domingo, 26 de junho de 2022

O HÁBITO DA FORÇA

            O filósofo Aristóteles ao escrever o seu texto, “Ética a Nicômaco”, empenhou-se a tratar de vários temas, dentre eles o hábito.  Segundo ele, nenhuma das virtudes morais surge por natureza e, por isso, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Para ilustrar ainda mais, expôs um belo exemplo: À pedra, que por natureza se move para baixo, ainda que tentemos adestrá-la não se pode imprimir-lhe o hábito de ir para cima; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo.

            Do ponto de vista etimológico a palavra “hábito” descende do latim “habito” que significa morar, ocupar, habitar, residir e, por decorrência, “habitus” representa atitude posição e postura. Quando relacionamos as palavras com referências isoladas, habitar, significa morar e, hábito, poderia ser um costume repetido. No entanto, se considerarmos que hábito também habita, o indivíduo converte-se em moradia das próprias atitudes.

            A reflexão torna-se ainda mais interessante se aproximarmos esse outro pensamento do mesmo filósofo, quando expressa que, “pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens, nos tornamos justos ou injustos; pelo que fazemos em presença do perigo e pelo hábito, do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes.”

            Fixadas as referências notamos que, acima há a posição da pedra que rola moro abaixo e o fogo voltando-se para cima; depois, vemos o hábito apresentar-se com duas polaridades semelhantes: o medo e a ousadia. Talvez a primeira conclusão  a ser tirada é a de que devemos ter a ousadia do fogo quando sobe o moro e não covardes como a pedra que se deixa levar pacificamente, após empurrada pelo desnível do terreno.

            Do livro para a vida. As experiências mostram pelos relatos históricos, como os hábitos, correspondentes às práticas organizacionais e políticas, estruturadas pelas gerações passadas, ou pelas mesmas gerações que envelheceram, podem envolver mais covardia do que ousadia e, tal qual ás pedras que só aprendem a rolarem para baixo, continuam ignorando que a História segue as circunstâncias e não a repetição dos hábitos.   

            Tomemos como referência o processo político brasileiro depois da “abertura política” de 1985 até os dias atuais, testemunhamos períodos de tensões maires e menores, mas, evidentemente todas elas corroboraram para a manutenção da ordem. As ações de desobediência civil, mantiveram-se no limite das reinvindicações pontuais sem apresentarem nenhuma ameaça ao status quo.

            As mudanças de governo, embora que as campanhas tenham apresentado certas empolgações foram feitas até o momento presente, com um elevado grau de aceitação dos resultados expressos pelas urnas eletrônicas e, os próprios mandatos governamentais não afrontaram as leis econômicas, por isso não limitaram o poder dos capitais nem renegaram as leis constitucionais. Todos esses aparentes pilares democráticos tornaram-se hábitos repetidos que garantiram as governabilidades de partidos políticos, diferentes, mas com políticas públicas semelhantes.

            As ciências e as tecnologias desferiram ataques contra a ignorância, a lentidão e a baixa qualidade das interações. Tais ascendências modificaram os padrões de consumo, como também os hábitos comportamentais. As linguagens ganharam novas expressões e as informações passaram a circular com muito mais velocidade por outros caminhos, que não mais a carta digitada, o telegrama ou a notícia do jornal feito no dia anterior e enviado às bancas para serem lidos logo cedo, comunicando algo que havia ocorrido na tarde anterior.

            Poderíamos continuar com demonstrações de mudanças como é o caso do poder das mercadorias no movimento de capitais em vista do consumo, mas que impuseram um novo tipo de ser das soberanias nacionais, mantidas por meio de relações de dependência etc., mas, nos interessa perceber como desenvolvemos as formas de fazer política.

            Aparentemente, para as forças de esquerda que no passado repetiam slogans socialistas e, de boa Fé, expressavam o desejo de fazer a revolução social, com a força das massa mobilizadas, embora que, no fundo o programa apontasse apenas para a melhoria de vida dentro da ordem capitalista, vitoriosas no processo eleitoral, converteram em hábitos os métodos e os comportamentos militantes, tornando-os fundamentos estáticos, em um mundo totalmente dinamizado por outras investidas.

            Não deixa de ainda ter razão Aristóteles, quando, na mesma obra supracitada, destaca que, “Os homens são bons de um modo só, e maus de muitos modos”. Considerando que os bons estão reunidos nas forças de esquerda ou progressistas, e desejam o melhor para o povo, cultivando valores, a não violência, a defesa da legalidade, o respeito ao processo eleitoral, seja qual for o resultado, a defesa do patrimônio público, a cultura, da democracia etc.,e os maus os que pregam, ameaçam e defendem o uso de medidas ilegais, estamos diante de algo real.

            Nesse sentido, devemos compreender que, “bom e mau”, já não são apenas virtudes, tornaram-se substantivos concretos, compostos por forças em ação. É inegável que as disputas políticas mudaram as características e ameaçam devastar os hábitos ingênuos, pacifistas e burocráticos, trazendo como consequências, maiores sofrimentos para a maioria da população.

            As práticas criminosas entraram para a política, não apenas como corrupção ou desvios dos recursos públicos, mas como métodos de fortalecimento de setores compostos por marginais presentes em diversos setores da sociedade, que descobriram a importância do Estado tido, pelo poder de coerção e punição, como o maior inimigo, mas que pode tornar-se em um aliado fundamental para alimentar a barbárie.

             Diante do exposto devemos perceber que, as disputas eleitorais tradicionalmente feitas, perderam a validade. Agora, não ganha mais quem tiver a maior torcida, mas aqueles que tiverem capacidade de sustentar a própria vitória. Por isso, chega ser assustador, ouvir do lado dos desordeiros da ordem estabelecida, que “não respeitarão os resultados das urnas” e, do outro lado, o total silêncio democrático, extraído do hábito da não violência.

            Além do respeito à tradição, pesa sobre a visão pacifista de esquerda, o bondoso desejo de fazer justiça social com os braços do Estado e, por isso, confia que a ordem será mantida pelo poder judiciário e pelas forças armadas e policiais, prontas a se colocarem a favor do povo. Embora, não consigamos demarcar o estágio em que estamos, deveremos nos comportar como se estivéssemos num período pré-revolucionário e mandar os velhos hábitos para os áreas, assumido posições de luta e de confronto contra as forças vingativas. Caso contrário veremos a marcha regressiva judiaria dos Estado Unidos da América, contaminar as Cortes locais e, com menos de uma dúzia de hipócritas julgadores, apagarem das leis todos os direitos.

            Se quisermos enfrentar o banditismo político, devemos converter a força do hábito em hábito da força, não para preservar a ordem, mas para superá-la e estabelecê-la de outra forma.

                                                                       Ademar Bogo  

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