída totalmente, por dois motivos: o primeiro, diz respeito à existência da classe dominante, tendo, a seu favor, o avanço constante das forças produtivas, da ciência e da tecnologia e, se hoje consideramos existir o neoliberalismo, significa confirmar, ainda com maior vigor, a validade e a renovação daqueles princípios liberais. O segundo motivo decorre do primeiro, sendo que a Revolução Liberal se prolongou até os nossos dias, veio para muito mais além do que queriam os pequenos burgueses, pois, a dinâmica tecnológica recolocou as forças produtivas em outros patamares de exploração e, as relações de produção liberais influenciam também nas formas de pensar e de fazer política.

            O caminho aberto para o proletariado e para as massas populares, dentro dessa permanente Revolução Liberal, foi mudar periodicamente de táticas; grosso modo, configuradas como: a) Revoluções e insurreições proletárias e populares. As que foram vitoriosas implantaram o socialismo por algumas décadas, em alguns países; b) Estratégia das resistências armadas. Frente ao endurecimento dos regimes, diversas formas de organizações guerrilheiras e exércitos revolucionários, foram estruturadas, porém, dissociadas das insurreições, não lograram êxito e desapareceram; c) A busca da via pacífica eleitoral. Com o intuito de ir ganhando espaço dentro da permanente Revolução Liberal até chegar ao poder, a via institucional mostrou-se a mais adequada, principalmente nos últimos quarenta anos. Isso tudo mostra porque esse último fenômeno da decadência das forças de esquerda é mundial e não um simples erro de um ou outro partido. A aceleração da revolução tecnológica provocou esse fenômeno de esgotamento das tentativas de superação do capitalismo. Para continuar há que abrir uma nova forma de ofensiva.

            Se de algum modo os três períodos acima representam, mesmo parcialmente o que aconteceu, deveremos concordar que, desde 1848, as gerações se sucederam e enfrentaram sempre as mesmas forças comandadas pelo capital que soube conduzir a permanente Revolução Liberal. As vitórias que fizeram o poder passar para as mãos das forças socialistas, ocorreram parcialmente em tempos de crises extremadas, que chegaram a produzir as guerras mundiais. Fora disso, o capital, seja ele produtivo, financeiro ou especulativo, com suas leis tendenciais da: produção, exploração, acumulação, circulação, expansão e especulação, de maneira mais acelerada, ou um pouco mais lenta, seguiu, até os nossos dias, respondendo às necessidades de sua própria reprodução, dando-se o “luxo” de, em certas situações, fazer experimentos de extermínios populacionais, como foi, para citar alguns, o nazismo, o fascismo e, está sendo o sionismo. Isso não abala o domínio das forças produtivas decisivas, nem afeta mortalmente, apesar das crises, o processo de acumulação. Mesmo em decadência em alguns setores o capitalismo continua reafirmando-se e dando respostas aos problemas que ele mesmo cria.

            Se observarmos com maior atenção, veremos ainda que, embora as forças de dominação se embasem na economia, os inimigos simbólicos para as massas populares, sempre estiveram identificados com a política e encastelados na estrutura do Estado. Nesse sentido, se, em certos momentos, enormes esforços foram empenhados para defender-se das forças de repressão, em outros, mesmo a repressão estando presente, valeram mais as táticas reivindicatórias, no sentido de pressionar os capitalistas e os governantes, para, simplesmente garantir ordeiramente alguns direitos e não para tomar-lhes o poder.

            Nesse sentido, os partidos políticos de esquerda e as organizações populares e sindicais, aliadas desses partidos, nas últimas décadas, lutaram contra a classe dominante, até quando os governantes passaram a ser os próprios representantes dos trabalhadores. Logo, o comodismo universal que levou e impede a reação contra a Revolução Liberal, são, pelo menos três: a) a histórica educação moral cristã e constitucional, voltada para o respeito ao direito sagrado e intocável da propriedade privada; b) as lutas ordeiras, pacifistas, de caráter reivindicatório, desferidas contra o capital, sem a mínima intenção de tomá-lo e controlá-lo c) a visão do inimigo político, simbolizada pelos governantes ruins que poderiam ser substituídos por governantes bons, criando expectativas de que eles fariam tudo por nós e, a cada mandato renovariam os propósitos para todo o sempre.

            Esses três fatores sempre envolveram as massas pobres e fizeram-nas acompanhar os chamados, não por terem consciência, mas, por causa do abandono secular, projetado pelas elites brancas ou por necessidades materiais. Identificadas com a linguagem agressiva, vinda de líderes corajosos capazes de expressarem palavras que batiam contra a fome real, a falta de moradia, as péssimas condições de educação, os descalabros no atendimento à saúde, a carestia, a corrupção etc., lutaram bravamente sempre como forças aliadas. Ao assumirem os governos e ocuparem o lugar dos inimigos políticos, os representantes de esquerda passaram a falar palavras amenas e a dar supostas soluções insuficientes, como as que davam os seus antecessores de direita, contra os quais as massas protestavam. As mudanças de lugar das forças políticas, no posto governamental elevou a esquerda à condição de situação. Nesses processos liberais, compreendendo contra quem as massas direcionam os seus protestos, podemos concluir que, mesmo cooptadas, a tendência é elas serem de oposição e lutarem contra os políticos vistos como ruins, mansos e hipócritas.

