domingo, 22 de dezembro de 2019

DESTINOS IGUAIS



            Todos os conceitos sofrem desgastes ou ampliam o conteúdo original com o passar do tempo. Se voltarmos à origem das duas categorias que inauguraram a política contemporânea, veremos que, logo após a realização da revolução francesa, quando, na Assembleia Constituinte, o parlamento francês dividiu-se em duas bancadas: os Girondinos, mais moderados e conciliadores tomaram o lado direito do recinto e, os jacobinos, mais exaltados, com propostas mais arrojadas ficaram com o lado esquerdo. Portanto, a identificação ideológica de cada indivíduo, de ser de direita ou de esquerda, dava-se pelo lugar que ocupava na Assembleia. Se mudasse de lado, mudava também de ideologia.
            No decorrer da História contemporânea, diversos elementos foram incluídos no conteúdo da classificação coletiva das categorias de direita e esquerda. Do lado da esquerda poderíamos dizer que há períodos em que as palavras “progressista”, “reformista” ou “radical” unificam as forças em defesa de alguma causa. Do lado da direita, as forças são denominadas de “conservadoras”, “atrasadas” e “liberais”, para ficarmos apenas nestas.
            No entanto, estes termos, na atualidade se forem aplicados separadamente, veremos que eles são usados por ambos os lados; ou seja, podemos ter alguém de esquerda progressista em alguns aspectos e conservador em outros; assim como membros da direta que podem ser radicais e também liberais. Por outro lado, de maneira geral, as pessoas que não fazem parte de agremiações políticas, também expressam as suas posições que se identificam com aquilo que imaginam ser de “direta ou de esquerda”. Para entendermos a danosa confusão, devemos voltar às origens das denominações e perguntarmos quem eram os Jacobinos? E, quem eram os Girondinos?
            Se compreendemos que as duas forças lideraram o processo da Revolução Francesa de 1789, identificaremos que ambas eram revolucionárias, porque, pela primeira vez na História da humanidade, uma transformação social foi feita por uma revolução e dirigida por uma classe, no caso a burguesia. Sendo assim, tanto a direita quanto a esquerda, defendiam as propostas capitalistas.
            É verdade que a força jacobina, comandada por Robespierre (advogado e político)  era composta por profissionais liberais, pequenos comerciantes e pequenos industriais. Defendiam a eliminação da monarquia, do trabalho escravo, o fim dos privilégios do clero e da nobreza, o controle dos preços, a educação para todos etc. Essa força política foi hegemônica entre 1792 a 1794, quando os Girondinos voltaram ao poder e, por volta de 1799, haviam  aniquilado e proibido os Jacobinos de atuarem politicamente.
            Os girondinos compunham o partido político denominado de “Gironda” e representavam a alta burguesia. Defendiam o liberalismo e um sistema republicano moderado, mas tinham como tática política, a violência e a perseguição aos opositores. Entre os anos de 1794 a 1799 implantaram um regime de terror e consolidaram os interesses da burguesia.
            Embora que, no século seguinte, a burguesia, em todos os países da Europa teve que levar a cabo a “revolução liberal” em cada país, os rumos da História do capitalismo não foi alterada. A burguesia uniu as ideias liberais com as ideias nacionalistas e, por quase três décadas, lutou para derrotar a nobreza e o absolutismo.
            Apesar disso e de todas as mudanças que ocorreram na História, as categorias “Direta” e “Esquerda” permaneceram como referências de identificações, com exceções dos novos processos revolucionários ocorridos em diversos países em que, ambas as categorias foram eliminadas e, principalmente os Partidos Comunistas passaram a denominar as forças hegemônicas de “revolucionárias”. Dentre elas surgiram as várias tendências que valorizam alguns aspectos diferenciadores na formulação teórica como: leninistas, trotskistas, stalinistas, maoistas, gramscianas etc.
            De maneira geral, as forças de “esquerda” sempre foram mal vistas pelas forças de “direita”, porque, desde a vitória dos Girondinos, na França, em 1794, a concepção política identificou-se com o próprio pensamento capitalista e, até os dias atuais a burguesia governa hegemonizando o poder fazendo uso dos recursos apropriados, favoráveis aos planos liberais ou absolutistas, com ideologia adaptada, ora mais nacionalista com matizes nazistas, homofóbica, racista, marxista, entreguista etc. Nos curtos períodos em que as forças de esquerda governam, na maioria das vezes, procuram pagar algumas dívidas históricas que as massas populares ficaram por receber, mas, quase sempre, sem penalizar a classe burguesa, seguindo, portanto, a originalidade iniciada pelos Jacobinos: ser de esquerda em pensamento, mas, de Direita no respeito à ordem e as leis de reprodução do capital.
