domingo, 25 de novembro de 2018

FUNDAMENTOS DO REGIME EM CRISE


               
             Sempre que fazemos análises políticas colocamos os conceitos de Estado, governo e regime político, em um mesmo nível de responsabilidade. É evidente que a linha que separa cada uma das formas específicas é muito tênue, mas é de fundamental importância compreendê-la para, não apenas valorizar cada um dos conceitos estabelecidos, como também para perceber quais são as contradições que surgem e porque às vezes aquilo que em um momento parece ser avanço, impulsiona grandiosos retrocessos.
            Quando falamos em regimes políticos (democrático, autoritário ou totalitário) deveríamos visualizar as formas de expressão da existência do Estado. Como a figura da autoridade governamental no interior de cada instância está mais próxima do cidadão, a tendência é apegar-nos aos indivíduos como se neles estivesse a solução para todas as crises.
            Nesse emaranhado todo de diferenciações, escapa sempre a compreensão de que o capital é o sujeito ainda mais importante no funcionamento do Estado, do regime e do governo, isto porque, o Estado foi concebido e estruturado como reprodutor e garantidor das relações capitalistas que, costumeiramente chamamos de “ordem”. Logo, não é qualquer “ordem” que um regime ou governo, possa mudá-la. Isto porque, o meio para mantê-la pode ser a democracia, direta ou representativa; o autoritarismo quando se instala uma ditadura militar ou o totalitarismo, quando um poder é centralizado nas mãos de um só indivíduo, mas ela continua sempre a mesma.
        No caso das democracias, as mais novas gerações estão acostumadas com a forma representativa, tivemos a possibilidade de experimentá-la no período em que foi conduzida por representantes das classes dominantes e, em parte com representantes da classe trabalhadora, ambas com apoio popular.
            Se entendemos que o Estado capitalista é responsável pela manutenção da ordem capitalista, os governos devem estar a serviço dessas relações e, nesse sentido, as democracias representativas que tendem a beneficiar minimamente as populações que não estão diretamente envolvidas com a reprodução do capital, tendem a não vigorar por muito tempo e quando ocorrem as inversões de governos, seja pela democracia representativa ou pelo autoritarismo, no caso, os golpes militares, o objetivo é sempre reparar “os desvios” provocados contra a ordem dominante. Para que as correções dos desvios se realizem as instituições do Estado, sob o comando do governo agem em benefício do capital.
            Nesse sentido, o uso ou não da violência, seja pelo governo “democraticamente” eleito ou por aquele que se institui por meio de um golpe militar, podendo evoluir de um para o outro, depende apenas da reação das forças contrárias que dificultem a reparação dos “desvios” na ordem capitalista.
            De acordo com este raciocínio, a regressão política é basicamente natural. Somente no Brasil podemos citar dois momentos semelhantes em que as medidas democráticas apontaram para alguns direitos e ganhos para as classes populares que tais processos foram interrompidos por dois golpes: o primeiro militar em 1964 e, o segundo, pela via institucional em 2016.
            É verdade que as circunstâncias históricas se apresentam como são e não como queremos que sejam, e, se em determinados momentos elas permitem as classes trabalhadoras chegarem ao governo por meio do voto, ela não pode se dar ao luxo de desprezar esse “presente” da História. Mas, tal qual o “Cavalo de Troia”, com a barriga cheia de soldados inimigos, deixado de graça pelos gregos aos troianos depois de dez anos de resistência, é preciso ter claro que no interior da “democracia representativa” de natureza popular, agem forças contraditórias que empurram o processo para trás.
            Compreendida a ordem política como uma obrigatoriedade do funcionamento do capitalismo, o acerto dos desvios cometidos pelos “governos populares” é sempre doloroso, porque significa as perdas de direitos e aumento dos sacrifícios, quase sempre com a perda de vidas.
            A primeira e principal lição de alerta contra a ingenuidade política das forças que querem provocar “os desvios ” da ordem, assumindo comando do veículo que os burgueses conduzem, já nos foi  destacada por Karl Marx logo após a Comuna de Paris de 1871, e que nunca é demais repetir: “Os trabalhadores não podem tomar a máquina do Estado para si e fazê-la funcionar a seu favor”. Certamente porque, se o Estado permanecer intacto, ele confirma que o capitalismo como modo de produção não foi afetado na sua estrutura de funcionamento. E o capitalismo precisa de um Estado capitalista.
            O período vindouro na conjuntura brasileira, aos olhos das forças de direita será marcado pelo acerto dos “desvios”, cometidos pelos governos do Partido dos Trabalhadores, pequenos é verdade, mas intoleráveis para a ordem dominante em crise. Conscientes dessas dificuldades, nem a intimidação, nem o radicalismo e, muito menos o reagrupamento das forças em busca de preparar as próximas disputas eleitorais, devem ser as posições e os caminhos a tomar.
            Os fundamentos da crise do regime político, não os encontraremos na política; por isso não é nela especificamente que devemos colocar as nossas atenções, mas nas medidas de acertos “dos desvios” da ordem anterior para favorecer o capital. É a crise do capitalismo que reproduz a crise de regime político, a crise estatal e de governo e, estes fundamentos não são locais, mas mundiais.
            Há muitas contradições em movimento mundo afora, a favor da manutenção e também da superação da ordem capitalista. As circunstâncias encaminham-se a favor das mudanças; cabe àqueles que as querem, prepararam-se para aproveitá-las. As formas de organização para a luta e a formação consciência continuam sendo o único remédio para enfrentar e superar as crises.  
                                                                                                                
                                                                                                                           Ademar Bogo
           
           
              

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