Se quisermos debater como sair da defensiva para a ofensiva, precisamos entender que estamos vivendo, mesmo com diversas crises, um acelerado ascenso destrutivo da permanente Revolução Liberal capitalista, para enfrentá-la é preciso pensar a revolução dentro dessa revolução que, provavelmente dar-se-á com o retorno à estratégia das insurreições, enraizadas, mais proximamente, na desobediência civil. Para isso é preciso atacar as três domesticações: a) das ideias que impõe o comportamento moral de respeito à propriedade b) das reivindicações pacíficas invertendo-as para a apropriação do capital e dos meios de produção e, c) do ilusionismo político eleitoral, demonstrando que a democracia não pode ser representativa, mas participativa e distributiva da riqueza.

As massas não são de direita nem de esquerda, mas, mobilizadas, podem vir a ser contrarrevolucionárias ou revolucionárias. Tudo depende de quem estiver com elas.

                                                                        Ademar Bogo



[1] MARX/ENGELS. Mensagem do comitê central à Liga de Março de 1850. In. FERNANDES, Florestan (0rg) História. São Paulo: Ática, 1984, p. 224.

domingo, 3 de novembro de 2024

OS DOIS OLHOS DO LIBERALISMO

            Desde os jacobinos franceses do século XVIII, quando surgiram os conceitos, da esquerda não foi formulado para aceitar a governabilidade da direita, mas para se opor, contestar e radicalizar a revolução de 1789, com medidas impulsionadoras das reformas sociais; a abolição dos privilégios; a implementação do princípio da igualdade socioeconômica e a soberania popular. Isso e outras coisas mais, foram implementar entre maio de 1793 a julho de 1794, quando o “terror” marcou a História da Revolução Francesa. No entanto, a incapacidade de conduzir o processo para a democracia direta e as diversas indecisões no comando do governo, permitiu que todos os dirigentes fossem arrastados pelas ruas e decapitados na guilhotina em praça pública.

            Se a tradição modificou, em parte, o conteúdo, não transcendeu o significado original do conceito. Girondinos e Jacobinos, apesar de todas as divergências eram membros de um único Clube, formado para defender a revolução e o liberalismo capitalista. Portanto, a mesma cabeça apenas com os olhos estrábicos, um voltado para a esquerda e o outro para a direita. De lá para cá, houve épocas que aquela denominação erroneamente foi associada às práticas revolucionárias, socialistas e comunistas, quando, na verdade, esquerda queria dizer apenas, oposição, discordância de rumo dos anseios liberais, o que veio a se confirmar mais adiante.

Se no século XX nunca a humanidade avançou tanto na realização das revoluções anticapitalistas, no século XXI, regrediu tanto ao ponto de, sob o manto do neoliberalismo, ao invés de inovar e colocar as tarefas possíveis de serem implementadas a favor das rupturas, reduziu os anseios até chegar aos governos e governar “para todos”. Renegando as características revolucionárias e a própria linguagem, em nome da democracia passaram a defender o estado democrático de direito, legitimador da sociedade desigual.

            Já no início do século XXI, de um momento para outro, surgiu um segundo olhar, quando reergueu-se a mesma e velha cabeça liberal, com o olho esquerdo virado para o centro e o outro para a direita, ambos interessados a comandar o mesmo sistema, no interior da mesma ordem e do mesmo Estado. A explicação dialética para esse movimento dos contrários, instalados no mesmo crânio, com as mesmas ideias liberais, representando, pela democracia representativa todas as forças reunidas nos repetidos e respeitosos processos eleitorais. No entanto, enquanto o olho à direita veio evoluindo, ano após ano, para mais, chegou ao ponto máximo do giro de 180 graus em que se encontra a extrema-direita; do mesmo modo ocorreu com as forças contrárias, ao invés de deslocar o olhar para o lado esquerdo, dirigiu-se do centro para a direita e foi ficando menos e cada vez menos esquerda, ao ponto de desaparecer. O que restou foi um só corpo, com uma cabeça liberal e, os dois olhos obliquamente voltados para a mesma direção.

Esse olhar torto das forças de esquerda, perdeu gradualmente o contato com as cores proletárias. O vermelho da consciência partidária, passou a se acostumar com a companhia de matizes multicores, representantes do asco ideológico do passado. As ofensivas populares foram empurradas para a defensiva, levando à comprovação de que, quando radicalidade e a agressividade saem da política, começa-se, respeitosamente, a tratar a ordem constitucional e os inimigos dentro dela, com cortesia administrativa.

            O abandono das causas mobilizadoras em troca de espaço institucional, criou a governabilidade assistencialista, permissiva e respeitosa aos limites impostos pela ordem. Para quem antes brigava pela elevação do orçamento da saúde e da educação, agora, no governo, obriga-se, comportadamente, a formular arcabouços e respeitar o teto de gastos para, como os velhos jacobinos, evitar agredir os princípios liberais da acumulação do capital.

            Sem paixões vingativas, é importante considerar que a causa dos problemas da subordinação à instrumentalização institucional, não está apenas no governo prostrado diante dos preceitos liberais, nem nas circunstâncias que o obrigaram a aliar-se com certas forças pútridas, mas no partido político e nos movimentos, sindical e popular que entraram junto na governabilidade, deixando de lado as tarefas ofensivas contra o capital e o Estado capitalista. Foi com essas forças em luta que, em 2002, dezessete anos depois do fim da ditadura militar, derrotamos as forças de direita no governo. Por que então as coisas estão virando no seu contrário? Pelo simples fato de que, quem tinha não tem mais as massas mobilizadas.

