domingo, 7 de março de 2021

O PARTICULAR E O UNIVERSAL

            Quando refletimos sobre o particular e o universal, imaginamos existir uma distância e, mais ainda, um total descomprometimento entre eles. Esse pensar desassociado de certo nos vem do princípio, de pensarmos ser o cidadão responsável pela sua propriedade privada, as demais responsabilidades públicas ficam a cargo das autoridades.

            O filósofo húngaro György Lukcás nos ajuda a pensar sobre este assunto no sentido que, “o singular não existe mais que na conexão que leva ao geral. O geral não existe mais que no singular, pelo singular. Todo indivíduo é geral (de um modo ou de outro). Todo geral constitui uma partícula ou um aspecto ou a essência do singular.” Nesse sentido, pensar em separar um do outro é levar os juízos a cometerem um desvio “tautológico”, retirando a importância do predicado do sujeito, principalmente quando expressa que, o “particular é particular” e “universal é universal”.

            Desde a antiguidade o “Cosmos” e a “Phisis” estiveram interligados pela relação entre os corpos e espíritos. O universo não é uma ilusão expressa pela opinião particular. É a redução da capacidade de pensar e a mesquinhez individual que reduziram o mundo ao alcance do privado. O particular sem o universal perde a essência e fica irreconhecível. Somos e sabemos quem somos quando nos comparamos.

            Por outro lado, se levarmos as tautologias para a argumentação filosófica, veremos que, embora os predicados sejam idênticos ao sujeito, os juízos expressam de forma concreta, algo a mais. Acrescentam, pelos significados encadeados, o prolongamento do entendimento e a qualificação do senso critico. Se não vejamos: quando ouvimos a expressão: “Brasileiro é brasileiro”, inicialmente pensamos uma repetição desnecessária do sujeito; no entanto, os juízos tautológicos nos conduzem a perceber o dito e o não dito.

            Ao dizemos: “Brasileiro é brasileiro”, podemos entender a primeira parte da expressão, tratar-se do “brasileiro” cidadão. A importância maior, porém, está no significado do segundo “brasileiro”. Ele significa o predicado da oração que dá qualidade ao sujeito. O predicado, portanto, nos mostra juízos positivos e negativos. Podemos considerar presente na intenção do “brasileiro” predicado e não sujeito, as características do “homem cordial”, alegre, afetuoso, bem relacionado, festeiro, esperto etc. Por outro lado, o juízo pode nos levar a pensar no “brasileiro” ingênuo, acomodado, tolerante, descuidado e assim por diante. Logo, “Brasileiro e brasileiro” não é uma repetição, mas uma significação.

            Essas expressões são correntes nas falas cotidianas, surgidas às vezes como elogios: “craque é craque”; como superação” “mãe é mãe”; como heroísmo: “soldado é soldado”; como dedicação: “professor é professor”; sempre ditos no sentido da valorização. Outras vezes apelamos para a critica ligeira, por meio de expressões de aceitação como: “bandido é bandido”; “policia é polícia”; “banqueiro é banqueiro”.

            Isso posto, é importante compreender os predicados. Eles são responsáveis pela revelação das características dos sujeitos. Precisam ser considerados como parte da reação política. Ajudam-nos a combater o comodismo. Alertam-nos para procedermos a a discordância com as atitudes e expressões de desprezo legitimadoras da ordem da perversidade, sustentáculo da ineficiência da prática política, resumida na tautologia de “Morrer tem que morrer”, como se fosse uma verdade universal sem culpabilidade particular.

            Sigmund Freud ao tratar da “Dissecação da personalidade psíquica”, em 1923, fez justamente essa associação do particular com o universal ao comparar os “territórios estrangeiros” internos e externos ao ego, dizendo que, “Os sintomas são derivados do reprimido, são, por assim dizer, seus representantes perante o ego; mas o reprimido é território estrangeiro para o ego – território interno – assim como a realidade....é território estrangeiro externo”.

