domingo, 9 de agosto de 2020

O ACASO E O SEU CONTRÁRIO


            “O capitalismo neoliberal é a raiz dessa crise e somente há um caminho para a justiça e a paz reinarem no mundo: socializar as estruturas contestando de fato a desigualdade socioeconômica, a absolutização da propriedade...”. Esta frase espera-se que seja de algum líder político importante, um socialista radical que quer e luta por transformações sociais. Não é. Pertence a D. Pedro Casaldáliga, o profeta da defesa dos Direitos Humanos e das florestas, falecido ontem, dia 8 de agosto, somando para os cristãos e lutadores sociais, mais uma pesada perda no ano de 2020.

            Não há como negar, e se o futuro não surpreender aqueles que ainda viverão, os historiadores irão confirmar que o ano de 2020 será, para o Brasil, o ano de maior acumulação de perdas. As explicações estão no acaso e no seu contrário.

            Considerando o “acaso”, reuniu-se em um ano só e no mesmo lugar, como se fosse uma encruzilhada em que os elementos viajantes personificados na economia, na política, na moral, na pandemia, na desmobilização social e o fechamento das escolas e universidades dentre outros transeuntes.  Mas seria também o ano de 2020 a encruzilhada da História?

            Ainda é cedo para calcular qual será a queda do Produto Interno Bruto (PIB), mas, com certeza chegará à casa de dois dígitos. Mas, se o acaso provocará essa queda em um só ano, o seu contrário, nos mostra que esse infortúnio foi algo voluntariamente provocado nos anos anteriores de aceitação da política colonial formulada pelos Estados Unidos da América, que nos tornaram um país de economia primária. As consequências é que, depois da pandemia, os pulmões da economia terão sido também afetados e ela não terá como reagir sem a ajuda dos “respiradores” externos. Isto significará o comprometimento ainda maior das riquezas nacionais e a perda da soberania sobre os minérios, a água doce, o petróleo etc.

            Na política também ainda é cedo para contabilizar as perdas, sejam elas ligadas ao aspecto entreguista juridicamente oficializado, seja naquilo que ainda se podia chamar de “resquício de democracia” relacionada à liberdade de expressão.  É cedo para saber como este governo ou período de governo que pode se prolongar mais do que o previsto e de como entregará o país para o poder civil. Aqui também o antônimo do acaso, está na contrariedade anterior de não ter estabelecido parâmetros para conter os retrocessos, quando a ascensão utópica da reação política pós-golpe de 1964, trouxe para o centro das manifestações, as forças políticas, sindicais, populares, intelectuais e religiosas, mas que entregamos a um reduzido grupo desatento, despreparado e resistente, como disse o Bispo de São Félix do Araguaia, distante de qualquer centro operário, de tocar nas estruturas e na absolutização da propriedade. Essas mesmas forças, caladas e desmobilizadas, assistimos a derrubada do governo a presidenta que havia se enfraquecido por confiar demais nos banqueiros, industriais e fazendeiros do agronegócio, quando na verdade deveríamos assumir o poder como uma verdadeira democracia popular para evitar que a catástrofe política agora vivida não se realizasse. 

            Nas demais áreas os apontamentos indicam que as perdas no conhecimento, na organicidade social e política e, principalmente, no desaparecimento de vidas preciosas que, arrancadas antes do tempo, deixarão lacunas no campo das ideias, dos exemplos e das experiências vividas.

            Nesse momento depressivo da utopia, podemos recorrer à poesia e a filosofia. Renato Russo disse: “Estou cheio de me sentir vazio”. Reflete realmente o que nos tornamos ou podemos nos tornar no ano de 2020, “sacos vazios”, ou pior, corpos cheios de vazios.

            Pela Filosofia podemos compreender e tomar o vazio colocando-o a nosso favor; isto porque, o vazio não é a ausência de tudo, mas a presença do vazio. Há, portanto, espaço a ser preenchido, e isto é bom.

            Chegamos ao ponto em que Marx volta para nos mostrar que, “As circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias”. As circunstâncias, são os vazios; fazer as circunstâncias é “encher os vazios”. Isso significa dizer que é preciso perceber onde eles estão. Localizados, devemos fazer o que nos disse, D. Casaldáliga, para segurar mais um de seus ensinamentos: “A alternativa é acreditar que outro mundo é possível e se entregar individualmente e m comunidade ou grupo solidário e ir fazendo real esse mundo possível”. 

            Se o acaso cria as condições adversas, também pode criar condições favoráveis. Atentar-se que, o real concreto é a fonte de inspiração para assumirmos o papel de sujeitos da História.  As perdas irreparáveis tornar-se-ão menos dolorosas quando pensarmos que nada foi vivido em vão. O destino da humanidade deixará de ser ruim no dia em que os explorados e deserdados assumirem a comando do próprio destino.

                                                                                   Ademar Bogo                                                                                                                                                                                                                                                                                             

           

   

           

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