            Se as bandeiras históricas de luta foram subsumidas pelas vitórias eleitorais e as tornaram irrealizáveis, substituí-las agora por demandas catastróficas como é o caso do aquecimento global e, empenhar todos os esforços no plantio de árvores ou oferecer alimentos orgânicos, fora da luta de classes, representará, colocar-se ainda mais na defensiva. Foi o negacionismo de esquerda de abandonar as referências estratégicas, como o socialismo, a insurreição popular e a revolução que permitiu espaço para a demonização do comunismo e a prostração diante das ofensivas da extrema-direita.

As massas não migraram para o outro lado, continuam com os mesmos anseios e desejos de justiça, combate ao imobilismo e a formalismo da política. Não será o medo das tragédias climáticas que despertará a indignação, mas a coragem de liderar a desobediência civil contra aquilo que acontece nas proximidades dos trajetos cotidianos, onde os olhares alcançam. A consciência política somente se forma na medida que a organização partidária serve para provocar conflitos. Partidos legalistas, defensores da ordem, enforcam-se com a própria linha conciliatória.

A carência da organização política que tenha como estratégia o socialismo é o grande dilema para recriar as lutas de massa. Na medida que a finalidade estiver estabelecida, será possível avaliar a importância de cada tática, desse modo, a governabilidade, no capitalismo, pode ser uma possibilidade temporária de ascensão das forças, mas nunca o recurso definitivo.  Recorrer às forças de direita, como estão fazendo, para enfrentar a extrema-direita é tão perigoso quanto apagar fogo com gasolina. Trabalhar para encontrar um óculos retificador do estrabismo do liberalismo, foi o maior engano que as forças de esquerda puderam cometer.

Os dois olhos do liberalismo devem ser cegados pela força das lutas revolucionárias. Quando isto ocorrer, teremos um só olhar, aquele que nunca perde de vista o horizonte socialista.

                                                          

                                                                                   Ademar Bogo

domingo, 13 de outubro de 2024

AS CORES DA VITÓRIA

 

        Pertence ao filósofo milenar chinês, Confúcio a frase: “Somente os sábios e os ignorantes não mudam de ideia”. Os primeiros por terem certeza da verdade e os outros por desconhecerem totalmente como encontrá-la.

            Há verdades que os ignorantes ignoram por dificuldade de irem mais profundamente procurá-las no interior das coisas, da história ou da conjuntura. Na maioria das vezes, ignorar é mais apropriado, principalmente quando um desejo, temporariamente, pode ser realizado. A certeza aparente não deixa de ser uma certeza, no entanto ela permanece como tal até o momento da comprovação.

            A sabedoria dos sábios vem da experiência. Ela pode ser formada pela observação, compreensão ou experimentação. Há formulações escritas que oferecem categorias de análise que, a depender do tema, são passíveis de serem sempre aplicadas e reaplicadas, por exemplo: classe social; política de alianças; força social; tática; estratégia e tantas outras vindas de construções teóricas objetivadas em diversos processos de transformação social.

            Por estarmos ainda umbilicalmente ligados ao processo eleitoral de 2024, com diversas candidaturas disputando o segundo turno, tentemos aqui relacionar, sabedoria e ignorância nas análises e posicionamentos. Nos pouparemos das estatísticas, por serem de fácil acesso em outros veículos e também porque elas escondem mais as intenções do que mostra a realidade. Há situações em que a vitória não foi significativa, mas pelo entendimento dos analisadores, a simbologia merece mais destaque do que o fato.  Os resultados numéricos podem ser vantajosos quando somadas as unidades, no entanto, podem representar desvantagem quando se contabiliza o número de pessoas envolvidas. O mesmo acontece com as cores partidárias. Se olharmos para as coligações encontraremos os vermelhos do MDB e do PT associados 648 vezes. Assim se deu na junção do vermelho com o azul do PSD e, até 48 vezes com o amarelo do PL. Após os resultados, para quem deseja aprofundar como estão a identidade e a força da esquerda em relação à direita e a extrema-direita, é importante observar quais cores hegemonizam as vitórias e o qual tom do vermelho ideológico se pode visualizar na bandeira do PT?

            De volta às categorias, lembremos que em política a tática e a estratégia, mesmo que ignoradas, estão sempre presentes principalmente, quando são feitas as escolhas do que será feito e qual o caminho a ser seguido. Este costume burguês, de ver as coisas a curto prazo, condicionou e educou o que costumeiramente chamávamos de esquerda, a tratar os pleitos eleitorais como etapas complementares, ou seja, as eleições municipais definindo como serão as eleições presidenciais. Para os candidatos que encarnam o capital, essa engenharia eleitoral é o melhor dos mundos, isto porque, a estratégia liberal está estabelecida e será continuada, basta subir um degrau de cada vez na fácil acumulação da riqueza. Para as forças de esquerda que transformam os resultados das urnas em estratégia, é a morte à conta-gotas, porque, vencendo ou perdendo, a governabilidade estará comprometida com os preceitos da ordem estabelecida, a qual favorece as forças exploradoras.

            Há tempos viemos confirmando esse desatino da ignorância política, não porque sejamos totalmente sábios, mas sim pelas provas que o envolvimento tático alienou as energias das ofensivas socialistas, simplesmente porque, essa possibilidade estratégica não existe mais. Logo, até mesmo pela lógica formal, podemos concluir que, os processos eleitorais brasileiros, não acumulam força para o socialismo e nem contribuem para desencadear reações sociais, ao contrário, acomodam e desorganizam, mesmo que indiretamente as lutas de massas.

