domingo, 15 de dezembro de 2019

A DOMINAÇÃO PELAS ÁGUAS


            Quando no passado as águas oceânicas serviram de suporte para as caravelas portuguesas chegarem ao Brasil e aqui estabelecerem os conflitos com outra natureza, os nativos que aqui vivam demoraram para perceber o que de fato representaria aquela invasão de mil e quinhentos homens liderados por Pedro Álvares Cabral.
Darcy Ribeiro em seu livro: “O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil”, nos revelou que a costa do atlântico, por milhares de anos, estava ocupada por povos indígenas. Dentre os povos indígenas a matriz Tupi, dividia-se em dezenas de grupos e, por estarem melhor organizados, marcaram mais intensamente a presença no território litorâneo.
Apesar da unidade linguística e cultural, os índios do tronco Tupi (Tapuias = inimigos para os portugueses) jamais se unificaram e por isso não formaram uma organização política única. Dividiam-se em tribos e muitas delas se separavam passando a viver em guerras entre si. Aproveitando-se dos conflitos internos os portugueses interferiram ainda mais para que aqueles povos não se unificassem e muitos deles apoiassem a causa da “civilização” que seria implantada em meio, as guerras e os conflitos.
Enquanto as foices e machados decepavam as florestas, demarcando os territórios a serem dominados pelo plantio da cana-de-açúcar, a religião ocupava o território das consciências indígenas. Dessa forma, sobre os índios assombrados com os acontecimentos, caia a pregação missionária como um flagelo. Com ela, os índios ficavam sabendo que todas aquelas maldades era porque eles haviam pecado e a ira do bom deus do céu caíra sobre eles como um cão selvagem.  
Darcy Ribeiro ainda destacou que, os conflitos se deram em todos os níveis: a) biótico, semelhantemente a uma guerra bacteriológica promovida pelas pestes que os brancos traziam no corpo e, propositalmente, espalhavam entre as populações; b) ecológico, pela disputa de território e uso da natureza para outros fins; e c) econômico e social, pela escravização dos índios e a exploração mercantil.
            De lá para cá os impérios ganharam outras dimensões, mas o objeto de desejo continua sendo a dominação da natureza feita pelos mesmos métodos. Na atualidade, quando ouvimos falar que no Congresso Nacional fora aprovada, em 11 de Dezembro de 2019, a lei 3261/19 que estabelece o marco legal do saneamento básico e permite a privatização da água e do esgoto, nos comportamos como os índios que, desinformados aceitaram que os portugueses desembarcassem no litoral baiano no ano de 1500.
          Se inicialmente os portugueses interessaram-se pela madeira, o ouro e a terra para o cultivo, essas riquezas naturais nunca deixaram de ser objeto da cobiça; somaram-se a eles outros tipos de apropriações como os minérios, o petróleo e, mais recentemente, juntamente com os serviços que, em sua grande maioria são direitos do cidadão e dever do Estado em prestá-los, juntou-se a dominação da água doce.
          Para distrair a população, os capitalistas, comandados pela inteligência imperialista do Estados Unidos da América, instigam para que a nação se divida e se combata por meio de conflitos internos que, propositalmente, são centralizados nas religiões, nas etnias e nas ideologias.
        Por mio dos conflitos religiosos buscam estabelecer o fundamentalismo para separar os bons dos maus; os honestos dos corruptos pecadores e a indução a fazer sacrifícios entregando os direitos conquistados para salvar o Estado, isto porque, os “pecados” cometidos pelos governos anteriores, fizeram com que a fúria divina caísse sobre os ombros dos mais pobres, que são, para eles, os que mais custam, em saúde, educação, aposentadoria e também os que mais custam em direitos trabalhistas. Em relação aos conflitos étnicos, o objetivo político é o divisionismo entre brancos e negros, índios “selvagens”, contra os civilizados, nesse sentido ganha força as expressões racistas e discriminadoras.
        No entanto, é no aspecto ideológico que os servidores do imperialismo agarram-se para fazerem as disputas. Apenas como lembrete, a ideologia deve ser considerada como o conjunto das ideias usadas para obscurecer a verdade. O contrário da ideologia é a consciência. Mas o que fazem os agentes do império? Dizem que é preciso reprimir os professores porque “ensinam ideologia”. Na verdade quem quer enfraquecer a educação e ensinar mentiras, por exemplo, que “a terra é plana” e que as questões de gênero e sexo devem ser banidas dos estudos, pondo no lugar os preceitos da “sagrada família”, são eles que buscam, justamente, fortalecer os preconceitos, a homofobia, a violência contra a mulher etc. Essa estratégia do divisionismo populacional já vem ocorrendo desde a década de 1990 quando ocorreram as invasões pelo império Norte americano no Iraque e no Afeganistão. Posteriormente alcançou a Líbia, na onda do que denominaram de “primavera árabe”. Em nosso continente, as divisões ocorreram no Equador, na Venezuela, Bolívia e no Brasil, ainda em curso e, provavelmente, logo ouviremos que a Argentina também foi acometida pelo mesmo mal. Na Ásia, a última investida do mesmo império ocorreu em Hong Kong, na China, aparentemente sem êxito.
        Se na exploração de petróleo o Brasil está na 17ª posição, em ralação às reservas de água doce está entre os primeiros do mundo. Temos em nosso território 12% de toda água doce do planeta. Comparando com todos os países da América do Sul o nosso território concentra 53% da água e, na região amazônica localizam-se 10 entre os 20 maiores rios do mundo. Sem contarmos com o lago subterrâneo, localizado nos 8 estados do centro sul do Brasil, denominado de “Aquifero Guarani”, que possui uma reserva de 1,2 milhão de km2  de água. 
          Se tomarmos como referência o alcance estratégico da exploração da água em comparação com as demais formas de riqueza, veremos que o petróleo tende a ser substituído por outras fontes de energia limpa; a madeira por outras matérias recicláveis e os próprios minérios terão suas utilizações diminuídas. Mas, para a água não há substituto, fundamentalmente para a produção de alimentos e para o consumo humano e animal.
         A luta pela água, assemelha-se, na atualidade, ao que foi a luta pelo domínio do fogo ocorrida à cerca de 2,3 milhões do anos. Naquela época, quem dominasse o fogo tinha poder sobre todos os povos, hoje usa-se o fogo como arma ou mediação para devastar mais rapidamente as florestas.
         A grande diferença do domínio do fogo para o domínio da água é que este último dar-se-á pela imposição jurídica, travestida de “prestação de serviços privados”. Até então tínhamos o conhecimento de que as empresas encanam a água e tratam os esgotos sem se apossarem dos rios. De agora em diante começaremos a ouvir que os rios tornar-se-ão propriedade privada e a água, em qualquer ponto de suas margens, transformar-se-á, de um bem de uso, em uma mercadoria.
        Quando falamos em superação do capitalismo, queremos sempre mostrar que, pela própria natureza do capital, ele precisa crescer e expandir-se, por isso não importa se for investido na transformação de estrume em mercadoria ou apropriando-se de um bem da natureza para o controle privado. Assim como nos acostumamos com a existência da propriedade privada da terra, se nada fizermos, teremos de nos acostumar com a propriedade privada da água também.
          O futuro da humanidade depende de todas as formas de emancipação, principalmente da propriedade privada dos bens fundamentais. O capitalismo não pode permitir que a emancipação humana ocorra, por isso a luta pela preservação de direitos apenas, é insuficiente para impedir que ele torne a vida no planeta insustentável.
                                                                           Ademar Bogo                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             
     
                                                                                                                                                                     
           

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