terça-feira, 6 de novembro de 2018

OS PARÂMETROS DA LEGALIDADE

                                                                                

  Em todos os tempos os olhares mais atentos sempre estiveram voltados para o espectro da ordem e, mais recentemente para aquilo que se denomina de “Estado de Direito”, utilizado como referência principalmente pelas forças que estão no poder. Mas eis que nem sempre funciona com a regularidade do passar das horas e, em certas ocasiões, já não se sabe se o perigo de romper com o “Estado de Direito” vem das forças de esquerda que lutam por garantias institucionais ou pelas forças de direita que querem retirar os direitos adquiridos porque os seus interesses estão ameaçados.
A título de exemplo, podemos recorrer à Alemanha no início da década de 1890, quando abrira-se uma perspectiva diferenciada dos demais países e a socialdemocracia alcançou um lugar de destaque na política por meio das disputas eleitorais.  Engels percebeu que existia um enorme desafio de encontrar uma função política para os jovens e para as mulheres que não haviam sido contemplados com os mesmos direitos e que representavam uma força de massas numerosa de não eleitores, aos quais ele denominou de “força de choque”. Ou seja, se o direito dos eleitores conquistado apenas pela parcela masculina da população, isso não suplantava nem retirava o direito das massas de agirem junto à classe, como uma “força de choque” constituída.
A tese defendida por Engels era que: o tempo dos ataques de surpresa, das revoluções levadas a cabo por pequenas minorias conscientes à frente das massas inconscientes, já havia passado. Tinha em mente o exemplo da recente derrota da Comuna de 1871, em Paris, por isso defendia que era o momento de envolver em diferentes tarefas a maioria da população.
Diante dos desafios apresentados pela classe dominante que temia o crescimento das forças operárias no processo eleitoral, Engels apontou que era preciso manter em crescimento as forças que não se envolviam no processo eleitoral como uma “força de choque” com aquelas que se envolviam conscientemente.
Para ser ainda mais convincente de suas proposições, Engels retrocedeu na História e recordou o tempo do Império Romano quando, dentre as diversas forças de oposição figurava um “partido” subversivo, sem pátria, que durante muitos anos minou às escondidas a ordem estabelecida, inclusive utilizando-se da tática da inserção nas fileiras do exército oficial, cujos soldados em sinal de protesto portavam cruzes nos capacetes. Esse partido atendia pelo nome de cristãos. Nem mesmo as leis, as proibições de reuniões, a demolição de símbolos e cruzes, nada impediu de que o cristianismo pelas mãos do Imperador Constantino viesse a ser declarada, na década de 320, a religião oficial do Estado.
Na Alemanha, ao contrário dos primeiros cristãos, as perspectivas de mudanças, apresentavam-se como uma grande ironia da história e colocavam tudo de cabeça para baixo; isto porque, os revolucionários avançavam mais com os meios legais do que com os ilegais e a subversão.
Mas aquilo que inicialmente pode encantar os defensores atuais das disputas puramente eleitorais, como a alternativa apropriada de chegar ao poder, logo é dissuadida no mesmo parágrafo quando Engels diz: “e se nós não formos loucos a ponto de lhes fazermos o favor de nos deixarmos arrastar para a luta de rua, não lhes restará outra saída senão serem eles próprios a romper essa legalidade tão fatal para eles”. O que vemos então? Um entendimento de que a classe dominante é intolerante e, na medida em que se sentir ameaçada por qualquer forma de pressão, ela própria rompe com a legalidade para conter o movimento contrário. Por isso, Engels não estava defendendo que a legalidade seria um incômodo para a classe dominante por isso era preciso defendê-la de forma organizada mobilizando os mais amplos setores.
O critério a ser avaliado nos surpreende atualmente em dois sentidos: o primeiro, diz respeito, ao tamanho desprezo histórico praticado pelas organizações políticas com a “força de choque”, e, o segundo, advém dos adoradores dos processos eleitorais que esqueceram os aspectos organizativos e converteram os sujeitos da possível transformação em simples eleitores. Para além disso, imaginam que como as redes sociais foram vitais para a vitória da direita nas ultimas eleições que se deve imitá-la, como se nós também devêssemos navegar nas nuvens da alienação.  
A perspectiva das mudanças reúnem diversas relações e é verdade que acentuam, ora uma possibilidade, ora outras, mas, acima de tudo, há que se fazer escolhas; aguardar ou precipitar os momentos de confronto, de acordo com as circunstâncias de cada época, mas jamais arriscar fazê-lo sem organização.
          Por isso não há como fugir da História. Ela é o que é e pode vir a ser ou não ser se as circunstâncias apresentas forem aproveitas. Para além delas há ainda as condições e as perspectivas, mas estas somente serão percebidas pelos olhos atentos que leem a realidade e pelas mãos que tocam a substância política, moldando-a para outra forma.
 O problema maior não está na extrema-direita ter ganho as eleições de 2018, isto é natural, pois os governos não são eternos, a essência do problema é que o discurso da vitória foi sedimentado sobre questões que as forças progressistas teoricamente e moralmente, pela conscientização já deviam ter equacionadas. São as mesmas restrições morais que ganharam as eleições que serão tomadas como referência para romper com a legalidade pelas forças de direita.
 Nesse sentido, se olharmos para trás, apesar dos avanços da civilização, vemos que permanecemos na pré-história do conservadorismo, filosófico, religioso e político. Sócrates em 399 a. C, acusado de perverter a juventude e ofender aos deuses, foi levado à morte. Jesus de Nazaré, condenado e morto por três crimes: blasfemar, profanar o dia do sábado e ser um falso profeta. Karl Marx sofreu inúmeras perseguições e foi expulso de vários países, acusado de ser um comunista contra a ordem capitalista.
As coincidências entre os três são evidentes, mas, a principal evidência não está revelada a não ser que a detectemos que, os três foram perseguidos em três momentos de profundas crises econômicas, sociais e políticas. Ou seja, as classes dominantes sempre agiram e agirão em dois campos, para garantirem os seus interesses: no campo material, onde fazem valer o poder de dominação e, no campo das consciências onde cultivam as mentiras e as calúnias que justificam para as massas populares, que somente eles representam o bem e lutam contra o mal. 
                                                                                                Ademar Bogo

           



           

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