            Além do mais, a democracia representativa não pode ser tomada como forma única e duradoura de fazer política. Mal comparando, os processos eleitorais que mobilizam milhões de pessoas em direção às urnas, assemelha-se um momento no qual cada um anexa uma página em branco no livro da política institucional. Portanto, quando se encerram as votações, os eleitores perdem em ideias e em consciência porque montaram um livro sem conteúdo, mas os candidatos eleitos ganham, porque recebem o livro com as páginas em branco para escreverem livremente o que mais lhe interessar.

            Por outro lado, as categorias dialéticas de sucesso e retrocesso, aplicadas ao processo eleitoral como um único sujeito, cujas contradições se movem pela lei da dialética, da unidade e luta dos contrários, dá como certo, que uma vitória eleitoral tem tempo de duração contado pelo mandato e, por um tempo, pode haver sucessivas vitórias, mas elas não são infinitas; as forças contrárias também se mobilizam para vencer. Os sábios da física sabem que um objeto jogado para cima chegará a um ponto que para de subir e começa a cair.

            Como devemos ver este momento? As disputas eleitorais juntaram todos os caminhos em um só para enfrentar as forças da extrema-direita em franco crescimento. Das últimas eleições presidenciais de 2022 para cá, nenhum movimento significativo foi feito para renovar as ofensivas, muito pelo contrário, avançou-se na direção das posições defensivas, buscando as forças de direita, “medebistas” e “pessedistas”, para pô-las como barreiras contra o avanço do nazifascismo.

            Não podemos negar a importância que há para a humanidade, a derrota da tendência nazifascista em crescimento, mas isto não pode se tornar uma finalidade única. Eles seguem crescendo porque na fase atual do capitalismo cabe esse tipo de excrescência destrutiva. Logo, não se trata de escolher com qual molho as galinhas querem ser cozidas após o abate, como propôs o cozinheiro em frente ao galinheiro. Se não queremos o nazifascismo também não devemos aceitar o capitalismo que o impulsiona.

            As alianças devem ser feitas tendo em evidência o princípio da unidade de luta. Reunir cores e bandeiras em imagens virtuais, sem mobilização social, é autorizar que a extrema-direita participe e defina o cardápio do banquete de nossa derrota. A cor da vitória terá de ser centralmente vermelha seguida de tons e matizes avermelhados formados pelos representantes de todas as forças que lutam.

                                                                       Ademar Bogo          

           

             

           

domingo, 22 de setembro de 2024

O NOBRE E O JUSTO

  

          Os filósofos sempre primaram pela educação. Aristóteles em sua ética a Nicômaco, após alertar que não devemos perder de vista a diferença existente entre os argumentos dos primeiros princípios e os outros que se viram contra eles. Dessa forma concluiu o filósofo: “Eis aí por que, a fim de ouvir inteligentemente as preleções sobre o que é nobre e justo, e em geral sobre temas de ciência política, é preciso ter sido educado nos bons hábitos”.[1]

            Se os filósofos refletem através de temas, os educadores debatem sobre as concepções pedagógicas. Porém, não é possível escapar ao ponto de encontro educativo o qual trata dos bons hábitos. O nobre, destacado por Aristóteles, não se trata da nobreza adquirida por meio de títulos, mas dos valores morais comprometidos com a generosidade, a lealdade e a honestidade, condutores dos bons comportamentos. Da mesma forma, o justo, não significa a justeza de algo que se encaixa; neste caso ele representa, a justiça confirmada pela aplicação do princípio da “justa medida”, formada pelo entendimento pedagógico, de garantir os ganhos e minorar as danos.

            Há diferentes concepções pedagógicas voltados para a educação dos bons hábitos. De um modo ou de outro podemos afirmar que todas ela, por princípio. pregam a nobreza e a justiça para garantir a prática dos bons hábitos. No entanto, como vimos, na expressão aristotélica, de que há argumentos favoráveis aos princípios e os que são apreendidos e colocados do lado oposto a eles. É neste ponto que a pedagogia sai dos meios acadêmicos para encontrar as suas oposições, também pedagógicas, na formação dos hábitos comportamentais na escola da vida.

            Quando separamos os ambientes, não significa que haja de fato uma separação estanque na linha do conhecimento e formação das consciências. Demarcamos apenas a existência da mudança de sujeitos criadores das matrizes pedagógicas. Dessa forma, nos parâmetros do outro sistema, distante do nobre e do justo, vamos encontrar as diferentes pedagogias as quais nomeamos como: do capital, da exploração, da expansão, do envenenamento, da destruição e tantas outras que, por princípio, estruturam-se metodologicamente pela negação dos valores morais.

            Quando falamos em pedagogia do capital, facilmente percebemos que a centralidade desse aprendizado está centrada na lei do valor. Aprender a lidar com o dinheiro para fazê-lo render à custas do trabalho alheio. Comprar coisas, investir, poupar, sempre no sentido de garantir algum grau de acumulação de bens e propriedades, entende-se como correto. Para aqueles que mal se decidiram profissionalmente, o indicativo virtual do apresenta programas como do “Jovem empreendedor”, incentivando-o a cavalgar pelo caminho empresarial. Metodologicamente ensina a tornar-se patrão, explorar a força de trabalho de pessoas vistas apenas como colaboradoras.

