domingo, 14 de março de 2021

O APOCALIPSE

 

               Apocalipse, em grego quer dizer “revelação”. Portanto, pode ser lido este conceito com outro conteúdo que não seja aquele apenas do “juízo final”. Revelação que também nos remete a “tirar o véu”, desvelando aquilo que mal se compreende, tornando evidente algo que sempre nos pareceu misteriosamente reservado.

            O filósofo Nietzsche ao escrever o seu livro, “O anticristo”, para tecer criticas à religião indicou que, “as intuições mais preciosas são aquelas que se tem por último: as intuições mais preciosas são os métodos”. Podemos considerar que existe uma grande verdade nisso: se a última intuição é a mais preciosa e podemos transformá-la em um método de ação, significa que é possível chegar o fim da ingenuidade e da subserviência à perversidade.

            De outro modo temos de reconhecer que, entre o principio e o fim vigora a existência da História. Sobre isto, Marx e Engels já alertaram em “A Ideologia Alemã” de 1845, quando categorizaram a “libertação” como “um ato histórico e não um ato do pensamento, e é ocasionada por condições históricas...”

            Todas as gerações vivem os seus dilemas, as atuais, vivemos o dilema da morte. Esta nunca esteve tão próxima; basta sair de casa para contrairmos o vírus, voltarmos e assassinarmos as pessoas que mais amamos. Talvez seja também, a época “apocalíptica” que mais revela as verdades da dominação capitalista e, como para muitos não são as “últimas intuições”, elas não conseguem a transmutação para os métodos de ação em vista da superação das contradições.

            Não temos nenhum estudo reunido feito pela psicanálise que nos revele a estrutura da personalidade (neurótica, psicótica ou perversa) dos 37 presidentes da república já existidos no Brasil. O atual (38º) supera qualquer comparação pelo grau de perversidade que manifesta a cada dia. Move-se ele pelo “principio do prazer” constante, por isso age sem nenhum escrúpulo nem sentimento de culpa. Para ele valem os momentos de transgressão da ordem e do bom senso. Nesse sentido, se uma afirmação lhe é prazerosa pela manhã, mas à tarde do mesmo dia deixou de ser, muda e expressa o seu contrário. Vive a criar suspense e a ofender, desprezar, humilhar e zombar das pessoas, mesmo que estas estejam enlutadas. Diz o que lhe causa satisfação, mente e desmente a própria mentira.

            Poderíamos empregar mais tempo descrevendo as atitudes perversas e intoleráveis em uma autoridade, mas não entenderíamos as razões da perversidade arraigadas na política e, nem tampouco conseguiríamos ter “as últimas intuições” como inspirações para a formulação de um método ou estratégia de superação.

            A pergunta inicial a ser respondida é, por que o perverso na política tem um número espantoso de seguidores? No caso brasileiro, com quase 280 mil mortos vítimas da Covid-19, sendo o principal culpado, o presidente da república, um zombeteiro, desleixado, ignorante à ciência, que propositalmente não articulou a compra de vacinas, nas pesquisas de opinião sustenta-se com 30% da aprovação?   

            Não podemos negar que há em todo ser social, potencialidades para a perversão. Para a maioria das pessoas ela chega ao nível da inveja, da competição, do desejo que o outro vá mal, na difamação caluniosa, na ofensa verbal, no desprezo cotidiano etc. Para outros, manifesta-se em um nível mais elevado, expresso pelo racismo, feminicídio, homofobia, homicídio e outras manifestações materializadas ainda no nível dos ataques individuais. O terceiro e mais elevado nível, aloja-se na pratica política e manifesta-se contra as multidões, impedindo o acesso aos direitos, negando proteção, indo até o genocídio, que também se estende contra as outras espécies, tornando-se, biocídio e  ecocídio gerando em seus adeptos a sensação de prazer. No entanto, a revelação para entendermos a perversidade presidencial e a de seus defensores não a encontraremos em suas atitudes, devemos buscar as respostas nas causas estruturais da sociedade capitalista.

            Todo ser humano é um ser social. A sua formação é social como também a sua educação e profissionalização. Há, portanto, uma estrutura social, em nosso caso, capitalista, que sustenta a estrutura comportamental. Aprendemos a pensar com as informações e os temas que a sociedade nos apresenta. Internalizamos preconceitos, convicções machistas, e critérios racistas no convívio familiar e nos grupos sociais. Nesse sentido, olhando de baixo para cima, o que é o modo de produção capitalista senão um complexo estruturado, reprodutor de perversões que a uns pouco dá prazer, e a uma grande maioria reserva-lhes o sofrimento?

