domingo, 29 de dezembro de 2019

O ANO QUE NÃO TERMINOU



            Em 1989 o jornalista Zuenir Ventura escreveu um livro com este título: “1968: o ano que não terminou”; nele retratou os fatos relevantes que ocorreram naquele ano de intensa repressão militar, as reações políticas no Brasil e no mundo, ao mesmo tempo em que destacou alguns personagens significativos, sujeitos que interferiram na História.
            Nesse malfadado ano de 1968, foi emitido o Ato Institucional número cinco (AI-5) e, com ele, a repressão contra “a subversão e as ideologias contrárias às tradições de nosso povo”, foi intensificada, mas a resposta veio com a luta por liberdade tornando-se tão importante que ultrapassou a própria defesa dos direitos sociais.
            Em síntese, o ano não terminou, como tantos outros não terminam, porque, as artimanhas estabelecidas pelo regime militar que violava as leis, ao mesmo tempo as utilizava a seu favor para se impor e reprimir e, as consequências para os anos seguintes tornaram-se cada vez mais trágicas.
            Estamos chegando ao “final” do ano de 2019, cinquenta e um anos depois e, se olharmos para frente veremos que o passado está tão próximo que confunde-se com o futuro. Ele teima em se fazer presente como uma continuação de um tempo que não quer ficar para trás. Falam no AI-5 rejuvenescendo a medida,  enquanto retiram, com outros meios os direitos de sociais.
            Os engodos democráticos que agradam a classe média, porque, ao mesmo tempo que ludibria as massas, afastando-as dos locais acessíveis ao consumo de elite, também fortalece a sensação de que o Estado assume o comando para estabelecer a ordem, não aquela em que todos são respeitados, mas aquela que assegura ao capital, o direito de ir e vir por meio dos investimentos produtivos e especulativos.
            O trágico ano de 2019, não poderia terminar com as festas de final de ano. As consequências do modelo econômico reavivado pelo fôlego vingativo do neoliberalismo, não conseguiu fazer as cobranças que queria em um ano só. Quer explorar a nação, eliminar direitos e governar por meio de um vocabulário desbocado que deveria envergonhar os capitalistas, pois é deles o projeto em andamento.
            Na verdade, os capitalistas sempre souberam que o cargo de presidente da república, em muitas circunstâncias é simbólico. Importa para eles aquilo que obtêm como recompensa, mais do que com aquilo que se fala.
            Mas, “o ano não terminou” também, porque ainda para serem reveladas as profundezas das consequências das maldades produzidas, que, como doenças virão a vitimar as massas populares e as classes trabalhadoras, medianamente organizadas. Por outro lado, porque continua também a ingenuidade e o oportunismo das forças que deveriam reagir, apesar dos ataques seguem a imaginar que com os instrumentos que servem para matar, reprimir e governar para garantir a ordem e a segurança ao capital, também podem servir para trazer bonança, tempos de fartura e liberdade aos trabalhadores. Com isso, insistem, sem tirarem nenhuma lição, em prepararem-se para um jogo cujo campeonato já terminou com uma grande derrota.
            Basta voltarmos ao passado e olharmos atentamente para a História, para vermos que a classe dominante sempre agiu por meio de duas estratégias: reprimir e conciliar. Durante a década de 1930, Getúlio Vargas, por meio de um golpe de Estado instituiu o Estado Novo que vigorou entre 1937-1945.  O objetivo era “Reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país”, para isso precisou implementar duras medidas e perseguir os comunistas. Prevendo a derrota eleitoral nas eleições de 1945, Getúlio Vargas, em 1943, aprovou CLT - Consolidação das leis do trabalho e concedeu anistia aos comunistas para disputarem as eleições e contribuírem na elaboração da nova Constituição de 1946.
            Essa “euforia” e confiança na institucionalidade capitalista pouco tempo durou. Em 1964 os militares deram um novo golpe de Estado e reformularam as leis, as perseguições aos opositores por 21 anos, quando, novamente, a abertura política permitiu a organização popular, eleições gerais e, com a participação das forças de esquerda, elaborar a nova Constituição Federal que, supostamente teria sido a mais avançada de toda a História do Brasil; não fosse que, desde a sua aprovação até o final deste ano de 2019, já foram feitas 105 emendas à Constituição, além do golpe institucional de 2016 e as reformas que seguem reduzindo uma infinidade de direitos sociais.
            Simbolicamente vemos que os processos políticos no capitalismo são dinamizados pelos interesses dos capitalistas. Quando se sentem em dificuldades, recuam, fazem crer que são as leis que precisam ser reformuladas e não as estruturas. Quando querem atingir os seus objetivos, eles mesmos desrespeitam as leis e jogam fora os esforços que as lutas levaram décadas para implementá-las. Novas leis, novas medidas repressivas e mais lutas para reconquistar aquilo que se perdeu. Parece ser assim a vida que virá.
            Nesse sentido, no capitalismo, para os trabalhadores todos os anos “não terminam” porque as consequências de um ano, uma, ou várias décadas, continuam a vigorar juntamente com as novas máculas criadas durante os períodos de desrespeito aos direitos sociais e humanos. Sendo assim, “não existe” ano novo; existe ano começado e quase nunca terminado.
            O que de fato pode ser novo, é o ânimo. Podemos começar o ano com ceticismo e descrença, como também com muita determinação. Há circunstâncias que permitem mudar o rumo da História e fazer que o tempo ruim termine. Lembremos que há povos que festejam com lutas. Os cubanos, por exemplo, em 1º de janeiro de 1959 tomaram o poder e encerraram o ano velho. Portanto, nem tudo é só mercado, descanso, viagens ou sossego. Nesse sentido, melhor que medir o tempo com os anos é marcá-lo com as ações.
            Fazer planos é importante. Acreditar que algo bom virá, também. Mas, acima de tudo, precisamos de consciência para compreendermos que o futuro é sempre a imaginação de gerações que passaram e, aí, depende com quais delas nos identificamos. Se queremos ser iguais aos acumuladores de riquezas, egoístas e exploradores, o futuro destrutivo já chegou é só aproveitar. Mas, se queremos ser iguais aos lutadores, o futuro que sonharam ainda está por chegar, por isso a luta vai continuar.
            Ânimo, coragem e rebeldia, são os votos para um ano feliz.
                                                                                                      Ademar Bogo  

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