            A pedagogia expansionista surge por meio da pulsão da acumulação. Feito um primeiro crescimento o capital encarnado nos desejos do capitalista, faz com que ele se lance em direção aos lugares que permitem rendimentos. Na visão universal, a indústria e o comércio conduzem o capital para afirmá-lo como o regente de um império. Assim nasce o imperialismo econômico. Na expansão particular, o avanço sobre os territórios, leva a jungir as propriedades para formarem grandes e expressivas posses. Em ambos os sentidos, a pedagogia da especulação e do ensino tecnológico, serve como suporte para que as ações tenham certa ordem sequencial e, a divisão social do trabalho preencha todas as lacunas dos serviços sujos prestados.

            Mas, há acima de tudo e, no atual momento do desenvolvimento do capitalismo, uma pedagogia que começa a ganhar força, a qual podemos chamá-la de “pedagogia destrutiva”. Esta, de algum modo vinha sendo aplicada, sempre que surgissem crises no crescimento econômico; as quais se baseiam no princípio da destruição dos produtos ou da infraestrutura e bens em geral, por meio de guerras ou de outros conflitos. Porém, essa pedagogia avançou e se qualificou metodologicamente para ensinar a atuar fora do mundo das mercadorias e, muito menos por causa da crise de crescimento econômico, mas, fundamentalmente pelo desejo da expansão gananciosa que chegou ao extremo de incendiar as florestas.

            A pedagogia destrutiva que ensina a usar o fogo como uma arma, revela que foi declarada a guerra do agronegócio contra as forças da natureza compostas pela biodiversidade e contra o Estado se os governantes não fossem tão covardes. Trata-se, portanto, da perda da soberania nacional, porque, a pretensão de planta soja e produzir carne bovina para as exportações, favorecem mais os interesses externos do que ao país.

            A pedagogia destrutiva desenvolvida pelas forças políticas negacionistas, ensina a cometer crimes utilizando  o fogo com arma; mas, há as partes coniventes que se associam pela colaboração ativa. Se compararmos a aplicação das pedagogias opostas, quando se quer educar positivamente, os recursos públicos são direcionados para construir escolas. Quando se quer educar criminalmente, incentiva-se a aquisição de armas e, no caso dos incêndios, liberam-se créditos para que os criminosos, com o dinheiro público, avançarem sobre as florestas.

            Ao governo brasileiro, falta o entendimento da “pedagogia da coerência” pois, quando fala em preservação da Amazônia e da emissão de gases metano CO4, produzido pelos animais e, o monóxido de carbono, exalado pelos veículos motorizados, como primeiro princípio, deveria reduzir e não aumentar os créditos agropecuários para o agronegócio. Neste ano de 2024, chegam a 508 bilhões de reais e, por outro lado impediria a exploração do petróleo e não como está fazendo, direcionando as puas perfuradoras para a Amazônia.

            Para não sermos coniventes com os crimes, seja o de genocídio cometido contra os palestinos ou do ecocídio cometido pelo agronegócio com o incêndio das florestas, devemos reagir contra a pedagogia destrutiva que transforma o crime em hábito. E não importa se o crime está sendo cometido em Gaza ou na Amazônia, importa é enfrentar, combater, destratar e condenar quem manda, quem executa e quem é conivente ao liberar recursos públicos para que, no baixar da fumaça das queimadas, nas primeiras chuvas,  repassem com os aviões semeando as sementes de capim, sobre os ossos e as cinzas daquilo que antes era a mais bela e mais diversa biodiversidade do mundo.

            Devemos perguntar ao governo brasileiro: onde estão as forças armadas que há dezenas de anos, em nome da soberania nacional, vigiavam a Amazônia, mas deixaram avançar  desmatamento, o roubo e a exploração de madeira, bem como, a se formarem miliciais armadas para assassinarem as lideranças, indígenas, sindicais e religiosas e, por último a incendiarem as florestas? A natureza clama por defesa; mas onde estão as forças de defesa? De que serviu até então a pedagogia dos treinamentos de combate nas selvas, se incapazes são de combaterem o fogo que dizima as florestas? Quando procurarem os inimigos entre as cinzas, encontrarão apenas as armas e a metodologia da pedagogia destrutiva.

                                                           Ademar Bogo  



[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martins Fontes, 2012. (Livro 1).

domingo, 15 de setembro de 2024

A VIOLÊNCIA DO FOGO


O fogo desde a pré-história, quando as crenças atribuíam a sua criação a uma divindade. Os gregos revelaram como as primeiras chamas chegaram até a terra com Prometeu. Por ordem de Zeus ele foi amarrado em uma rocha em companhia de um pássaro carnívoro, para comer-lhe diariamente o fígado pela travessura de ter se apiedado dos homens, dando-lhes o fogo de presente.

Posteriormente em Olímpia, cidade destruída na antiga Grécia, na qual se originaram os “Jogos olímpicos”, uma tocha foi acesa para simbolizar o vigor da juventude. Os cristãos adequaram uma simbologia para anunciar a vinda do salvador através da fogueira acesa na casa dos pais de João Batista. No seu oposto, mais adiante as mesmas fogueiras, na inquisição, serviram para queimar os hereges   

O general alemão Carl Von Clausewitz, no século XIX fez referência ao uso do fogo na guerra. Em seu livro “Da guerra”, de fundamental importância para quem deseja estudar os conceitos de tática e estratégia. Na elaboração não deixou de incluir a importância do fogo para a civilização. “A invenção da pólvora e o constante aperfeiçoamento das armas de fogo são por si sós suficientes para mostrar que o progresso da civilização nada fez de prático para alterar ou para desviar o impulso de destruir o inimigo, que é essencial à própria ideia de guerra.”[1] Ou seja, os saberes civilizatórios permaneceram no grau da brutalidade da destruição.

