domingo, 6 de dezembro de 2020

O REBOQUISMO

     O “reboquismo” essa categoria mais apropriada para ser utilizada na engenharia mecânica, foi usada como metáfora por Carlos Marighella, nascido em 5 de dezembro de 1911, portanto, há 109 anos, na cidade de Salvador.

            Ao analisar a crise brasileira no ano de 1966, diagnosticou a principal doença das forças de esquerda do século XX que se propagou ainda com maior vigor no século XXI, ao dizer que: “A substimação do perigo de direita no panorama político brasileiro foi fruto do reboquismo e da ilusão no governo”.

            Se promovermos o verbo “rebocar” à classe principal na análise, extrairemos do enunciado acima três categorias importantíssimas que nos permitirão aproximar as épocas sem diferenciar as concepções políticas e nem mesmo os comportamentos práticos.

            A primeira categoria é a da “subestimação”. Subestimar, em se tratando de política, é quase sempre uma atitude de minimização da força contrária, mas esta referência pode ser usada para qualquer área, seja no tratamento da saúde, nas disputas esportivas, nas reações da natureza etc. Neste contexto Marighella foi bem preciso quando colocou como expressão do “reboquismo” a categoria “subestimação do perigo de direita”.

            A “direita” entendida como burguesia, já no Manifesto Comunista escrito por Marx e Engels e publicado em Janeiro de 1848, não era mais um “estamento”, mas uma classe, e aqui vemos que ela é também perigosa.

            Não perceber que a direita é perigosa levou, principalmente neste século, a fazer composições como se ela fosse a força auxiliar da classe trabalhadora para que esta governasse para todas as classes. Portanto, a direita que impetrou o golpe de 1964 e o outro de 2016, amparada pelo mesmo colo formado pelas duas coxas: dos militares e do imperialismo. Sobre essas duas coxas modelaram-se, em ambos os momentos, os espectros ameaçadores da ordem, da pátria e da família, invertendo a culpabilidade pelas crises e responsabilizando os comunistas, os marxistas, professores e intelectuais críticos do capitalismo. Fabricaram assim, justificadamente, os monstros das torturas e os mitos mentirosos, que inverteram os propósitos das causas populares: “O petróleo é nosso” e “O Brasil é nosso”, quer dizer, deles.

            A segunda categoria diz respeito ao “panorama político”. O panorama diz respeito à visão ampla que percebe a formação do estado de coisas naquele cenário analisado. Podemos considerar que o panorama revela como as coisas estão colocadas no momento em que são percebidas.

            O panorama nos períodos analisados, tanto o do tempo de Marighella quanto em nossos dias é o de crise do capitalismo. Então a pergunta decorre da mesma classe analítica do “reboquismo”, o que vão fazer os trabalhadores no governo se o capitalismo está em crise? Tirá-lo da crise com uma composição com a força burguesa perigosa?

            A terceira categoria é a ilusão. Verdadeiramente não é qualquer ilusão, mas com o governo. Essa maneira embaralhada de ver tem origem ainda nos Jacobinos franceses que inauguraram a denominação, pela colocação geográfica à esquerda no parlamento. Convenhamos que eles estavam com a razão e tinham todo o direito de assim denominarem-se, pois, haviam saídos da sangrenta revolução que legitimara o modo de produção capitalista. Ou seja, os jacobinos compunham uma força de esquerda com posições contrárias aos girondinos de direita, mas ambas as posições eram capitalistas.

            A ilusão com o governo, que Marighella identificou, vinha da própria experiência como deputado, quando ajudou a escrever a Constituição de 1946, mas que foi renegada pelo Golpe de 1964, tal qual ocorreu no ano de 2016. A burguesia como “classe perigosa” rompe com a legalidade que é preciosa em tempos de crescimento econômico, mas indesejável em tempos de crise. Nas crises, as garantias dos direitos sociais e políticos representam amarras que prendem os desejos burgueses, então insurgem-se as forças de esquerda em defesa da lei e da ordem que antes garantiam a acumulação do capital.

            Nos momentos de crise é que surgem as propostas associativas e de formação de “frentes amplas”. Elas são importantes para manter a institucionalidade jacobina, mas, a ilusão de vir a ser governo, impede de que seja percebido que, aquilo que deveria ser provisório torna-se definitivo e o êxito na disputa eleitoral alcançado pela aliança entre os trabalhadores e parte das “forças perigosas”, fará com que eles agora assumam a responsabilidade pela crise do capitalismo, sendo que os únicos culpados por tal situação são as próprias forças burguesas perigosas.

            Por qualquer ângulo que se olhe, medindo os prós e os contras, se a direita é por natureza uma força perigosa, os trabalhadores não podem ser por natureza auxiliares e reboquistas dessa classe dominante como se ela fosse a máquina que arrasta atrás de si um instrumento sem vontade própria.

            A liderança de um processo surge quando a força que se coloca à frente se diferencia das demais pela sua capacidade de formulação e direção. Não ganha velocidade o reboque que tem à sua frente uma máquina forjada para rodar lentamente. Que no aniversário de 109 anos de Carlos Marighella possamos nos dar conta de que, os avisos estão dispostos ao longo do caminho e, em todos eles o reboque passou controlado pela máquina da governabilidade capitalista. Já é tempo de pensar na autonomia e na emancipação da humanidade; para tanto é preciso convencer-se de que não somos jacobinos e por isso não temos nenhuma responsabilidade em fazer o capitalismo funcionar. O nosso compromisso é com a transição para o socialismo.

Salve Carlos Marighella, que nos disse no “Rondó da liberdade”: “Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão”. A vida é feita também de escolhas e estas dependem de decisões.

                                                                                                          Ademar Bogo

 

             

Nenhum comentário:

Postar um comentário