domingo, 29 de novembro de 2020

O LIMITE DOS PRONOMES

            Leôncio Basbaum ao tratar do tema filosófico “O eu e o nós”, mostra que, na prática eles são muito mais do que pronomes pessoais, isto porque, aquilo que pensamos ser “nós”, é, antes de tudo, a soma dos vários “eus” e, esse entendimento constitui a base da formação da consciência social. Interessa-nos aqui, tomando como referência a categoria da “candidatura”, demonstrar que quase nunca, milhares de “eus” indo às urnas, formarão um “nós”.

            Considerando o assanhamento das eleições no capitalismo, elas precisam ser atrativas por meio do estabelecimento de um clima de inimizade. O desejo de eleger um candidato vem se tornando mais uma obsessão de vingança contra os opositores do que propriamente a diferenciação de programas. Logo, a associação formal ou informal de eleitores é uma obrigação para fazer a diferença nas pesquisas de opinião, como também, na participação de passeatas, carretas e atos que mostram se o candidato está forte ou fraco. É nesse sentido que podemos relacionar o pensamento de Basbaum, quando diz: “Quando digo nós, quero dizer eu, e ele, ou eu e eles. Mas  essa palavra nós será uma palavra abstrata se não se traduz em ação, mesmo passiva”.

            No entanto, o alvoroço da campanha, que supostamente forma uma base de sustentação do candidato, após passado o pleito, desagrega-se deixando de lado quem estava ao lado e, o próprio eleito que fará questão de marchar sozinho como se tivesse captado todos os anseios populares mas precisa recolher-se nas entranhas do poder institucional  para refletir e agir. Esse comportamento estabelecido pela essência da “democracia representativa” diferencia-se da lógica matemática que, pela soma ou multiplicação faz render os resultados segundo cada combinação dos números, senão vejamos: se o candidato representa o número 1 e cada eleitor também, somando 1+1+1+1+1 = 5, isso pode constituir um “nós” para contabilizar o resultado dos votos que será 5. Mas, do ponto de vista organizativo, este 5 nunca representará uma associação permanente de “eus” e nem tampouco o eleito considerará o resultado como base de referência para as suas ações.

            O que almejamos redizer aqui é que, no processo eleitoral com vistas a inserir-se na ordem estabelecida, a soma temporária da reunião dos pronomes pessoais: eu, tu e ele, jamais formaremos um “nós”, pelo contrário, continuará formando um “eu” apenas, como se a soma matemática estivesse errada: 1+1+1+1+1=1. Ou seja, acabado o pleito, aquele “nós” é dissolvido e o candidato fica só, colocando-se inclusive acima de sua agremiação oficial, que lhe emprestou a sigla para eleger-se, como também o eleitor desaparece.

            Essa tradição comportamental forjada nas práticas eleitoreiras, veio ao longo do tempo, destruindo a noção da importância da manutenção da consciência coletiva, no sentido de que todos os “eus” compreendam que política não é um binômio de substantivos associados: administração/reinvindicação; mas, acima de tudo, ela é o lugar em que se estabelece o processo de permanentes superações.

            A consciência social como resultado da reunião e organização dos “eus” têm a capacidade de analisar, quando sim e quando não as contradições estão sendo superadas e colocar o “nós” como força social em posições sempre mais favoráveis para procedermos às tentativas de realizar as mudanças estruturais.

            O que fizeram os ajuntamentos dos “eus” por meio do processo eleitoral, até aqui, foi, formar dois “nós”, um de situação e o outro de oposição, asfixiando a essência da política, por isso, a população em geral não sabe mais se “política” é a arte de transformar a realidade social por meio da organização das forças sociais ou se é a pura participação no processo eleitoral.

            Ao revezarem-se nos governos, situação e oposição, em muitos casos, trocam as bandeiras e, como vimos àquilo que seria um programa de esquerda se transforma em atitudes de direita. Lembremos se quisermos exemplos, do “superávit primário” tão combatido no governo de FHC e mantido posteriormente; da mesma forma as altas taxas de juros, e, a taxação das grandes fortunas, agora posta como exigência que por décadas ficou abafada.

            A conclusão parece evidente, que não basta demonizar o capital, as grandes fortunas, a exploração, concentração de renda etc., e endeusar o Estado por meio da defesa da manutenção da ordem estabelecida. O capitalismo é um todo constituído por meio da infraestrutura e a superestrutura. Enquanto tivermos partidos que colocam o processo eleitoral acima de tudo, o “nós” continuará existindo como pronome e também como a soma dos “eus” de consciências ingênuas que acreditarão no fascínio de um momento no qual elevam um “eu” ao grau de governante.

            É tempo de relativizar este caminho de disputas confortáveis e organizar as forças capazes de fazerem com que, a soma dos “eus” se transforme em organização permanente de “nós”, sem representantes e sem ilusões de que o governo em nosso poder humanizará o capitalismo.

                                                                                                                    Ademar Bogo

                                               

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