Em outra passagem o mesmo livro revela que o fogo poderia ser considerado uma arma. “As áreas cuidadosamente cultivadas são mais do que uma desvantagem para a artilharia, e as montanhas são piores ainda. Ambas proporcionam, evidentemente, uma proteção contra o seu fogo e não são, portanto, favoráveis a um exército cujo principal efeito seja o fogo.”[2] Nessa descrição podemos considerar a referência do “poder de fogo” da artilharia, mas também, perigo do próprio fogo como força de ataque.

Seja como for, é fácil de percebermos o perigo que representa o fogo indevidamente usado. O seu poder de destruição, a depender do vento, é mais veloz que os seus apagadores que, por segurança não podem atacá-lo de frente a frente. A técnica dos aceiros, tão comum desde a antiguidade, continua sendo a principal tática de combate em campo aberto. Eles como uma força de segurança preventiva, anula completamente a tendência à sua evolução em terrenos cobertas com matéria seca.

Por outro lado, o cuidado preventivo dos aceiros deveria ser, como qualquer outra arma que, por precaução se coloca longe do alcance das crianças, simplesmente porque elas não tem o discernimento nem conseguem avaliar a periculosidade da mesma. Evidentemente quando foge ao controle e ocorre um incêndio ou um ato de atentado contra a vida, são considerados acidentes e não crimes.

Embora tendo a sua utilidade para os agricultores para fazer a limpeza dos terrenos ou das pastagens, ele deve também ser considerado como uma arma de ataque contra a natureza. Nesse caso, um adulto que ateia fogo em período de estiagem, sabendo que as chamas podem alastrarem-se e tornarem-se incontroláveis; esse ato não pode ser considerado acidente, mas um crime contra a biodiversidade das espécies, humana, vegetal e animal.

O Brasil é um país de grandes extensões de florestas, inimigas dos grandes criadores de gado. Os territórios demarcados legalmente, impõem limites para devastação. Mas a lei tendencial da expansão do capital é igual em todas as situações; não importa se é na produção de um veículo de transporte, numa máquina ou num boi. Importa é materialidade da valorização do valor. Sendo assim, as matas tornaram-se alvos fáceis dos matadores.

O “Dia do fogo” criado em agosto de 2019, como protesto às leis ambientais, revela que as queimadas nada têm de ingenuidade, nem tampouco podem ser considerados acidentes os milhares de focos de incêndio espalhados pelo país. Com as proporções que essas ações tomaram, precisamos considerar que estamos enfrentando diferentes guerras cada uma com as suas devidas caracterizações: a primeira delas é de caráter militar, justamente porque o fogo nessas proporções, ser utilizado como uma arma de combate. Portanto, se as forças militares não tinham até o momento identificado um inimigo invasor e devastador do território nacional, já existe um e está solto pelos campos. Apagar os incêndios é uma tarefa de defesa do território e da soberania nacional.

Por outro lado há outro tipo de guerra de natureza “ecocivil”. Devemos pensar que existem leis reguladoras e de defesa do meio ambiente. Elas proíbem e preveem punições dos criminosos. Mas, se a leis não estão sendo respeitadas por uma facção social, há uma clara desobediência civil instalada contra, o que os juristas citam quando lhes é conveniente, é o “Estado de direito”. A ordem a ser respeitada não é apenas quando um grupo se lança contra as instituições políticas e jurídicas; os ecossistemas representam muito mais que instituições públicas ou privadas.

A ignorância tem sido posta como uma desculpa para amenizar os atos de barbárie. Mas, ignorar nunca sinônimo de violência, isto porque, devemos entende-la como desconhecimento. No entanto, quando o marido assassina a esposa não é por ignorância; quando o agronegócio usa os agrotóxicos e os governantes autorizam a usá-los, também não é. Da mesma forma que disparar uma arma contra alguém é violência, riscar um fósforo e segurá-lo aceso até ele queimar as primeiras folhas secas para daí dar início a um incêndio, é ainda mais violento, pois, além de ser consciente, o ato não ataca apenas uma pessoa mas milhares de espécies de vida.

Se estamos em guerra é preciso que as forças armadas assumam  o seu papel e enfrentem o fogo; as forças polícias prendam e punam os criminosos e, as autoridades governamentais desarmem os culpados confiscando suas terras. À sociedade civil cabe mobilizar-se contra a cultura do boi promovida por seus adoradores e recriadores dos mitos de que o “agro é tudo”.

As forças políticas que, escondidas atrás das fumaças das queimadas, gastam mais tempo em conquistar votos do que cuidar das pessoas que irão votar, cabe à responsabilização pela omissão de não atuarem preventivamente contra os verdadeiros invasores das terras públicas e dos povos nativos com o uso indiscriminado do fogo.

A civilização imbuída do uso da violência, há tempos vem mostrando sinais de decadência, porém, ao chegar ao alto grau de desrespeito de pôr a terra toda em chamas, levar à inalação insuportável de fumaça e, obrigar as espécies todas, banharem-se e beberem água da chuva tingida de fuligem, passou de todos os limites. Precisamos reagir.

                                                                                               Ademar Bogo



[1] CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 88

[2] Idem p. 406

domingo, 1 de setembro de 2024

HISTÓRIA E PRINCÍPIOS


            Na tradição da Filosofia do Materialismo Histórico, encontramos sempre a preocupação com a definição do sujeito da revolução, considerando os trabalhadores, as classes, as forças, as massas e, em último grau a parte maioritária da sociedade que precisa estar de acordo A participar de tudo. Isto nos diz que, não podemos pensar em transformações sem que haja um movimento de pessoas associadas, agindo com os mesmos princípios na mesma direção política.

