domingo, 28 de março de 2021

HISTÓRIA E LIBERDADE

            Com esse título o filósofo Karel Kosik, praticamente conclui o seu livro, “Dialética do concreto”, e convida a pensar sobre o problema filosófico, “o que é a História?”. Nestes tempos sombrios, responder esta pergunta é enfrentar os dilemas postos, mas, acima de tudo, tentar compreender onde estão ou para onde foram os sujeitos da História?

            Diante de tudo o que vemos na política, nenhuma resposta é fácil. Se não há ponto de fuga, o sujeito da História precisa reaprender a conjugar o verbo “enfrentar” e, enquanto reaprende, analisa o substantivo das circunstâncias aonde se alojaram as mais duras e perversas contradições.

            Muitos sujeitos históricos vividos em outros tempos fizeram-se essa mesma pergunta: “O que é a História?”. As diversas respostas formuladas nem sempre foram favoráveis ao bem, isto porque, a História não é “racionalmente determinada”, por isso é que devemos acreditar que a razão se cria na História. Em grande medida, não se pode predestinar o futuro. Dizemos, “em grande medida”, porque, também não é pela espontaneidade ingênua que descobriremos a direção a seguir. 

            Portanto, as lições que perpassaram as consciências em todos os tempos e chegaram até nós, nos ensinam que não basta ter razão é preciso fazer com que essa mesma razão seja vitoriosa. Por sua vez, uma vitória pode ser parcial se tiver o propósito de vir a ser total, caso contrário, os restos das derrotas reabilitam-se e retornam impedindo que o total não se realize. Em política, muitas vitórias podem ser parciais, mas existem algumas que devem ser definitivas, caso contrário, o discurso envelhece repetindo a mesma convocação: “Começar de novo”.

            Kosik nos diz que, não sabemos quem somos antes da História e somente nela existimos. Implica dizer: sem fazermos a nossa História seremos sujeitos sujeitados na História dos outros, aquela a qual pertencem “os atos de heroísmo e os crimes”. Difícil é saber quando um não se confunde com o outro. Em certas circunstâncias é mais fácil perceber as diferenças, porque, os próprios criminosos fazem questão de exaltar os crimes, exibindo-os como recados intimidadores. Sendo assim, “O sentido da História está na própria História...”; é preciso compreendê-la para saber qual sentido devemos dar aos fatos.

            Uma coisa é certa, a História não limita às reduções de algumas supremacias ou a alguns fatos tristes e constrangedores. “Não é a História que é trágica, mas o trágico está na História”. Logo, a tragédia representa apenas uma parte da História. A outra parte é marcada pelas forças que querem ver o dia seguinte. É evidente que a tragédia de mais de trezentos mil mortos não é nenhuma notícia a ser esquecida após ser lida. Mas, são essas mortes, pelo menos grande parte delas, que desafiam os vivos a não se deixarem morrer e nem matar. Isto por que a morte tem causas, e elas podem ser de ser físicas e também políticas. Morre-se por falta de remédio e também por falta de governo.

             O mesmo ocorre com a liberdade, as carências que estão nela impedindo as realizações coletivas. A liberdade também é um movimento que depende da ação para adquirir significado. Livre não é apenas ter o direito de ir e vir, quando por trás há a redução da autonomia. Como poderia um pássaro solto ser livre se lhes cortaram as asas? Livre não é o cidadão que pode votar em um representante. Como poderia ser livre para escolher se os candidatos já vêm numerados e registrados? “Liberdade é espaço histórico que se desdobra e se realiza graças à atividade do corpo histórico, isto é a classe”. Liberdade é, portanto, a possibilidade de conduzir dois corpos: o individual e o coletivo, representado pela classe social.

            O sujeito da História é um sujeito sem medo, mas é também desvencilhado dos projetos limitados, das ilusões e imaginações fantasiosas, de que o capitalismo pode ser humanizado e o Estado garantidor da igualdade. Se assim pensamos, entendemos a liberdade como sendo o espaço interno das quatro paredes que nos abrigam. Sonhamos com o infinito, mas não saímos das prisões que construímos para justificarmos que as circunstâncias não são favoráveis. 

            Se a História universal não pode ser determinada, a particular pode, por meio das opções feitas. Se o pássaro engaiolado acredita que é livre para voar por todos os lados dentro da gaiola, acreditará ser aquele o tamanho da liberdade possível e jamais se preocupará em achar a porta de saída. Se acreditamos que as soluções estão na troca de governo, como o pássaro engaiolado, durante quatro anos não veremos nenhuma porta de saída.

            Somos nós os sujeitos que fazemos a História e a contamos depois de feita. São os outros que fazem a História e também a contam depois de feita. Essa é a questão: se um lado conta a História, impede que o outro lado a conte. Podemos por um tempo contar duas Histórias? Podemos, mas ela sempre dará razão àqueles que melhor se posicionam. Isto porque, a História é como o Mar, todos os rios, por maiores que sejam, ao tocarem  o oceano são subsumidos.

            Não é livre quem teme o golpe de Estado e, por isso, não age para impedir que ele venha. Não é o medo que impede que venha o temporal, mas se ele está vindo, ele virá. Cabe preparar-se para enfrentá-lo. Não é livre quem teme a ditadura e por isso se esgueira nas franjas da oligarquia, chamando-a de democracia. Enquanto assim se comporta, milhões de brasileiros e brasileiras que mendigam ajuda emergencial ou se deitam no piso das próprias salas para escaparem das balas homicidas, a ditadura já chegou.

            Com o problema filosófico “o que é a História”, respondido, o recado está dado: ou fazemos a História ou os outros a farão. Os que fazem, contam, os que não fazem são contados.   

                                                                                                                                                                                                                     Ademar Bogo

 

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