domingo, 8 de dezembro de 2019

OS MODOS DA POLÍTICA


            Com a chegada do capitalismo a humanidade viu, na contemporaneidade, o florescimento das repúblicas e com elas o envolvimento das populações nas disputas eleitorais para, em nome da democracia, elegerem os seus representantes para administrarem os países por período estabelecidos de tempo.
            Tradicionalmente os eleitores identificavam-se com os representantes que tinham com eles semelhança de caráter e, os líderes cultivavam bons modos, boa linguagem, reportavam-se ao público com educação e respeito.
            O filósofo e sociólogo húngaro Karl Mannheim ao tratar da “ideologia e utopia”, incluiu no debate o tema da política, perguntando-se se “é possível uma ciência da política?”.
            Dissertou o autor estabelecendo parâmetros divisórios, dizendo que existem certos aspectos na política que são imediatamente inteligíveis e comunicáveis, para isso o líder político deveria conhecer a História do país, assim como a dos outros países com os quais se relacionaria. Mas isso não era tudo. Para o seu uso, deveria conhecer as instituições do seu país e a dos outros países; as relações sociais e as ideias políticas que moldaram a tradição das gerações passadas. Conhecer, portanto, História, Estatística, Sociologia, Teoria política, Psicologia social e outras áreas do conhecimento.
            Mesmo dominando essas e outras áreas do conhecimento, o político não se tornaria um “cientista da política”, isso porque, a vida social e política apresenta um envolvimento divisório entre aquilo que é ato de rotina administrativa e aquilo que está relacionado com o futuro. Trata-se de uma subdivisão natural do ofício em que o político, apegado às estruturas oficiais empenha-se em racionalizar, administrar o que compete ao ofício e, de outro modo, enfrenta-se com a esfera da “irracionalidade” em que vai além daquilo que determinam as estruturas para dar conta dos anseios políticos da nação.
            Os atos reprodutivos executados dentro da estrutura burocrática são considerados “racionais” porque estão previstos. A presença da “irracionalidade” se dá quando o indivíduo precisa tomar certas decisões que não estão ainda regulamentadas ou sem planificação. Seguem a intuição. Segundo Mannheim, a nossa própria vida individual e social comporta a aplicação desses dois conceitos, porque há coisas programadas que fazemos e, outras, que vamos arranjando formas de adaptações cotidianas.
            No entanto, em se tratando de Estado e a sociedade há a possibilidade dos dois conceitos virem a ser aplicados para o bem e para o mal, principalmente quando se trata da irracionalidade. Nesse sentido as duas fontes principais do “irracionalismo” se caracterizam pela competição e pelo uso da força, aqui a “irracionalidade” ganha política ganha alguns acréscimos como a brutalidade comportamental, a grosseria nos tratos sociais e a veemência da violência nas disputas vingativas.
            Há sem dúvida nenhuma, nas atividades políticas governamentais, um grau de racionalidade que, em nome da eficiência lança mão dos instrumentos políticos e jurídicos para praticar os atos administrativos. Essa forma de ser da racionalidade administrativa que, aparentemente é própria da burocracia governamental, não se orienta pelas ideias dos governos locais, mas, principalmente pelas determinações do capital internacional e os desejos políticos do imperialismo, que manobram os planos e impõem por dentro das estruturas as reformas e as medidas que lhes são convenientes.
            Somam-se ao formato administrativo, os aspectos da “irracionalidade” que ganha nuances de perversidade, porque atua com as estruturas oficiais porém descompromissadas com as garantias de vida e com os direitos sociais. Nesse sentido a irracionalidade das ações praticadas por forças oficiais ou paralelas autorizam-se pelas indicações enviadas pela linguagem bruta, grosseira, vingativa e não punitiva que dão suporte suavizado às consequências que provocam.
            Entendamos que o “irracional” poderia ser o não planejado oficialmente, mas nem sempre é assim, porque, pode possuir conexão com o racional estruturado e assegurar-se pelo comando do poder que, em nome da competição com as forças de oposição, atua com a força repressora estatal que, após cometer os atentados apresenta os seus atores como vítimas.
            Se, por diversas razões podemos considerar que a política não pode ser considerada uma ciência, porque grande parte de seus atos ultrapassam a esfera da racionalidade institucional, a ciência, a filosofia, a psicologia etc., podem estudar tanto a racionalidade quanto a irracionalidade dos agentes políticos e fazerem a sociedade compreender que a barbárie oficial ocorre quando os governantes usam da estrutura do Estado para agirem contra os direitos sociais e do cidadão fazendo da ordem uma desordem.
            Há, por sua vez, irracionalidades governamentais específica. No Brasil vivemos, nas últimas décadas, um processo de desqualificação da política. Passamos ao invés de disputar ideias e projetos, à mera disputa de cargos e para isso valem todos os recursos. Estes após serem usados ilegalmente recebem a tolerância das instituições jurídicas estatais como se nada houvesse acontecido. Com isso as disputas desceram a um nível tão baixo que se conectaram ao mundo do crime, formando associações irracionais para os controles da população local e alienando a população nacional.
Os partidos políticos deixaram de ter importância e passou a ter valor o vinculo informal e irracional. Para selar um compromisso político basta escolher um dos lados, ser a favor, compartilhar as informações que interessam e o resto é feito pelas forças comprometidas com a destrutividade da própria ordem.
            Essa inversão tem condenado às forças de esquerda a serem cada vez mais conservadoras, pois, em nome da democracia, da igualdade e da liberdade, passaram a se ocupar em defender a lei, a ordem e o Estado capitalista, que foram estabelecidas e criado para garantirem as desigualdades, a dominação de uma classe sobre a outra e afirmar  a liberdade de cada um vender a sua força de trabalho a qualquer comprador.
            Desta maneira, a classe dominante de nossa época, utiliza-se das forças contrárias para defender as leis, a ordem e as instituições que ela mesma criou quando precisava institucionalizar a racionalidade e assegurar os seus interesses. Diante da crise do capitalismo, essa mesma classe opta pela irracionalidade da política e subverte a ordem que, temporariamente a ela já não interessa, condenando assim a população a ter que lutar para restabelecer aquilo que satisfará, após a amenização da crise, aos mesmos capitalistas que se beneficiam da barbárie.
            Vitimas das armadilhas das forças de direita, as forças de esquerda sentem-se responsáveis pela estabilização da ordem capitalista que conhecem. Julgam que “não há força” suficiente para aproveitar da ordem subvertida pela direita, para reestruturá-la em outras bases, em vista da transição para o socialismo e se dedicam a defender uma “nova assembleia nacional constituínte” para elaborar a nova Constituição que assegure alguns direitos sociais e políticos; soberania nacional, liberdade, igualdade e fraternidade como fizeram os burgueses na Revolução francesa de 1789.
            A racionalidade das forças de direita na política, vai até onde a irracionalidade se torna obrigatória para garantir os seus interesses. Nesse momento, tudo aquilo que era visto como subversão, para ela é a própria ordem. Não cabe aos trabalhadores apresentar soluções para as crises econômicas e nem salvar a ordem da classe dominante. Há diversos modos de fazer política. Para a classe dominante valem todas as formas, para os trabalhadores há uma modo apenas, mas que combina vários elementos: conhecimento, organização, luta e criatividade.
                                                                                                       Ademar Bogo   

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