            Karl Marx em 1847, ao escrever, “A miséria da filosofia” destacou que: “Cada princípio teve seu século para se manifestar: o princípio de autoridade, por exemplo, teve o século XI, assim como o princípio do individualismo teve o século XVIII.”[1] Para ele ainda, quando, obedecendo e sofrendo as consequências, era o século que pertencia ao princípio e não o princípio que pertencia o século. Qual é a diferença, no primeiro aspecto, era o princípio pronto e elaborado que fazia a história e, no segundo, a história ao ser feita fazia o princípio. Mas uma dúvida permanecia: por que tal princípio se manifestou naquele século? Para saber esta resposta, segundo Marx, era preciso examinar minuciosamente como eram os homens daquele século; quais eram as suas necessidades, suas forças produtivas, seu modo de produção; que matérias primas utilizavam; enfim, quais relações sociais e, também políticas articulavam essas pessoas. E, sua conclusão foi que, ao apresentar os homens como atores e autores de sua própria história, chegaremos ao verdadeiro ponto de partida, pois, assim abandonaremos os princípios eternos.

            Nunca é demais resgatarmos para sintonizarmos os sentidos, a definição gramatical de quem é o sujeito? “Sujeito é o elemento que pratica ou sofre a ação expressa pelo verbo de uma oração” e, o objeto, participa como “complemento na ação verbal.” Dito isto, voltamos para aos princípios e a história, considerando o tempo do capitalismo do nosso tempo.

            Há um fundamento filosófico no liberalismo que considera como princípio, o individualismo. Atraído pela liberdade a qual lhe é garantida pelas leis do Estado, o seu poder individual é visto como ilimitado, basta que, por direito arranje as mediações e, sua expressão pessoal se eleva acima da coletividade. É evidente que o individualismo nascido no século XVIII, foi renascido com novas características, no final do século XX, em cenários globalizados, dominados pelas corporações, o mercado e as big Tehs, ou empresas de tecnologia da informação.

            Nesse emaranhado evoluído de relações, encontramos o individuo com sua individualidade, ele, portanto, faz ações, como também sofre as consequências. Mas não somente ele, todos os “eles” estando envolvidos no mesmo processo, vivendo as mesmas influências, formam uma coletividade dispersa, marcada pelas mesmas reações, a favor e contra de si mesmo. Se prolongarmos um pouco o raciocínio e estendermos o alcance das coletividades alienadas do próprio comportamento e, considerarmos como sujeito uma nação, veremos que, os princípios neoliberais, coordenam, grosso modo, a história dos dois tipos de sujeitos: os proprietários das corporações imperialistas que pensam e impõem as diretrizes das ações a serem repetidas por terceiros, na economia, na política, na cultura, na religião etc., e, por outro lado, as imensas multidões, compostas por sujeitos sujeitados que “sofrem” e assimilam os princípios já elaborados.

            Ao levarmos esse entendimento para dentro da política, facilmente vamos encontrar as respostas às perguntas, do porquê as forças não se movimentam mais na direção da revolução? Ou mais especificamente, onde estão os sujeitos da revolução do século XXI? Tudo se explica se percebermos que, com tais princípios, os olhares foram invertidos e, o mundo passou a funcionar como se os indivíduos tivessem sido colocados de cabeça para baixo. Andam mas com os pés para cima.

            A realidade universal, particular e singular, nas visões invertidas, perdeu as contradições e assumiu o movimento da linearidade. Marcado pela ideologia das oportunidades, tudo depende do empenho de cada um. Na política, a gravidade dessa inversão é ainda maior. Visto de cabeça para baixo, o estado tornou-se um aliado das transformações sociais e, o capitalismo ficou ruim porque os trabalhadores e as forças de esquerda eram impedidas de governar. Como sujeitos de uma história com princípios elaborados fora dela, as coletividades, organizações de classe, lutas reivindicatórias e a participação nas ações, foram revertidas para as ações cívicas: votar; respeitar os feriados; realizar atos festivos nas datas comemorativas; doar coisas, alimentos ou fazer Pix do sofá da sala, para os atingidos das catástrofes ambientais, tornaram-se sinônimo de socialização. No mais, os governantes como sujeitos sujeitados que, em nome da democracia e dos trabalhadores assumiram os governos, acomodam-se aos consensos criados pelos sujeitadores, que transformam o próprio político em objeto de uso, tornando-o coparticipante da ação: para o agronegócio, queimar e devastar; para os bancos, lucrar; para o imperialismo colaborar para que o capital se aposse das riquezas restantes de todo o continente.

            Para fazer a história é preciso que os sujeitos não sujeitados se coloquem de cabeça para cima e elaborem os próprios princípios com o conteúdo do século em que vivem, com isso a própria história feita com lutas e confrontos, transforma a evidência do indivíduo, como a pedra que, colocada no muro, não desaparece, mas se fortalece se cooperar com as demais pedras.