            O que é a perversão social, senão ver no final do mês, o assalariado que tudo produziu em uma fábrica construída com subsídios públicos, voltar para casa, em direção à periferia, embarcado em um ônibus lotado, enquanto o pretenso proprietário faz outro trajeto de helicóptero? Mas isto não é tudo. Por que o empregado aceita tal condição e o patrão não é preso por concentrar a riqueza extraída do trabalho alheio? Pelo simples fato que a perversidade humana, para garantir a exploração empresarial, foi expressa nas leis e foi a perversidade jurídica que sustentou três séculos de trabalho escravo no Brasil. Com ela, travestida de “interesses”, cerceou-se a liberdade dos mais pobres ao acesso à terra; o acesso à educação de qualidade às massas empobrecidas e tantos outras formas de aniquilamento da dignidade humana.

            Então chegamos ao ponto critico: se estranhamos a perversidade do presidente da república, por que não estranhamos a crueldade do capital e, principalmente a perversidade do Estado que age cotidianamente para garantir a ordem perversa que a pequena-burguesia eleitoreira chama de “democrática”? Ao contrário, as forças políticas de “esquerda” que deveriam cultivar a critica contra a base estrutural do capitalismo, que faz penar a maioria da população, enquanto a minoria usufrui o prazer de dominar, pensa e prepara-se para adentrar nas estruturas perversas para “fazer justiça”.

Voltemos primeiramente a Marx e Engels (1845) quando, após dizerem que a expressão dos limites econômicos existentes não é apenas puramente teórica, mas também existe na consciência prática, “daí se segue que todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto etc. etc., não são mais do que formas ilusórias...” Portanto, as ilusões corroem as intuições e, por essa razão restringem-se os métodos e as frentes de combate. Mas podemos ir mais longe, e recorrermos a Aristóteles que já, no seu tempo percebera da mesma maneira que podemos ter três tipos de governo: de um, de um grupo e de muitos, mas que no final esse terceiro tipo se transmuta para um grupo oligárquico, impossibilitando qualquer tentativa de se ter um governo popular.

            Pensar em combater a perversidade do perverso com uma simples disputa eleitoral que ainda está por vir, no distante 2022, em vista de tirá-lo da cadeira para alguém sentar em seu lugar, é sim uma ilusão, quando na verdade a perversidade surge e se sustenta pela estrutura social, capitalista e estatal, mantendo como devotos 30% da população mais abastada ou alienada por ela que a vitória eleitoral não desmancha.

            Lembremos que na Antiga Roma, na metade do século primeiro, os cristãos eram presos e levados às arenas e coliseus para serem, em grupos, comidos por leões, enquanto nas arquibancadas compraziam-se, o imperador e os seus acompanhantes. De lá para cá nada mudou, apenas os leões foram substituídos pelas milícias e forças policiais, que matam jovens negros nas periferias das cidades, enquanto os alienados festejam. Por sua vez, a tentativa de armar os 30% da população alucinada é a última forma de expressão do perverso que sonha ver um dia as populações e inimigos políticos, inteiramente dizimados. Nesse sentido, combater o perverso e não a estrutura do capital e estatal que o sustenta, é o mesmo que atacar o leão dentro do Coliseu, enquanto o imperador protegido se diverte olhando do alto.

            Não nos enganemos senhores e senhoras, a perversidade não é só uma estrutura na personalidade, ela é um sistema estruturado que o perverso dela se utiliza para realizar os seus prazeres. E, não estranhemos, que por prazer e não por necessidade institucional, o perverso,  poderá oficializar o golpe de Estado para impedir a realização das eleições de 2022. Por enquanto diverte-se com ameaças, enquanto as forças contrárias se deleitam com o “Lula livre”, esquecendo-se de tudo, inclusive que seis votos no Supremo Tribunal Federal pode fazer valer a perversidade jurídica, e anular a decisão anterior. 

            Apocalipse, portanto, não deve ser visto como fim de tudo, mas como revelação daquilo que ainda está por vir. E, se tiver que ser o fim, que seja das estruturas que sustentam as perversidades. Desmascará-las e não elogiá-las é a intuição correta. O método exige uma finalidade maior do que esta bandeira eleitoral sustentada no frágil mastro da legalidade. A caneta que absolve é a mesma que condena. Entre uma opção e outra passa o afiado fio da navalha que pode cortar um pouco e de vez em quando do lado direito, na maioria das vezes corta mesmo do lado esquerdo.

            Que a maioria dos mortos na Pandemia, pressione nossas cabeças para que pensemos corretamente e entendamos que, a democracia ora reinvindicada pela esquerda, é música para os ouvidos da direita e, nesse ritmo ela continuará servindo para que os leões continuem devorando os escravos para garantir o prazer diário dos perversos.

                                                                       Ademar Bogo   

      

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