            O entendimento de Freud é que, temos um território interno estrangeiro ao ego (eu) que se localiza no inconsciente, onde estão retidos os traumas, as reprimendas e as outras neuroses e, existe um outro território, também  estrangeiro, ao ego, que é a realidade externa. Vemos, portanto, que também pela Psicanálise o particular e o universal estão interligados.

Nesse sentido, ao voltarmos ao juízo tautológico, percebemos que a expressão “governo é governo” não significa independência e, a soberania nacional quando atinge a esfera da perversidade, como o inconsciente no humano deve ser deve ser contida pelas forças conscientes com a ajuda das forças internas e externas.

            Do modo, a compreensão de que, “presidente é presidente”, não pode significar a autorização para uma conduta sem limites. “Presidente é presidente” deve significar um verdadeiro líder e não como um genocida, exterminador das florestas e do patrimônio publico.

            Diante das expressões tautológicas incivilizadas, nos dizendo que: “perverso é perverso”; “corrupto é corrupto”; milícia é milícia”; “insanidade é insanidade”, “desleixo é desleixo” e, “incompetência é incompetência”, consideramos ser de fundamental importância observar essa realidade, para que ela nos motive a reagirmos  no território interno, em busca do apoio e a participação da ordem externa. É hora dos países importadores de produtos produzidos na Amazônia, deixarem de fazê-lo. Todos os esforços devem ser combinados para que o particular (Brasil) não venha a ser um, mal universal.

Por outro lado, um povo não pode ser refém do próprio medo. O medo que o Congresso Nacional tem das forças armadas, evita de abrir o processo de impedimento do presidente; o medo que o Supremo Tribunal Federal tem das forças armadas, impede de declara os desmandos de Sérgio Moro como suspeitos. O medo que os partidos de esquerda têm das forças armadas, contém as iniciativas de irem além do processo eleitoral e, tantos outros medos estão presentes nas universidades, nos movimentos populares e sindicais, nas fileiras estudantis e intelectuais de que as mesmas forças armadas possam dar um “golpe de Estado”. O que falta ainda para que seja declarado o governo brasileiro como governo do tipo militar? O silogismo lógico nos diz que, quanto mais demoram a legitimar a forma de governo totalitária, mais se prolonga agonia da insípida democracia e, quanto mais se retarda a reação popular interna e da comunidade internacional, mais se prolonga a agonia das massas deserdadas.

            Baseados em que podemos fazer esta afirmação. As tendências mostram que a pandemia no Brasil não será controlada facilmente a Curto e a médio prazo, e, chegar a meio milhão de mortos é uma questão de seis meses de tempo futuro.  O atraso proposital da vacinação que teve como causa o negacionismo inicial de ser “uma gripezinha”, induziu a não fazer contrato com os laboratórios e, por isso o Brasil foi colocado nos últimos lugares da fila de espera. Isto fará com que, o território nacional,  particular venha a se tornar um verdadeiro canteiro de recriação das variantes do vírus que, pela resistência, colocará em risco a própria eficácia da vacina tão esperada.

Para o mundo, a “tautologia” afetiva histórica de que “Brasil é Brasil”, que exporta alegria, carnaval e futebol, passará ser o Brasil da exportação de vírus fortalecido na contaminação do agrotóxico do agronegócio; na fumaça do fogo dos incêndios das florestas e no negacionismo, de uma parcela da população que, em nome do “mito” contesta a  ciência e as orientações dos cientistas e sanitaristas.

            É tempo de inverter a tautologia negativa de que “brasileiro é brasileiro” e “brasileira é brasileira”, no sentido de que aceita tudo ou teme o poder da repressão. É a hora do Brasil contribuir com a humanidade, não como sempre fez sendo celeiro alimentício; fornecedor de matérias primas minerais e, alegria contagiante, mas como preservador da vida e da saúde da humanidade, combatendo as forças que alimentam a recriação do coronavírus.

            Desse modo, se o particular é o país, o universal é o mundo; se o particular é a comunidade interna o universal é a comunidade externa; se o particular é o negacionismo, o universal é a ciência; se o particular são as forças armadas, o universal é o povo. É este povo que precisa salvar e salvar-se. Vamos à luta.

                                                                                                                     Ademar Bogo

                                                             

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