                                                                                               Ademar Bogo

                                                                                                         



[1] MARX, Karl, A miséria da Filosofia. São Paulo: Global, 1985, p. 110.

domingo, 11 de agosto de 2024

A DIALÉTICA DO FEITICEIRO

 

            A política nas últimas décadas tem se tornado um espaço privilegiado para exercitar opiniões. As teorias não são mais formuladas em programas e manifestos, nem produzidas sobre temas, como fizeram os clássicos das revoluções que, após algum tempo, publicaram e tornaram “obras completas” escritas em dezenas de volumes. Pouco já se escreve sobre as contradições fundamentais e os aspectos fundamentais das contradições. Os textos seguem a ordem dos discursos formulados espontaneamente, baseados, não no movimento dialético das forças oponentes, mas na possibilidade de ganhar ou perder apoio. A rede social exige o cuidado com imagem e não com o intelecto.

            Os projetos de poder assumidos pelas permanentes vanguardas institucionalizadas, formadas por parlamentares eleitos que desejam eternamente serem reeleitos e, por isso, são forçados pelas circunstâncias a deixar de lado a divisão presente na sociedade de classes. Nos países capitalistas, essas forças conduzem os processos desconsiderando as contradições e, enfeitiçados pelo convite à governabilidade e, em nome da democracia, tentam enfeitiçar as massas para que sejam tolerantes. Marx e Engels apontaram no Manifesto Comunista que: “O sistema burguês de produção, de troca e de propriedade da sociedade moderna lembra um feiticeiro que já não consegue controlar os seus poderes infernais desencadeados por suas palavras mágicas.”[1]

            Por outro lado, os governantes progressistas, confirmados pelos pelitos eleitorais, nos regimes democráticos representativos, arrastam atrás de si dezenas de organizações e movimentos sociais, enfeitiçando-os com os brilhos e unções de seus representantes com cargos e recursos financeiros. Os que ficam de fora, por excesso de tolerância enfraquecem-se e tornam-se incapazes de marcarem posições significativas. Por sua vez “os feiticeiros” parecem esquecer que os mandatos possuem prazo determinado para iniciar e terminar; evidentemente que contam sempre com a recondução.

As eleições por sua vez, não eliminam os interesses das partes envolvidas, tanto assim que a condução da governança terá pela frente, a força da oposição, ultimamente com força de massa mobilizada. No entanto, se Marx se deu conta o sistema burguês e certamente quem governa é um “feiticeiro”, que já não controla os seus próprios poderes (não importa se é de direita ou de esquerda) precisa atrair para si os apoios para a reeleição. É aqui que entra o movimento da dialética, para mais ou para menos, ou seja, poderá tornar-se mais forte durante ou muito mais fraco, durante o mandato.

            Provavelmente quem está profundamente envolvido com o processo político eleitoral, não verá outra solução para fazer política, sem mirar os cargos nas estruturais governamentais. O equívoco não está em querer tomar o governo e governar. Essa estratégia foi usada inclusive em meio aos processos revolucionários vitoriosos, mas em aceitar o jogo das “forças infernais” e acreditar que, pelo impedimento de certos grupos representantes do capital serem eleitos, o mal será menor ou até mesmo controlado.

            Dominados pelo feitiço e por esse “ópio eleitoral”, as vanguardas institucionalizadas, enfrentam críticas de dois polos extremos que apostam no retrocesso. A extrema-esquerda caracterizada pela insistência em priorizar as tarefas futuras mas com plena desconsideração das tarefas do presente, impõe um discurso radical e totalmente desadaptado da realidade, por isso atrai poucos adeptos. Na outra ponta está a extrema-direita que desenvolve as tarefas do presente pensando em manter atualizado o passado pela continuidade da dominação econômica, do conservadorismo moral e cultural. No centro, esquerda e direita, costumeiramente aliadas nas disputas eleitorais buscam realizar as tarefas do presente para permanecerem no presente, fazendo o possível para não ferir os interesses dominantes e assistir as massas mais pobres.

            Considerando que esses governantes não se preocupam com o enraizamento orgânico de sua força, sustentam-se apenas na opinião pública favorável. Mas a opinião é como o sabor do café matinal: um simples descontrole de um ingrediente muda tudo. Logo, a democracia representativa é favorável para quem possui popularidade, por isso ela tenderá a ser cada vez mais populista. No entanto, esses processos eleitorais são cada vez mais de alto risco, por serem vigiados e contestados ferrenhamente pelas forças imperialistas, que como “força infernal” atuará sempre imensa por meio de farsas e tragédias. Quando as forças de direta ganharem a democracia será consolidada, quando perderem, contestarão e forçarão os resultados a seu favor.

            Na medida que as forças de “esquerda”, investem somente em eleições, se desmobilizam e não há como, desorganizadamente, enfrentarem as investidas e os protestos da extrema-direita. Falta, portanto, dar-se conta de que, para além das três forças postas atualmente no cenário, é preciso contemplar a quarta possibilidade de construção, que é a força revolucionária. Esta deve caracterizar-se pela realização das tarefas do presente para alcançar o objetivo futuro de superação do capitalismo no futuro. Metaforicamente podemos imaginar que, se as três posições, de algum modo, enfeitiçadas, circulam esbravejando na base da escada, as forças revolucionárias devem subir nela e seguir decididamente para chegarem no topo.

            Podemos concluir dizendo que, não basta combater os feiticeiros do sistema de produção e da política que viciam as massas com o “opio eleitoral”; é preciso dar um passo à frente no caminho da superação da feitiçaria capitalista, a verdadeira religião da classe dominante e seus aliados. Agarrar com força todas as tarefas do presente, com a franca decisão de alcançar as condições para realizar as tarefas do futuro, é, provavelmente, a decisão mais urgente a se tomar.

                                                                       Ademar Bogo



[1] MARX/ENGELS. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Global, 1984, p. 23.