            Karl Marx, uma das principais referências criticas do capitalismo, viveu e participou das revoluções liberais da Europa de 1848, no entanto, as categorias das quais se utilizou para identificar as forças econômicas, políticas e sociais, possuem outra denominação.
            Na atualidade qualquer indivíduo pode ser de esquerda ou de direita, isto porque, a sua classificação se dá pela posição política. No entanto, se tomarmos as referências categóricas, como as que tomou Marx: “exploradores e explorados”, veremos que a sociedade não se divide entre opiniões progressistas e conservadoras, nem se é a favor ou contra o governo, mas se é dono ou não dos meios de produção. Visto dessa forma, a classe passa a ter importância, porque, nos diferenciamos pelo que possuímos e pelo lugar que ocupamos no processo produtivo e da organização social. 
            Confunde-se, portanto, consciência com ideias. Por que? faz parte dos instrumentos de manipulação das consciências, a enganação ideológica. Quando as forças de “esquerda” querem fazer disputa de ideias com as forças de direita, estão disseminando ideologia. Ou seja, em grande medida, estão encobrindo a verdadeira realidade porque prometem coisas que estão dentro da ordem capitalista, como: mais emprego, mais renda, mais consumo, mais controle, mais saúde, educação etc. Ou seja, se defendemos mais emprego, defendemos também a mais valia que reproduz o capital e assim por diante. Se defendemos melhores serviços, defendemos mais Estado sem nos darmos conta de que ele juntamente com o Direito positivo, foram criados para garantirem a ordem capitalista. Por isso, nem precisaria ser de direita ou de esquerda para defender estas medidas, bastaria ser capitalista.
            Quando as forças de direita perseguem as forças de esquerda, após um período em que estas últimas estiveram no governo, elas repetem a História original do surgimento da denominação dos termos “direita” e “esquerda”, ambas defensoras do capitalismo. Como a dizer, “por que vocês foram se meter a governar?”. Os Girondinos cortaram, com a guilhotina, cerca de 40 mil cabeças até 1799, a maioria delas, de Jacobinos, dentre eles, o líder maior, Robespierre.
            Ser de esquerda hoje é um incômodo para a burguesia, porque servimos como oposição aos projetos de governo, mas, ao mesmo tempo não significa ameaça nenhuma ao capitalismo, como já vimos pelas experiências de governos feitas. Nesse sentido, as perseguições são precedidas da ideologia dominante que ganha apoio de pessoas que assumem a defesa da propriedade privada, sem serem proprietários. Prova de que as ideias ganharam a batalha da formação das consciências e cooptaram uma parcela de pobres em favor dos ricos.
            A pergunta simbólica que a ideologia dominante formula. para, parte dos explorados repetirem como o fizeram os Girondinos é: “Por que vocês teima em querer governar?”. Nesta hora é que, como os Jacobinos guilhotinados, vemos a lâmina afiada do Direito, elaborado pelo Estado capitalista, “cortar as cabeças” das lideranças que, ingenuamente, pensaram em governar sem atacar os fundamentos do capitalismo.
            Somente no momento em que as disputas passarem a serem feitas entre os exploradores e os explorados, é que as “forças de esquerda” passarão a ser conhecidas como “revolucionárias” e serão verdadeiramente protegidas, porque também aprenderam a proteger e não apenas prometer. Lembrar-se sempre que, de esquerda ou de direita qualquer indivíduo pode ser, basta votar nas eleições e defender as ideologias que afiram o capitalismo, mas, revolucionários e revolucionárias só podem ser os homens e as mulheres que querem superar o capitalismo.
                                                                                                                                                                                                                                                           Ademar Bogo
           

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