Desde os jacobinos franceses do século XVIII, quando surgiram os conceitos, da esquerda não foi formulado para aceitar a governabilidade da direita, mas para se opor, contestar e radicalizar a revolução de 1789, com medidas impulsionadoras das reformas sociais; a abolição dos privilégios; a implementação do princípio da igualdade socioeconômica e a soberania popular. Isso e outras coisas mais, foram implementar entre maio de 1793 a julho de 1794, quando o “terror” marcou a História da Revolução Francesa. No entanto, a incapacidade de conduzir o processo para a democracia direta e as diversas indecisões no comando do governo, permitiu que todos os dirigentes fossem arrastados pelas ruas e decapitados na guilhotina em praça pública.
Se a tradição modificou, em parte, o
conteúdo, não transcendeu o significado original do conceito. Girondinos e
Jacobinos, apesar de todas as divergências eram membros de um único Clube, formado
para defender a revolução e o liberalismo capitalista. Portanto, a mesma cabeça
apenas com os olhos estrábicos, um voltado para a esquerda e o outro para a
direita. De lá para cá, houve épocas que aquela denominação erroneamente foi
associada às práticas revolucionárias, socialistas e comunistas, quando, na
verdade, esquerda queria dizer apenas, oposição, discordância de rumo dos
anseios liberais, o que veio a se confirmar mais adiante.
Se no século XX nunca a humanidade avançou
tanto na realização das revoluções anticapitalistas, no século XXI, regrediu
tanto ao ponto de, sob o manto do neoliberalismo, ao invés de inovar e colocar
as tarefas possíveis de serem implementadas a favor das rupturas, reduziu os
anseios até chegar aos governos e governar “para todos”. Renegando as características
revolucionárias e a própria linguagem, em nome da democracia passaram a defender
o estado democrático de direito, legitimador da sociedade desigual.
Já no início do século XXI, de um
momento para outro, surgiu um segundo olhar, quando reergueu-se a mesma e velha
cabeça liberal, com o olho esquerdo virado para o centro e o outro para a
direita, ambos interessados a comandar o mesmo sistema, no interior da mesma
ordem e do mesmo Estado. A explicação dialética para esse movimento dos
contrários, instalados no mesmo crânio, com as mesmas ideias liberais,
representando, pela democracia representativa todas as forças reunidas nos
repetidos e respeitosos processos eleitorais. No entanto, enquanto o olho à
direita veio evoluindo, ano após ano, para mais, chegou ao ponto máximo do giro
de 180 graus em que se encontra a extrema-direita; do mesmo modo ocorreu com as
forças contrárias, ao invés de deslocar o olhar para o lado esquerdo,
dirigiu-se do centro para a direita e foi ficando menos e cada vez menos
esquerda, ao ponto de desaparecer. O que restou foi um só corpo, com uma cabeça
liberal e, os dois olhos obliquamente voltados para a mesma direção.
Esse olhar torto das forças de esquerda,
perdeu gradualmente o contato com as cores proletárias. O vermelho da
consciência partidária, passou a se acostumar com a companhia de matizes
multicores, representantes do asco ideológico do passado. As ofensivas
populares foram empurradas para a defensiva, levando à comprovação de que,
quando radicalidade e a agressividade saem da política, começa-se,
respeitosamente, a tratar a ordem constitucional e os inimigos dentro dela, com
cortesia administrativa.
O abandono das causas mobilizadoras
em troca de espaço institucional, criou a governabilidade assistencialista,
permissiva e respeitosa aos limites impostos pela ordem. Para quem antes
brigava pela elevação do orçamento da saúde e da educação, agora, no governo,
obriga-se, comportadamente, a formular arcabouços e respeitar o teto de gastos
para, como os velhos jacobinos, evitar agredir os princípios liberais da
acumulação do capital.
Sem paixões vingativas, é importante
considerar que a causa dos problemas da subordinação à instrumentalização
institucional, não está apenas no governo prostrado diante dos preceitos
liberais, nem nas circunstâncias que o obrigaram a aliar-se com certas forças
pútridas, mas no partido político e nos movimentos, sindical e popular que
entraram junto na governabilidade, deixando de lado as tarefas ofensivas contra
o capital e o Estado capitalista. Foi com essas forças em luta que, em 2002,
dezessete anos depois do fim da ditadura militar, derrotamos as forças de
direita no governo. Por que então as coisas estão virando no seu contrário?
Pelo simples fato de que, quem tinha não tem mais as massas mobilizadas.
Se as bandeiras históricas de luta
foram subsumidas pelas vitórias eleitorais e as tornaram irrealizáveis,
substituí-las agora por demandas catastróficas como é o caso do aquecimento
global e, empenhar todos os esforços no plantio de árvores ou oferecer
alimentos orgânicos, fora da luta de classes, representará, colocar-se ainda
mais na defensiva. Foi o negacionismo de esquerda de abandonar as referências
estratégicas, como o socialismo, a insurreição popular e a revolução que
permitiu espaço para a demonização do comunismo e a prostração diante das
ofensivas da extrema-direita.
As massas não migraram para o outro lado,
continuam com os mesmos anseios e desejos de justiça, combate ao imobilismo e a
formalismo da política. Não será o medo das tragédias climáticas que despertará
a indignação, mas a coragem de liderar a desobediência civil contra aquilo que
acontece nas proximidades dos trajetos cotidianos, onde os olhares alcançam. A
consciência política somente se forma na medida que a organização partidária
serve para provocar conflitos. Partidos legalistas, defensores da ordem, enforcam-se
com a própria linha conciliatória.
A carência da organização política que
tenha como estratégia o socialismo é o grande dilema para recriar as lutas de
massa. Na medida que a finalidade estiver estabelecida, será possível avaliar a
importância de cada tática, desse modo, a governabilidade, no capitalismo, pode
ser uma possibilidade temporária de ascensão das forças, mas nunca o recurso
definitivo. Recorrer às forças de
direita, como estão fazendo, para enfrentar a extrema-direita é tão perigoso
quanto apagar fogo com gasolina. Trabalhar para encontrar um óculos retificador
do estrabismo do liberalismo, foi o maior engano que as forças de esquerda
puderam cometer.
Os dois olhos do liberalismo devem ser
cegados pela força das lutas revolucionárias. Quando isto ocorrer, teremos um
só olhar, aquele que nunca perde de vista o horizonte socialista.
Ademar
Bogo
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